Alguns Poemas

sombras de fogos-fátuos

ofuscam-me as intensas luzes que achei
dissimuladas, são de outros as suas verdades
em vão foi que afoito as busquei
não servem para me iluminar as cidades

querem-me na forma que lhes convém
desenhado segundo os seus desejos
mas as minhas razões votam-nos ao desdém
que mentiras tenho eu de sobejos 

às realidades que me querem impor
respondo-lhes de dedo em riste 
que nos fogos-fátuos em que alardeiam ardor
vislumbro a escuridão que neles subsiste 

não serão eles dizer-me para onde vou
renego esses fornicadores de almas alheias
vejo bem a petulância que tanto os inchou
ao alimentarem-se dos cadáveres que repartem a meias

porque lá… no mais profundo que há em mim
outros são os abraços em que me irei amortalhar
recuso que me destinem um fim
não será pela força que me farão soçobrar 

do passado, ouço os gritos dos nossos avós
sepultados no limbo dos injustiçados 
perfilam-se no caminho para que não o faça-mos sós 
que passou o tempo dos homens escorraçados

vem então… junta a tua à minha vontade
retesa o braço para a batalha que se anuncia
assaltaremos a fortificada cidade
vergar-lha-emos à força da nossa poesia

na talha da palavra descobriremos 
o que há p´ra lá do que nos querem mostrar
e então o futuro far-se-á como queremos
e os gritos serão das canções que iremos cantar

por certo que erraremos algum compasso
haverá notas deslocadas das pautas
mas à nossa frente, todo esse mar aberto no espaço
encontrar-nos-á intrépidos nautas 

e do passado…
sepultados no limbo dos injustiçados
ouviremos os gritos dos nossos avós:
não queremos mais homens escorraçados
perfilar-nos-emos no caminho…
não o fareis sós! 



leal maria (todos os direitos reservados)

lealparaquedista@sapo.pt

fisionomias da memória

os rostos

que perante mim vão desfilando

(há-os para todos os gostos)

cada qual

com as singularidades com que a minha má memória os foi dotando

ser-me-iam anónimos e impessoais

nada tendo diferente dos demais

não fora dar-se o caso

de serem a cronologia dos meus afectos

uma medida de tempo que criei para espíritos como o meu

um tudo nada circunspectos

fantasmas que habitam sonhos que o tempo quase desvaneceu

a nenhum posso chamar

porque a todos esqueci o nome

somente me perdurou aquela sufocante ansiedade

em que tudo à nossa volta se some

e de livre vontade
abdicamos da liberdade

deixamo-nos imolar num fogo que violentamente nos consome

pergunto-me por vezes

o que aconteceu ao corpo que a cada rosto sustinha

que destino lhe cabe cumprir

(e esta é uma pergunta muito minha)

quando à memória convocada é somente o rosto a surgir

amputado abaixo do pescoço

ao rosto

facilmente se lhe apreende a mais íntima fisionomia

saboreamo-lo como delicado mosto

reconhecemos-lhe sem esforço a forte possibilidade de poesia

mas é somente agora

extemporaneamente

que tenho essa suficiente sensibilidade

e urge ir-me embora

que saudade sentida tão intensamente

abala até as fundações da mais convicta probidade

leal maria

aaah poetas tanta palavra e

aaah… como queria eu falar-vos de um rio
que calmo e sereno desaguasse num meu desejo
metáfora de cristalino fio
para descrever a vontade que teria de um beijo

como queria eu falar-vos em palavras desconexas 
sem um sentido aparente
para que em vossas almas convexas 
espremêsseis o que no meu coração se sente

quem me dera na palavra a fluidez 
sem que houvesse de recorrer ao ritmo da rima
e nela esconder-vos a minha acidez
resguardando-me de perder a vossa estima

aaah…. o bom que seria
por certo teria a vossa sincera admiração
ouviria cantar loas à minha poesia
e então sentir-me-ia como se tivesse o mundo na mão

quem me dera o tão difícil talento
daqueles que provocam só de mencionar o sexo
deixaria que reconhecêsseis em mim um advento
mestre a debitar frases sem nexo

mas pobre de mim
que não sei dissimular a minha falta de arte
tudo o que digo é… enfim
um mundo que construi nos muitos em que o meu “eu” se reparte 

falta-me a vossa tendência para o subliminar
não sei criar assim tetas tão difíceis de espremer
tenho embaraço em juntar-me ao vosso colectivo masturbar
porque necessito dar alguma clareza ao meu querer

por certo tereis do vosso lado a razão
e será só aparente a imperceptibilidade do vosso vocabulário
longe de mim dizer-vos caligrafistas de torta mão
cruzes credo que não quero ser tão arbitrário 

o vácuo que em vós vislumbro é somente mau feitio meu
muito haverá nas entrelinhas do vosso escrever
não me ligueis que eu sou o tipo que a má sorte não abateu
e prometo que me vou esforçar para não vos mandar foder





leal maria (todos os direitos reservados)
lealparaquedista@sapo.pt



a vontade lavrando uma nova cidade

nos gestos algo trôpegos,
adivinho-te a inquietação.
aaah …
sossega esses ímpetos tão sôfregos.;
porque já é nossa…
temo-la na mão!

agora, só nos resta ir em frente!
não olharemos mais o que para trás ficará.
a noite surgirá mansa, de repente…
e será testemunha da justiça que pela nossa mão se fará.

sossega!
esquece os afagos que te embalaram as noites.
não há tempo
para a irmandade dos corpos esfomeados.
na peleja, golpeiam a escuridão com o som dos açoites;
juntemos-lhes todos os gritos que estão amordaçados.

olha e vê… tão ufanos que para nós vêem!
cavalgam uma razão que lhes dá cobertura há tempo de mais
mas recebê-los-emos como convém;
saciaremos os nossos campos com os seus gemidos e “ais”

chega-te bem a mim!
endurece com o teu corpo, o corpo desta falange.
principiaremos o anunciado fim,
desse deus que diz: “ tudo o meu abraço abrange!”

mas não foi a nós que enganou com as suas doces palavras!
Jamais fomos sacerdotes das suas liturgias!
nenhumas doutrinas se produziram nas nossas lavras!
nunca nos ouviram cantar-lhe as poesias!

que nos impede então de o devorarmos?
vamos… a cada um o seu quinhão!
e quando satisfeitos ficarmos…
deitar-nos-emos em descanso no duro e frio chão.

nesse momento; que tomaremos como sagrado,
dançaremos a dança da humana liberdade.
e da vontade, que foi e será o nosso arado;
ergueremos das rudes cinzas, uma outra cidade.


Leal maria (todos os direitos reservados)

lealparaquedista@sapo.pt

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