Alguns Poemas

Alforria

Vagarosamente,
Subo a serra...

No banco da praça,
Observo as folhas...

Encostando na parede,
Escuto os tijolos sussurarem...

No alvo céu,
Enxergo todas as almas...

Da janela de minha casa,
Vejo as árvores dançarem...

Na ala do hospital,
Avisto um enfermo a sonhar...

Na minha cova,
Atento ao meu epitáfio,
Sem nada escrito.
Nenhuma letra a me ditar
Nenhum cinzel a trabalhar...

Mergulho em cada mundo
Cada vida que não é minha
Procuro onde deixei-me morrer...
Cada começo de sonho
Termino na beirada do cadafalso
Sem final para acordar.

Um eu lírico episódico;
Nunca fico para o final do poema
Para ouvir o que ele tem a dizer.

Já estou sem corpo;
Já estou sem alma;
Falta-me a mente
Para que eu torne ao início
De quando eu era nada;
De quando todos nós
Éramos um com o vazio.

Todos nós éramos livres
Até o dia em que nascemos;
Até quando nos acorrentamos
Nas vontades e nos sentidos.

Mas são doces correntes,
Não queremos nos libertar.
Pois que as minhas começaram a salgar.....

As palavras estão nuas
Sem seda para cobri-las
Como prostitutas em um bordel
Que não queriam estar ali.

E ao bordel? Perguntaram ao bordel
Se ele queria existir?

Não era para estar ali.
Caindo aos pedaços
Escondido no beco;
Eu encontro o eu lírico lá,
Fumando ópio
Com uma moça em seu colo
Gozando sem prazer;
Ele, ela, e o bordel.

Alforriei minha alma
Para que corresse atrás do que queria,
Mas já era tarde:
Já estava sem ar
Asfixiada na gargantilha

Olho,sem enxergar
O fundo daquela senzala
Esperando alma de outro alguém
Para poder libertar.

Queimo toda a plantação
E me jogo nas labaredas para morrer,
Mas não pereço.
Percebo ali
Que fui vetado da morte:
Julgaram-me incapaz
De ser libertado.

Red Fuji

Toda aquela tinta ordenada entre molduras
Linhas retas e curvas
Azul ministrado com calma, falhando para branco quando necessário
Pequenos círculos a imitarem gotas d'água
Todo esse conjunto de rabiscos
Uma maneira falha de embelezar o que é real
Imitando suas cores
E imaginando seus aromas
Pois a natureza não faz o seu trabalho por completo.
Nós coletamos, depois de alegrias e dores
As memórias de nossas vidas
O cair da água da cachoeira
O balançar dos galhos das árvores à moléstia do vento
O êxodo das águas de um limite do mundo ao outro
Todos esses contos
-Como não podemos leva-los conosco-
Os imitamos à nossa maneira e limite.
Aproveitamos o desgarro consentido do concreto sob a tela
Para colocarmos nossos ângulos e maneirismos.
Assim o azul é mais profundo
O vermelho é mais imperador
Tudo é mais tudo, e o nada também é tudo, onde tudo há de ter propósito.
Mas a natureza não é assim.
As ondas que se debruçam na areia da praia não a fazem por querer
O canto dos pássaros não é belo sem acaso
O vento não rebola os fios da donzela pois assim ela é mais bela ainda.
Toda a natureza, da sua gênese ao ômega, é improvisada e sem roteiro,
E por um belo acaso, foi um belo monólogo.
E o dia em que o vento chorar
O sol derramar
O negro brilhar
As estrelas criarem olhos,e por eles gritarem
E se tudo o mais perder a sanidade?
Então nós a perdemos.
E ai? O que há de se fazer?
Nada.
O sentido e a razão é um grande favor imaginário do universo a nós.
Toda a arte é por acaso
E pelo acaso, fazemos arte.
E realmente
Como são imperfeitos os traços
O quão finita é a tinta do quadro
Comparado ao real Fuji-san?
Mas realmente
Como são menos alegres e tristes suas sombras
O quão menos humana é a montanha
Comparado ao real quadro de Hokusai?
O que há de ganhar?
Dentro da moldura ou fora dela?

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