Pequenos retratos (imaginários) de nós
Lanço meu olhar através da pequena janela ovalada. Ao meu lado acaba de pousar o avião que vai te trazer para casa. Sou atravessada por um pensamento infame, que desmancha meu corpo por inteiro. Sua casa não é a minha. A nossa casa não existe. Eu queria te ter sem metades, num beijo molhado ou num fim de tarde. Lá fora, no céu, um lampejo de saudade. Há algum tempo, resolvi dizer adeus ao pudor e à ciência. Com lágrimas nos olhos, te escrevo um poema. Sem juízo na cabeça. No coração, culpa. Nas mãos, somente a verdade. E eu, que nunca fui de me abrir por completo, sinto a urgência avassaladora de me entregar (de coração aberto). Se eu pudesse te ter (assim como queria), viveria em festa. A semana inteira, inventaria novos rituais (que pudessem ser só nossos). Agradeceria à vida soltando pipa no jardim aos domingos. Jogando confetes na sala de estar às segundas. Dançando forró dentro do quarto às terças. Fazendo carnaval toda quarta-feira. Nas quintas, me derramaria sobre poemas de amor e taças de vinho tinto. E quanto a sexta-feira chegasse, aqueceria meu corpo junto ao teu, celebrando na carne os mistérios da alma. O final de semana seria nosso refúgio. E poderíamos fazer o que bem entendêssemos. De tempos em tempos, abriríamos a nossa casa àqueles que também nos amam. Espalharíamos fotos de viagens pelas paredes. E quando as paredes estivessem cheias, inventaríamos algo inédito para barrar o tédio de nos possuirmos. Talvez pudéssemos escolher entre uma casa maior ou uma vida nova. Poderíamos nos render aos desejos nobres e caretas que envolvem fazer um filho. Aí seríamos nós, meus seios fartos e uma criança curiosa (e gorducha). Iríamos ao teatro e morreríamos de rir das nossas palhaçadas e piadas sem graça. Olharíamos o mundo através de lentes coloridas e tudo seria melhor, maior, mais bonito. As noites de sono seriam bem dormidas e as refeições sempre fartas (mesmo que houvesse poucas coisas postas à mesa). A vida seria enfim, boa. Feliz, simplesmente por ser vivida lado a lado. Plena, porque seria contigo.