Procurar quem escreveu memórias de um beijo

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A Osvaldo Alves


I

Este é tempo de partido,
tempo de homens partidos.
Em vão percorremos volumes,
viajamos e nos colorimos.
A hora pressentida esmigalha-se em pó na rua.
Os homens pedem carne. Fogo. Sapatos.
As leis não bastam. Os lírios não nascem
da lei. Meu nome é tumulto, e escreve-se
na pedra.

Visito os fatos, não te encontro.
Onde te ocultas, precária síntese,
penhor de meu sono, luz
dormindo acesa na varanda?
Miúdas certezas de empréstimo, nenhum beijo
sobe ao ombro para contar-me
a cidade dos homens completos.

Calo-me, espero, decifro.
As coisas talvez melhorem.
São tão fortes as coisas!
Mas eu não sou as coisas e me revolto.
Tenho palavras em mim buscando canal,
são roucas e duras,
irritadas, enérgicas,
comprimidas há tanto tempo,
perderam o sentido, apenas querem explodir.

II

Este é tempo de divisas,
tempo de gente cortada.
De mãos viajando sem braços,
obscenos gestos avulsos.

Mudou-se a rua da infância.
E o vestido vermelho
vermelho
cobre a nudez do amor,
ao relento, no vale.

Símbolos obscuros se multiplicam.
Guerra, verdade, flores?
Dos laboratórios platônicos mobilizados
vem um sopro que cresta as faces
e dissipa, na praia, as palavras.

A escuridão estende-se mas não elimina
o sucedâneo da estrela nas mãos.
Certas partes de nós como brilham! São unhas,
anéis, pérolas, cigarros, lanternas,
são partes mais íntimas,
a pulsação, o ofêgo,
e o ar da noite é o estritamente necessário
para continuar, e continuamos.

III

E continuamos. É tempo de muletas.
Tempo de mortos faladores
e velhas paraliticas, nostálgicas de bailado,
mas ainda é tempo de viver e contar.
Certas histórias não se perderam.
Conheço bem esta casa,
pela direita entra-se, pela esquerda sobe-se,
a sala grande conduz a quartos terríveis,
como o do enterro que não foi feito, do corpo esquecido na mesa,
conduz à copa de frutas ácidas,
ao claro jardim central, à água
que goteja e segreda
o incesto, a bênção, a partida,
conduz às celas fechadas, que contêm elas:
papéis ?crimes ?moedas ?Ó conta, velha preta, ó jornalista, poeta, pequeno historiador urbano,
ó surdo-mudo, depositário de meus desfalecimentos, abre-te e conta,
moça presa na memória, velho aleijado, baratas dos
[arquivos, portas rangentes, solidão e asco,
pessoas e coisas enigmáticas, contai;
capa de poeira dos pianos desmantelados, contai;
velhos selos do imperador, aparelhos de porcelana partidos, contai;
ossos na rua, fragmentos de jornal, colchetes no chão
[da costureira, luto no braço, pombas,
[cães errantes, animais caçados, contai.
Tudo tão difícil depois que vos calastes.. .
E muitos de vós nunca se abriram.

IV

É tempo de meio silêncio,
de boca gelada e murmúrio,
palavra indireta, aviso
na esquina. Tempo de cinco sentidos
num só. O espião janta conosco.
É tempo de cortinas pardas,
de céu neutro, política
na maçã, no santo, no gozo,
amor e desamor, cólera
branda, gim com água tônica,
olhos pintados,
dentes de vidro,
grotesca língua torcida.
A isso chamamos: balanço.

No beco,
apenas um muro,
sobre êle a polícia.
No céu da propaganda
aves anunciam
a glória.
No quarto,
irrisão e três colarinhos sujos.

V

Escuta a hora formidável do almoço
na cidade. Os escritórios, num passe, esvaziam-se.
As bocas sugam um rio de carne, legumes e tortas vitaminosas.
Salta depressa do mar a bandeja de peixes argênteos!
Os subterrâneos da fome choram caldo de sopa,
olhos líquidos de cão através do vidro devoram teu osso.
Come, braço mecânico, alimenta-te, mão de papel, é tempo de comida,
mais tarde será o de amor.

Lentamente os escritórios se recuperam, e os negócios, forma indecisa, evoluem.
O esplêndido negócio insinua-se no tráfego.
Multidões que o cruzam não vêem. É sem côr e sem cheiro.
Está dissimulado no bonde, por trás da brisa do sul,
vem na areia, no telefone, na batalha de aviões,
toma conta de tua alma e dela extrai uma porcentagem.

Escuta a hora espandongada da volta.
Homem depois de homem, mulher, criança, homem,
roupa, cigarro, chapéu, roupa, roupa, roupa,
homem, homem, mulher, homem, mulher, roupa, homem,
imaginam esperar qualquer coisa,
e se quedam mudos, escoam-se passo a passo, sentam-se,
últimos servos do negócio, imaginam voltar para casa,
já noite, entre muros apagados/ numa suposta cidade, imaginam.

Escuta a pequena hora noturna de compensação,
[leituras, apelo ao cassino, passeio na praia,
o corpo ao lado do corpo, afinal distendido,
com as calças despido o incômodo pensamento de escravo,
escuta o corpo ranger, enlaçar, refluir,
errar em objetos remotos e, sob eles soterrado sem dor,
confiar-se ao que bem me importa
do sono.

Escuta o horrível emprego do dia
em todos os países de fala humana,
a falsificação das palavras pingando nos jornais,
o mundo irreal dos cartórios onde a propriedade é um bolo com flores,
os bancos triturando suavemente o pescoço do açúcar,
a constelação das formigas e usurários,
a má poesia, o mau romance,
os frágeis que se entregam à proteção do basilisco,
o homem feio, de mortal feiúra,
passeando de bote
num sinistro crepúsculo de sábado.

VI

Nos porões da família,
orquídeas e opções
de compra e desquite.
A gravidez elétrica
já não traz delíquios.
Crianças alérgicas
trocam-se; reformam-se.
Há uma implacável
guerra às baratas.
Contam-se histórias
por correspondência.
A mesa reúne
um copo, uma faca,
e a cama devora
tua solidão.
Salva-se a honra
e a herança do gado.

VII

Ou não se salva, e é o mesmo. Há soluções, há bálsamos
para cada hora e dor. Há fortes bálsamos,
dores de classe, de sangrenta fúria
e plácido rosto. E há mínimos
bálsamos, recalcadas dores ignóbeis,
lesões que nenhum governo autoriza,
não obstante doem,
melancolias insubornáveis,
ira, reprovação, desgosto
desse chapéu velho, da rua lodosa, do Estado.
Há o pranto no teatro,
no palco? no público? nas poltronas?
há sobretudo o pranto no teatro,
já tarde, já confuso,
êle embacia as luzes, se engolfa no linóleo,
vai minar nos armazéns, nos becos coloniais onde passeiam ratos noturnos,
vai molhar, na roça madura, o milho ondulante,
e secar ao sol, em poça amarga.
E dentro do pranto minha face trocista,
meu olho que ri e despreza,
minha repugnância total por vosso lirismo deteriorado,
que polui a essência mesma dos diamantes.

VIII

O poeta
declina de toda responsabilidade
na marcha do mundo capitalista
e com suas palavras, intuições, símbolos e outras armas
promete ajudar
a destruí-lo
como uma pedreira, uma floresta,
um verme.
O oficial administrativo:
Papel
respiro-te na noite de meu quarto,
no sabão passas a meu corpo, na água te bebo.
Até quando, sim, até quando
te provarei por única ambrosia?
Eu te amo e tu me destróis,
abraço-te e me rasgas,
beijo-te, amo-te, detesto-te, preciso de ti, papel, papel, papel!
ingrato, lês em mim sem me decifrares.
O corpo de meu filho estava amortalhado em
papel,
em papel dormiam as roupas e brinquedos, em papel os doces
do casamento. Em grandes pastas os rios, os caminhos
se deixam viajar, e a diligência roda
num chão fofo, azul e branco, de papel escrito.
Basta!
Quero carne, frutas, vida acesa,
quero rolar em fêmeas, ir ao mercado, ao Araguaia, ao amor.
Quero pegar em mão de gente, ver corpo de gente,
falar língua de gente, obliviar os códigos,
quero matar o DASP, quero incinerar os arquivos de amianto.
Sou vim homem, ou pelo menos quero ser um deles!

O papel:

Tu te queixas...
Distrais-te na queixa e a mágoa que exalas
é perfume que te unge, flor que te acarinha.
Dissolves-te na queixa, e tornado incenso, halo, paz
te sentes bem feliz enquanto eu sem consolo
espero tua brutalidade
sem a qual não vivo nem sou.
Teu escravo, isto sim, tua coisa calada,
teu servo branco, tapete onde passeias e compões.
Tu me fazes sofrer, bicho implacável mais que a onça
o é para o galho que pisa.
Por que não sou sem ti? Por que não existo, como as
[árvores, por conta própria?
Sou apenas papel, e teu misterioso poder
me oprime e suja.
E te revoltas...
Quisera dizer-te nomes feios independente de tua mão.
Que as palavras brotassem em mim, formigas no tronco,
moscas no ar; viessem para fora em caracteres ásperos,
crescessem, casas e exércitos, e te esmagassem.
Homenzinho porco, vilão amarelo e cardíaco!
(Avança para o burocrata, que se protege atrás da porta.)

A porta:

De tanto abrir e fechar perdi a vergonha.
Estou exausta, cética, arruinada.
Discussões não adiantam, porta é porta.
Perdi também a fé, e por economia
irão, quem sabe, me transformar em janela
de onde a virgem
enfrenta a noite
e suspira.
Seu ai de dentifrício americano cortará o céu
e me salvará.
Talvez me tornem ainda gaveta de segredos,
bolsa, calça de mulher, carteira de identidade,
simples alecrim, alga ou pedra.
Sim: é melhor pedra.
Dói nos outros, em si não.
Uma pedra no coração.

A aranha:

Chega!
Espero que não me queiras nascer um simples, vaga-lume.
Fica quieta, me deixa subir
e fazer no teto um lustre, uma rosa.
Sou aranha-tatanha, preciso viver,
A vida é dura, os corvos não esperam,
ouço os sinos da noite, vejo os funerais,
me sinto viúva, regresso à Inglaterra,
a aranha é o mais triste dos seres vivos.

O oficial administrativo:

Depois de mim, é óbvio.
Sou o número um — o triste dos tristíssimos.
A outros o privilégio
de embriagar-se. Non possumus.

A garrafa de uísque:
Não pode?
O garrafão de cachaça:
Não pode por quê?

O coquetel:
Experimenta. Sou doce. Sou seco

Todos os álcoois:
— Me prova! me prova!
É a festa do rei!
É de graça! de graça!
Me bebe! me bebe!

O oficial administrativo:

Mas se eu não sei beber. Nunca aprendi.

O papel:

Êle não sabe que o artigo 14
faculta pileques de gim c conhaque;
mal sabe êle que o artigo 18
autoriza porres até de absinto;
como ignora que o artigo 40
manda beber fogo, querosene, fel;
que por motivo de força maior
cobre derretido se pode sorver
se pode chegar ébrio na repartição,
se pode insultar o ícone da parede,
encher de vermute o tinteiro pálido,
ensopar em genebra velhos decretos
nos casos tais e em certas condições. ..
Êle não sabe.

A traça:
Que burro.

Os álcoois:
Sua alma sua palma
seu tédio seu epicédio
sua fraqueza sua condenação.
Somos o cristal, o mito, a estrela
em nós o mundo recomeça,
as contradições beijam-se a boca.
o espesso conduz ao sutil.
Somos a essência, o logos, o poema.
Brandy anisette kümmel nuvens-azuis
cascata de palavras.. .
A aranha:
Não me interessa.
O oficial administrativo:
Para beber é preciso amar.
Sinto que é tarde para aprender.
O papel:
Êle não sabe que a paixão amor
segundo reza o artigo 90...
A traça:
É uma zebra.


O telefone:
Amor?
Através de mim os corpos se amam,
alguns se falam em silêncio,
outros chamam e não agüentam
o peso e o amargor da voz.
Inventaram-me para negócios,
casos de doença e talvez de guerra.
Mas fui derivando para o amor.
Como sofro! Todas as dores
escorrem pelo bocal,
deixam apenas saliva...
Cuspo de amor fingindo lágrimas.
A traça:
Namorar na hora do expediente!
O oficial administrativo:
Não resolve. Nada resolve.
O mesmo revólver resolverá?
Amor e morte são certidões,
fichas.. .
A traça:
Despachos interlocutórios.
A aranha:
Lavrados na minha teia.
A vassoura elétrica:
Senhores deputados, desculpem. Sinto que é hora de varrer.
(Põe-se a varrer furiosamente, a porta cai com um gemido, as garrafas  partem-se, escorrem líquidos de oitenta cores. O oficial administrativo tira os processos da mesa da direita, jogando fora o processo de cima e colocando os demais na mesa da esquerda. Em seguida, retira-os desta última e volta a depositá-los na mesa da direita, sempre atirando fora o volume que estiver por cima. E assim indefinidamente. Do garrafão de cachaça desprende-se uma pomba, e pairai no meio da sala, banhada em luz macia.)
A pomba:
Papel, homem, bichos, coisas, calai-vos.
Trago uma palavra quase de amor, palavra de perdão..
Quero que vos junteis e compreendais a vida.
Por que sofrerás sempre, homem, pelo papel que adoras?
A carta, o ofício, o telegrama têm suas secretas consolações.
Confissões difíceis pedem folha branca.
Não grites, não suspires, não te mates: escreve.
Escreve romances, relatórios, cartas de suicídio, exposições de motivos,.
mas escreve. Não te rendas ao inimigo. Escreve memórias, faturas..
E por que desprezas o homem, papel, se êle te fecunda.
[com dedos sujos mas dolorosos?
Pensa na doçura das palavras. Pensa na dureza das palavras.
Pensa no mundo das palavras. Que febre te comunicam. Que riqueza.
Mancha de tinta ou gordura, em todo caso mancha de vida.
Passar os dedos no rosto branco. . não, na superfície branca.
Certos papéis são sensíveis, certos livros nos possuem.
Mas só o homem te compreende. Acostuma-te. beija-o.
Porta decaída, ergue-te, serve aos que passam.
Teu destino é o arco, são as bênção? e as consolações para todos.
Pequena aranha pessimista, sei que também tens direito ao idílio.
Vassoura, traça, regressai ao vosso comportamento essencial.
Telefone, já és poesia.
Preto e patético, fica entre as coisas.
Que cada coisa seja uma coisa bela.
O papel, a vassoura, os processos, a porta, os cacos de garrafa, surpresos:
Uma coisa bela?. . .
A pomba, no auge do entusiasmo, tornando-se, de branca, rosada:
UMA COISA BELA! UMA COISA JUSTA!

A traça:
Precisarei adaptar-me. . .
Só roerei belas caligrafias.
Coro em torno do oficial administrativo:
Uma coisa bela. Uma coisa justa
O oficial administrativo soergue o busto, suas vestes cinzentas tombam, aparece de branco, luminoso, ganha subitamente a condição humana:
Uma coisa bela ?!
Os Libertadores
Aqui vem a árvore, a árvore
da tormenta, a árvore do povo.

Da terra sobem os heróis
como as folhas pela seiva
e o vento despedaça as folhagens
de multidão rumorosa,
até que cai a semente
do pão outra vez na terra.


Aqui vem a árvore, a árvore
nutrida por mortos desnudos,
mortos açoitados e feridos,
mortos de rostos impossíveis,
empalados sobre uma lança,
esfarelados na fogueira,
decapitados pela acha,
esquartejados a cavalo,
crucificador na igreja.


Aqui vem a árvore, a árvore
cujas raízes estão vivas,
tirou salitre do martírio,
suas raízes comeram sangue,
extraiu lágrimas do céu:
elevou-as por suas ramagens,
repartiu-as em sua arquitetura.

Foram flores invisíveis,
às vezes flores enterradas,
outras vezes iluminaram
suas pétalas, como planetas.


E o homem recolheu nos ramos
as corolas endurecidas,
entregando-as de mão em mão
como magnólias ou romãs
e logo abriram a terra,
cresceram até as estrelas.


Esta é a árvore dos livres.

A árvore terra, a árvore nuvem.

A árvore pão, a árvore flecha,
a árvore punho, a árvore fogo.

Afoga-a a água tempestuosa
de nossa época noturna,
mas seu mastro faz balançar
o círculo de seu poder.


Outras vezes de novo tombam
os ramos partidos pela cólera,
e uma cinza ameaçadora
cobre a sua antiga majestade:
foi assim desde outros tempos,
assim saiu da agonia,
até que uma secreta razão,
uns braços inumeráveis,
o povo, guardou os fragmentos,
escondeu troncos invariáveis,
e seus lábios eram as folhas
de imensa árvore repartida,
disseminada em todas as partes,
caminhando com suas raízes.

Esta é a árvore, a árvore
do povo, de todos os povos
da liberdade, da luta.


Assoma-te a sua cabeleira:
toca seus raios renovados:
mergulha a não nas usinas
de onde seu fruto palpitante
propaga a sua luz de cada dia.

Levanta esta terra em tuas mãos,
participa deste esplendor,
toma o teu pão e a tua maçã,
teu coração e teu cavalo
e monta guarda na fronteira,
no limite de suas folhas.


Defende o fim de suas coroas,
comparte as noite hostis,
vigia o ciclo da aurora,
respira a altura estrelada,
amparando a árvore, a árvore
que cresce no meio da terra.



I
Cuahtémoc (1520)

Jovem irmão há tempos e tempos
nunca dormido, nunca consolado,
jovem estremecido nas trevas
metálicas do México, em tua mão
recebo o dom de tua pátria nua.


Nela nasce e cresce o teu sorriso,
uma linha entre a luz e o ouro.


São os teus lábios unidos pela morte
o mais puro silêncio sepultado.


O manancial submerso
sob todas as bocas da terra.


Ouviste, ouviste, acaso,
no Anáhuac longínquo,
um rumo de água, um vento
de primavera destroçada?
Era talvez a palavra do cedro.

Era uma onda branca de Acapulco.


Porém na noite fugia
teu coração como um cervo
até as fronteiras, confuso,
entre os monumentos sanguinários,
sob a lua soçobrante.


Toda a sombra preparava sombra.

Era a terra uma escura cozinha,
pedra e caldeira, vapor negro,
muro sem nome, injúria
que te chamava dos noturnos
metais de tua pátria.


Mas não há sombra em teu estandarte.


Chegou a hora assinalada
e ao meio de teu povo
és pão e raiz, lança e estrela.

O invasor sustou o passo.

Não é Moctezuma extinto
como taça morta,
é o relâmpago e sua armadura,
a pluma de Quetzal, a flor do povo,
o elmo aceso entre as naus.


Mas a mão dura como séculos de pedra
apertou a tua garganta.
Não fecharam
o teu sorriso, não fizeram
tombar os grãos do milho
secreto, e te arrastaram,
vencedor cativo,
pelas distâncias de teu reino,
entre cascatas e cadeias,
sobre areais e aguilhões,
como uma coluna incessante,

como testemunha dolorosa,
até que uma corda enredou
a coluna da pureza
e dependurou o corpo suspenso
sobre a terra desgraçada.




II
Frei Bartolomé de las Casas

A gente pensa, ao chegar a casa, à noite, cansado,
entre a névoa fria de maio, à saída
do sindicato (na esmiuçada
luta de cada dia, a estação
chuvosa que goteja do beiral, o surdo
latejar do constante sofrimento),
esta ressurreição mascarada,
astuta, envilecida,
do encadeador, da cadeia,
e quando sobe a angústia
até a fechadura para entrar contigo,
surge uma luz antiga, suave e dura
como um metal, como um astro enterrado.

Padre Bartolomé, obrigado por esta
dádiva da crua meia-noite,
graças porque teu fio foi invencível:
pôde morrer massacrado, comido
pelo cão de fauces iracundas,
pôde ficar na cinza
da casa incendiada,
pôde cortá-lo a lâmina fria
do assassino inumerável
ou o ódio administrado com sorrisos
(a traição do próximo cruzado),
a mentira arremessada na janela.

Pôde morrer o fio cristalino,
a irredutível transparência
convertida em ação, em combatente
e despenhado aço de cascata.

Poucas vidas dá o homem como a tua, poucas
sombras há na árvore como a tua sombra, nela
todas as brasas vivas do continente acodem,
todas as arrasadas condições, a ferida
do mutilado, as aldeias
exterminadas, tudo sob a tua sombra
renasce, do limite
da agonia fundas a esperança.

Padre, foi sorte para o homem e sua espécie
que tivesses chegado à plantação,
que mordesses os negros cereais
do crime, que bebesses cada dia a taça da cólera.

Quem te pôs, mortal despido,
entre os dentes da fúria?
Como assomaram outros olhos,
de outro metal, quando nascias?

Como se cruzam os fermentos
na oculta farinha humana
para que o teu grão imutável
se amassasse no pão do mundo?

Eras a realidade entre fantasmas
encarniçados, eras
a eternidade da ternura
sobre a rajada do castigo.

De combate em combate a tua esperança
converteu-se em precisas ferramentas:
a solitária luta fez-se um ramo,
o pranto inútil agrupou-se em partido.


Não valeu a piedade.
Quando mostravas
tuas colunas, tua nave amparadora,
tua mão para abençoar, teu manto,
o inimigo pisoteou as lágrimas,
e violou a cor da açucena.

Não valeu a piedade alta e vazia
como uma catedral abandonada.

Foi a tua invencível decisão, a ativa
resistência, o coração armado.


Foi a razão o teu material titânico.


Foi flor organizada a tua estrutura.


De cima quiseram contemplar-te
(de sua altura) os conquistadores,
apoiando-se como sombras de pedra
sobre seus espadões, esmagando
com os seus sarcásticos escarros
as terras de tua iniciativa,
dizendo: “Ali vai o agitador”,
mentindo: “Foi pago
pelos estrangeiros”,
“Não tem pátria”, “Traidor”,
mas a tua prédica não era
frágil minuto, peregrina
pauta, relógio do passageiro.

Tua madeira era bosque combatido,
ferro em sua cepa natural, oculto
a toda luz pela terra florida,
e ainda mais, era mais fundo:
na unidade do tempo, no transcurso
da vida, era a tua mão antecipada
estrela zodiacal, signo do povo.

Hoje, padre, entra nesta casa comigo.


Vou mostrar-te as cartas, o tormento
de meu povo, do homem perseguido.

Vou mostrar-te as dores antigas.

E para não tombar, para firmar-me
sobre a terra, continuar lutando,
deixa em meu coração o vinho errante
e o pão implacável de tua doçura.




III
Avançando nas trevas do Chile

Espanha entrou até o sul do mundo.
Opressos
exploraram a neve os altos espanhóis.

O Bío-Bío, grave rio,
disse à Espanha: “Pára”,
o bosque de maitenes cujos fios
verdes pendem como um tremor de chuva
disse à Espanha: “Não prossigas”.
O lariço,
titã das fronteiras silenciosas,
disse em um trovão a sua palavra.

Mas até o fundo da pátria minha,
punho e punhal, o invasor chegava.

Pelo rio Imperial, em cuja margem
meu coração amanheceu no trevo,
entrava o furacão pela manhã.

O largo leito das garças seguia
das ilhas para o mar furioso,
cheio como taça interminável,
entre as margens do cristal sombrio.

Em suas barrancas eriçava o pólen
uma alfombra de estames turbulentos
e desde o mar a brisa comovia
todas as sílabas da primavera.

A aveleira da Araucania
embandeirava fogueiras e racimos
lá onde a chuva deslizava
sobre o agrupamento da pureza.

Tudo estava enredado de fragrâncias,
empapado de luz verde e chuvosa,
e cada matagal de odor amargo
era um ramo profundo do inverno
ou uma extraviada formação marinha
ainda cheia do orvalho oceânico.

Dos barrancos se erguiam
torres de pássaros e plumas
e um ventarrão de solidão sonora,
enquanto na molhada intimidade
entre as cabeleiras encrespadas
do feto gigante, era a topa-topa florescida
um rosário de beijos amarelos.




IV
Surgem os homens
Ali germinavam os toquis.

Daquelas negras umidades,
daquela chuva fermentada
na taça dos vulcões
saíram os peitos augustos,
as claras flechas vegetais,
os dentes de pedra selvagem,
os pés de estaca inapelável,
a glacial unidade da água.


O Arauco foi um útero frio,
feito de feridas, massacrado
pelo ultraje, concebido
entre os ásperos espinhos,
arranhado nos montões de neve,
protegido pelas serpentes.


Assim a terra extraiu o homem.


Cresceu como fortaleza.

Nasceu do sangue agredido, eriçou a cabeleira
como um pequeno puma rubro
e os olhos de pedra dura
brilhavam na matéria
como fulgores implacáveis
saídos da caçada.




V
Toqui Caupolicán

Na cepa secreta do raulí
cresceu Caupolicán, torso e tormenta,
e quando contra as armas invasoras
seu povo dirigiu,
andou a árvore,
andou a árvore dura da pátria.

Os invasores viram a folhagem
mover-se ao meio da bruma verde,
os grossos ramos e as vestimentas
de inumeráveis folhas e ameaças,
o tronco terrenal fazer-se povo,
as raízes saírem do território.


Souberam que a hora havia soado
para o relógio da vida e da morte.


Outras árvores vieram com ele.


Toda a raça de ramagens rubras,
todas as tranças da dor silvestre,
todo o nó do ódio da madeira.

Caupolicán, sua máscara de lianas
defronta o invasor perdido:
não é a pintada pluma imperadora,
não é o trono das plantas olorosas,
não é o reluzente colar do sacerdote,
não é a luva nem o príncipe dourado:
um é o rosto da mata,
uma carranca de acácias arrasadas,
uma figura ferida pela chuva,
uma cabeça com trepadeiras.


De Caupolicán, o toqui, é o olhar
fundido, de universo montanhoso,
os olhos implacáveis da terra,
e as faces do titã são muros
escalados por raios e raízes.




VI
A Guerra Pátria

A Araucania estrangulou o cantar
da rosa no cântaro, cortou
os fios
no tear da noiva de prata.

Desceu a ilustre Machi de sua escada,
e nos rios dispersos, na argila,
sob a copa hirsuta
das araucárias guerreiras,
foi nascendo o clamor dos sinos
enterrados.
A mãe da guerra
saltou as pedras doces do arroio,
deu asilo à família pescadora,
e o noivo lavrador beijou as pedras
antes que voassem à ferida.


Atrás do rosto florestal do toqui
Arauco amontoava a sua defesa:
eram olhos e lanças, multidões
espessas de silêncio e ameaça,
cinturas indeléveis, altaneiras
mãos escuras, punhos congregados.


Atrás do alto toqui, a montanha,
e na montanha, o inumerável Arauco.


Arauco era o rumor da água errante.


Arauco era o silêncio tenebroso.


O mensageiro em sua mão cortada
ia juntando as gotas de Arauco.


Arauco foi a onda da guerra.

Arauco os incêdios da noite.


Tudo fervia atrás do toqui augusto,
e quando ele avançou, foram trevas,
areias, bosques, terras,
unânimes fogueiras, furacões,
aparição fosfórica de pumas.




VII
O empalado

Caupolicán porém chegou ao tormento.


Ensartado na lança do suplício,
entrou na morte lenta das árvores.


Arauco redobrou o seu ataque verde,
sentiu nas sombras o calafrio,
cravou na terra a cabeça,
ocultou-se com as suas dores.

O toqui dormia na morte.

Um ruído de ferro chegava
do acampamento, uma coroa
de gargalhadas estrangeiras,
e junto aos bosques enlutados
somente a noite palpitava.


Não era a dor, a dentada
do vulcão aberto nas vísceras,
era só um sonho da mata,
a árvore que sangrava.


Nas entranhas de minha pátria
entrava a ponta assassina
ferindo as terras sagradas.

O sangue queimante tombava
de silêncio em silêncio, abaixo,
até onde a semente está
à espera da primavera.


Mais fundo tombava este sangue.


Caía sobre as raízes.


Caía sobre os mortos.


Sobre os que iam nascer.



VIII
Lautaro (1550)

O sangue toca um corredor de quartzo.

A pedra cresce onde a gota tomba.

Assim nasce Lautaro da pedra.




IX
Educação do cacique

Lautaro era uma flecha delgada.

Elástico e azul foi o nosso pai.

Foi sua primeira idade só silêncio.

Sua adolescência foi domínio.

Sua juventude foi um vento dirigido.

Preparou-se como uma longa lança.

Acostumou os pés nas cachoeiras.

Educou a cabeça nos espinhos.

Executou as provas do guanaco.

Viveu pelos covis da neve.

Espreitou as águias comendo.

Arranhou os segredos do penhasco.

Entreteve as pétalas do fogo.

Amamentou-se de primavera fria.

Queimou-se nas gargantas infernais.

Foi caçador entre as aves cruéis.

Tingiram-se de vitórias as suas mãos.

Leu as agressões da noite.


Amparou o desmoronamento do enxofre.


Se fez velocidade, luz repentina.


Tomou as vagarezas do outono.

Trabalhou nas guaridas invisíveis.

Dormiu sobre os lençóis da nevasca.

Igualou-se à conduta das flechas.

Bebeu o sangue agreste dos caminhos.

Arrebatou o tesouro das ondas.

Se fez ameaça como um deus sombrio.

Comeu em cada cozinha de seu povo.

Aprendeu o alfabeto do relâmpago.

Farejou as cinzas espalhadas.

Envolveu o coração de peles negras.

Decifrou o fio espiral do fumo.

Construiu-se de fibras taciturnas.

Azeitou-se como a alma da azeitona.

Fez-se cristal de transparência dura.

Estudou para vento furacão.

Combateu-se até apagar o sangue.


E só então foi digno de seu povo.




X
Lautaro entre invasores

Entrou na casa de Valdivia.

Acompanhou-o como a luz.

Dormiu coberto de punhais.

Viu seu próprio sangue derramado,
seus próprios olhos esmagados,
e dormindo nos pesebres
acumulou o seu poderio.

Não se mexiam os seus cabelos
examinando os tormentos:
olhava para além do ar
para a sua raça debulhada.


Velou aos pés de Valdivia.


Ouviu o seu sonho carniceiro
crescer na noite sombria
como uma coluna implacável.

Adivinhou esses sonhos.

Pôde levantar a dourada
barba do capitão adormecido,
cortar o sonho na garganta,
mas aprendeu - velando sombras -
a lei noturna do horário.


Marchou de dia acariciando
os cavalos de pele molhada
que se iam afundando em sua pátria.

Adivinhou esses cavalos.

Marchou com os deuses fechados.

Adivinhou as armaduras.

Foi testemunha das batalhas,
enquanto entrava passo a passo
no fogo da Araucania.




XI
Lautaro contra o Centauro (1554)

Atacou então Lautaro de onda em onda.

Disciplinou as sombras araucanas:
antes entrou o punhal castelhano
em pleno peito da massa vermelha.

Hoje foi semeada a guerrilha
sob todas as alas florestais,
de pedra em pedra e de vau em vau,
olhando dos copihues,
espreitando sob as rochas.

Valdivia quis voltar.

Era tarde.

Chegou Lautaro com traje de relâmpago.

Seguiu o conquistador aflito.

Abriu caminho nas úmidas brenhas
do crepúsculo austral.

Chegou Lautaro
num galope negro de cavalos.


A fadiga e a morte conduziam
a tropa de Valdivia na folhagem.


Aproximavam-se as lanças de Lautaro.

Entre os mortos e as folhas ia
como em um túnel Pedro de Valdivia.


Nas trevas chegava Lautaro.


Pensou na Extremadura pedregosa,
o dourado azeite, a cozinha,
o jasmim deixados em ultramar.


Reconheceu o uivo de Lautaro.


As ovelhas, as duras granjas,
os muros brancos, a tarde extremenha.


Sobreveio a noite de Lautaro.


Seus capitães cambaleavam ébrios
de sangue, noite e chuva para o regresso.


Palpitavam as flechas de Lautaro.


De queda em queda a capitania
ia retrocedendo dessangrada.


Já se tocava o peito de Lautaro.


Valdivia viu chegar a luz, a aurora,
talvez a vida, o mar.

Era Lautaro.




XII
O coração de Pedro de Valdivia

Levamos Valdivia para debaixo da árvore.


Era um azul de chuva, a manhã com frios
filamentos de sol desfiado.


Toda a glória, o trovão,
turbulentos jaziam
num montão de aço ferido.

A caneleira erguia a sua linguagem
num fulgor de vaga-lume molhado
em toda a sua pomposa monarquia.


Trouxemos pano e cântaro, tecidos
grossos como as tranças conjugais,
jóias como amêndoas da lua,
e os tambores que encheram
a Araucania com sua luz de couro.

Enchemos as vasilhas de doçura
e dançamos calcando os torrões
feitos da nossa própria estirpe escura.


Depois calcamos o rosto inimigo.

Depois cortamos o valente pescoço.


Que bonito foi o sangue do verdugo
repartido entre nós como romã
enquanto ainda vivo ardia.

Depois, no peito enfiamos uma lança
e o coração alado como os pássaros
entregamos à árvore araucana.

Subiu um rumor de sangue até a copa.


Então, da terra
feita de nossos corpos, nasceu o canto
da guerra, do sol, das colheitas.

Então repartimos o coração sangrento.

Eu meti os dentes naquela corola
cumprindo o rito da terra:
“Dá-me o teu frio, estrangeiro malvado.

Dá-me o teu valor de grande tigre.

Dá-me em teu sangue a tua cólera.

Dá-me a tua morte para que me siga
e leve o espanto até os teus.

Dá-me a guerra que trouxeste.

Dá-me o teu cavalo e os teus olhos.

Dá-me a treva retorcida.

Dá-me a mãe do milho.

Dá-me a pátria sem espinhos.

Dá-me a paz vencedora.

Dá-me o ar onde respira
a caneleira, senhora florida”.




XIII
A dilatada guerra

Depois, terra e oceanos, cidades,
naves e livros, conheceis a história
que desde o território rude
como uma pedra lançada
encheu de pétalas azuis
as profundezas do tempo.

Três séculos esteve lutando
a raça guerreira do carvalho,
trezentos anos a centelha
de Arauco povoou de cinzas
as cavidades imperiais.

Três séculos tombaram feridas
as camisas do capitão,
trezentos anos despovoaram
os arados e as colméias,
trezentos anos açoitaram
cada nome de invasor,
três séculos rasgaram a pele
das águias agressoras,
trezentos anos enterraram
como a boca do oceano
tetos e ossos, armaduras,
torres e títulos dourados.

Às esporas iracundas
das guitarras adornadas
chegou um galope de cavalos
e uma tormenta de cinza.

As naus voltaram ao duro
território, nasceram espigas,
cresceram olhos espanhóis
no reinado da chuva,
mas Arauco desceu as telhas,
moeu as pedras, abateu
os paredões e as vides,
as vontades e as roupas.

Vede como tombam na terra
os filhos ásperos do ódio,
Villagras, Mendozas, Reinosos,
Reyes, Morales, Alderetes,
rolaram para o fundo branco
das Américas glaciais.

E na noite do tempo augusto
caiu Imperial, caiu Santiago,
caiu Villarrica na neve,
rolou Valdivia pelo rio,
até que o reinado fluvial
do Bío-Bío se deteve
sobre os séculos do sangue
e estabeleceu a liberdade
nas areias dessangradas.




XIV
(Intermédio)
A Colônia cobre nossas terras (1)

Quando a espada descansou e os filhos
da Espanha dura, como espectros,
dos reinos e das selvas, até o trono,
montanhas de papel com uivos
enviaram ao monarca ensimesmado:
depois que na viela de Toledo
nu do Guadalquivir na esquina,
toda a história passou de mão em mão,
e pela boca dos portos andou
a mecha esfarrapada
dos conquistadores espectrais,
e os últimos mortos foram postos
dentro do ataúde, com procissões,
nas igrejas construídas com sangue,
a lei chegou ao mundo dos rios
e vejo o mercador com a sua bolsinha.


Ficou escura a extensão matutina,
roupas e teias de aranha propagaram
a escuridão, a tentação, o fogo
do diabo nas habitações.

Uma vela iluminou a vasta América
cheia de nevadas e favos de mel,
e por séculos falou ao homem em voz baixa,
tossiu trotando pelas ruazinhas,
persignou-se perseguindo centavos.

Chegou o nativo às ruas do mundo,
extenuado, levando as valas,
suspirando de amor entre as cruzes,
buscando o escondido
caminho da vida
sob a mesa da sacristia.

A cidade no esperma do cerol
fermentou, sob os panos negros,
e das raspaduras da cera
elaborou maçãs infernais.


América, a copa de acaju,
foi então um crepúsculo de chagas,
um lazareto alagado de sombras,
e no antigo espaço do frescor
cresceu a reverência do verme.

O ouro ergueu sobre as pústulas
maciças flores, heras silenciosas,
edifícios de sombra submersa.


Uma mulher coletava pus,
e o copo de substância
bebeu em honra do céu cada dia,
enquanto a fome dançava nas minas
do México dourado,
e o coração andino do Peru
chorava docemente
de frio entre os molambos.


Nas sombras do dia tenebroso
o mercador fez o seu reino
apenas iluminado pela fogueira
em que o herege, retorcido,
feito fagulhas, recebia
sua colheradazinha de Cristo.


No dia seguinte as senhoras,
ajeitando as entretelas,
relembravam o corpo enlouquecido,
atacado e devorado pelo jogo,
enquanto o aguazil examinava
a minúscula mancha do queimado,
graxa, cinza, sangue,
que os cachorros lambiam.




XV
As fazendas (2)

A terra andava entre os morgadios
de dobrão em dobrão, desconhecida,
massa de aparições e conventos,
até que toda a azul geografia
dividiu-se em fazendas e encomiendas.

Pela espaço morto andava a chaga
do mestiço e o chicote
do reinol e do negreiro.

O nativo era um espectro dessangrado
que recolhia as migalhas,
até que estas reunidas
dessem para comprar um título
pintado de letras douradas.


E no carnaval tenebroso
saía vestido de conde,
orgulhoso entre outros mendigos,
com um bastãozinho de prata.




XVI
Os novos proprietários (3)

Estancou-se assim o tempo na cisterna.

O homem dominado nas vazias
encruzilhadas, pedra do castelo,
tinta do tribunal, povoou de bocas
a cerrada cidade americana.

Quando já era a paz e a concórdia,
hospital e vice-rei, quando Arellano,
Rojas, Tapia, Castillo, Núnez, Pérez,
Rosales, López, Jorquera, Bermúdez,
os últimos soldados de Castela,
envelheceram atrás da Audiência,
tombaram.
mortos debaixo do cartapácio,
foram com os seus piolhos para a tumba
onde fiaram sonho
das adegas imperiais, quando
era a ratazana o único perigo
das terras encarniçadas,
assomou-se o biscainho com um saco,
o Errázuriz com suas alpargatas,
o Fernández Larraín a vender vedas,
o Aldunate da baeta,
o Eyzaguirre, rei das meias.


Entraram todos como povo faminto,
fugindo das pancadas, do policia.

Logo, de camiseta em camiseta,
expulsaram o conquistador
e estabeleceram a conquista
do armazém de importados.

Aí adquiriram o orgulho
comprado no mercado negro.

Apropriaram-se
das fazendas, chicotes, escravos,
catecismos, camisarias,
cepos, cortiços, bordéis,
e a tudo isto denominaram
santa cultura ocidental.




XVII
Comuneiros do Socorro (1781)

Foi Manuela Beltrán (quando rasgou os bandos
do opressor e gritou: “Morram os déspotas”)
quem derramou os novos cereais
por nossa terra.

Foi em Nova Granada, na Vila
do Socorro.
Os comuneiros
balançaram o vice-reinado
num eclipse precursor.


Uniram-se contra os estancos,
contra o sujo privilégio,
e levantaram a cartilha
das petições foreiras.

Uniram-se com armas e pedras,
milícia e mulheres, o povo, ordem e fúria, encaminhados
para Bogotá e sua linhagem.


Aí desceu o arcebispo.

“Tereis todos os vossos direitos,
em nome de Deus vos, prometo.


O povo juntou-se na praça.


O arcebispo celebrou
uma missa e um juramento.


Ele era a paz justiceira.


“Guardai as armas.
Cada um
em sua casa”, sentenciou.


Os comuneiros entregaram
as armas.
Em Bogotá
festejaram o arcebispo,
celebraram a sua traição,
seu perjúrio, na missa pérfida,
e negaram pão e direito.


Fuzilaram os caudilhos,
repartiram entre os povoados
suas cabeças recém-cortadas,
com as bênçãos do prelado
e os bailes do vice-reinado.


Primeiras, pesadas sementes
lançadas às regiões,
permaneceis, cegas estátuas,
chocando na noite hostil
a insurreição das espigas.




XVIII Tupac-Amaru (1781)

Condorcanqui Tupac-Amaru,
sábio senhor, pai justo,
viste subir a Tungasuca
a primavera desolada
dos patamares andinos
e, com ela, sal e desdita,
iniqüidades e tormentos.


Senhor Inca, pai cacique,
tudo em teus olhos se guardava
como num cofre calcinado
pelo amor e pela tristeza.

O índio te mostrou o ombro
no qual as novas mordidas
brilhavam nas cicatrizes
de outros castigos apagados,
e era um ombro e outro ombro,
todas as alturas sacudidas
pelas cascatas do soluço.


Era um soluço e outro soluço.

Até que armaste a jornada
dos povos cor de terra,
recolheste o pranto em tua taça
e endureceste as veredas.


Chegou o pai das montanhas,
a pólvora levantou caminhos,
e às aldeias humilhadas
chegou o pai da batalha.

Jogaram a manta na poeira,
uniram-se os velhos punhais,
e o búzio matinho
chamou os vínculos dispersos.

Contra a pedra sanguinária,
contra a inércia desgraçada,
contra o metal das correntes.

Porém dividiram o teu povo,
e irmão contra o irmão
mandaram, até que tombaram
as pedras da tua fortaleza.

Ataram os teus membros cansados
a quatro cavalos raivosos
e esquartejaram a luz
do amanhecer implacável.


Tupac-Amaru, sol vencido,
de tua glória desgarrada
sobe como o sol do mar
uma luz desaparecida.

As fundas aldeias de argila,
os teares sacrificados,
as úmidas casas de areia
dizem em silêncio: “Tupac”,
e Tupac é uma semente,
dizem em silêncio: “Tupac”,
e Tupac se guarda no sulco,
dizem em silêncio: “Tupac”,
e Tupac germina na terra.




XIX
América insurrecta (1800)

Nossa terra, vasta terra, soledades,
povoou-se de rumores, braços, bocas.

Uma calada sílaba ia ardendo,
congregando a rosa clandestina,
até as campinas trepidarem
recobertas de metais e galopes.


Foi dura a verdade como um arado.


Rompeu a terra, estabeleceu o desejo,
mergulhou suas propagandas germinais
e nasceu na secreta primavera.

Foi silenciada a sua flor, foi rechaçada
sua reunião de luz, foi combatido
o fermento coletivo, o beijo
das bandeiras escondidas,
porém surgiu derrubando as paredes,
apartando os cárceres do chão.


O povo escuro foi a sua taça,
recebeu a substância rechaçada,
propagando-a aos limites marítimos,
repisando-a em almofarizes indomáveis.

E saiu com as páginas feridas
e com a primavera do caminho.

Hora de ontem, hora do meio-dia,
hora de hoje outra vez, hora esperada
entre o minuto morto e o que nasce
na eriçada idade da mentira.


Pátria, nasceste dos lenhadores,
de filhos sem batizar, de carpinteiros,
dos que deram qual uma ave estranha
uma gota de sangue voador
e hoje duramente nascerás de novo,
lá onde o traidor e o carcereiro
te acreditam submersa para sempre.


Hoje do povo nascerás como outrora.


Hoje sairás do carvão e do orvalho.

Hoje chegarás a sacudir as portas
com mãos maltratadas, com pedaços
de alma sobrevivente, com racimos
de olhares que a morte não extinguiu,
com ferramentas agrestes
armadas entre farrapos.




XX
Bernardo O'Higgins Riquelme (1810)

O'Higgins, para celebrar-te
à meia-luz há que iluminar a sala.

À meia-luz do sul no outono
com tremor infinito de álamos.


És o Chile, entre patriarca e cavaleiro,
és um poncho de província, um menino
que ainda não sabe o seu nome,
um menino férreo e tímido na escola,
um rapazinho triste de província.

Em Santiago te sentes mal, te espiam
a roupa negra que te sobra,
e ao cruzar-te a fita, a bandeira
da pátria que nos fizeste,
tinha um cheiro de joio matutino
para o teu peito de estátua campestre.


Jovem, teu professor Inverno te acostumou à chuva
e na universidade das ruas de Londres
a névoa e a pobreza te outorgaram seus títulos
e um elegante pobre, errante incêndio
da nossa liberdade,
te deu conselhos de águia prudente
e te embarcou na história.


“Como se chama o senhor?”, riam
os “cavalheiros” de Santiago:
filho de amor, de uma noite de inverno,
a tua condição de abandonado
te construiu com argamassa agreste,
com seriedade de casa ou de madeira
trabalhada no sul, definitiva,
Tudo o tempo muda, menos o teu rosto.


És, O'Higgins, relógio invariável
com uma só hora em tua cândida esfera:
a hora do Chile, o único minuto
que permanece no horário vermelho
da dignidade combatente.

Assim o mesmo estarás entre os móveis
de goiabeira e as filhas de Santiago
ou em Rancagua rodeado de morte e pólvora.


És o mesmo sólido retrato
de quem não tem pai, só tem a pátria
de quem não tem noiva, só tem aquela
terra de flor de laranjeira
que te conquistará a artilharia.


Te vejo no Peru escrevendo cartas.

Não há desterrado igual, maior exílio.

É toda a província desterrada.


O Chile iluminou-se como um salão
quando não estavas.
Em dissipação
um rigodão de ricos substitui
a tua disciplina de soldado ascético,
e a pátria ganhada pelo teu sangue
sem ti foi governada como um baile
que o povo faminto espia de fora.


Já não podias entrar na festa
com suor, sangue e pó de Rancagua.

Não teria sido de bom-tom
para os cavalheiros capitais.

Teria contigo entrado o caminho,
um cheiro de suor de cavalos,
o cheiro da pátria na primavera.


Não podias estar neste baile.

A tua festa foi um castelo de explosões.

O teu baile desgrenhado é a contenda.


Teu fim de festa foi a sacudidela
da derrota, o porvir aziago
para Mendoza, com a pátria nos braços.


Olha agora no mapa para baixo,
para o delgado cinturão do Chile
e coloca na neve soldadinhos,
jovens pensativos na areia,
sapadores que brilham e se apagam.


Fecha os olhos, dorme, sonha um pouco,
o único sonho, o único que volta
a teu coração: uma bandeira
de três cores no sul, a chuva
caindo, o sol rural sobre a tua terra,
os disparos do povo em rebeldia
e duas ou três palavras tuas quando
fossem estritamente necessárias.

Se sonhas, o teu sonho hoje está cumprido.

Sonha-o, pelo menos, em teu túmulo.

Nada mais saibas porque, como antes,
depois das batalhas vitoriosas,
dançam os señoritos no palácio
e o mesmo rosto faminto
espia da sombra das ruas.


Porém herdamos a tua firmeza,
o teu inalterável coração calado,
a tua indestrutível posição paterna,
e tu, entre a avalancha cegadora
de hussardos do passado, entre os ágeis
uniformes azuis e dourados,
estás hoje conosco, és nosso,
pai do povo, imutável soldado.




XXI
San Martín (1810)

Andei, San Martín, tanto e de lugar em lugar,
que descartei o teu traje, tuas esporas, sabia
que algum dia, andando pelos caminhos
feitos para voltar, nos finais
de cordilheira, na pureza
da intempérie que de ti herdamos,
acabaríamos nos vendo de um dia para outro.


Custa distinguir entre os nós
de ceibo, entre raízes,
entre veredas assinalar o teu rosto,
entre as aves distinguir o teu olhar,
encontrar no ar a tua existência.


És a terra que nos deste, um ramo
de cedrón que fere com o seu aroma,
que não sabemos onde está, de onde
chega o seu odor de pátria às pradarias.

Te galopamos, San Martín, saímos
amanhecendo a percorrer o teu corpo,
respiramos hectares de tua sombra,
fazemos fogo sobre a tua estatura.


És extenso entre todos os heróis.


Outros foram de planície em planície,
de encruzilhada em torvelinho,
tu foste construído de confins
e começamos a ver a tua geografia,
tua planície final, teu território.


Enquanto amadurecido o tempo dissemina
como água eterna os torrões
do rancor, os afiados
abraços da fogueira,
mais terreno compreendes, mais sementes
de tua tranqüilidade povoam os montes,
mais extensão dás à primavera.


O homem que constrói é logo o fumo
do que construiu, ninguém renasce
de seu próprio braseiro consumido:
de sua diminuição fez estoque, caiu quando somente teve o pó.


Tu abarcaste na morte mais espaço.


Tua morte foi um silêncio de celeiro.

Passou a vida tua, e outras vidas,
portas se abriram, muros se ergueram,
e a espiga saiu para ser derramada.


San Martín, outros capitães
fulguram mais do que tu, levam bordados
seus pâmpanos de sol fosforescente,
outros ainda falam como cachoeiras,
mas não há nenhum como tu, vestido
de terra e solidão, de neve e trevo.

Te encontramos no retorno do rio,
te saudamos na forma agrária
da Tucumania florida,
e nos caminhos, a cavalo,
te cruzamos correndo e levantando
a tua vestimenta, pai poeirento.


Hoje o sol e a lua, o vento grande
maduram a tua estirpe, a tua singela
composição: a tua verdade era
verdade de terra, arenoso amassilho,
estável como o pão, lâmina fresca
de argila e cereais, pampa puro.


E assim és até hoje, lua e galope,
estação de soldados, intempérie,
por onde vamos mais uma vez guerreando,
caminhando entre vilas e planuras,
instituindo a tua verdade terrestre,
esparzindo o teu germe espaçoso,
abanando as páginas do trigo.


Assim seja, e que não nos acompanhe
a paz até que entremos
depois dos combates em teu corpo
e durma a medida que tivemos
em tua extensão de paz germinadora.




XXII
Mina (1817)

Mina, das vertentes montanhosas
chegaste como um fio de água dura.

Espanha clara, Espanha transparente
te pariu entre dores, indomável,
e tens a dureza luminosa
da água torrencial da montanha.


Longamente, nos séculos e nas terras,
sombra e fulgor em teu berço lutaram,
unhas rampantes degolavam
a claridade do povo,
e os antigos falcoeiros,
em suas ameias eclesiásticas,
espreitavam o pão, negavam
entrada ao rio dos pobres.


Mas sempre na torre impiedosa,
Espanha, existe um espaço
para o diamante rebelde e sua estirpe
de luz agonizante e renascente.


Não em vão o estandarte de Castela
tem a cor do vento comuneiro,
não em vão por teus vales de granito
corre a luz azul de Garcilaso,
não em vão em Córdoba, entre aranhas
sacerdotais, deixa Góngora
as suas bandejas de pedrarias
aljofaradas pelo gelo.


Espanha, entre as tuas garras
de cruel antigüidade, o teu povo puro
sacudiu as raízes do tormento,
sufragou as azêmolas feudais
com invencível sangue derramado,
e em ti a luz, como a sombra, é velha,
gastada em devorantes cicatrizes.

Junto à paz do pedreiro cruzada
pela respiração dos carvalhos,
junto aos mananciais estrelados
nos quais fitas e sílabas reluzem,
sobre a tua idade, como um tremor sombrio,
vive em sua escalinata um gerifalte.


Fome e dor foram a sílica
de tuas areias ancestrais
e um tumulto surdo, enredado
às raízes de teus povos,
deu à liberdade do mundo
uma eternidade de relâmpagos,
de cantos e de guerrilheiros.


As ribanceiras de Navarra
guardaram o raio recente.

Mina arrancou do precipício
o colar de seus guerrilheiros:
das aldeias invadidas,
das povoações noturnas
extraiu o fogo, alimentou
a abrasadora resistência,
atravessou fontes nevadas,
atacou em rápidas voltas,
surgiu dos desfiladeiros,
brotou das pradarias.


Foi sepultado em prisões,
e ao alto vento da serra
retornou, revolto e sonoro,
seu manancial intransigente.


À América o leva o vento
da liberdade espanhola,
e de novo atravessa bosques
e fertiliza as campinas
seu coração inesgotável.


Em nossa luta, em nossa terra
se sangraram seus cristais,
lutando pela liberdade
indivisível e desterrada.


No México ataram a água
das vertentes espanholas.

E ficou imóvel e calada
a sua transparência caudalosa.




XXIII
Miranda morre na névoa (1816)

Se entrais na Europa tarde com cartola
no jardim condecorado
por mais de um outono junto ao mármore
da fonte enquanto caem folhas
de ouro andrajoso no Império
se a porta recorta uma figura
sobre a noite de São Petersburgo
tremem os cascavéis do trenó
e alguém na soledade branca alguém
o mesmo tempo a mesma pergunta
se sais pela florida porta
da Europa um cavalheiro sombra traje
inteligência signo cordão de ouro
Liberdade Igualdade olha seu rosto
entre a artilharia que troveja
se nas ilhas a alfombra o conhece
a que recebe oceanos Passe o Senhor Já o creio
Quantas embarcações E a névoa
seguindo passo a passo a sua jornada
se nas cavidades de lojas livrarias
há alguém luva espada com um mapa
com a pasta petulante cheia
de povoações de navios de ar
se em Trinidad pela costa o fumo
de um combate e de outro o mar de novo
e outra vez a escada de Bay Street a atmosfera
que o recebe impenetrável
como um compacto interior de maçã
e outra vez esta mão patrícia este azulado
guante guerreiro na ante-sala
longos caminhos guerras e jardins
a derrota em seus lábios outro sal
outro sal outro vinagre ardente
se em Cádiz amarrado ao muro
pela grossa corrente seu pensamento o frio
horror de espada o tempo o cativeiro
se baixas a subterrâneos entre ratazanas
e a alvenaria leprosa outro ferrolho
num caixão de enforcado o velho rosto
onde morreu afogada uma palavra
uma palavra nosso nome a terra
aonde queriam ir seus passos
a liberdade para seu fogo errante
o descem com cordéis à molhada
terra inimiga ninguém saúda faz frio
faz frio de tumba na Europa.




XXIV
José Miguel Carrera (1810)


EPISÓDIO Disseste Liberdade antes de ninguém,
quando o sussurro ia de pedra em pedra,
escondido nos pátios, humilhado.


Disseste Liberdade antes de ninguém.

Libertaste o filho do escravo.

Iam como as sombras mercadores
vendendo o sangue de mares estranhos.

Libertaste o filho do escravo.


Fundaste a primeira imprensa.

Chegou a letra ao povo obscurecido,
a notícia secreta abriu os lábios.

Fundaste a primeira imprensa.

Implantaste a escola no convento.


Retrocedeu a gorda teia de aranha
e o rincão dos dízimos sufocantes.

Implantaste a escola no convento.



CORO
Conheça-se a tua condição altiva,
senhor cintilante e aguerrido.

Conheça-se o que tombou brilhando
de tua velocidade sobre a pátria.

Vôo bravio, coração de púrpura.


Conheçam-se as tuas chaves desbeiçadas
abrindo os ferrolhos da noite.

Ginete verde, raio tempestuoso.


Conheça-se o teu amor de mãos cheias,
a tua lâmpada de luz vertiginosa.

Racimo de uma cepa transbordante.

Conheça-se o teu esplendor instantâneo,
o teu errante coração, o teu fogo diurno.


Ferro iracundo, pétala patrícia.

Conheça-se o teu raio de ameaça
destroçando as cúpulas covardes.

Torre de tempestade, ramo de acácia.

Conheça-se a tua espada vigilante,
a tua fundação de força e meteoro.

Conheça-se a tua rápida grandeza.

Conheça-se a tua indomável compostura.



EPISÓDIO Vai pelos mares, entre idiomas,
vestidos, aves estrangeiras,
traz naves libertadoras,
escreve fogo, ordena nuvens,
desentranha sol e soldados,
cruza a névoa em Baltimore
consumindo-se de porta em porta,
créditos e homens o desbordam,
todas as ondas o acompanham.

Junto ao mar de Montevidéu,
em sua casa desterrada,
abre uma oficina, imprime balas.

Rumo ao Chile vive a flecha
de sua direção insurgente,
arde a fúria cristalina
que o conduz, e endereça
a cavalgada do resgate
montado nas crinas ciclônicas
de sua despenhada agonia.

Seus irmãos aniquilados
gritam para ele do paredão
da vingança.
Sangue seu
tinge como labareda
nos adobes de Mendoza
seu trágico trono vazio.

Sacode a paz planetária
do pampa como um circuito
de vaga-lumes infernais.

Açoita as cidadelas
com o uivo das tribos.

Enfeixa as cabeças cativas
no furacão das lanças.

Seu poncho desatado
relampeja na fumarada
e na morte dos cavalos.


Jovem Pueyrredón, não relates
o desolado calafrio
de seu final, não me atormentes
com a noite do abandono,
quando o levam a Mendoza
mostrando o marfim de sua máscara
a solidão de sua agonia.



CORO Pátria, preserva-o em teu manto,
acolhe este amor peregrino:
não o deixes rolar para o fundo
de sua tenebrosa desgraça:
ergue a teu rosto este fulgor,
esta lâmpada inolvidável,
prega de novo esta renda frenética,
chama esta pálpebra estrelada,
guarda o novelo deste sangue
para as tuas teias orgulhosas.

Pátria, recolhe esta carreira,
a luz, a gota malferida,
este cristal agonizante,
este vulcânico anel.

Pátria, galopa para defendê-lo,
galopa, corre, corre, corre.



ÊXODO Levam-no até os muros de Mendoza,
à árvore cruel, à vertente
de sangue inaugurado, ao solitário
tormento, ao final frio da estrela.

Vai pelos caminhos inconclusos,
sarça e taipais desdentados,
álamos que lhe atiram ouro morto,
rodeado por seu orgulho inútil
como por uma túnica andrajosa
a que o pó da morte chega.

Pensa em sua dessangrada dinastia,
na luta inicial sobre os carvalhos
desgarradores da infância,
a escola castelhana e o escudo
rubro e viril da milícia hispânica,
sua tribo assassinada, a doçura
do matrimônio, entre as flores de laranjeira,
o desterro, as lutas pelo mundo,
O'Higgins enigma embandeirado,
Javiera sem saber nos remotos
jardins de Santiago.

Mendoza insulta sua linhagem negra,
ataca a sua vencida investidura,
e entre as pedras lançadas sobe
para a morte.


Nunca um homem teve
um final mais exato.
Das ásperas
investidas, entre vento e animais,
até a azinhaga onde sangraram
todos os de seu sangue.

Cada degrau
do cadafalso o ajusta ao seu destino.

Já ninguém pode continuar a cólera.

A vingança, o amor fecham as portas.

Os caminhos amarraram o errante.

E quando disparam, e através
de seu pano de príncipe do povo
assoma sangue, é sangue que conhece
a tetra infame, sangue que chegou
aonde tinha de chegar, ao chão
de lagares sedentos que esperavam
as uvas derrotadas de sua morte.

Indagou pela neve da pátria.

Tudo era névoa nos eriçados altos.


Viu os fuzis cujo ferro
fez nascer o seu amor desmoronado,
sentiu-se sem raízes, passageiro
do fumo, na batalha solitária,
e caiu envolto em pó e sangue
como em dois braços de bandeira.



CORO Hussardo infortunado, jóia ardente,
sarça acesa na pátria nevada.

Chorai por ele, chorai até que molhem,
mulheres, as vossas lágrimas a terra,
a terra que ele amou, a sua idolatria.

Chorai, guerreiros ásperos do Chile,
acostumados à montanha e à onda,
este vazio é qual uma nevada,
esta morte é o mar que nos atinge.

Não pergunteis por quê, ninguém diria
a verdade destroçada pela pólvora.

Não pergunteis quem foi, ninguém arrebata
o crescimento da primavera,
ninguém matou a rosa do irmão.

Guardemos cólera, dor e lágrimas,
enchamos o vazio desolado
e que recorde a fogueira na noite
a luz das estrelas falecidas.

Irmã, guarda o teu rancor sagrado.

A vitória do povo necessita
a voz de tua ternura triturada.

Estendei mantos em sua ausência
para que possa - frio e enterrado -
com o seu silêncio sustentar a pátria.


Mais de uma vida foi a sua vida.

Buscou a integridade como uma chama.

A morte foi com ele até deixá-lo
para sempre completo e consumido.



ANTÍSTROFE Guarde o loureiro doloroso a sua extrema substância de inverno.

A sua coroa de espinhos levemos areia radiante,
fios de estirpe araucana resguardem a lua mortuária,
folhas de boldo fragrante resolvam a paz de sua tumba,
neve nutrida nas águas imensas e escuras do Chile,
plantas que amou, melissas em xícaras de argila silvestre,
ásperas plantas amadas pelo amarelo centauro,
negros racimos transbordantes de elétrico outono na terra,
olhos sombrios que arderam sob os seus beijos terrestres.

Levante a pátria as suas aves, suas asas injustas, suas pálpebras rubras,
voe até o hussardo ferido a voz do queltehue na água,
sangre a loica a sua mancha de aroma escarlate rendendo tributo
àquele cujo vôo estendera a noite nupcial da pátria
e o condor suspenso na altura imutável coroe com plumas sangrentas
o peito adormecido, a fogueira que jaz nos degraus da cordilheira,
parta o soldado a rosa iracunda esmagada no muro esmagado,
pule o camponês ao cavalo de negra montaria e focinho de espuma,
volte ao escravo do campo a sua paz de raízes, o seu escudo enlutado,
levante o mecânico a sua pálida torre tecida de estanho noturno:
o povo que nasce no berço torcido de vimes e mãos de herói,
o povo que sobe de negros adobes de minas e bocas sulfúricas,
o povo levante o martírio e a urna e envolva a lembrança
com a sua ferroviária grandeza e a sua eterna balança de pedras e feridas
até que a terra fragrante decrete copihues molhados e livros abertos,
ao menino invencível, à lufada insigne, ao terno temível e acerbo soldado.

E guarde seu nome o duro domínio do povo em sua luta,
como o nome da nave resiste ao combate marinho:
a pátria em sua proa o inscreva e o beije o relâmpago
porque assim foi a sua livre e delgada e ardente matéria.




XXV
Manuel Rodríguez

CUECA Senhora, dizem que onde,
minha mãe dizem, disseram,
a água e o vento dizem
que viram o guerrilheiro.



Vida
Pode ser um bispo,
pode e não pode,
pode ser só o vento
sobre a neve:
sobre a neve, sim,
mãe, não olhes,
que chega a galope
Manuel Rodríguez.

Já vem o guerrilheiro
pelo ribeiro.



CUECA Saindo de Melipilla,
correndo por Talagante,
cruzando por San Fernando,
amanhecendo em Pomaire.



Paixão
Passando por Rancagua,
por San Rosendo,
por Cauquenes, por Chena,
por Nacimiento:
por Nacimiento, sim,
desde Chiñigüe,
por toda parte vem
Manuel Rodríguez.

Este cravo lhe damos,
com ele vamos.


CUECA Que se apague a guitarra,
que a pátria está de luto.

Nossa terra fica escura.

Mataram o guerrilheiro.



E Morte
Em Til-Til foi morto
por assassinos,
suas costas sangram
pelo caminho:
pelo caminho, sim.


Quem o diria,
ele que era o nosso sangue,
nossa alegria.


A terra está chorando.

Vamos nos calando.




XXVI
Artigas

(I)
Artigas crescia entre os matagais e foi tempestuosa
a sua passagem porque nas pradarias crescendo o galope de pedra ou sino
chegou a sacudir a inclemência do ermo como repetida centelha,
chegou a acumular a cor celestial estendendo os cascos sonoros
até que nasceu uma bandeira empapada no uruguaiano rocio.



(II)
Uruguai, Uruguai, uruguaiam os cantos do rio uruguaio,
as aves tagarelas, a rola de voz malferida, a torre do trovão uruguaio
proclamam o grito celeste que diz Uruguai no vento
e se a cascata redobra e repete o galope dos cavalheiros amargos
que pela fronteira recolhem os últimos grãos de sua vitoriosa derrota,
estende-se o uníssono nome de pássaro puro,
a luz de violino que batiza a pátria violenta.



(III)
Ó Artigas, soldado do campo crescente, quando para toda a tropa bastava
o teu poncho estrelado de constelações que conhecias,
até que o sangue corrompesse e redimisse a aurora, e acordassem teus homens
marchando vergados pelos poeirentos entrançados do dia.

Ó pai constante do itinerário, caudilho do rumo, centauro da poeirada!


(IV)
Passaram os dias de um século e seguiram as horas atrás de teu exílio:
atrás da selva enredada por mil teias de aranha de ferro:
atrás do silêncio no qual só tombavam os frutos apodrecidos sobre os pântanos,
as folhas, a chuva desatada, a música do urutau,
os passos descalços dos paraguaios entrando e saindo no sol da sombra,
a trança do chicote, os cepos, os corpos roídos de escaravelhos:
um grave ferrolho se impôs apartando a cor da selva
e o arroxeado crepúsculo fechava com os seus cinturões
os olhos de Artigas que buscam em sua desventura a luz uruguaia.



(V)
“Amargo trabalha o exílio”, escreveu esse irmão de minha alma
e assim o entretanto da América caiu como pálpebra escura
sobre o olhar de Artigas, ginete do calafrio,
opresso no imóvel olhar de vidro de um déspota num reino vazio.



(VI)
A América tua tremia com penitenciais dores:
Oribes, Alveares, Carreras, nus, corriam até o [sacrifício:
morriam, nasciam, caíam: os olhos do cego matavam: a voz dos mudos
falava.
Os mortos, por fim, encontraram partido,
por fim conheceram o seu bando patrício na morte.

E todos aqueles sangrentos souberam que pertenciam
à mesma fileira: a terra não tem adversários.



(VII)
Uruguai é palavra de pássaro, o idioma da água,
é sílaba de uma cascata, é tormento de cristalaria,
Uruguai é a voz das frutas na primavera fragrante,
é um beijo fluvial dos bosques na máscara azul do Atlântico.

Uruguai é a roupa estendida no ouro dum dia de vento,
é o pão na mesa da América, a pureza do pão na mesa.



(VIII)
E se Pablo Neruda, o cronista de todas as coisas, te devia,
[Uruguai, este canto,
este canto, este conto, esta migalha de espiga, este Artigas,
não faltei a meus deveres nem aceitei os escrúpulos do intransigente:
esperei uma hora quieta, espreitei uma hora inquieta,
[recolhi os herbários do rio,
afundei a minha cabeça em tua areia e na prata dos peixes-reis,
na clara amizade de teus filhos, em teus desarrumados mercados
me purifiquei, até sentir-me devedor de teu olor e teu amor.

E talvez esteja escrito o rumor que teu amor e teu olor me conferiram
nestas palavras obscuras, que deixo em memória de teu capitão luminoso.




XXVII
Guayaquil (1822)

Quando entrou San Martín, algo noturno
de caminho impalpável, sombra, couro,
entrou na sala.


Bolívar esperava.

Bolívar farejou o que chegava.

Era aéreo, rápido, metálico,
todo antecipação, ciência do vôo,
seu contido ser tremulava
ali, no quarto imobilizado
na escuridão da história.


Vinha das alturas indizíveis
da atmosfera constelada,
ia seu exército em frente
quebrando noite e distância,
capitão de um corpo invisível,
da neve que o seguia.

A lâmpada tremeu, a porta
atrás de San Martin manteve
a noite, seus ladridos, seu tumor
tíbio de desembocadura.


As palavras abriram uma trilha
que neles mesmos ia e vinha.

Aqueles dois corpos se falavam,
se rechaçavam, se escondiam,
se incomunicavam, se fugiam.


San Martín trazia do sul
um saco de números cinzentos,
a solidão das montarias
infatigáveis, os cavalos
batendo terras, agregando-se
a sua fortaleza arenária.

Entraram com ele os ásperos
arrieiros do Chile, um lento
exército ferruginoso,
o espaço preparatório,
as bandeiras com apelidos
envelhecidos no pampa.


O quanto falaram caiu de corpo a corpo
no silêncio, no fundo interstício.

Não eram palavras, era a profunda
emanação das terras adversas,
da pedra humana que toca
outro metal inacessível.

As palavras voltaram a seus lugares.


Cada um, diante de seus olhos
via as suas bandeiras.

Um, o tempo com flores deslumbrantes,
outro, o roído passado,
os farrapos da tropa.


Junto a Bolívar uma mão branca
o esperava, o despedia,
acumulava o seu acicate ardente,
estendia o linho no tálamo.

San Martín era fiel a seus prados.

Seu sonho era um galope,
uma rede de correias e perigos.

Sua liberdade era um pampa unânime.

Uma ordem cereal foi a sua vitória.


Bolívar construía um sonho,
uma ignorada dimensão, um fogo
de velocidade duradoura,
tão incomunicável que o fazia
prisioneiro, entregue à sua substância.


Caíram as palavras e o silêncio.


Abriu-se outra vez a porta, outra vez toda
a noite americana, o largo rio
de muitos lábios palpitou um segundo.


San Martín regressou daquela noite
às soledades e ao trigo.

Bolívar continuou só.




XXVIII
Sucre

Sucre nas altas terras desbordando
o amarelo perfil dos montes,
Hidalgo tomba, Morelos recolhe
o ruído, o tremor de um sino
propagado na terra e no sangue.


Páez percorre os caminhos repartindo o ar conquistado,
cai o orvalho em Cundinamarca
sobre a fraternidade das feridas,
o povo insurge inquieto
desde a latitude à secreta
célula, emerge um mundo
de despedidas e galopes,
nasce a cada minuto uma bandeira
qual uma flor antecipada:
bandeiras feitas de lenços
sangrentos e de livros livres,
bandeiras arrastadas pelo pó
dos caminhos, destroçadas
pela cavalaria, abertas
por estampidos e relâmpagos.



As bandeiras
Nossas bandeiras daquele tempo
fragrante, bordadas apenas,
nascidas apenas, secretas
como um profundo amor, de súbito
encarniçadas ao vento
azul da pólvora amada.


América, extenso berço, espaço
de estrela, romã madura,
de súbito encheu-se de abelhas
a tua geografia, de sussurros
conduzidos pelos adobes
e pelas pedras, de mão em mão,
encheram-se de roupas as ruas
como colméia atordoada.


Na noite dos disparos
v baile brilhava nos olhos,
subia como uma laranja a flor de laranjeira pelas muralhas,
beijos de adeus, beijos de farinha,
o amor amarrava beijos,
e a guerra cantava com
a sua guitarra pelos caminhos.




XXIX
Castro Alves do Brasil

Castro Alves do Brasil, para quem cantaste?
Para a flor cantaste? Para a água
cuja formosura diz palavras às pedras?
Cantaste para os olhos, para o perfil recortado
da que então amaste? Para a primavera?

Sim, mas aquelas pétalas não tinham orvalho,
aquelas águas negras não tinham palavras,
aqueles olhos eram os que viram a morte,
ardiam ainda os martírios por detrás do amor,
a primavera estava salpicada de sangue.


- Cantei para os escravos, eles sobre os navios,
como um cacho escuro da árvore da ira
viajaram, e no porto se dessangrou o navio
deixando-nos o peso de um sangue roubado.


- Cantei naqueles dias contra o inferno,
contra as afiadas línguas da cobiça,
contra o ouro empapado de tormento,
contra a mão que empunhava o chicote,
contra os dirigentes de trevas.


- Cada rosa tinha um morto nas raízes.

A luz a noite, o céu, cobriam-se de pranto,
os olhos apartavam-se das mãos feridas
e era a minha voz a única que enchia o silêncio.


- Eu quis que do homem nos salvássemos,
eu cria que a rota passasse pelo homem,
e que daí tinha de sair o destino.

Cantei para aqueles que não tinham voz.

Minha voz bateu em portas até então fechadas
para que, combatendo, a liberdade entrasse.


Castro Alves do Brasil, hoje que o teu livro puro
torna a nascer para a terra livre,
deixa-me a mim, poeta da nossa América,
coroar a tua cabeça com os louros do povo.

Tua voz uniu-se à eterna e alta voz dos homens.

Cantaste bem.
Cantaste como se deve cantar.




XXX
Toussaint L'Ouverture

Haiti, de sua doçura emaranhada,
extrai pétalas patéticas,
retitude de jardins, edifícios
de grandeza, arrulha
o mar como um avô escuro
sua velha dignidade de pele e espaço.


Toussaint L'Ouverture ata
a vegetal soberania,
a majestade acorrentada,
a surda voz dos tambores,
e ataca, cerra o passo, sobe,
ordena, expulsa, desafia
como um monarca natural,
até que cai na rede tenebrosa
e o levam pelos mares
arrastado e atropelado
como o regresso de sua raça,
atirando à morte secreta
das sentinas e dos sótãos.


Mas na ilha ardem as penhas,
falam os ramos escondidos,
se transmitem as esperanças,
surgem os muros do baluarte.

A liberdade é o bosque teu,
escuro irmão, preserva
a tua memória de sofrimentos
e que os heróis passados
custodiem a tua mágica espuma.




XXXI
Morazán (1842)

Alta noite e Morazán vela.

É hoje, ontem, amanhã? Tu o sabes.

Fita central, América angustura que os golpes azuis de dois mares
foram fazendo, levantando no ar
cordilheiras e plumas de esmeralda:
território, unidade, delgada deusa
nascida no combate da espuma.


Desmoronam-se filhos e vermes,
estendem-se sobre ti as alimárias
e uma tenaz te arrebata o sonho
e um punhal com teu sangue te salpica
enquanto se despedaça o teu estandarte.


Alta é a noite e Morazán vela,

Já vem o tigre brandindo um machado.

Vêm para devorar-te as entranhas.

Vêm para dividir as estrelas.

Vêm,
pequena América olorosa,
para cravar-te na cruz, para desolar-te,
para derrubar o metal de tua bandeira.


Alta é a noite e Morazán vela.


Invasores encheram a tua casa.

E te partiram como fruta morta,
e outros carimbaram em tuas costas
os dentes de uma estirpe sanguinária,
e outros te saquearam nos portos
carregando sangue sobre as tuas dores.


É hoje, ontem, amanhã? Tu o sabes.


Irmãos, amanhece.
(E Morazán vela.
)



XXXII
Viagem pela noite de Juárez

Juárez, se recolhêssemos
o íntimo estrato, a matéria
da profundidade, se cavando tocássemos
o profundo metal das repúblicas,
esta unidade seria a tua estrutura,
a tua impassível bondade, a tua mão teimosa.


Quem olha a tua sobrecasaca,
a tua parca cerimônia, o teu silêncio,
o teu rosto feito de tetra americana,
se não é daqui, se não nasceu nestas
planícies, na argila montanhosa
de nossas soledades, não entende.

Te falarão divisando uma pedreira.

Te passarão como se passa um rio.

Darão a mão a uma árvore, a um sarmento,
a um sombrio caminho da terra.


Para nós és pão e pedra,
forno e produto da estirpe escura.

Teu rosto foi nascido em nosso barro.

Tua majestade é a minha região nevada,
teus olhos a enterrada olaria.


Outros terão o átomo e a gota
do elétrico fulgor, de brasa inquieta:
tu és muro feito de nosso sangue,
tua retidão impenetrável
sai de nossa dura geologia.


Nada tens para dizer ao ar,
ao vento de ouro que vem de longe,
que o diga a terra ensimesmada,
a cal, o mineral, a levedura.


Visitei eu os muros de Querétaro,
toquei cada penhasco na colina,
a distância, a cicatriz e a cratera,
o cacto de ramagens espinhosas:
ninguém persiste ali, foi o fantasma,
ninguém ficou dormido na dureza:
só existem a luz e os aguilhões
do matagal, e uma presença pura:
Juárez, a tua paz de noite justiceira,
definitiva, férrea e estrelada.




XXXIII
O vento sobre Lincoln

À s vezes o vento do sul resvala
sobre a sepultura de Lincoln trazendo
vozes e brisas de cidades e árvores
nada se passa em sua tumba as letras não se mexem
o mármore se suaviza com a lentidão de séculos
o velho cavaleiro já não vive
não existe o buraco de sua antiga camisa
se mesclaram as fibras do tempo e o pó humano
que a vida tão realizada diz uma tremelicante
senhora da Virgínia uma escola que canta
mais de uma escola canta pensando em outras coisas
mas o vento do sul a emanação de terras
de caminhos às vezes se detém na tumba
sua transparência é um periódico moderno
chegam surdos rancores lamentos como aqueles
o sonho imóvel vencedor jazia
sob os pés cheios de barro que passaram
cantando e arrastando fadiga e sangue
pois bem nesta manhã volta ao mármore o ódio
0 ódio do sul branco pelo velho adormecido
nas igrejas os negros estão sozinhos com Deus
com Deus conforme acreditam nas praças
nos trens o mundo tem certos letreiros
que dividem o céu a água o ar
que vida mais perfeita diz a delicada
senhorita e na Geórgia matam a pau
todas as semanas um jovem negro
enquanto Paul Robeson canta como a terra
como o começo do mar e da vida
canta sobre a crueldade e os anúncios
de coca-cola canta para os irmãos
de mundo a mundo entre os castigos
canta para os novos filhos para
que o homem ouça e suste o seu chicote
a mão cruel a mão que Lincoln abatera
a mão que ressurge como branca víbora
o vento passa o vento sobre a tumba traz
conversações restos de juramentos algo
que chora sobre o mármore como chuva fina
de antigas e esquecidas dores insepultas
o Klan matou um bárbaro perseguindo-o
enforcando o pobre negro a uivar queimando-o
vivo e esburacado pelos tiros
debaixo dos capuzes os prósperos rotarianos
não sabem assim crêem que são só verdugos
covardes carniceiros detritos do dinheiro
com a cruz de Caim regressam
para lavar as mãos e rezar no domingo
telefonam ao Senado contando suas façanhas
disto nada fica sabendo o morto de Illinois
porque o vento de hoje fala uma linguagem
de escravidão de fúrias de cadeias
e através das lousas o homem já não existe
é um esmiuçado polvilho de vitória
de vitória arrasada depois do triunfo morto
não só a camisa do homem se gastou
não só o buraco da morte nos mata
mas também a primavera repetida o transcurso
que rói o vencedor com o seu canto covarde
morre o valor de ontem derramam-se de novo
as furiosas bandeiras do malvado
alguém canta junto ao monumento é um coro
de meninas de escola vozes ácidas
que sobem sem tocar o pó externo
que passam sem descer ao lenhador adormecido
à vitória morta sob as reverências
enquanto burlão e viajeiro sorri o vento sul.




XXXIV
Martí (1890)

Cuba, flor espumosa, efervescente
açucena escarlate, jasmineiro,
custa-se a encontrar sob a rede florida
o teu sombrio carvão martirizado,
a antiga ruga deixada pela morte,
a cicatriz coberta de espuma.

Porém dentro de ti como clara
geometria de neve germinada,
onde se abrem tuas últimas cortiças,
jaz Martí como pura amêndoa.


Está no fundo circular da aragem,
está no centro azul do território,
e reluz como uma gota d'água
sua adormecida pureza de semente.


É de cristal a noite que o cobre.


Pranto e dor, de súbito, cruéis gotas
atravessam a terra até o recinto
da infinita claridade adormecida.

O povo às vezes baixa suas raízes
através da noite até tocar
a água quieta em seu pranto oculto.

À vezes cruza o rancor iracundo
pisoteando semeadas superfícies
e um morto cai na taça do povo.


Às vezes volta o açoite enterrado
a silvar na brisa da cúpula
e uma gota de sangue qual uma pétala
cai no chão e mergulha no silêncio.

Tudo chega ao fulgor imaculado.

Os tremores minúsculos batem
às portas do cristal oculto.


Toda lágrima toca a sua corrente.


Todo fogo estremece a sua estrutura.

E assim da jacente fortaleza,
do oculto germe caudaloso
saem os combatentes da ilha.


Chegam de um manancial determinado.


Nascem de uma vertente cristalina.




XXXV
Balmaceda de Chile (1891)

Mr.
North chegou de Londres.


É um magnata no nitrato.

Antes trabalhou no pampa,
de jornaleiro, algum tempo,
mas despediu-se e se foi.

Volta agora, envolto em libras.

Traz dois cavalinhos árabes
e uma pequena locomotiva
toda de ouro.
São presentes
para o presidente, um tal
de José Manuel Balmaceda.


“You are very clever, Mr.
North.


Rubén Darío entra por esta casa,
por esta presidência como quer.

Uma garrafa de conhaque o espeta.

O jovem Minotauro envolto em névoa
de rios, transpassado de sons,
sobe a grande escada que será
tão difícil de subir para Mr.
North.

O presidente regressou há pouco
do desolado norte salitroso,
ali dizendo: “Esta terra, esta riqueza
será do Chile, esta matéria branca
converterei em escolas, em estradas,
em pão para o meu povo”.

Agora entre papéis, no seu palácio,
sua fina forma, seu intenso olhar,
olha para os desertos do salitre.

Seu nobre rosto não sorri.

A cabeça, de pálida postura,
tem a antiga qualidade de um morto,
de um velho antepassado da pátria.


Todo o seu ser é um exame solene.


Algo desassossega, como rajada fria,
a sua paz, o seu movimento pensativo.


Rechaçou os cavalos, a maquininha de ouro
de Mr.
North.
Remeteu-os sem vê-los
para o dono, o poderoso gringo.

Apenas acenou com a mão desdenhosa.

“Agora, Mr.
North, não posso
entregar-lhe estas concessões,
não posso amarrar a minha pátria
aos mistérios da City.


Mr.
North instala-se no Club.

Cem uísques vão para a sua mesa,
cem jantares para advogados,
para o Parlamento, champanha
para os tradicionalistas.

Correm agentes para o norte,
os fios vão e vêm e voltam.

As suaves libras esterlinas
tecem como aranhas douradas
uma teia inglesa, legítima
para o meu povo, uma roupa, sob medida
de sangue, pólvora e miséria.


“You are very clever, Mr.
North.


A sombra sitia Balmaceda.

Ao chegar o dia, o insultam
e o escarnecem os aristocratas,
ladram-lhe no Parlamento,
o fustigam e caluniam.

Produzem a batalha, e ganharam.

Mas não basta: é preciso torcer
a história.
As boas vinhas
se “sacrificam” e o álcool
enche a noite miserável.

Os elegantes mocinhos
marcam as portas e uma horda
assalta as casas, arremessa
os pianos dos balcões.

Aristocrático piquenique
com cadáveres no canal
e champanha francês no Club.


“You are very clever, Mr.
North.


A embaixada argentina abriu
as suas portas ao presidente.


Nessa tarde escreve com a mesma
segurança de mão fina,
a sombra penetra seus grandes olhos
como escura mariposa,
de profundidade fatigada.


E a magnitude de seu rosto
sai do mundo solitário,
da pequena moradia,
ilumina a noite escura.

Escreve seu nítido nome,
as letras de longo perfil
de sua doutrina traída.

Tem o revólver na mão.


Olha através da janela
um derradeiro trecho da pátria,
pensando em todo o longo corpo
do Chile, sombreado
como uma página noturna.

Viaja e sem ver cruzam seus olhos,
como nas vidraças de um trem,
rápidos campos, casarios,
torres, ribeiras inundadas,
pobreza, dores, farrapos.

Ele sonhou um sonho preciso,
quis trocar a desgarrada
paisagem, o corpo consumido
do povo, quis defendê-lo.


Já é tarde, escuta disparos
isolados, os gritos vitoriosos,
o selvagem ataque, os uivos
da “aristocracia”, escuta
o último rumor, o grã silêncio,
e, com ele, recostado, entra na morte.




XXXVI
A Emiliano Zapata com música de Tatanacho

Quando cresceram as dores
na terra, e os espinheiros desolados
foram a herança dos camponeses,
e, como outrora, rapaces
barbas cerimoniais, e os açoites,
então, flor e fogo galopado.
.
.


Borrachita me voy
hacia la capital

empinou-se na alba transitória
a terra sacudida de facas,
o peão de suas amargas tocas
caiu qual uma espiga debulhada
sobre a solidão vertiginosa.


a pedirle al patrón
que me mandó llamar

Zapata então foi terra e aurora.

Em todo horizonte aparecia
a multidão de sua semente armada.

Num ataque de águas e fronteiras
o férreo manancial de Coahuila,
as estelares pedras de Sonora:
tudo veio ao seu passo adiantado,
à sua agrária tormenta de ferraduras.


que si va del rancho
muy pronto volverá

Reparte o pão, a terra:
te acompanho.


Renuncio a minhas pálpebras celestes.

Eu, Zapata, me vou com o rocio
das cavalarias matutinas,
num disparo desde as figueiras-do-inferno
até as casas de paredes róseas.


.
.
.
cintitas pa tu pelo
no llores por tu Pancho .
.
.


A lua dorme sobre as montarias.

A morte amontoada e repartida
jaz com os soldados de Zapata.

O sonho esconde sob os baluartes
da pesada noite o seu destino,
o seu incubador lençol sombrio.

A fogueira agrupa o sopro desvelado:
graxa, suor e pólvora noturna.


.
.
.
Borrachita rne voy
para olvidarte .
.
.


Pedimos pátria para o humilhado.

Tua faca divide o patrimônio
e tiros e corcéis amedrontam
os castigos, a barba do verdugo.

A terra se reparte como um rifle.

Não esperes, camponês, empoeirado,
depoís de teu suor a luz completa
e o céu parcelado em teus joelhos.

Levanta-te e galopa com Zapata.


.
.
.
Yo la quise traer
dijo yue no.
.
.


México, hostil agricultura, amada
terra entre os obscuros repartida:
das espadas do milho saíram
ao sol os teus centuriões suarentos.


Da neve do sul venho contar-te.


Deixa-me galopar em teu destino
e encher-me de pólvoras e arados.


.
.
.
Que si habrá de llorar
pa qué volver.
.
.




XXXVII
Sandino (1926)

Foi quando em terra nossa
Enterraram-se
as cruzes, gastaram-se
inválidas, profissionais.

Chegou o dólar de dentes agressivos
mordendo território,
na garganta pastoril da América.

Agarrou o Panamá com fauces duras,
enfiou na terra fresca os seus caninos,
chapinhou na lama, uísque, sangue,
e jurou um presidente de sobrecasaca:
“Seja conosco o suborno
de cada dia”.

Logo, chegou o aço,
e o canal dividiu as residências,
aqui os amos, ali a servidão.


Correram para a Nicarágua.


Desceram vestidos de branco,
disparando dólares e tiros.

Surgiu no entanto um capitão
que disse: “Não, aqui não pões
as tuas concessões, tua garrafa”.

Prometeram-lhe um retrato
de presidente, de luvas,
faixa atravessada e sapatinhos
de verniz recém-comprados.

Sandino dcscalçou as botas,
afundou-se nos trêmulos pântanos,
pôs a faixa molhada
da liberdade na selva,
e, tiro a tiro, respondeu
aos “civilizadores”.


A fúria norte-americana
foi indizível: documentados
embaixadores convenceram
o mundo de que seu amor era
a Nicarágua, que algum dia
a ordem haveria de chegar
a suas entranhas sonolentas.


Sandino enforcou os intrusos.


Os heróis de Wall Street
foram comidos pelo lamaçal,
um relâmpago os matava,
mais de um sabre os seguia,
uma corda os despertava
como serpente na noite,
e pendurados de uma árvore eram
carreados lentamente
por coleópteros azuis
e trepadeiras devoradoras.


Sandino, com os seus guerrilheiros,
na Praça do Povo, em todas
as partes estava Sandino,
matando norte-americanos.

justiçando invasores.

E quando veio a aviação,
a ofensiva dos exércitos
blindados, a incisão
de massacrantes poderios,
Sandino estava no silêncio,
como um espectro da selva,
era uma árvore que se enroscava
ou uma tartaruga que dormia
ou um rio deslizando.

E árvore, tartaruga, torrente,
foram a morte vingadora,
foram sistemas da selva,
mortais sintomas de aranha.


(Em 1948
um guerrilheiro
da Grécia, coluna de Esparta,
foi a urna da luz atacada
pelos mercenários do dólar.

Dos montes lançou fogo
sobre os polvos de Chicago,
e como Sandino, o valente
da Nicarágua, foi chamado
“bandoleiro das montanhas”.
)

Mas, quando fogo, sangue
e dólar não destruíram
a torre altiva de Sandino,
os guerreiros de Wall Street
fizeram a paz, convidaram
para celebrá-la o guerrilheiro,
e um traidor recém-alugado
disparou-lhe a carabina.


Seu nome é Somoza.
Até hoje
está reinando na Nicarágua:
os trinta dólares cresceram
e aumentaram em sua barriga.


Esta é a história de Sandino,
capitão da Nicarágua,
encarnação desgarradora
de nossa arena traída, dividida e acometida,
martirizada e saqueada.




XXXVIII
(1)
Até Recabarren

A terra, o metal da terra, a compacta
formosura, a paz ferruginosa
que será lança, lâmpada ou anel,
matéria pura, ação
do tempo, saúde
da terra desnuda.


O mineral foi como estrela
afundada e enterrada.

A golpes de planeta, grama por grama,
foi escondida a luz.

Áspera capa, argila, areia
cobriram o teu hemisfério.

Mas amei o teu sal, a tua superfície.

Tua goteira, tua pálpebra, tua estátua.


No quilate de pureza dura
cantou minha mão: na écloga
nupcial da esmeralda fui citado,
e no côncavo do ferro pus o meu rosto um dia
até emanar abismo, resistência e aumento.


Mas eu não sabia nada.


O ferro, o cobre, os sais o sabiam.


Cada pétala de ouro foi arrancada com sangue.

Cada metal tem um soldado.



(2)
O cobre
Eu cheguei ao cobre, a Chuquicamata.

Era tarde nas cordilheiras.

Era o ar como taça
fria, de seca transparência.

Antes vivi em muitos navios,
porém na noite do deserto
a imensa mina resplandecia
como um navio cegador
com o orvalho deslumbrante
daquelas alturas noturnas.


Fechei os olhos: sonbo e sombra
estendiam as suas grossas plumas
sobre mim como aves gigantes.

Apenas de queda em queda
enquanto dançava o automóvel,
a oblíqua estrela, o penetrante
planeta, qual uma lança,
me arrojavam um raio gelado
de fogo frio, de ameaça.



(3)
A noite em Chuquicamata

Era já alta noite, noite profunda,
como o interior vazio de um sino.

Ante meus olhos vi os muros implacáveis,
o cobre derruído na pirâmide.

Era verde o sangue destas terras.


Alta até os planetas empapados
era a magnitude noturna e verde.

Gota a gota um leite de turquesa,
uma aurora de pedra,
foi construído pelo homem
e ardia na imensidade,
na estrelada terra aberta
de toda a noite arenosa.


Passo a passo, então a sombra
me levou

pela mão ao sindicato.

Era o mês de julho
no Chile, na estação fria.


Junto a meus passos, muitos dias
(ou séculos) (ou simplesmente meses
de cobre, pedra e pedra e pedra,
quer dizer, de inferno no tempo:
do infinito mantido
por mão sulfurosa),
iam outros passos e pés
que só o cobre conhecia.


Era uma multidão gordurosa,
fome e farrapo, soledades,
a que cavava o socavão.

Naquela noite não vi
desfilar sua ferida sem número
na costa cruel da mina.


Mas eu fui desses tormentos.


As vértebras do cobre estavam úmidas,
descobertas a golpes de suor
na infinita luz do ar andino.


Para escavar os ossos minerais
da estátua enterrada pelos séculos,
o homem construiu as galerias
de um teatro vazio.

Porém a essência dura,
a pedra em sua estatura, a vitória
do cobre fugiu deixando uma cratera
de ordenado vulcão, como se aquela
estátua, estrela verde,
fora arrancada ao peito de um deus ferruginoso
deixando um oco pálido socavado nas alturas.



(4)
Os chilenos

Tudo isso foi a tua mão.

Tua mão foi a unha
do compatriota mineral, do “roto”
combatido, do pisoteado
material humano, do homenzinho em farrapos.

Tua mão foi como a geografia:
cavou esta cratera de treva verde,
fundou um planeta de pedra oceânica.


Andou pelas mestranças
manejando as pás quebradas
e botando pólvora por
todos os lados, como ovos
de galinha ensurdecedora.


Trata-se de uma cratera remota:
até da lua cheia
se veria a sua profundidade
feita lado a lado por
um tal de Rodríguez, um tal de Carrasco,
um tal de Díaz Iturrieta,
um tal de Abarca, um tal de Gumersindo,
um tal de chileno chamado Mil.


Esta imensidão, unha por unha,
o desgarrado chileno, um dia
e outro dia, outro inverno, a pulso,
em velocidade, na lenta
atmosfera das alturas,
recolheu-a da argamassa,
estabeleceu-a entre as regiões.



(5)
O herói

Não foi a firmeza tumultuosa
de muitos dedos, não só a pá,
não só o braço, as ancas, o peso
do homem todo e a sua energia:
foram dor, incerteza e fúria
os que cavaram o centímetro
de altura calcária, buscando
as veias verdes da estrela,
os finais fosforescentes
dos cometas enterrados.


Do homem gasto em seu abismo
nasceram os sais sangrentos.


Porque o Reinaldo é agressivo,
cata pedras, o infinito
Sepúlveda, teu filho, sobrinho de
tua tia Eduviges Rojas,
o herói ardendo, o que desvencilha
a cordilheira mineral.


Assim foi conhecendo,
entrando como na uterina
originalidade da entranha,
em terra e vida, fui me vencendo:
até sumir-me em homem, em água
de lágrimas como estalactites,
de pobre sangue despenhado
de suor caído no pó.


(6)
Ofícios
Outras vezes com Lafertte, mais longe,
entramos em Tarapacá,
desde Iquique azul e ascético,
pelos limites da areia.


Me mostrou Elías as pás
dos limpadores, enfiado
nas madeiras cada dedo
do homem: estavam gastadas
pelo roçar de cada ponta de dedo.

As pressões daquelas mãos derreteram
os pedernais da pá,
e abriram assim os corredores
de terra e pedra, metal e ácido,
estas unhas amargas, estes
enegrecidos cinturões
de mãos que rompem planetas,
e elevam os sais aos céus,
dizendo como no conto,
na história celeste: “Este
é o primeiro dia da terra”.


Assim aquele que ninguém antes viu
(antes daquele dia de origem),
o protótipo da pá,
levantou-se sobre as cascas
do inferno: dominou-as
com as suas rudes mãos ardentes,
abriu as folhas da terra,
e apareceu de camisa azul
o capitão de dentes brancos,
o conquistador do salitre.



(7)
O deserto

O duro meio-dia das grandes areias
chegou:
o mundo está nu,
largo, estéril e limpo até as últimas
fronteiras arenais:
escutai o som quebradiço
do sal vivo, só nas salinas:
o sol quebra seus vidros na extensão vazia
e agoniza a terra como um seco
e afogado ruído do sal que geme.



(8)
(Noturno)

Chega ao circuito do dserto,
À alta noite aérea do pampa,
Ao círculo noturno, espaço e astro,
Onde a zona do Tamarugal recolhe
Todo o silêncio perdido no tempo.


Mil anos de silêncio em uma taça
de azul calcário, de distância e lua,
lavram a geografia nua da noite.


Eu te amo, pura terra, como tantas
coisas amei contraditórias:
a flor, a rua, a abundância, o rito.


Eu te amo, irmã pura do oceano.

Para mim foi difícil esta escola vazia
em que não estava o homem, nem o muro, nem a planta
para apoiar-me em algo.


Estava só.

Era planura e solidão a vida.


Era este o peito varonil do mundo.


E amei o sistema de tua forma reta,
a extensa precisão de teu vazio.



(9)
O páramo

No páramo o homem vivia
mordendo terra, aniquilado.

Fui direto ao covil,
meti a mão entre os piolhos,
caminhei entre os trilhos até
o amanhecer desolado,
dormi sobre as duras tábuas,
desci da faina na tarde,
me queimaram vapor e iodo,
apertei a mão do homem,
conversei com a mulherzinha,
portas adentro entre galinhas,
entre trapos, no cheiro
da pobreza abrasadora.


E quando tantas dores
reuni, quando tanto sangue
recolhi no cavo da alma,
vi chegar do espaço puro
dos pampas inabarcáveis
um homem feito de sua própria areia,
um rosto imóvel e estendido,
uma roupa com um corpo largo,
uns olhos entrecerrados
como lâmpadas indomáveis.


Recabarren era o seu nome.




XXXIX
Recabarren (1921)

Seu nome era Recabarren.


Bonachão, corpulento, espaçoso,
claro olhar, cara firme,
sua vasta compostura cobria,
como a areia numerosa,
as jazidas da força.


Olhai no pampa da América
(rios ramais, clara neve,
cortes ferruginosos)
o Chile com a sua destroçada
biologia, como um ramo
arrancado, como um braço
cujas falanges dispersou
o tráfico das tormentas.

Sobre as áreas musculares
dos metais e o nitrato,
sobre a atlética grandeza
do cobre recém-escavado,
o pequeno habitante vive,
acumulado na desordem,
como um contrato apressado,
cheio de meninos maltrapilhos
estendidos pelos desertos
da superfície salgada.


É o chileno interrompido
pela demissão ou a morte.


É o duríssimo chileno
sobrevivente das obras
ou amortalhado pelo sal.


Ali chegou com seus panfletos
este capitão do povo.

Pegou o solitário ofendido
que, enrolando suas mantas rotas
em seus filhos famintos,
aceitava as injustiças
encarniçadas, e lhe disse:
“Junta tua voz a outra voz”,
“Junta tua mão a outra mão”.

Foi pelos rincões aziagos
do salitre, encheu o pampa
com sua investidura paterna
e no esconderijo invisível
toda a miséria o viu.


Chegou cada “galo” ferido,
chegou cada um dos lamentos:
entraram como fantasmas
de pálida voz triturada
e saíram de suas mãos
com uma nova dignidade.

Em todo o pampa se soube.

E foi pela pátria inteira

fundando povo, levantando
os corações quebrantados.

Seus jornais recém-impressos
entraram nas galerias
do carvão, subiram ao cobre,
e o povo beijou as colunas
que levavam pela vez primeira
a voz dos atropelados.


Organizou as soledades.

Levou os livros e os cantos
até os muros do terror,
juntou uma queixa a outra queixa,
e o escravo sem voz nem boca,
o extenso sofrimento,
se fez nome, se chamou Povo
Proletariado, Sindicato,
ganhou pessoa e postura.


E este habitante transformado
que se construiu no combate,
este organismo valoroso,
essa implacável tentativa,
ate metal inalterável,
esta unidade das dores,
esta fortaleza do homem,
este caminho para amanhã,
esta cordilheira infinita.

esta germinal primavera,
este armamento dos pobres,
saiu daqueles sofrimentos,
do mais fundo da pátria,
do mais duro e mais ferido,
do mais alto e mais eterno
e se chamou Partido.

Partido
Comunista
Esse foi o seu nome.

Grande foi a luta.
Caíram
como abutre os donos do ouro.

Combateram com a calúnia.

“Esse Partido Comunista
é pago pelo Peru,
pela Bolívia, pelos estrangeiros.


Caíram sobre as impressoras,
adquiridas gota por gota
com o suor dos combatentes,
e ao atacaram, quebrando-as,
queimando-as, esparramando
a tipografia do povo.

Perseguiram Recabarren.

Negaram-lhe entrada e trânsito.

Ele, porém, congregou sua semente
nos socavões desertos
e o baluarte foi defendido.


Então, os empresários
norte-americanos e ingleses,
seus advogados, senadores,
seus deputados, presidentes,
verterem o sangue na areia.

Acurralaram, amarraram,
Assassinaram nossa estirpe,
A força profunda do Chile,
Deixaram junto às veredas
Do imenso pampa amarelo
Cruzes de operários fuzilados
Nas franjas da areia.


Uma vez em Iquique, na costa,
Mandaram buscar os homens
Que pediam escola e pão.

Ali, confundidos, cercados
Num pátio, foram dispostos
Para a morte.


Dispararam
Cm sibilante metralhadora,
Com fuzis taticamente
Dispostos, sobre a pilha
Amontoada de operários adormecidos.

O sangue encheu como um rio
A areia pálida de Iquique,
E lá está o sangue tombado,
Ardendo ainda sobre os anos
Como uma corola implacável.

Sobreviveu porém a resistência.

A luz organizada pelas mãos
de Recabarren, as bandeiras rubras
foram das minas aos povoados,
foram às cidades e aos sulcos,
rodaram com as rodas ferroviárias,
assumiram as bases do cimento,
ganharam ruas, praças, granjas,
fábricas afligidas pelo pó,
chagas cobertas pela primavera:
tudo cantou e lutou para vencer
na unidade do tempo que amanhece.


Quanta coisa se passou desde então.

Quanto sangue sobre sangue,
quantas lutas sobre a terra.

Horas de esplêndida conquista,
triunfos conquistados gota a gota,
ruas amargas, derrotadas,
zonas escuras como túneis
traições que pareciam
cortar a vida com seu fio,
repressões armadas de ódio,
coroadas militarmente

A terra parecia afundar.


Mas a luta permanece.



Oferta (1949)

Recabarren, nesses dias
De perseguição, na angústia
de meus irmãos relegados.

combatidos por um traidor,
e com a pátria envolta em ódio,
ferida pela tirania,
recordo a luta terrível
de tuas prisões, de teus passos
primeiros, tua solidão
de torreão irredutível,
e quando, saindo do páramo,
um e outro homem a ti vieram
para congregar a massa
do pão humilde defendido
pela unidade do povo augusto.



Pai do Chile
Recabarren, filho do Chile,
pai do Chile, pai nosso,
em tua construção, cm tua linha
urdida em terras e tormentos
nasce a força dos dias
vindouros e vencedores.


És a pátria, pampa e povo,
areia, argila, escola, casa,
ressurreição, punho, ofensiva,
ordem, desfile, ataque, trigo,
luta, grandeza, resistência.


Recabarren, sob o teu olhar
juramos limpar as feridas
mutilações da pátria.


Juramos que a liberdade
levantará sua flor nua
sobre a areia desonrada.


Juramos continuar teu caminho
Até a vitória



XL
Prestes do Brasil (1949)

Brasil augusto, quanto amor quisera
para estender-me em teu regaço,
para envolver-me em suas folhas gigantes,
em desenvolvimento vegetal, em vivo
detrito de esmeraldas: espia-te,
Brasil, dos rios
sacerdotais que te nutrem,
dançar nos terraços à luz
da lua fluvial, e repartir-me
por teus desabitados territórios
vendo sair do barro o nascimento
de grossos bichos rodeados
de metálicas aves brancas.


Quanta lembrança me darias.

Entrar de novo na alfândega,
sair pelos bairros, cheirar
teu estranho rito, baixar
a teus centros circulatórios,
a teu coração generoso.


Mas não posso.


Uma vez, na Bahia, as mulheres
do bairro dolorido,
do antigo mercado de escravos
(onde hoje a nova escravidão, a fome,
o trapo, a condição dolente,
vivem como antes na mesma terra),
me deram umas flores e uma carta,
umas palavras ternas e umas flores.


Não posso apartar a voz de quanto sofre.

Sei quanto me dariam
de invisível verdade as tuas espaçosas
ribeiras naturais.

Sei que a flor secreta, a agitada
multidão de mariposas,
todos os férteis fermentos
das vidas e dos bosques
me esperam com a sua teoria
de inesgotáveis umidades,

mas não posso, não posso

senão arrancar do teu silêncio
uma vez mais a voz do povo,
elevá-la como a pluma
mais fulgurante da selva,
deixá-la a meu lado e amá-la
até que cante por meus lábios.


Por isso vejo Prestes caminhando
para a liberdade, para as portas
que parecem em ti, Brasil, fechadas,
cravadas à dor, impenetráveis.

Vejo Prestes, sua coluna vencedora
da fome, cruzando a selva,
até a Bolívia, perseguida
pelo tirano de olhos pálidos.

Quando volta a seu povo e toca
o seu campanário combatente,
o encerram, e a sua companheira
entregam ao pardo verdugo
da Alemanha.


(Poeta, buscas em teu livro
as antigas dores gregas,
os orbes acorrentados
pelas antigas maldições,
correm as tuas pálpebras torturadas
pelos tormentos inventados,
e não vês em tua própria porta
os oceanos que batem
no sombrio peito do povo.
)
No martírio nasce a sua filha.

E ela desaparece
a golpe de machado, no gás, tragada
pelos lamaçais assassinos
da Gestapo.


Oh, tormento
do prisioneiro! Oh, indizíveis
padecimentos separados
de nosso ferido capitão!
(Poeta, apaga de teu livro
a Prometeu e sua corrente.

A velha fábula não tem
tanta grandeza calcinada,
tanta tragédia aterradora.
)

Onze anos eles guardam Prestes
detrás das barras de ferro,
no silêncio da morte,
sem que se atrevam assassiná-lo.


Não há notícias para seu povo.

A tirania apaga o nome
de Prestes em seu mundo negro.


E onze anos seu nome foi mudo.

Viveu sem nome como uma árvore
em meio a todo o seu povo,
reverenciado e esperado.


Até que a liberdade
foi buscá-lo em seu presídio,
e saiu de novo à luz,
amado, vencedor e bondoso,
despojado de todo 0 ódio
que lançaram sobre a sua cabeça.


Lembro que em 1945
estive com ele em São Paulo.

(Frágil e firme sua estrutura,
pálido como o marfim
desenterrado na cisterna,
fino como a pureza
do ar nas solidões,
puro como a grandeza
custodiada pela dor.
)
Pela vez primeira a seu povo
falava, no Pacaembu.

O grande estádio pululava
de cem mil corações vermelhos
que espetavam vê-lo e tocá-lo.

Chegou em uma indizível
onda de canto e ternura,
cem mil lenços saudavam
como um bosque a sua boa-vinda.

Ele olhou com olhos profundos
a meu lado, enquanto falei.




XLI
Dito no Pacaembu (Brasil, 1945)

Quantas coisas quisera hoje dizer, brasileiros,
quantas histórias, lutas, desenganos, vitórias,
que levei anos e anos no coração para dizer-vos, pensamentos
e saudações.
Saudações das neves andinas,
saudações do oceano Pacífico, palavras que me disseram
ao passar os operários, os mineiros, os pedreiros, todos

os povoadores de minha pátria longínqua.

Que me disse a neve, a nuvem, a bandeira?
Que segredo me disse o marinheiro?
Que me disse a menina pequenina dando-me espigas?

Uma mensagem tinham: Era: Cumprimenta Prestes.

Procura-o, me diziam, na selva ou no rio.

Aparta suas prisões, procura sua cela, chama.

E se não te deixam falar-lhe, olha-o até cansar-te
e nos conta amanhã o que viste.


Hoje estou orgulhoso de vê-lo rodeado
por um mar de corações vitoriosos.

Vou dizer ao Chile: Eu o saudei na viração
das bandeiras livres de seu povo.


Me lembro em Paris, há alguns anos, uma noite
falei à multidão, fui pedir auxílio
para a Espanha Republicana, para o povo em sua luta.


A Espanha estava cheia de ruínas e de glória.

Os franceses ouviam o meu apelo em silêncio.

Pedi-lhes ajuda em nome de tudo o que existe
e lhes disse: Os novos heróis, os que na Espanha lutam, morrem,

Modesto, Líster, Pasionaria, Lorca,
são filhos dos heróis da América, são irmãos
de Bolívar, de O'Higgins, de San Martín, de Prestes.

E quando disse o nome de Prestes foi como um rumor imenso
no ar da França: Paris o saudava.

Velhos operários de olhos úmidos
olhavam para o fundo do Brasil e para a Espanha.


Vou contar-vos outra pequena história.

Junto às grandes minas de carvão, que avançam sob o mar,
no Chile, no frio porto de Talcahuano,
chegou uma vez, faz tempo, um cargueiro soviético.


(O Chile não mantinha ainda relações
com a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas.

Por isso a polícia estúpida
proibiu que os marinheiros russos descessem,
e que os chilenos subissem.
)
Quando a noite chegou
vieram aos milhares os mineiros, das grandes minas,
homens, mulheres, meninos, e das colinas,
com suas pequenas lâmpadas mineiras,
a noite toda fizeram sinais, acendendo e apagando,
para o navio que vinha dos portos soviéticos.


Aquela noite escura teve estrelas:
as estrelas humanas, as lâmpadas do povo.


Também hoje, de todos os rincões
da nossa América, do México livre, do Peru sedento,
de Cuba, da Argentina populosa,
do Uruguai, refúgio de irmãos asilados,
o povo te saúda, Prestes, com suas pequenas lâmpadas
em que brilham as altas esperanças do homem.


Por isso me mandaram, pelo vento da América,
para que te olhasse e logo lhes contasse
como eras, que dizia o seu capitão calado
por tantos anos duros de solidão e sombra.


Vou dizer-lhes que não guardas ódio.

Que só desejas que a tua pátria viva,

E que a liberdade cresça no fundo
do Brasil como árvore eterna.


Eu quisera contar-te, Brasil, muitas coisas caladas,
carregadas por estes anos entre a pele e a alma,
sangue, dores, triunfos, o que devem se dizer
o poeta e o povo: fica para outra vez, um dia.


Peço hoje um grande silêncio de vulcões e rios.


Um grande silêncio peço de terras e varões.


Peço silêncio à América da neve ao pampa.


Silêncio: com a palavra o Capitão do Povo.


Silêncio: Que o Brasil falará por sua boca.




XLII
De novo os tiranos

Hoje de novo a caçada
se estende por todo o Brasil,
procura-o a fria cobiça
dos mercadores de escravos:
em Wall Street decretaram
a seus satélites porcinos
que enterrassem os seus caninos
nas feridas do povo,
e começou a caçada
no Chile, no Brasil, em todas
as nossas Américas arrasadas
por mercadores e verdugos.


Meu povo escondeu meu caminho,
cobriu meus versos com as mãos,
da morte me preservou,
e no Brasil a porta infinita
do povo fecha os caminhos
onde Prestes outra vez
rechaça de novo o malvado.


Brasil, que te seja salvo
o teu capitão doloroso,
Brasil, que não tenhas amanhã
de recolher de sua lembrança
fibra por fibra a sua efígie
para erguê-la em pedra austera,
sem tê-lo deixado no meio
de teu coração desfrutar
a liberdade que ainda, ainda
pode conquistar-te, Brasil.




XLIII
Chegará o dia

Libertadores, neste crepúsculo
da América, na despovoada
escuridão da manhã,
eu vos entrego a folha infinita
dos meus povos, o regozijo
de cada hora de luta.


Hussardos azuis, tombados
na profundidade do tempo,
soldados em cujas bandeiras
recém-bordadas amanhece,
soldados de hoje, comunistas,
combatentes herdeiros
das torrentes metalúrgicas,
escutai a minha voz nascida
nas galerias, erguida
à fogueira de cada dia
por simples dever amoroso:
somos a mesma terra, o mesmo
povo perseguido,
a mesma luta cinge a cintura
da nossa América:
Vistes
pelas tardes a cova sombria
do irmão?

Transpassastes a sua tenebrosa vida?
O coração disperso
do povo abandonado e submerso!

Alguém que recebeu a paz do herói
a guardou em sua adega, alguém roubou os frutos
da colheita ensangüentada
e dividiu a geografia
instituindo margens hostis,
zonas de desolada sombra cega.


Recolhei das terras o confuso
pulsar da dor, as solidões,
o trigo dos solos debulhados:
algo germina sob as bandeiras:
a voz antiga nos chama novamente.

Descei às raízes minerais,
e às alturas do metal deserto,
tocai a luta do homem na terra,
através do martírio que maltrata
as mãos destinadas à luz.


Não renuncieis ao dia que vos entregam
os mortos que lutaram.
Cada espiga
nasce de um grão entregue à terra,
e como o trigo, o povo inumerável
junta raízes, acumula espigas,
e na tormenta desencadeada
sobe à claridade do universo.

Não seria capaz de te escrever um poema confesso,
um poema capaz de autenticidade e odor?
Fico onde estou, mascarando o sofrimento, sozinho,
sem necessitar da simplicidade da saudação triste;
corro o olhar, à vista de um olho vermelho, todo
segredo binário transforma-se em conto...

Será que lhe roubei o sossego? Meu corpo vertido em fumaça,
movimentando-se como bailarina, roçando teu ventre:
apresentas-te sofreguidão e descaso, re-flexo opaco;
como vou olhar-te sem desejar-te o contato caro,
o sussurro perto da nuca, teu cheiro que me corta.
Penso antes que roubaste-me a paz e nada de bom
restou desta história morta.

Em pleno meio-dia, parado aqui, nesta rua, aguardando um
beijo indeciso, estás querendo derreter-me; verás
como se comporta um triste ice cub orvalhado,
umedecendo o vale entre teus seios belos e pequenos,
descendo por tua barriga como uma língua ardente.
Custa-me pensar que do teu lado sou uma criança tola...

Quando penso em ti, minha cabeça dói; como fosses
sair de lá, por acreditar-me afim a Zeus: mas
que vão apelo à Natureza. Revelo-me miserável!
A vontade necessária para tanto não é consistente!
Antes, zelo por estares aconchegada e quente, então,
nos pequenos fios condutores de minha parca luz.

Ah! como quero poder descrever e dissertar, e assim
escrever-te um romance para as horas fúteis, mas
tenho pouca memória (pouca vitamina, talvez) e
sintetizo a vida analisando o dia por vez.
Teria que ser um conto, ainda que aprecies o canto.
Teria que ser uma curta história, que deixa saudade;

Miss me? Eu sinto tanta falta, me falta força para
seguir-me fartando a vida, na falta e na tortura;
fazer-te nova escultura, servir-me-ás como modelo.
Mas estou longe e tua imagem é vaga e sombria.
Quero lançar-me às pedras, ou antes, fazer delas
talismãs, teus voodoos secretos, uma fruta saborosa.

Quero me lambuzar de cores variadas e pintar-te
o corpo, quem sabe deixar de ser tão cínico.
O amor de Prometeu, o amor de Dioniso, o amor de Zeus,
que mais posso desejar-te como signo fatal?
"Demos as mão e ao correr juntos, esbarramos em fórmulas
mal-ditas e satíricas, de refrões seculares".

Já vimos juntos o arrebol? É um risco a mais;
metáforas espessas, o que podem expressar?
Pergunta-se do que "sub-jaz" ou do que "aparece"?
Tento acreditar em "Lethes", deixar-te na memória,
escorregarem-se os dias nestes rios fluentes;
estamos navegando à deriva de uma intersecção de setas.

E ainda a alma rebelde que me cospe o rosto:
constrange-me o suicídio, por ser uma utilidade inútil.
O sonho está diminuindo; a estrada, eu sempre
retorno àquele mesmo ponto, encruzilhada de
escolhas, no mais das vezes, interpeladas pela barbaridade.
Tenho medo do exílio de teus olhos, no assalto ao céu...

Assim quer o Deus? Desenhos de fumaça, crianças brincam,
a vida correndo mais um setembro, construindo o caráter
da prima-vera, sob auspícios diversos e be careful!.
Acredito realmente na guerra e na morte, mas não
na dor. Como se estivesse perdido no caminho,
mesmo sabendo exatamente onde me encontro.

Mesmo pre-sentindo que tudo correrá como antes e
poderei beijar-te cálida ou calorosamente, assim
exijo uma seta para o arco que curva sóbrio:
teu suor em minha boca, teus sais para salvar-me
da solidão, teu sexo para energizar minhas glândulas.
Ou somente o teu cheiro, teu olhar, e go away alone.

Veja, os animais, todos se soltaram: veja o coelho
Bob Dylan e a galinha Janis, o porco Rotten;
corra, ou vamos perdê-los! Agora, pastor!
Traga-me o vinho do odre mais antigo, comemore
comigo o brotar da estação, dilacera-me com
teu punhal, pareço anestesiado? Serei símbolo-diverso?

Deita do meu lado esquerdo, cobre-me com teu corpo,
para sentir-lhe o peso; diga-me apenas querido e
já a música inquietante absorve-nos em cristais.
Lamento não poder gritar! Lamento a guerra e o
rosto no espelho. O que estou fazendo? Nada.
"Não é nada orgânico, obrigado". Ecos primaveris.

Passa o passo rápido no
auge do contraste que
sobe ou desce e que
seca e umedece agora...
Alçou vôo e desapareceu,
roçou o enjôo e vomitou,
olvidou voar como pássaro...

Um vento que rodeia minha amada, um vento quente
do norte, aliás, tórrido e puro éter, e mudança
de modo-contínuo, mesmo sendo um e o mesmo,
movimento ávido do mesmo calor, estátua na chuva!

Preciso preencher uma ânsia de vacuidade e dispersão,
para arrebatar a lâmina de tua mão, naquele dia,
quando os medos e paixões subsistiram num gesto;
quando mudas o fim do poema e descubro que foi

antigamente projetado e me vejo nele feliz e
absorto por ser divinamente dirigido a ti,
em todas as súplicas surdas e canções, em

novas re-edições de línguas mortas, que não se tocam
mais, que feneceram por falta de uso devido
ou mesmo impróprio. Não houve o fato. Ridículo?

Pange língua gloriosi
corporis mysterium:
Bernardo de Clairvaux atravessou os Alpes vinha de
Roma e trazia uma relíquia — o dente de São Cesário
pela Ibiapaba pela Mantiqueira os Pirineus e os Kárpatos
por Lisboa e Padova onde a língua de Antônio — trago
por nova York Buenos Aires e São Paulo
uma relíquia e calem-se
os pregões da Bolsa
trago a língua de Apolo a língua viva e pange a língua
do corpo glorioso o oráculo celeste.

Desce a tarde sobre os ananazes
e as mangabas verdes e os cajus vermelhos
em Feira de Santana:
consulto a bússola
onde o Norte da Musa — ali
é o pomar onde colher a viagem madura
e à sombra das mangueiras
entre as folhas morena
Antonieta Mello fundava a dor sagrada e a flor
do puro coração
e canto agora
aos céus de Mecejana
seu sorriso triste sua lágrima
seu lírio imarcessível enquanto
desçam as tardes sobre os ananazes:
abre, menina, o coração
na serena madrugada,
se o coração não me abrires
eu não sou eu nem sou nada:
pois junto
das de coração alanceado eu sou eu
sou eu
e amor
e dor,
Apolo,
e as amorosas e as dolorosas
sabem meu nome e a porta
de minha casa:
pois canto agora Antonieta Mello e um dia
desta partitura para flauta doce
em tua língua, Apolo, hão de dizer
que entre Alecrim e as Quintas
Antonieta Mello teve um cantor

Pange língua — pois canto no caminho
as coisas e as pessoas do caminho
do país dos Mourões a teu país, Apolo,
e teu país é meu caminho — e meu caminho
é minha residência
— pois
sobre meus pés caminho
e ao longo
de minha sombra —
e minha sombra
responde ao sol e à lua
seu mapa essencial:
não viajo de mim —
nesta fronteira
Ich bin der Markgraf
e o margrave marca
sua fronteira
e sua
fronteira é sua sombra
e habito minha sombra e sou
cartógrafo de seu mapa sob a planta
dos pés limito minha nação
pois natural
de praça e rua de monte e val
a pura sombra
dá deferência — deferimento
ao mero corpo:
ali sou eu onde o luar
defira à noite minha memória
pela raiz de minha sombra onde
o resíduo de meus dias

As viagens viajam a viagem
e além não vou
de minha sombra
sou nela imóvel
— eppur si muove —
e às vezes
passa-mo Apoio as rédeas de seu carro de fogo

E pelo lago
do céu pisando estrelas
até
a lapa do mundo galopavam
os cascos faiscantes:
um dia sobre as areias de Paranaguá
caminhava uma estrela:
para tua cabeça
aluguei uma estrela
para tua cabeça noite dia o diadema
de um beijo
em teus cabelos fulgurei — e o cometa
coruscante na omoplata banhou
o espinhaço moreno

no céu curvo e profundo
fundiu-se e resta
a glória moribunda
de sua coma
desde
até
e um dia me disseste:
"faz um milagre"

escrevia com o dedo sobre a página
"faz um milagre" — pedias
escrevia com o dedo sobre a areia
a rima de seu nome —
"faz um milagre"
e o dedo incandescente ejaculava cometas
à rima de seu nome

In firmamento coeli rorabam coeli desuper
e enquanto
os perfumes perguntam por teu seio
nubes pluant rosam e o trevo
de teu nome responde

no orvalho da madrugada:
poeta, ego
íncola dos trevos — íncola
de um trevo
desde
até
pois alí oh laudes regis — calida latet
el trébol — el trébol
ó oriunda de Calíope

a rosa veste a túnica e um perfume
de talictres silvestres veste o trevo
amante amore amavi amatam
desde as celestes fugitivas
e Carmen (carminum)
até

Poema I

Amor,
porque te consigo imaginar
o gosto da boca,
a força dos braços,
o calor do corpo,

porque te consigo imaginar
a luz do olhar
o pulsar do peito
o faminto desejo

me dou,
em tremor profundo,
ainda que me desmanche
inteira
em seiva, gemidos, sussurros,
me tornando dessa maneira
em alguns versos do nosso
livro ...

Poema II

Em minhas mãos,
entregaste o corpo alvo
e nu ,
de incenso e mirra esquecido,
permitindo tatuar o vale
com a lava do vulcão
amanhecido
juntos, derramados os pudores em
branda taça,
um torpor de vinhos nos cimos
duros, debruçado o grito em tua âncora,
meu espanto findo

Iniciando escrever o livro
transfiro em ti a minha força, vinda
do vermelho das ameixas
roxas,
quando teu corpo sobre o meu
derramado, calar a sede da serpente
hirta.

Na página primeira escrita
à memória do milenar gozo
no alvo corpo a escorrida lava
desmente a aridez da futura estrada.

Poema III

Porque te amo
me divido, e em mim se multiplica
o que antes sem saber
subtraído me havia.
Do cântaro no peito ressecado
renasceu a flor que não morrera,
pois que estava em nós, e não
sabíamos
pois que nos lambera, e não
sentíamos.
O teu rosto desconhecido perpetua a
chama , que no peito ainda ardia.

Porque te amo
louco me derramo, corajoso e vasto
entre as lavas do teu vulcão em
chamas,
e nos teus olhos me revejo
cálice, âmbula, patena e sacrário
inteira catedral de êxtase erguida

Nos teus braços
do cansaço me exilo,
ao longe numa curva do caminho,
vejo
o meu retrato de ontens pendurado,
do riso frouxo que da boca se me
expande,

o silêncio pleno de vidraças que se
abrem.
Em tua boca, gestamos nosso
vinho
no seio túmido, a flor que
embriaga,
em nosso gozo,
um poema de Hilda Hilst.

Poema IV

À sombra do pessegueiro,
aconchegada no meu peito
em silêncio, a solidão
urdia o caminho dos nossos passos
nos mails tímidos, travados
na virtual estrada descoberta

Tomei para mim o teu ardor
de fome de ontens tecida,
tomei toda a febre das tuas dores,
tomei-a em júbilo até o apagar
das tuas cinzas, de nomes esquecidas

Passo a passo ensaiei, cingir
em grilhões a desesperança
e nos dividimos para sermos únicos

Poema V - O Recado

Estarei ausente da tua ceia, mas deixo o pão em beijo transformado,
e mesmo que as minhas bússolas,
navegassem rotas,
encontrariam a sombra do
pessegueiro azul em teu corpo
refletido.

Dos astrolábios tantos
que nos guiaram os passos
de quilhas, conveses e tombadilhos
que nos encheram os sonhos,
estarei na milenar memória das tuas
mãos
na hora de cortares o pão,
e no cálice ausente, de vinhos e
ontens sorvido

Espera-me amor!
abre a janela e me deixa ver refletida
a tua luz.
A estrela que me guia os passos
enlouquecida de sombras,
haverá de reconhecer o teu sinal
e o advento estará em nossas mãos,
... lúdicas mãos,
de amanhãs tecida.

Poema VI

Chove lá fora,
na minha janela
a chuva insiste em dizer
que por um momento,
me exilei de você

Caiu a linha,
lá fora é noite fria
e sem estrelas onde vê-la

Nesse instante
carrego a solidão do mundo

lembro do teu riso
ao dizer-me manco
e lembro do teu pranto
ao incomentar a renda preta

Ainda chove lá fora
pe é estranho... não somos os
dois a sentir o frio.

Poema VII

Tens no seio nu
o segredo das minhas algemas
e do incansável galopar do meu
corcel
na busca embriagada do teu mel,
porque não me basta
a memória escrita do teu rosto,
nem me alcança
as janelas abertas
onde derramamos nossa solidão, e
ainda que por mil anos
galope a crina azul do meu cavalo,
o meu segredo
inatingível em tuas mãos,
escutará somente o arpejo
de correntes,
desandadas em tua busca.

Poema VIII

Porque me sabe a boca
o teu gosto, por dentro e fora
revelado,
em nuvens meus sentidos
se desfaz, enquanto sacralizo o vinho
amanhecido na tua concha pérola

Porque te descobri me deixei ficar
nas tuas ilhas, conquistado,
e me fiz pescador , dos teus silêncios,
dos frêmitos esquecidos
no tremor da carne nua, e
porque me sabe a boca o teu gosto,
te faço um poema com o sabor da lava
escorrida no meu peito.

Sinto o grito do vulcão
em minha língua enternecido,
e o rio desaflito em plena noite derramado
nas correntezas do prazer e da poesia

Me toma, conquistado por querer,
me leva, e me perde no teu canto,
deixe que sepulte o meu inferno
e esqueça a ira dos mares navegados,
renasça em mim o brilho do anjo e do demônio
igualmente opostos na carne da mesma carne,
me faça em carneiro e lã, ou musgo em cama macia,
me deite, me nine, ordene,
me ame, me ame, me ame.

I.

Artigas crescia entre os matagais e foi tempestuoso seu passo
porque nas pradarias crescendo o galope de pedra ou sino
chegou a sacudir a inclemência do páramo como repetida centelha,
chegou a acumular a cor celestial estendendo os cascos sonoros
até que nasceu uma bandeira empapada no uruguaio orvalho.

II.

Uruguai, Uruguai, uruguaiam os cantos do rio uruguaio,
as aves turpiales17, a rola de voz malferida, a torre do trovão uruguaio
proclamam o grito celeste que diz Uruguai no vento
e se a cascata redobra e repete o galope dos cavaleiros amargos
que para a fronteira recolhem os últimos grãos de sua vitoriosa derrota
se estende o uníssono nome do pássaro puro,
a luz de violino que batiza a pátria violenta.

III.

Oh, Artigas, soldado do campo crescente, quando para toda a tropa bastava
teu poncho estrelado por constelações que tu conhecias,
até que o sangue corrompe e redime a aurora, e acordam teus homens
marchando atormentados pelas poeirentas ramagens do dia.
Oh pai constante do itinerário, caudilho do rumo, centauro da poeirada!

IV.

Passaram-se os dias de um século e se seguiram as horas atrás de teu exílio,
atrás da selva enredada por mil teias de aranha de ferro,
atrás do silêncio em que só caíam os frutos podres sobre os pântanos,
as folhas, a chuva desencadeada, a música do urutau,
os passos descalços dos paraguaios entrando e saindo no sol da sombra,
a trança do látego, os cepos, os corpos roídos por
escaravelhos:
um grave ferrolho se impôs apartando a cor da selva
e o arroxeado crepúsculo fechava com seus cinturões
os olhos de Artigas que buscam em sua desventura a luz uruguaia.

V.

“Amargo trabalho o exílio” escreveu aquele irmão de minha alma
e assim o entretanto da América caiu como pálpebra escura
sobre o olhar de Artigas, ginete do calafrio,
oprimido no imóvel olhar de vidro de um déspota, em um reino vazio.

VI.

Tua América tremia com penitenciais dores:
Oribes, Alveares, Carreras, nus corriam para o sacrifício;
morriam, nasciam, caíam; os olhos do cego matavam; a voz dos mudos
falava. Os mortos, por fim encontraram partido,
por fim conheceram seu bando patrício na morte.
E todos aqueles sangrentos souberam que pertenciam
à mesma fila: a terra não tem adversários.

VII.

Uruguai é palavra de pássaro, ou idioma da água,
é sílaba de uma cascata, é tormento de cristalaria,
Uruguai é a voz das frutas na primavera fragrante,
é um beijo fluvial dos bosques e a máscara azul do Atlântico.
Uruguai é a roupa estendida no ouro de um dia de vento,
é o pão na mesa da América, a pureza do pão na mesa.

VIII.

E se Pablo Neruda, o cronista de todas as coisas te devia, Uruguai, este canto,
este canto, este conto, esta migalha de espiga, este Artigas,
não faltei a meus deveres nem aceitei os escrúpulos do intransigente:
esperei uma hora quieta, espreitei uma hora inquieta, recolhi os herbários do rio,
submergi minha cabeça em tua areia e na prata dos
peixes-reis,
na clara amizade de teus filhos, em teus desmantelados mercados
acender-me-ei até sentir-me devedor de teu olor e de teu amor.
E talvez está escrito o rumor que teu amor e teu olor me outorgaram
nestas palavras escuras, que deixo em memória de teu capitão luminoso.
Não há ciência para nós, nem o corpo é semente dispersa
de uma memória exacta. Somos tu e eu, elevados da terra
a um círculo de luz, espessa música. Descansa em minha
sombra para lá da superfície do tempo, escreve-se a noite
a toda a largura do mundo que prossegue sem nos ver.
Nada pode fixar-se ou ganhar forma, pois forma já não
temos quando tuas asas curvas desenham o movimento
do fogo. Aperto-te contra mim; nada do que se possa dizer
convém à dor de carne suada, morre-se de um beijo com
um grito dentro e a paisagem, límpida, pode quebrar-se
em nossas mãos. Sobrevive-nos a cor incendiada, porém,
porque só o irrepetível se eterniza e só o humano é divino.
Ergue-me, assim, de uma vida cheia de sangue.
Deixa-me ir, primeiro os pés, a luminescência, depois
o tronco, húmido, levitando nas entranhas de água, a cabeça
já sem rosto pregada a uma estrela cadente na cicatriz
de um chão sacro. Vê como a alucinação traz meu coração
de sal ao desastre da boca, áspero lugar, crepúsculo primeiro,
falha. Desejo-te quando caminhas por entre a seiva, fechado
à distância do lápis. Empurra-me agora, vagarosamente,
sem despedidas trágicas ou poemas flutuantes, sob a linha
recta da voz. O riso de Deus é trémulo e cintilante. E o anjo,
criança sábia, nada diz. As palavras morrem se forem ditas.
Sou o Autor, diz o Autor, e aproxima-se das pessoas que estão simplesmente a assistir e lhe deixam, a ele, a solidão incólume.
Boa-noite.
E as pessoas que assistem são estátuas com cabelo, um sorriso talvez — com esse ar ambíguo das estátuas: branco, fatal, atónito.
As estátuas não têm amor nem adivinhação.
Estão cravadas nas poltronas e nada fazem por esse Autor repentinamente aparecido no meio de sombras e luzes.
Contudo, esperemos ao menos que não sejam os «juízes».
São majores, advogados, comerciantes, professores.
Estátuas sentadas.
Estava ali a pensar, há pouco, para que serve aparecer.
(Ele refere-se, evidentemente, a um momento teatral anterior, que pode desenhar-se desta maneira:
O pano sobe.
A cena encontra-se na obscuridade.
Três panejamentos negros cobrem o fundo e os lados do palco.
A um canto, ao fundo, de preferência à esquerda, está um homem sentado numa poltrona de couro.
Fuma.
Tem ao lado um cinzeiro de pé alto.
Nada mais existe no palco.
O homem expele o fumo com força, uma última vez, e atira o cigarro para o cinzeiro.
Ergue-se devagar.
As luzes aumentam de intensidade sem, no entanto, iluminarem francamente a cena.)
Não serve para nada, continua, a menos.
Levanta um dedo, e todo o corpo como que se precipita para o alto desse jacto de energia.
A menos que se execute um milagre.
E toda a sala permaneceria muda e à margem da (miraculosa) solidão, se o Demónio, que passava pelos corredores, não tivesse encontrado a porta entreaberta e, espreitando, não dissesse: um milagre?
Sim, responde o Autor, um pequeno milagre.
Aqui é o lugar da malícia do Demónio.
Pequeno?, pergunta.
Então o Autor diz que tentará explicar.
Massas de sombra e de luz esperam atrás dele.
O espaço onde se encontra hesita entre vários, inconcluídos pensamentos.
Nem a temperatura, a pressão, a humidade se fixaram.
Eu apareço como exemplificador — mostro o estilo, o exemplo.
Um operário em fato-macaco levanta um dos panos laterais e introduz em cena meio corpo.
Pergunta: começa-se?
Ainda não, responde o Autor, estou a explicar umas coisas.
Quando acabar, chame, diz o operário, e desaparece.
Senhores militares, estudantes, médicos — minhas senhoras — meus senhores — ides assistir a um acto simbólico.
É esse o milagre, o pequeno?, pergunta o Demónio no fundo da sala.
Sim, é esse — e é pequeno.
Bate palmas, e entram alguns operários.
Agora?, perguntam.
Os operários saem e voltam com uma carpete, cadeiras, pequenas mesas e o mais que possa interessar para que surja uma sala-de-estar segundo a convenção.
Um momento, interrompe o Autor.
E os operários conservam-se a um canto, pacientemente à espera de poderem arrumar os móveis e objectos.
Eu ia pedir-vos, senhoras, senhores, para aceitardes o direito de poder imaginar a acção um pouco como quisésseis.
O que aqui se passar poderia passar-se noutro sítio qualquer, com pessoas diferentes e de maneira diversa.
Mete pessoas?, pergunta o Demónio.
Não haverá sempre pessoas?, não estaremos por acaso — tu, eu — bloqueados, sufocados, esmagados por pessoas? — há sempre pessoas.
E as pessoas estão em baixo, sorrindo, olhando — talvez, talvez.
Enfim, procuro defender o meu símbolo, apesar de tudo.
Podeis começar, senhores operários.
E para vós, senhoras, senhores, que simplesmente assistis, vou fazer, enquanto eles dão a este espaço o aspecto concreto da realidade, um pequeno truque de prestidigitação.
Uma coisa poética, pela qual procurarei dar a impressão de que repito o acto iluminante do Génesis.
É o milagre?, perguntam impertinentemente do fundo da sala.
Um milagre que não é precisamente uma arbitrariedade.
Os poetas arrogam-se o direito de recomeçar o mundo.
Aqui principia o mundo, se é verdade que pode principiar em qualquer parte e tempo.
E então arregaça as mangas do casaco como um prestidigitador de circo.
Mostra as mãos, de um lado e de outro.
Nada na manga, diz o Demónio.
Com efeito, nada na manga.
Dirige-se para os panejamentos negros que puxa, e caem, deixando à vista as paredes com estantes de livros, quadros, retratos de família, etc.
Bonito, não é?
Fiat lux!
E a luz fez-se.
Olha subtilmente para as estátuas, enquanto ao fundo rebenta uma gargalhada.
Depressa, diz para os operários, esta gente espera a acção.
A acção, não é?
Pois claro.
Onde estão as portas?
Uma para comunicar com o resto da casa.
Isto é a sala-de-estar de uma família.
Ora é preciso que as pessoas entrem e saiam.
Que vivam por toda a parte, por causa da verosimilhança.
Gosto muito da verosimilhança.
E outra, outra porta para fora.
Porque podem chamar de fora, da noite, do vento, e a pessoa por quem chamam poderá querer sair.
Estavam mal as pessoas, se o Criador.
Com a licença de todos, o Criador aqui sou eu.
Se o Criador, dizia, lhes não desse uma porta.
É tudo?, pergunta o Demónio.
Tudo, sim.
E o milagre?
Bem, o milagre.
Nada há a acrescentar, senão talvez que as pessoas que simplesmente assistem nunca se movem, porventura jamais se moverão.
Talvez nem mesmo sorriam, ou olhem.
Estão sentadas, vamo-lo supor.
Sentadas e hirtas, e se calhar não chegam a compreender que é para elas tudo o que se faça.
A paixão forma-se, cresce, desloca-se à sua frente.
Alguém se esgota à sua frente — o caloroso prestidigitador, sob a ironia de um demónio devoluto, emprestado pelas fábulas.


Escreve-se.
Há as nuvens, as árvores, as cores, as temperaturas.
Há o espaço.
É preciso encontrar a nossa relação com o espaço.
Fazer escultura.
Escultura: objecto.
Objectos para a criação de espaço, espelhos para a criação de imagens, pessoas para a criação de silêncio.
Objectos para a criação de espelhos para a criação de pessoas para a criação de espaço para a criação de imagens para a criação de silêncio.
Objectos para a criação de silêncio.
Temos enfim o silêncio: é uma autobiografia.
É algo que se conquista à força de palavras.
Pode-se morrer, depois, quero dizer.
Um amigo: quando já sabemos como viver estamos prontos para a morte.
Estou descontente.
Há primavera, verão, outono e inverno — no espaço.
Começa assim o Ricardo III:
Now is the winter of our discontent
Made glorious summer by this sun of York;
And all the clouds that lourd’d upon our house
In the deep bosom of the Ocean buried.
Now are our brows with victorious wreaths;
Our bruised arms hung up for monuments;
Our stern alarums changed to merry meetings;
Our dreadful marches to delightful measures.
Gloucester não é feito para estes tempos de paz, os jogos voluptuosos, os delicados labirintos da beleza.
É monstruoso.
Why, I, in this weak piping time of peace,
Have no delight to pass away the time,
Unless to see my shadow in the sun
And descant on mine own deformity.
E ele realizará uma autobiografia activa, uma sufocante acumulação de crimes.
Uma soma de cadáveres.
Um cadáver ele mesmo, acto V, cena V.
É o silêncio dele.
Estou descontente.
Eis o inverno do meu descontentamento.
Autobiografia.
Denominação: dominação das coisas.
O amor e a palavra são belos crimes — e imperdoáveis.
E quem pode amar o crime senão o criminoso e, por vezes, devido a um ainda mais raro talento, a sua vítima?
O autobiógrafo é a vítima do seu crime.
Melhor verdade, porém, é que a única graça concedida ao criminoso é o seu próprio crime.
Estou só: escrevo.
A alegria de escrever.
A temperatura, a velocidade, a cor das palavras — a maneira.
Latejam e respiram.
Dormem e despertam — andam.
Olham para a nossa ciência e para a nossa inocência.
Amam-nos.
Descobrir o seu sistema de cristalização, ver como a luz se refracta através delas.
As montanhas deslocam-se, pela energia das palavras, aparecem pessoas, animais, girassóis, plantas negras, lugares negros — e o sol, pela energia das palavras, cria-se o silêncio, pela energia das palavras.
année par année sont des années sans années
pas par pas sont des pas sans pas
Uma notícia de jornal: uma estátua em granito, com mais de 2 metros de altura e pesando meia tonelada, desequilibrou-se e tombou sobre o escultor que a tinha feito, esmagando-o.
Porque não é assim: o homem pesa 60 toneladas, mede 22 metros de altura e 24 de largura, e ocupa uma superfície de 70 metros quadrados — é em aço inoxidável.
Escrever é perigoso.
(…)
Sim — no entanto, já me disseram isso: que eu devia ser paciente.
E os que mo disseram foram tão pacientes, pelo seu lado, que apodreceram.
Quanto a mim, tenho pressa.
Porque eu penso que vou morrer, e então como posso ser paciente?
Gostaria de escrever o livro de que tenho medo, mas os meus dias, afinal longos, são ameaçados pela esterilidade.
Nada disto é fácil.
Suporto mal a carga das experiências e inexperiências: um homem, bela fábula também para apodrecer, e (desta vez) depressa.
A minha convicção era esta: eu esgotara a cidade.
Então fiz a mala e dirigi-me para o norte.
O norte era um espaço organizado segundo outras regras, de certo modo opostas às da cidade esgotada.
A experiência que possa ou julgue ter apresenta-me o norte como um estilo ao mesmo tempo rigoroso e livre, onde as primeiras qualidades são talvez a verdade, a pureza e o esforço.
A minha vida na cidade orientava-se pelo princípio da dissipação.
O facto que eu fugia de admitir, isto é: que o livro me perseguia, o livro aterrador que eu aspirava escrever, para que fosse a minha purificação — seria colocado, o livro, o facto, seria colocado, no norte, numa nova perspectiva.
Sim.
Já me não equilibrava nas linhas do antigo estilo.
Havia peste na cidade.
Suponho que um perfeito desamor se estabelecera entre mim e os dias.
Repugnavam-me as casas brancas, a cal martelada pelo sol, e o rio — as grandes águas pesadamente luminosas.
Era a peste.
Mas a peste não é só esta face quente e branca que confunde o poder e a delicadeza dos pensamentos.
O sul comporta as noites aparentemente plácidas, de que os dias vazios são uma ambígua anunciação, onde um furor sensual empurra à embriaguez, à alegria dramática — exigência de atingir depressa os limites.
Eu vacilava então entre diversas pistas, convencido de que o ardor me guiaria ao melhor lugar, quero dizer: à exaltação mais alta.
Onde me conduzia o livro, o tema, aquela perseguição?
Que espécie de morte me vigiava — terrível e salvadora?
Em pequenos escritos de uma crueldade minuciosa mas lateral, eu fazia perguntas, e do outro lado aparecia o norte, com a fascinação da sua luz imóvel.
Era a sua fábula o que eu deveria aprender: descobrir o seu prestígio inocente.
E nessa fixa claridade desabrochariam os meus obscuros bestiários — o livro.
(…)
O livro, o livro.
Nos dias nevoentos fecho as janelas, acendo a luz forte, e deito-me no tapete.
Leio ou penso.
Ou então fumo, enquanto as camadas de silêncio se sobrepõem, e as mais pesadas descem e as mais leves se tornam pesadas, até ser impossível destruir o silêncio.
É fascinante, debaixo de uma luz que brilha tanto.
Lá fora, a terra — a terra das criaturas que se aproximam umas das outras, se tocam e falam.
O silêncio é sólido, iluminado por cima, aquecido pelos lados.
Durante seis meses fumo e leio, estendido no tapete.
Depois chega o verão, e subo à montanha, e vou para o mar.
Rebento de sol e água, do odor a terra quente e agulhas de pinheiro.
Estou tremendamente forte.
Bebo vinho.
Uma noite começo a escrever.
Tenho uma memória: nada foi esquecido.
Vem adequado agora a um vivo sentido de expressão.
Feliz, eu caminho para o esgotamento, nesses terríveis dias da fecundidade.
As pessoas perdem o nome, os acontecimentos libertam-se do seu movimento centrífugo: fica um núcleo cerrado de significações.
Inspiro-me na minha alegria, na morte acumulada.
Vivo sobre um doloroso e minucioso sentimento de masculinidade — como se isso fosse uma doença.
Poderei dizê-lo: inspiro-me no que é uma força e uma terrífica fragilidade, diante da lembrança e do esquecimento.
Depois: um ritmo, uma libertação.
Há dentro da gaveta uma rima de folhas escritas de ambos os lados.
Escrevi-as para os sombrios tempos do esgotamento.
Eu sou — e ali está a minha prova.
Dias, dias, noites inteiras — sobre o tapete, enquanto a chuva, o sol, o vento, o mundo.
Tempo consumido por uma tranquilidade imóvel.
Mas o bolbo fermenta.
Começo a andar em volta do quarto e a sair do quarto.
Sim, sim, digo eu, sim.
Ando de um quarto para outro, fechando portas, voltando atrás para abrir portas.
Depois paro e fumo diante das janelas.
Eu, diante da noite, com as mãos cobertas de sangue.
Eu, cheio de medo.
Irrisória medida pessoal: comida, urina, fezes, esperma, suor.
As unhas e os cabelos que crescem.
E a noite adiante, atrás, por cima.
Uma distância avassaladora e inóspita.
Desamor, crueldade, sensibilidade na criatura, na estranha criatura coroada com a sua comida e as suas fezes.
E sangue nas mãos, não há lágrimas — masculinidade, podridão fria.
Os papéis são um motor, trabalhando ininterruptamente; os papéis trabalham pelos dias dentro e no meio da noite.
Um tremendo motor.
Acordo de madrugada para ouvir a trepidação do motor.
Comunica-se à mesa, e da mesa ao soalho, às paredes, e a toda a casa.
É uma força espantosa.
Divago pela casa, bêbado de hesitação, dissipo-me em passos, mergulho em sonos brutais.
Uma manhã, caminho debaixo de árvores frias.
A terra trabalha à minha volta, interior e silenciosa, o mar vibra sob um céu extenuantemente liso.
Enfrento este calmo sonho do mundo, eu — o homem exaltado.
O meu poder é profundo e obscuro.
E então canto.
É uma canção essencial, ingénua — desalojada dos labirintos da ciência.
Empunho essa arma inocente, atravesso com ela meu ser dúbio, o vocabulário das contradições.
Sim, sim, penso eu, sim.
Talvez a alegria comece nesta terrível purificação.


Vieram ter comigo à noite, numa rua deserta, e disseram: porque fizeste isso?
Pareceu-me reconhecê-los, reconhecer-lhes os rostos implacáveis de ressuscitados, e a voz, aquela voz triste e violenta de quem irrompeu do tempo e violou a sua qualidade mortal.
Pensei: quem sou eu para que me ataquem as vozes?
E o sangue vacilou na minha carne, as mãos tremeram, e a minha boca estava gelada.
Porque eu sabia quem era — conhecia-me.
Que fiz eu?, perguntei, e eles olhavam-me com a sua terrível melancolia.
Vieram ter comigo numa rua de não sei que cidade, e quem sabe se eu era puro?
Tinham caras ferozes e dolorosas, e queriam conhecer a razão por que eu fizera aquilo.
Olhei em volta — e apenas uma noite sufocada pelo nevoeiro, o rumor apenas do vento arrastando papéis velhos pelas ruas.
Era uma vez um lugar — pensei — onde os pássaros apanhavam insectos e os cravavam nos espinhos dos cardos selvagens.
Era uma vez uns pássaros que cantavam, enquanto os insectos agonizavam enterrados em espinhos brancos e duros.
O seu canto era belo.
E então, voltando-me para aqueles rostos amargos e cruéis, perguntei: quereis cantar?
E eles sorriram, como quem sabe, e disseram: porque fizeste isso?
Serei um inocente? — isto, só isto o que me acudiu.
E pus-me a andar, enquanto eles me seguiam quase sem ruído pelo meio do nevoeiro.
De súbito, percebi que eu nada sabia, nada, que a minha ciência era inane, e me limpava de toda a culpa.
Estremeci de alegria e parei voltando-me para eles, e perguntei, radiante: que fiz eu?
Um deles avançou para mim e passou a mão direita pelo meu rosto, numa carícia leve e, ao mesmo tempo, investigadora.
Recordei todo o tempo inútil que vivera, e aquilo que opusera ao mundo, e pensei: como hei-de morrer, com que espécie de amor, de louvor, hei-de eu morrer?
Já sabia então toda a profundeza do meu crime, e como o meu espírito era frágil e cruel.
Terei cantado alguma vez? — perguntei, e aquele que avançara até mim recuou para o grupo, e todos me olhavam.
Ignoro em que cidade pode o nevoeiro correr assim pelas ruas, e deixar à volta dos rostos um espaço branco onde uma luz difusa trema longamente, como se não houvesse tempo e o peso incalculável das presenças fosse irremovível.
Vieram ter comigo nessa inexplicável cidade e, enquanto o nevoeiro passava, olhavam-me implacavelmente, conhecendo o meu medo, o ponto instável onde inocência e crime se equilibravam no meu coração, e disseram: porque fizeste isso?
Eu sorri.
Decerto, comecei a dizer.
E de novo reparei que os rostos escapavam ao nevoeiro, quase brilhando na massa escura e gelada da noite.
E o meu rosto, brilharia ele também, estaria como que suspenso na noite, seria um rosto implacável?
Como recusar que eu sempre me preparara para a morte do mesmo modo que se prepara uma vingança?
Decerto, disse sorrindo, decerto houve um erro qualquer, porque eu não posso ser procurado.
E recomecei imediatamente a andar.
Sim, isto é um lugar, isto é uma noite, mas há outros lugares e outros tempos.
Há uma libertação, algures, num tempo que não sei, mas que existe.
E eles seguiam-me, e tanto fazia que eu caminhasse depressa como devagar, porque se mantinham à mesma distância.
Ando à procura da minha velocidade, mas o que é isto, que é procurar a sua própria velocidade, se aparecem vozes com uma pergunta fora do tempo e dos lugares?
Há um erro, gritei, e enfrentei-os, há um erro, um erro.
E então um deles avançou para mim e passou a ponta dos dedos pela minha boca.
E não sei se eram os dedos que tremiam ou se era a minha boca, e não sei porque tremeriam os dedos ou tremeria a boca.
Ele afastou-se devagar, e eu perguntei: que fiz eu?
As ondas de nevoeiro abraçavam as figuras imóveis e o vento arrastava jornais velhos.
Os rostos continuavam a palpitar no ar frio.
Um dia chegará a luz.
Um dia correrão as águas, e as plantas sairão das trevas com a chama branca das suas flores, e alguém louvará o renascimento da vida.
Um dia o homem estará nu e inocente.
Então reconheci os seus rostos atrozes de ressuscitados, e aquela voz que irrompia do tempo e violava a sua qualidade mortal, para dizer: porque fizeste isso?
Quem sou eu para que as vozes me ataquem?
Porque fizeste isso? porque fizeste isso? porque fizeste isso?
Ah, um pouco de paz, um dia de paz, apenas um dia, para que saiba ao menos a qualidade da minha culpa.
E um deles avançou e deu-me um beijo no rosto, e depois recuou, e depois recomecei a minha caminhada sem propósito, e depois senti que a face me queimava no sítio do beijo, como uma chaga.
Era uma rua enorme, estreita e varrida pelo nevoeiro húmido.
Eles andavam atrás de mim, quase sem ruído.
Talvez a inocência seja mesmo a minha verdadeira vocação.
Que espécie de ciência terão eles, para fazerem tal pergunta?
Era uma vez um lugar onde pássaros terríveis cantavam inspirados pela agonia dos insectos.
O seu canto era de uma beleza inocente e parecia louvar a própria vida.
Há um erro, disse eu, e parei para olhar as caras brancas e amargas.
Quereis cantar?, perguntei, quereis alimentar-vos da minha inocência?
Então um deles destacou-se do grupo e veio para mim, cambaleando como um ferido, e depois tomou-me as duas mãos nas suas e levou-as lenta e apaixonadamente aos lábios, e comecei a chorar em silêncio, enquanto as minhas mãos ficavam entregues àquele beijo de um amor terrível.
Porque fizeste isso?, perguntaram os outros, dirigindo-se a mim.
E os seus rostos eram implacáveis.
O que estava junto de mim abandonou-me docemente as mãos e voltou para o grupo.
Disse: porque fizeste isso?
Um dia chegará a primavera, num lugar longe daqui, haverá homens e mulheres para louvar a vida, pensei eu.
E, virando-me para eles, perguntei: que fiz eu?
Ah, vieram ter comigo à noite, numa rua deserta, e pareceu-me reconhecê-los, reconhecer-lhes os rostos implacáveis de ressuscitados, e a voz, aquela voz triste e violenta de quem irrompeu do tempo e violou a sua qualidade mortal.
Porque fizeste isso?, perguntavam.
Mas nem eu avaliava bem a verdade da minha culpa ou da minha inocência, nem conhecia que espécie de sabedoria era a deles.
E caminhava pela cidade cheia de nevoeiro, e eles seguiam-me e às vezes beijavam-me apaixonadamente as mãos, e eu dizia: que fiz eu?
Se acaso eu pudesse pensar na morte, isso era como uma vingança, e parecia que eles sabiam tudo.
De nada servia que eu protestasse existir um erro.
Mostravam-me o seu amor demoníaco, e acusavam-me até eu sentir que tudo vacilava dentro de mim.
Talvez agonizássemos todos e todos nós esperássemos cantar, movidos pela agonia alheia, talvez estivéssemos ligados por insondáveis tramas de inocência e culpa, e as vozes fossem um obscuro esforço de libertação.
Eu parava e dizia: mas que fiz eu?
E um deles avançava para mim e encostava o seu rosto ao meu e afastava-se.
E depois eles perguntavam: porque fizeste isso?
Quem sabe?, talvez fosse muito rudimentar toda a nossa sabedoria de crime e inocência, e o amor e o medo enchessem o nosso coração, e assim caminhássemos pelas trevas com os rostos brilhando ao alto — dolorosos, implacáveis e doces, doces.
V I D A



Quero recordar passo a passo
a viagem que não fiz
quero recordar aquele abraço
que não dei
perguntar ao tempo
se marcou a linha
que não risquei
e se o traço que ficou
é a matéria
e com a antimatéria deu vida
ao planeta que habito.
Quero saber
do beijo que não dei
e perguntar ao tempo se voltou a marcar
a vida que não planeei
a conta que não fiz
a corrida que não acabei
e se o homem feliz
necessita de viajar em torno de outra galáxia
para construir a dignidade humana.
Agora que sou máquina
viajo com motor
falo por computador.
As calorias são poucas
e nenhumas a transmitir
modificadas as sociedades
todos de memórias apagadas.
Passados todos os tempos
porque o sol existe
o Homem há-de continuar
a construir a sua felicidade!
E tu que me lês serás o Homem Novo
o sol está mais contente e as luzes
as luzes divinas são o próprio HOMEM.

Março de 2001, 3ºmês do século xx1 e do 111 milénio

José da Cruz Boavida

Ganhou o 3º Prémio do concurso "Arte de Escrever e Fazer "Palavras e Letras, promovido pela Câmara Municipal de Sintra em 2004.

Corra para fora de Si.

Tente pensar por si próprio, sem ouvir a voz do alheio,
cuidado para não entrar num estranho devaneio

Idéias solidas podem de confundir,
ai então é hora de parar e agir.

Parar de pensar e agir é cair no modismo,
é olhar para baixo e enxergar um profundo abismo.

Idéias aqui e ali não param de se fundir,
corra para algum lugar talvez irá conseguir....

Conseguir o que , não adianta fugir,
fugir com artifícios que a lei não cansa de proibir.

Felicidade aparente
se estas linhas fixou em sua mente
Tu fazes parte desta gente.


rogerioalcolea@gmail.com

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Morri

Aqui gostaria de estar,
Neste globo terrestre já não posso mais pisar

Estou só,
minh'alma sofre como as provações de Jó.

Somente minh'alma é que pode se pronunciar,
o meu corpo num lindo jardim f lorido
eternamente a descansar.

Neste mundo já não faço parte,
o meu nome está gravado na sepultura
como se fosse arte.

Sentimentos ainda posso sentir,
lembranças da minha via terrestre,
se fosse pintar um quadro não conseguiria colorir.

O meu cadáver duro e frio,
fechado numa caixa que alguém um dia esculpiu.

Um conselho eu dou para os que possuem um tabernáculo carnal
Procure praticar o bem
evite certamente o mal.

rogerioalcolea@gmail.com

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Autopia de ser um Servidor Linux

Bytes e bytes de vivências,
Gravadas num enorme hard disk.

Às vezes buscando na memória cachê
Pequenas idéias, pequenas lembranças.

Talvez com bad block devido ao stress,
corriqueiro do dia a dia.

De tempos em tempos um descanso na fazenda,
Ouvir os sons dos pássaros, estágios de uma desfragmentação,
E estar pronto novamente para produzir e produzir.

Os anos se passaram é a hora de upgrade,
Apagam-se memórias permanentes e pequenas recordações,
restam apenas um gabinete , um flopy
e um cd-rom que raramente consegue ler algo.

Ou melhor, não resta, lá no fundo de uma prateleira
A fim de ser reutilizada partes de seu conteúdo.

Quem sabe uma nova existência na louca utopia de ser
Over clockizado com um software revolucionário,
Rodar linux e virar um servidor.

Rogério Thiago Alcoléa- Aprendiz de Poeta

rogerioalcolea@gmail.com

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Desempregado.

Estamos ai, a escolha é sua

bem vindo a vida, bem-vindo a rua.

Para expressar o que sinto de parábola usarei.

Minha carreira, uma viagem

para que lugar não sei.

Vi muito da janela deste trem,

belas paisagens, belas ruínas.

Pessoas gritando,

outras falando amem.

Desta viagem apesar dos pesares,

As paisagens pretendo levar,

As ruínas, muito obrigado aqui irei deixar.

A bagagem me desculpe por direito levarei,

Dentro dela todo conhecimento e amor que cultivei.

Me perdoe.. se magoa um dia deixei,

é para você essa linha com carinho dediquei.

O trem continua, minha parada é aqui,

como tudo na vida, hoje tenho que parti.

A uma nova viagem, buscando seguir,

com ética e dignidade usando o que aprendi.

rogerioalcolea@gmail.com

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Oh! Elipse que me inspira.

Traz-me enfastia não poder observá-la de perto

Es tão linda Oh! Elipse incandescente

Deretes o calor desta escuridão.

Não temo o breu que te circunda.

Olha a orbe e não te encalistra

Antes só do que cheia de indivíduos,

pavoneando suas pequenas conquistas.

Solidão não, aqui no planeta azul,

um panegírico incessante a tua perfeição.

Ingênua quem sabe, olho límpido,

não conheces a maldade dos seres,

que a louvam.

Talvez seus dias contados,

Como formigas que descobrem o doce,

hão de descobrir algo para sugar sua alma,

e ofuscar seu brilho.

rogerioalcolea@gmail.com

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Sistema

Reprodutores de um sistema falido,
Que não nos leva alugar nenhum.

O ideal é a revolução ,
Para chegarmos num bem comum.

O que fazer para mudar?
Se a massa acomodada com suas idéias
nos deixa a desejar.

Capitalismo a elite sustentando o egoísmo,
miseráveis procurando no lixo dos ricos
algo para saciar a fome.

Pessoas matam para adquirir
o dinheiro fabricado pelo homem.

A elite esbanjando seus bens
que foram adquiridos sem sacrifícios.

Seres lutando para ganhar um salário
só para sustentar seus vícios.

Ingratidão
pessoas vendendo o corpo para ganhar o pão.

rogerioalcolea@gmail.com

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Mundo medíocre.


A lucidez me padroniza a mediocridade deste mundo.

A embriaguez me abre uma única janela que me faz sair deste mundo medíocre.

A confusão de sentimentos em sintonia com o sorriso de um alcoólatra transmite para os seres que os observam uma certa felicidade disfarçada de angustias reprimidas.

Tudo para sair do mundo real, ou apenas para esquecer as punhaladas provinda da ganancia que nos rodeia

rogerioalcolea@gmail.com

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PENSAMENTOS NA ESTRADA

Sozinho nesta longa estrada,
tento mas não consigo pensar em nada

Turbilhões de pensamentos nesta caminhada,
cumprirei esta jornada

Sorri sozinho com meus próprios pensamentos,
são estes blocos de idéias
que vão e voltam com o vento.

Parece que penso ainda como criança,
com mais experiência
mas sem muita confiança.

A brisa levemente fria
paira sobre meu corpo e me arrepia.

O cheiro da natureza
me faz entrar em sintonia
com esta magnifica leveza

A beleza da natureza
entra em extremo contraste
com idéias e incertezas

Questões não respondidas
mesmo assim não deixo de apreciar
esta linda vida.

rogerioalcolea@gmail.com

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Capas Negras

Não sei porque insisto em viver,
o mundo não e mais aquele
quando buscava crescer

Poeiras sobre pessoas desmerecem
a raça humana
Capas negras envaidecem
camuflando o bacana

Desaparece entre muitos
a igualdade desigual
Faz com que leve a vida
magoando atrás do mal

Objetivos traçados
doa a quem doer
Capas negras vai sangrando
até a alma morrer

Gostaria de voltar, a infância sem igual
Onde sorria puramente
onde não enxergava o mal.

Fecharei este baú,
lançarei a chave ao abismo,
deixarei dentro dele todo ódio e egoísmo.

Mas também não sorrirei
não tenho razão para tanto

Talvez um dia rindo,
embaixo de um manto,
deixarei me levar pelo ultimo canto.

O azul do arco íris serei.
Quando olhares para cima
meu sinal deixarei.

Serei o símbolo da Alegria, Paz e Amor
Não haverás capas negras , não haverás dor

rogerioalcolea@gmail.com

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Numa praça em Piracicaba.

Problemas sentimentais
visão a escurecer
de pé não estava mais
sem muito saber.

Sentado ali estava
vários seres ao seu redor,
e querem saber...

- Família?
- Alguém morreu?
- Fez por merecer?

Com a visão ainda
escura
Sua pronuncia calada
seres desconfiam que se foi
sua verdadeira amada.

Enquanto um evangélico
grita em seu sermão
ao olhar aquele ser
vou-lhe fazer uma oração.

Sobre a cabeça sua mão
palavras fortes e de consolação

Perguntas ainda são feitas
respostas ainda não

O guarda que ali estava disse:
- Cumpri minha missão.
Ao levantar o indivíduo que tinha
caido no chão.

O pregador despediu-se
até logo meu irmão.

E eu que ali observava
Voltei para o serviço
Sei lá porque escrevo
Não tinha nada a haver com isto.

rogerioalcolea@gmail.com

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Reflexão do viver.( a pintura é a mesma de sempre )

Um ano se finda nada se muda,
pessoas eufóricas, outras pedindo ajuda.

O que terá de tão especial
na entrada do novo milênio ?

Evolução, nada estagnado ,
Para compreender esta transformação
não precisa ser intelecto nem um gênio .

O que diz respeito ao ser humano,
muitos regridem e muitos evoluem na arte da vida.

Enquanto uma família feliz enriquece,
milhares de pessoas se sacrificam em sua vida sofrida.

A vida é um quadro cravado na parede
que algum dia alguém quis pintar.
A pintura é a mesma de sempre
só muda a forma de pensar.

Pessoas sacrificam outras,
até fazem pôr merecer ...

Se buscas a felicidade, cultive o amor
E verás que a alegria está dentro de cada ser ...

rogerioalcolea@gmail.com

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A felicidade nas pequenas coisas.

A massa cinzenta entra em erupção,
a alma vaga sobre as nuvens.;
Saltará lá de cima, melhor não .

Reflito na minha vida terrestre,
valores, tabus, bloqueios metais,
recordo nos conselhos do mestre.

Como é bom o agora,
momentos que não voltam jamais.
A brisa passa e leva-o embora.

No meu ser habita uma extrema felicidade,
gostaria de fazer feliz toda a humanidade.

Recordações passam sobre minha mente,
Coisas , cores, lugares, sons e gentes.

Um flash do meu passado ,
uma infância bonita e alegre,
fraternidade e amor sempre ao meu lado.

O tempo apaga a minha vida.
Infância , adolescência não serão mais vivida.

Temos que viver sempre com emoções ,
são gestos simples que marcam nossos corações.

Um sorriso, um olhar, se tu deres valor ,
significará mais que uma noite de amor.

rogerioalcolea@gmail.com

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A Tristeza em teus olhos.

Tio me dá um trocado,
seus olhos descrevem a tristeza
de um garoto mal tratado.

"Deus" lhe pague , muito obrigado
as vezes para comer o pão
as vezes para sustentar viciados.

Sua mão é estendida , tristeza em seu semblante
irmãos passando fome, drogas , misérias
mesmo com tudo isto a vida leva avante. .

Imagine o coração deste ser machucar,
ao ver você o vidro de seu carro fechar.

Se tu não pode ajudar ,
de apenas amor.
Fale uma palavra amiga
com certeza darás valor

Não quer apenas seu dinheiro
que tu gastas em abundância
Quer Ter uma vida digna
E aos seus irmãozinhos
dar uma boa infância.

Seus olhinhos encheram de lágrimas
ao escutar uma engratidão. . .
Ao pedir ajuda no semáforo :
- Vai trabalhar vagabundo
- Para mim você é ladrão.

Do mesmo jeitinho que estes garotos pedem
Peço para ti agora :

Faça o bem enquanto é tempo pois um dia
Desta vida irás embora.

rogerioalcolea@gmail.com

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Sonhos.

Sonhos se confundem com a realidade,
Sonhos bons , sonhos ruins,
sonhos que expressam desejos que estão dentro de mim.

Sonhos sem pré conceitos, sonhos que
expressam nossas verdadeiras essências.
Sonhos que representam nossos íntimos
que nos mostra nossas carências

As vezes me pego sonhando acordado,
sonhando sobre meu futuro ,
tentando enxergar por detrás de um enorme muro.

Quem somos nós para sonhar ?
almas fracas, praticamos injustiças
e temos intenções ingratas.

Mas não podemos deixar de sonhar ,
pois sonhar nos trás bem perto
desejos e conquistas difíceis de se concretizar.

rogerioalcolea@gmail.com

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Tua alma Transparente


A transparência de tua alma
em teus olhos não cessam de cintilar
Meu ser procura em teus lábios
saciar a minha sede de amar.

Tua pele aveludada
com sinceros toques, por mim é acariciada

Se pudesse congelar,
congelaria os teus beijos e abraços,
nestes momentos magníficos atariam
em nós eternos laços.

Não consigo deslizar em tais linhas
A magestosidade do que estou sentindo

Sinto o meu coração pulsar,
entoando um lindo hino
e a cada sorriso teu sobre o horizonte
este hino vai fluindo.

Em teus braços me acalmo do mundo moderno
Minh'alma a levitar gostaria de ser eterno.

rogerioalcolea@gmail.com

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O ritmo do amor..

As pálpebras se fecharam
O ritmo do coração se eleva
Como naquele instante mágico
Retratado por Adão e Eva.

O sangue se flui , de uma forma jamais fluida
Sobre o corpo deitado que ali estava
Arrebatados para a dimensão do amor
Ali nada nos faltava.

Sobre uma sinueta uma escultura divina e macia.
Com os olhos abertos desacreditava
Na magnificência do que via.

Meus lábios sobre teu corpo
Deslizavam em demonstração
das grandezas de sentimentos
que detenho em meu coração.

rogerioalcolea@gmail.com

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Sinto Saudades

O antes sempre será
Melhor do que o agora.
Momentos atrás maravilhosos
Outrora , foram embora.

Loucuras insanas
Êxtases de sensações
Talvez ilusões

O que já foram emoções
Lições,
Escorregões,

Regressaria?
Com certeza,
Impares gozaria

O meu ser invade,
Saudade

rogerioalcolea@gmail.com

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Verdade?


A verdade não existe.
Existem mentes doutrinadas a pensar
Da mesma forma causando sensações
Disfarçadas de uma veracidade coletiva

Vida , Grande Mentira
A cada verdade , duas mentiras se cultivam

O que colhera?
Regresse no hoje
Começaste a mentir para ti mesmo
Ao levantar , reproduzindo mentiras alheias
Maltratando seu próprio ser

Colherás o que plantaste
Talvez sem merecer.

Sofrerás muito
Quem sabe
Estágios do aprender.

rogerioalcolea@gmail.com

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Euforia Musical


Angustia no ser
Talvez merecer
crescer, status
aparecer.

Vocação presente
Pulsar ,
ritmo ausente.

Querendo sair , sons,
claves, musicas, tons.

Vozes gritantes, fãs
Criticas e jogos, clãs.

Alegria fantasiosa
Dar o que está guardado
Sair da alma.
Sem ser crucificado.

Mostrar todo talento
Cantar, pular ao relento

Lual , flauta , violão
Guitarra ,Baixo, Bateria

Euforia, Euforia , Euforia

rogerioalcolea@gmail.com

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Sede de Paz.

Acordei de um sono profundo,
deparei com o mundo real
era bom quando eu sonhava,
ter acordado foi o meu mal.

Agora sofro pôr almas alheias,
No meu corpo circula um sangue
Frio que pulsa sobre minhas veias.

Sensível com tanta destruição,
Posso lutar contra " isto " mas lutarei em vão.

Fico olhando para o relógio
vendo os segundos se movimentar,
a cada movimento do ponteiro
um corpo estendido no chão
que não para de sangrar.

rogerioalcolea@gmail.com

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Dê graças ao divino.

Olho para cima e observo o caminhar das nuvens,
lindo magnifico todos temos o direito de apreciar

Seres, montes e montanhas, brisa pássaros a cantar.

Pare um instante e valoriza a visão que tu tens ....

A felicidade se valoriza na simplicidade,
se tu quiseres muito enfeitar,
pelos vão de teus dedos a mesma irá escapar.

Tolos são aqueles que buscam alegria nos bens materiais ..

Um dia todos partiram, restará nada mais do que uma vaga lembrança, e nossos corpos serão consumidos pelos animais.

Escrevo em vão, coisas minha,
feche os olhos e graças a luz divina,
de estar podendo ler e decifrar tais linhas.

Nos momentos difíceis da vida temos que manter a calma
Isto fará que preservemos a saúde da alma.

O melhor remédio para canseira é o descanso
para a raiva um coração manso.

Para o ciúmes a confiança
Para o ódio a tolerância.

rogerioalcolea@gmail.com

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Eis que levitava..

Eis que levitava
com os olhos fechados enxergava
algo que a principio desacreditava

No mundo não mais estava
Minha vida terrestre ali se findava

Maravilhoso o que contemplava
o mundo em forma de miniatura eu observava.

Assim pude entender a essência de quem liderava.

Pude compreender a divindade do criador
que tanto nos amava

Muitos seres pude ver
Alguns praticando o bem
outros não fazendo por merecer.

Alguns preocupados com o porquê da existência......
Outros imitando o alheio sem querer saber de suas essências.

Outros pensando apenas em trabalhar ,em dinheiro ganhar
Esquecendo as maravilhas que estão ai para contemplar.

Triste fiquei .....

Os seres humanos não valorizam o Redentor
Fanatismo ,rituais sem valor.
Em busca da ganância, almas sacrificadas
Não foi em vão que seus pés e suas mãos na cruz foram cravadas

Agora pare e viva!
A vida é uma só , não seja digno de dó.
Valorize cada ser,
cada pôr do sol e cada nascer,
Valorize uma flor.
Dê para receber amor..........

rogerioalcolea@gmail.com

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Dispersão Mental.


A vista enubada
Vozes, múrmuros, tons

Frases pronunciadas que entram e saem
Sem nenhuma edificação

Sem artifícios , sobriedade total,
apenas cansaço e stress do mundo atual

Apenas o corpo
a alma está muito longe daqui.
Aonde será que ela estará?
Tentando fugir?

Assunto interessante ,
atenção nula,
viagem ao além do inexistente.

Mente vazia
A emissão de um eco no horizonte
Que se perde na minha insignificãncia.

rogerioalcolea@gmail.com

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rogerioalcolea@gmail.com

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Amor turbulento

Promessas impossíveis prometi
Era sincero não fingi

Me entreguei
meu coração e meu corpo te dei

Não pensava
que este amor se minguaria e se acabava

Eu agora sofro
neste barco já não embarco mais, e nem em outro

Talvez momentâneo seja
E com o passar do tempo o meu coração te deseje

Nunca mais amarei
no meu coração, devido a desi lusão
espaço jamais abrirei

Me martirizo por momentos lindos não aproveitar
jamais pensava que este amor ia se acabar.


Não posso pensar em tua ausência
sentimentos ruins tocam o meu coração
deixa transmitir a minha carência.

Uma incógnita no ar
Para não sofrer com esta desilusão
procuro nisto não pensar.

O amor é mais forte que isto,
se tu insistir
terei que desistir
e meu rumo prosseguir.

rogerioalcolea@gmail.com

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Absurdo Môr.


Absurdo o que sinto pôr t i

Não esperava sentir o que sinto
a primeira vez que te vi

Algo não palpável
,¨sentimentos¨, a vida é inexplicável .

Se tivesse poderes guardaria
meus sentimentos e os teus
numa caixinha fecharia.

O que sinto pôr ti é muito bom
Jamais negaria.

É mais do que amor
não tinha mais esperança
que isto aconteceria.

Agora paro e reflito
nosso amor tem que ser infinito.

Se nós agirmos sempre corretamente
outros seres não terão nosso corpo nossa mente.

"Deus" valoriza a sinceridade e o respeito ,
se tu continuar a me amar e a me respeitar
te amarei sempre ficarás no meu peito.

A prudência e a base da inteligência ,
Somos e seremos felizes , basta ter paciência .

Imagine nós dois flutuando
altura as poucos alcançando.

Observaremos o mundo lá de cima,
veremos muito mais do que é visto,

Verás que o mundo é mal que não fazemos
parte disto.

rogerioalcolea@gmail.com

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Acorde para a Natureza.

Temos que refletir no futuro de nossa nação
O que será de nós com tanta poluição

A hora é esta
Vamos salvar nossas florestas

Conhecemos a mãe natureza
Sabemos de suas maravilhas
e de tuas belezas
Preserve o que resta desta riqueza.

Para ver o que está acontecendo
com a nossa natureza, não precisa ter vivência .
Pessoas desmatam, poluem ,
acabam com nossa fauna com tanta imprudência .

Temos que fazer um minuto de silencio pôr dia
é nossa vida que está morrendo.
Haja paciência......

Com tanta destruição
não há como haver compreensão

Tem que haver conscientização.

rogerioalcolea@gmail.com

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Degustação da liberdade.

No teu coração ,na tua mente não posso entrar
Se pudesse voltarei a te apaixonar

Nada é mais forte que o amor
por isto que sinto tanta dor

Que motivo tão forte
Te levaria a pensar na morte?

O meu coração morreu
O brilho dos teus olhos tu não devolveu.

Se tu pensas em amar outro ser
ódio fará o meu coração ter

Sentimentos ruins me domina
Na minha mente teu sorriso ainda me fascina.

Talvez aprenda a degustar a liberdade
sem amor apenas com amizade.

Sorrisos para manter as aparências
com as dificuldades é que adquirimos vivências.

Não sei mais sobre o amor
para mim estou fazendo um favor.

Para sair desta depressão lutarei com vigor,
é lutando que nos damos valor.

A muitos anos não me expressei
os sentimentos falaram mais alto e chorei

Se fosse nascer de novo muitas coisas não faria
curtiria bastante a vida e jamais me apaixonaria.

rogerioalcolea@gmail.com

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Foi um Pesadelo.


Durmi ,
O relógio tocou e eu não acordava.

A paixão falou mais alto e por anos,
achava que te amava

Sonolento eu estava

Não sabia ao certo se meus atos te agradava

Deitado num colchão macio e aconchegante,
a rotina passou a ser um fato relevante.

Se não fugia se entregava ,
ai então o mundo para ti acabava.

Visões do mundo diferentes,
corações opostos, duas mentes.

Ninguém foi o dono da razão,
me feriu , partiu meu coração.

Já era tarde , então acordei
muito tempo perdi.
Refleti e conclui

Não foi bom
Apenas me iludi,
sofri.

rogerioalcolea@gmail.com

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Reconquista

Queria também parar e pensar,
se tento refletir começo a viajar.

Não consigo finjo que não amo
e nem ligo.

A aparência pode enganar
Mas não cessarei de te amar.

Não me acanho de expressar o que sinto,
escrevo linhas sinceras e não minto.

Acho que assim simplesmente
Não irá acabar
Moverei montes e montanhas para te reconquistar.

rogerioalcolea@gmail.com

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Frases fictícias .


A relação espaço e tempo,
nos obriga regras cumprir
Deixamos a essência
Alheios servir

Nunca chegamos ?
Aonde estaremos?

Nunca chegaremos..
O homem contra si mesmo.

Olhos medíocres
Cameras que perseguem
Em busca da verdade
Mentira de alguém.

Privacidade
nem nas profundezas do oceano.
Tua mente estará lá
acusando teu engano.

Não se deixe levar
Encare
Frases fictícias
Algo para se pensar.

rogerioalcolea@gmail.com

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El espectáculo de la vida.


Quem me conhece sabe do que se trata.

No meio da peça, aplausos e reconhecimento do publico

Grandes atores demonstram suas qualidades impares.

Arrepios ao contemplar a perfeição, e a torcida muda
para que saia tudo como o planejado.

Oscilações durante as cenas, o perfeito e o imperfeito,
as felicidades e as tristezas, o amor e a tolerância.

Eis que vem o ?Gran Finale? o auge do espetáculo.

Mais por um acaso do destino fecham-se as cortinas,
aplausos alternados para que o espetáculo continue..

Mais não, nada, nem há despedidas dos atores,
e nem a conclusão do espetáculo.

Ficaram grandes incógnitas, como num filme que continuará.

Neste não, somente luzes negras sobre o chão,
e a escadaria turva demonstram com setas para a saída.

Perplexos todos saem cabisbaixos com lagrimas nos olhos.

Não pelo espetáculo inacabado,
mais pelo buraco exorbitante pela ausência das respostas.

rogerioalcolea@gmail.com

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Acorde para a Natureza

Temos que refletir no futuro de nossa nação
O que será de nós com tanta poluição

A hora é esta
Vamos salvar nossas florestas

Conhecemos a mãe natureza
Sabemos de suas maravilhas
e de tuas belezas
Preserve o que resta desta riqueza.

Para ver o que está acontecendo
com a nossa natureza, não precisa ter vivência .
Pessoas desmatam, poluem ,
acabam com nossa fauna com tanta imprudência .

Temos que fazer um minuto de silencio pôr dia
é nossa vida que está morrendo.
Haja paciência......

Com tanta destruição
não há como haver compreensão

Tem que haver conscientização.

rogerioalcolea@gmail.com

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Verdade?

A verdade não existe.
Existem mentes doutrinadas a pensar
Da mesma forma causando sensações
Disfarçadas de uma veracidade coletiva

Vida , Grande Mentira
A cada verdade , duas mentiras se cultivam

O que colhera?
Regresse no hoje
Começaste a mentir para ti mesmo
Ao levantar , reproduzindo mentiras alheias
Maltratando seu próprio ser

Colherás o que plantaste
Talvez sem merecer.

Sofrerás muito
Quem sabe
Estágios do aprender.

rogerioalcolea@gmail.com

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Sinto Saudades

O antes sempre será
Melhor do que o agora.
Momentos atrás maravilhosos
Outrora , foram embora.

Loucuras insanas
Êxtases de sensações
Talvez ilusões

O que já foram emoções
Lições,
Escorregões,

Regressaria?
Com certeza,
Impares gozaria

O meu ser invade,
Saudade

rogerioalcolea@gmail.com

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Cidade Maravilhosa

Poema
Categoria: Atitudes
Subcategoria: Social
378 leituras

Oh! Titulo absoleto.
Contraste ente obras divinas e rios de sangue
Povo sofrido que luta para viver
inversão de valores,
raios sobre a luz noturna que cruzam os morros.
Não há que comemorar aumenta os decibéis,
Tinindo em comemoração ao sangue que escorre.
Escorre daquele que deixa a família
em espera de uma única refeição do dia.
O poder maliguino do tóxico.
Vidigal, Rocinha o inferno é aqui welcome,
empilhamento de sub-moradias
aonde a vida é um privilegio de poucos.
A pedra corrói as mentes dos poderosos
Poder comprado com corpos e corpos de inocentes.
Pouco a pouco dominando, total contradição quem está
marginalizado agora são pessoas de bem,
quem manda agora é a lei do sangue.
Lagrimas vermelha, em busca de direitos básicos.
Moradias e o simples fatos de continuar vivendo.

rogerioalcolea@gmail.com

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Lagrimas de sangue

Poema

Lagrimas de sangue

Sorrir não quero mais
Triste agora serei

Passarei todo rancor
De um ser sem amor

Não digas com viver
Uma sombra agora sou
Trajado de preto

Não perceberás
Que ali existe alma

Que um dia até amou
Sou o que quer que seja

A sua mente lhe dirá.
Talvez lhe engane
Com a aparência cruel

De um ser sombrio
Amargo tão quanto fel.

O julgamento precipitado
Desta sombra tão escura

Custará lagrimas de sangue
Jamais haverá cura.

rogerioalcolea@gmail.com

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Cidade Maravilhosa

Poema
Categoria: Atitudes
Subcategoria: Social
378 leituras

Oh! Titulo absoleto.
Contraste ente obras divinas e rios de sangue
Povo sofrido que luta para viver
inversão de valores,
raios sobre a luz noturna que cruzam os morros.
Não há que comemorar aumenta os decibéis,
Tinindo em comemoração ao sangue que escorre.
Escorre daquele que deixa a família
em espera de uma única refeição do dia.
O poder maliguino do tóxico.
Vidigal, Rocinha o inferno é aqui welcome,
empilhamento de sub-moradias
aonde a vida é um privilegio de poucos.
A pedra corrói as mentes dos poderosos
Poder comprado com corpos e corpos de inocentes.
Pouco a pouco dominando, total contradição quem está
marginalizado agora são pessoas de bem,
quem manda agora é a lei do sangue.
Lagrimas vermelha, em busca de direitos básicos.
Moradias e o simples fatos de continuar vivendo.

rogerioalcolea@gmail.com

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Asas a um pássaro cego.

Poema
Categoria: Amizade
Subcategoria: Amizade
837 leituras

Do que adianta voar,

julgo ser um pássaro cego




A angustia de poder estar lá em cima

Amedronta não nego




Asas para um pássaro

Sons da recordação.




A fissura da experimentação

cargas de adrenalina

em busca do inesperado.




Andando busco recordar

A liberdarde a beira mar

No céu a abservar

As nuvens em busca de um lugar.




Apropriado para desaguar

aprisionar, libertar.

rogerioalcolea@gmail.com

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"Deus Escreve"

Poema
Categoria: Social
Subcategoria: Reflexão
698 leituras

" Deus Escreveu".

Estou aqui a escrever, desculpas o " Pai " me coloco em seu lugar.

Ali estávamos
A essência prevalecia
Entre arvores, cachoeira e riachos,
o dinheiro não valia.

Criei a lua para reger o mar,
até a lua queres explorar?

Criei o céu para observastes a imensidão do meu amor.
o que fizeste , criaste o avião que mata seres sem dor.

Criei seres para que amaste uns aos outros
o que fizeste criaste o ódio.

Melancólico estou, observo a cada dia pessoas e pessoas,
ligadas a matéria , que sacrificam almas para saciar ganâncias.

Ganâncias estas, manipuladas por outros que transformam.
ferro e madeira em sonhos de consumo, camuflados em tecnologia

Quem são vocês? Desconheço minhas próprias criaturas,
foram feitas com tanto carinho, agora destroem uns aos outros,
matam a mãe natureza.

Aonde queres chegar? Prostituíste teu caráter, tua educação
a ti mesmo.

O que vales? Alguns destes papeis intitulados ¨dinheiro ¨
produzido por indivíduos da sua própria espécie.

Mas não quero castigar, meu coração é como a imensidão do céu,
quem criaste o ODIO foram vocês.

rogerioalcolea@gmail.com

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Semeando a Poesia

Poema
Categoria: Descrições
Subcategoria: Reflexão
664 leituras
Apenas um aprendiz tentando descrever a alma de um poetas!! Não esqueçam de deixar seus comentários é de suma importância para meu crescimento como um eterno aprendiz.

Escrevem pouco e dizem muito.

Poetas são como o semeador que
plantam árvores sem saber que vai
descansar em suas sombras.

Sombras que aliviam o calor, sombras
que trazem sombras.

Poetas não possuem almas, são a própria
alma, são os próprios sentimentos,
buscam o porque daquela brisa,
o porque de tal sorriso,
o porque de tanta desarmonia.

Poetam não vivem!
Apenas descrevem vidas alheias, sentem
o imperceptível.

Poetas não choram, engolem seco, cristalizam
suas lágrimas, e as transformam em linhas.

Missão árdua, descrever o indescritível,
buscar a essência de sentimento de outrem,
talvez nunca sentido, talvez nunca vivido.

Poetas não envelhecem, petrificam,
imortalizam seus nomes e vivem para sempre,
deixam o que foi sentido,
e em cada leitura, um novo sentimento,
que fortalecem sua imortalidade.

rogerioalcolea@gmail.com

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Vertentes Musicais

A arte da combinação do som,
Suavidade, e ternura harmônica.
sucessões de sons agradáveis a audição.

Musicas das esferas,
capazes de vibrar constelações,
esferas celestes, estrelas e planetas.

Musicas, patrimônio de um povo, ritos e sons
remetem a focloridade.

Musicas sem destinos religiosos,
Profaníssimo.

Musica celestial, musica sacra dos Deuses,
Voltada a alcança-los.

Grandes peças sinfônicas,
centenas de instrumentos em sincronia,
em cima do que foi escrito.

A que sai da alma,
musica vocálica.
A quem se destina a tal,
musicante.

Quem musicocrafou, sons da natureza ?
Musicocrafar sons de um sentimento,
a tristeza de uma opera,
a alegria de um Axé.

Musicista todos nós,
Musicofilia a maioria,
Musicofobia, como pode existir!!!!!

Sem musica, sem essência,
Buscamos a perfeição,
Hiper-sensibilidade da audição,
Sermos sensíveis a diferença de um bemol,
a um sustenido.
Ao tempo de uma oitava de nota.

Musicalizar sentimentos?
Musica é arte, quadros abstratos que transmitem
Em cima de uma bagagem individual de cada ouvinte.

O que me deixa feliz talvez lhe trará tristeza.

Rogério Thiago Alcoléa)

rogerioalcolea@gmail.com

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Semeando a Poesia

Escrevem pouco e dizem muito.

Poetas são como o semeador que
plantam árvores sem saber que vai
descansar em suas sombras.

Sombras que aliviam o calor, sombras
que trazem sombras.

Poetas não possuem almas, são a própria
alma, são os próprios sentimentos,
buscam o porque daquela brisa,
o porque de tal sorriso,
o porque de tanta desarmonia.

Poetam não vivem!
Apenas descrevem vidas alheias, sentem
o imperceptível.

Poetas não choram, engolem seco, cristalizam
suas lágrimas, e as transformam em linhas.

Missão árdua, descrever o indescritível,
buscar a essência de sentimento de outrem,
talvez nunca sentido, talvez nunca vivido.

Poetas não envelhecem, petrificam,
imortalizam seus nomes e vivem para sempre,
deixam o que foi sentido,
e em cada leitura, um novo sentimento,
que fortalecem sua imortalidade.

rogerioalcolea@gmail.com

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Que venha a dor e anestesie tal sofrimento !!!!!

Íncola desta cápsula incolora,
Degustando o amargo de gariroba,

Furente pôr Ter que Ter, para ser

Minguando neste invólucro,
Encalistrado pôr estar ali.

Face para baixo, como quem observa
vermes embraseado,
horizonte solidão,
sem visão,
anelídeos na terra batida.

Difícil libertar-se,
embalsamado em plantas
leguminosas papilionáceas.

Contas de A até x,(dzeta)
para virar fagulha de um explosão,

Oferecer o corpo ao leu íntomo,
para que suguem seu sangue.

Quem sabe com tal moléstias a dor seja,
o anestésico para mingúes enraizada.

diz-se que as mulheres são mães
e costuram distâncias
sem máscaras

diz-se que usam da memória da luz
e dos tantos escombros
ao redor dos olhos

nos meus sonhos
ainda os lábios das mulheres incuráveis
onde vibram a desordem e a recusa

a mão de pedra
na mão
de verdade

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

acordo de noite como se as letras

fossem coágulos aborrecidos

pancadas estivais

maduras e primitivas

 

descobrirei o destino e faremos amor

manhã cedo

 

os gestos serão suficientes

um pouco a medo no fundo de si

onde as bocas se abrem

enquanto se tocam

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

existem sinais primitivos

onde escorre ainda o sangue

de quando me entregaste a cúpula do teu corpo

 

na boca ainda a luz virgem

onde a juventude

enlouquece de apressada surpresa

 

mostras canteiros ainda fechados

onde vais consumindo

o silêncio

 

ainda se ouvem os vales nocturnos

a escancarar

de gozo

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

basta que sobreviva e vá abrindo e fechando portas

no estrondo dos dias

 

direi sempre este é o precipício necessário

a nudez da terra mais faminta

 

são assim as margens do abismo

desde sempre

 

por aqui se movem todas as coisas

todos os coices e todas as promessas

 

conhecerei então a noite e o interior da noite

os beijos e os dentes da noite

 

no seu grande prodígio a conhecerei

sem que o saiba

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

anseio amar-te entre o delírio

e a penumbra

do corpo

 

há uma metáfora de carne

que um dia desvendarei

 

uma voz e uma sombra de calor

que se abre a todos

os beijos

 

na liberdade do corpo

a fulgurante lentidão do orgasmo

 

por isso nos contraímos

pela chama

que a pulsar nos contempla

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

a noite já me conhece

e a sua porta abre-se à espera das coisas

dos corpos

 

inocente o silêncio da noite

 

faúlhas breves e loucas

esmagam as sementes do gozo

mais fundo

 

húmido e frio o silêncio da noite

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

serei terra e a tua voz inteira

enquanto a vida nos arda no seu olhar

mais puro

 

aprenderei o tempo de tremor e alegria

onde seremos o pressentimento

da vindima

 

a boca e a língua em qualquer noite

como se fosse a primeira

e a última

 

dá-me a tua boca

nos segredos da tua nascente

do teu recanto de paz debaixo da tua cheia

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

se a morte fosse assim

seria implacável no amor da carne

 

escrevo da loucura da pedra nos gritos mais ténues

na explosão do sémen

 

por isso escrevo da morte

e da invenção da culpa

 

e da saliva dos beijos quentes

que despertam os sentidos mais puros

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

de mim serás a fonte e veloz é o desejo

e a fome

 

leia-se a paixão

Para que robustas sejam as suas raízes

 

mexeste por dentro

do mesmo abismo onde a vertigem incendeia

e onde é escassa a fraqueza

 

enquanto mergulhamos na estranha ausência dos sentidos

de qualquer solidão

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

preciso de uma palavra que defina o teu corpo

e a forma como levitas no meu

 

as sensações conheço-as mas não as desvendo

até que sejam o trigo e o marfim e os olhos do deus

 

no teu corpo explodem primaveras em espasmos

terríveis e belos como se a fome matasse e sorrisse

 

e a tua voz me beijasse e bebesse

no meio do fogo

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

quando me sobes e procuras

o quanto me assombras

nos corredores e nos gestos que inventamos

e o sussurro das palavras

que nunca dizemos

 

nasce um ramo de palavras

que te amam comigo

e respiram

libertas e ardentes do maior desejo

 

por dentro de ti os olhos são tímidos

no entanto uma aguarela

onde o vento avança acima de todas as noites

 

e são gulosos quando me abraças

lentamente na tua chama

onde me torno lança acima da rosa repentina

 

entreabres a luz no desatino dos corpos

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

percorro devagar todas as sílabas

do teu corpo

e serei ferro e lume brando

até que os gritos se escutem e o dia

seja imediato

no pulsar mais dentro de ti

 

e serei chama

de tanto de ti serei deus e o diabo

o amado e o amante

o sabor a renda

apetecida e branca

desarmada nas praias do teu corpo

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

naquilo que as madrugadas vivam

haverá sempre o nosso cheiro a barro religioso

que se embaraça e espreita

 

ainda acreditamos no enigma dos corpos

quando a excitação se anuncia

e nos esmaga o corpo

no corpo

 

até que eu seja a roca e o linho

o grito no grito

e se pressinta o silêncio repentino

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

continuamos virgens

neste desejo de invadir o teu mar

e na tua vontade plantar a vinha

 

os teus beijos

serão o regaço e o regadio

da minha força

 

existe uma luz profunda

dentro de ti

por dentro do teu poço

 

quando o mar se fecha e as vozes gritam

quando os corpos se agitam

quando o gozo nos desassossega

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

atrevo-me no teu corpo

como se um vento íntimo iluminasse

os mistérios da criação

 

sei que a vida cresce a cada espasmo

onde a carne e a boca

se tocam

 

nas tuas águas saberei a inocência e o atrevimento

no atónito poço que me abres

em molhado desassossego

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

namoramos ainda

devagar

e ninguém sabe dos montes

por onde cresce a vontade

 

mesmo que a água seja veloz

arderemos devagar

enquanto anoitece a virtude

da nossa paixão

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

no teu campo deposito a seiva

onde o luar cega

e os beijos causam espanto

 

deixa que anoiteça lentamente

porque grande é o lume

e o mar que nos espera

 

e depois fecha-o

para que me prenda

até que a manhã nos entrelace

 

e o sabor dos frutos

escorregue

nos muros dos corpos

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

um dia que eu morra

que seja uma coisa íntima

com o teu sorriso ainda nu

de bruços no meu peito

 

que o tempo escorra

no seu ritmo

sem que perturbe a paz

de tão grande alegria

 

poderei ainda sentir

o teu último calor

e o sabor

do beijo derradeiro

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 
 
 
se eu pudesse escrever uma fábula
não falaria das trevas
nem do frio
 
nem das cidades ou de outros lugares
que se percorrem entre os dedos
e flores matinais
 
a mensagem seria a tua casa
de corpo tépido
e cheiro a alfazema
 
e por dentro de ti
um deus que acreditássemos
entre o beijo e a partilha
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

que os naufrágios de todas as virgens

satisfaçam deuses e víboras

que sejam a faísca e o orvalho

a gruta e o assombro abertos no seu tempo

 

que a sua água seja fértil

e os beijos apeteçam

e se repitam

 

que no sexo das mulheres exista vida

e frutos maduros

onde amadureçam as vontades

fundas

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

não sei como escrever do conforto do teu corpo

nem explicar o abismo de quando te inundo

e te respiro

 

diz-se o mesmo da vida

e da sua explosão

de gozo tão incógnito

 

mergulha a tua língua na minha

para que as nossas bocas sorriam

abertas de prazer

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

soubesse eu do tempo como sei do teu corpo

pudesse tocar-lhe

e trocar beijos na demora dos dias

 

acredito na memória dos dias mais jovens

 

tomara que o tempo me dê tudo de ti

o sabor a tâmaras dos teus seios

e o teu cheiro a folhagem viva

 

porque acredito nas marcas dos sonhos mais antigos

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

despes a roupa até que a tua nudez

olhe o meu corpo nu

 

aprendi a amar todos os segredos

do teu corpo

onde estremeces arquejante e húmida

 

até que o sossego se abrace

na paixão dos nossos corpos

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

ainda seremos

a criança e o pão quente das madrugadas longas

e dos lugares só nossos

 

as virtudes do corpo

onde o desejo grita e a boca explora

 

a labareda que ama e palpita

e se fascina pela tua água

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

procuro a tua lagoa quando olho a luz

onde pulsa o desejo

e a entrega

 

quero-te mulher e que estejas nua

na invasão dos nossos lugares

tão secretos

 

rosa aberta

e negra

do nosso céu

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

toca-me até que renasça

e deslumbre o teu chão

na minha queda

no deleite do teu ninho

 

em todos os nossos recantos

onde a alegria seja funda

num beijo de saliva

abraçada

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

devagar

antes que o corpo se espante

e o mar transborde

 

tão lento

que a inércia suplique

e o corpo goze

 

até que por dentro de nós

os suspiros se fundam

e abracem

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

não é difícil entender o silêncio

de quando me olhas

em quietude

 

somos puros no desassossego do desejo

e na recusa da pressa

 

quero a tua voz

o teu grito

o teu mar intenso

 

pergunto-me se deus compreenderá a inocência

e os espasmos da paixão

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

quero esta mulher

nos seus olhos vagarosos

no meu corpo

 

a boca entreaberta

enquanto me dispo

por dentro

 

quero o seu desatino

e a luz do seu poço

na sua nascente

 

quero-a inteira

Intensa

e vaga

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

gosto do sabor dos teus beijos

e de como eles respiram

por mim adentro

 

do pulsar do teu corpo

quando lhe toco

e o transgrido

 

e de quando me afogas

e sorris

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

nunca deixei que a memória

ficasse na distância

 

sinto no colo a tua oferta

quando apareces ainda jovem

 

sei das tuas mãos

e compreendo os sinais que acenam

e as noites maiores

 

excessivas as bocas

os silêncios

e o céu de orvalho

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

haverá sempre um poema a guardar-te

enquanto recebo o silêncio inicial

do teu corpo nu

 

por dentro de ti irei crescer no pensamento dos lírios

e na tua porta irás sorrir às raízes

que se adivinham

 

seremos o prazer do outro

porque é bom amar

e sentir a sede dos corpos

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

enquanto os nossos corpos se tocam

não haverá maior assombro

nem penumbra que nos trespasse

 

dentro de mim o teu silêncio ainda branco

amadurece os dons do gozo

na melhor lentidão

 

e hoje e amanhã

alegres são os campos

que sulcamos

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

como explicar as palavras

nas sensações do corpo

e o seu ritmo

 

a sua lucidez

escavando os sentires da alma

e quando as línguas se tocam

 

falar como se morresse

 

o meu corpo conhece os teus lábios

e o teu sorriso

quando nos inundas

 

sou então o teu lume

enquanto és

a minha casa

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

nunca me perco por dentro de ti

enquanto me olhas profundamente

 

sorris como quem ama

a bem-aventurada força que nenhum deus

explica

 

marinhas são as nossas sombras

e a porta que me abres

desfolhando o desejo maior

 

até que me rasgue

por dentro

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

um dia se fez carne

e prazer

no mais dentro de nós

 

e foi a noite primeira

 

do verbo fizemos gozo

e da carne a cama farta

 

cresceram gotas íntimas

entre relâmpagos

e gritos apaixonados

 

deus sorriu

porque era bom

 

e descansaram os dias

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

todas as sílabas acima do fogo

 

nos olhos

o corpo que irei beijar

até que desfaleça

e deus se descubra

 

por dentro da água

encontrarei a voz do teu sentir

quase inocente

e brando

 

por cima e por dentro do fogo

 

imóveis e profundas

como mulheres húmidas

na espera

e doces entre colinas

 

será delirante pensar em tão grande fogo

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

ainda te sobram sombras

e musgo por abrir

onde possa perfumar

o meu corpo

do teu desejo

 

nos teus olhos

o sorriso do orvalho

quando se abrem as noites

onde se escondem a seiva

e os gestos mais subtis

 

dirás que espere

o sinal do tempo certo

e serei quente

quente

na espera e no rastilho

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

não sei se respiro a pedra

se os passos me levam a ti

enquanto te despes

 

é impossível a frieza

quando tocamos o sol

por cima das tábuas

 

apenas sentir cada cheiro

e cada sabor que me ofereces

e me inundas quase imóvel

quase deserta

 

a tua voz na minha boca

o teu corpo no meu

até que as maçãs se perdoem

de paixão

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

toca-me

até que enlouqueçam as algas

e a nossa história seja luz

e prazer

 

continua a tocar-me

até se escutarem flautas

de tentação

grande

 

apetece-te

no templo da minha espera

sem que receies o tempo e as árvores

indiscretas

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

acordamos abraçados nas manhãs

banhados na força de nos querermos

de tanto querer

os novos beijos que inventamos

 

existe um fogo de tempo inesperado

que sobrevoa vales e abismos

até que me banhes os lábios

de todo o sol do teu corpo

 

por vezes acredito que sejas um espelho

onde me arrisco a partir

de voz aberta e esgotada

por dentro de todas as nuvens

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

nunca te esquivas

nem procuras o silêncio

das coisas vazias

porque te dás nua

de todas as tradições

 

conheço as chaves que despertam

a tua ventura

e todos os lugares do teu desejo

acima do silêncio

no teu corpo

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

atravessei os teus desertos

e em cada oásis encontrei os teus cabelos

mais lentos

 

a escuridão mexe-nos por dentro

e transforma em criança

cada um dos nossos pecados

 

de pétalas repentinas

abraças tudo o que me queres

e beijas os aromas mais densos dos nossos espasmos

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

serás o meu deus

na força do amor que te habita e no teu vazio de tortura

 

serás a seara e serás o fruto

onde deixarei beijos e todo o desejo de mais querer

 

irei descobrir todos os caminhos

até que sucumba

 

então serás chuva inquieta

no fundo da alegria

 

e serás tua

sendo minha

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

entendo o que me oferece o teu maior silêncio

no tanto que me dás

 

um silêncio nu e cheio

um silêncio amante

 

direi da tua alegria nos olhos

em cada beijo mais lento

 

e da tua voz breve

pedindo mais

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

quero descer nos teus vales e banhar-me  

na ribeira que sustentas de tanto prazer

beijar-te nos lábios da alma

da vulva e demorar-me até que nos inundes

entre gritos e palavras ternas

na tua primavera me sustento dos melhores frutos

e o meu nome ficará gravado no teu sabor

 

não sei se é trigo ou tempestade

no teu corpo existe o verbo e a descoberta de novas paisagens

inteiramente és amante

e fortes são os ramos onde me agarro e sustento

agora sei como despertar o fogo e trazer comigo os teus olhos

para os beijar sempre que dormes

 

todos os dias serão quentes e cúmplices silenciosos

que dentro de ti irei demorar-me já submerso

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

és a árvore silenciosa onde se escondem os melhores frutos

e onde a tua mesa de sombra nos refresca enquanto a vida dormita

são breves os momentos que sorriem enquanto nos beijamos vagamente

ainda inocentes de memória até que as velas recolhidas

nos ensinem os segredos de tanta sede de amar

 

guardarei as pétalas que me abriste quando a flor de sol

prometia relâmpagos no deleite de cada toque

nos espasmos do teu corpo conheço a carne

inteiramente a reconheço no sal e no brilho intenso

 

enquanto te beijo as pálpebras num sorriso lento

para que cada instante cresça em golpes de vertigem

e queime até que a calmaria nos ensine o tempo certo

da melhor vindima

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

já não existem as rimas antigas nem o pai nosso se faz ouvir

nos corredores do céu mais próximo onde

nem sequer chove

onde nem sequer se escrevem canções bonitas

 

algo existe na disciplina dos dogmas que seja ruína

e nos sonetos que seja beleza

 

como falar sem metáforas quando os teus mamilos me acenam

e invadem sem que o desejo arda em desassossego

e sensações tão boas

ainda existem os lábios ligeiramente abertos e turvos que me perseguem

sem que me afaste e o teu segredo ainda me aguarda

ardente e húmido e árvores ardentes e fundas

para além da esperança

 

toca-me e seremos a raiz da vida renovada

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

descobrem-se os mistérios de todos os oceanos quando me debruço

sobre ti e nos abandonamos ao que houver em nós

descobrimos novos pomares que nos rasgam o silêncio

ignorando anjos e pedras e velhos traumas

o sangue dos navios antigos de quando se proibia o amor

e se acendiam as fogueiras

 

caímos no fogo impossível quando nos beijamos longamente

entre preces e terrores

então o teu corpo e o desejo terrível de o possuir

a fome e a sede do maior prazer

então o nosso corpo entregue ao outro

no consumar do pecado

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

se eu fosse deus serias amante

serias maria e paixão

e repouso no gozo da alma que na carne se exalta e excita

então serei febre e tremenda será a minha loucura

a obra e o autor inocente e louco olhando-te por dentro

nua

 

abraça-me enquanto te descubro nas erupções do corpo

tão grande a chama e a seiva

aos poucos

para que demore até às cinzas de tanto fogo

da cama o desenho do corpo nos seus declives no crepitar dos gritos

na cama que ainda pressinto e nos anima a continuar

 

deixa que eu descubra o amanhecer do teu corpo

no sabor das melhores castas

as palavras que eu disser serão espasmos num tempo incerto

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

adormeço na sombra do teu corpo enquanto sorris e o mar se acalma

o silêncio é uma rua íngreme por onde corres na exaltação dos pântanos

enquanto os girassóis vão abrindo o seu coração à luz

estás intacta no que sentes

enquanto durmo a tua voz percorre os meus véus

seja a carne fulminada ou o segredo mais ardente da minha força

 

deixa que beba de ti o vinho do melhor prazer da tua chispa

 

na minha boca ainda o eco das vozes extremas sem limites

nem vagares

das cinzas do teu vulcão que outros gritos se gritem

que outros silêncios se imponham que outras vezes se agitem

e outros ecos na tua boca se agigantem

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

na abstração dos conceitos mais correctos

vou tecendo o teu linho

e do nada se fará luz na sombra de qualquer dilúvio

o amor veste-se de todos os nus

na excitação soberba dos anjos anunciados e não haverá correria

que fuja desta paixão

 

no vinho do teu corpo me resguardo

onde explodem raios de respiração apressada

nascem flores de orvalho quando me humedeces do teu querer beijar-me

mais docemente

de branco pálido apaixonado

inundar-te-ei enquanto me agarras em novas palavras de mais querer

 

e quando se ouvir um brado não sossegues que o tempo

tempo ainda terá

porque nos damos inteiros até que o tempo se cumpra

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

escrevo o que as palavras queiram sem que procure

qualquer desespero

os espasmos são um instante onde se procuram rasgões

de vozes aturdidas

e mãos dramáticas que se agarram na emoção do gozo

escrevo porque respeito a fome e a sede e o som dos violinos

é áspero à solidão e todas as diatribes apetecem ao desassossego

que se transforma em força e dedos que martelam em golfadas diurnas de qualquer agonia

escrevo no querer a posse da palavra e na procura do gesto e da sílaba certa onde os significados se alheiem de estilismos e sejam fartas as línguas que se tocam

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

enquanto a tua boca se abrir

para que me beijes

e segredes os sonhos

que ainda me reservas dentro de ti

 

enquanto fores caindo no meu corpo

os choupais nos esconderem

e as tardes estremecerem connosco

agitarei as tuas margens

para que me sintas ardente

e extremo

 

então serás cama e serás vento

entre a voragem e a escrita

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

que nos sobrem as palavras

enquanto a respiração chamar por ti

e queimar suave no meu peito

 

grande é o desejo e é grande

e grande

 

sulco estreito onde deixarei sementes de paixão

branco é o espelho de nos querermos

e a luz que nos abraça

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

por dentro de ti

existem todos os poemas

por escrever

e neles existe o sangue

e o murmúrio materno

 

por dentro de ti

existe o fogo e o alimento

o golpe da água

que enlouquece a inocência

do corpo

 

existe o leite e o sorriso

mais puros

onde os dias sossegam

entre o grito e a memória

na vontade do abraço

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

de bruços no cérebro e no sexo

entre a boca e a razão crescem-nos raízes conscientes

 

somos a paisagem da carne

a água e a terra de todos os jardins onde namoramos

 

todas as noites o calor e a música

dos corpos colados num sentimento arrebatado

 

o poema na fogueira

entre o grito e o beijo amantes

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

não se aplaudem as flores por serem habitadas de cores

nem pelo cheiro que nos emprestam

não beijamos a música nem a palavra pelo rosto de deus

que nos mostram

 

também não te amo pelo sorriso do teu corpo nem pela voz

dos teus gemidos

mas os teus silêncios e um tipo de loucura que apetece

e guardo segredo

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

abres a tua madrugada até que me embriague

de todos os brilhos

e são assim os dias todos

 

reconheço a túlipa sedenta

sempre que estremeces

e ávida é a boca onde germina

 

não sei se me olhas ou se me invades

se me rasgas ou abraças

entre o escuro e o branco iluminado

 

é tremenda a descoberta

e sereno o conforto e a posse

nos teus gritos de prazer desesperado

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

conheço o teu corpo pelos dedos e pelo cheiro

no tronco das suas metáforas

acredito que sejas trigo virgem onde escuto os sons

da terra por semear

não sei falar da tua água por dentro

e do que me animas quando me olhas no teu branco repentino

 

conheço apenas as faíscas do teu peito quando me amas

e a tua caverna quando espera o meu abraço

mais rápido

e a beleza de cada raio que se desprende

dos teus olhos

e quando dizes que por dentro de ti

palpita tudo o que sou

 

agarra a minha voz para que escutes

a conquista das palavras

que escrevo

e as sintas dentro de mim

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

no poema e na canção de embalar

tudo de mim será teu

para que sintas o desejo grande

de abrires o corpo

e a alma

 

em ti deposito o meu nome

e uma rosa negra será a chispa

do maior arrebatamento

onde todas as palavras serão puras

e livres

 

a semente e o fruto das nossas raízes

 

serei o teu campo de cultivo

e o teu cárcere

onde farás crescer o prazer e a força

para que tudo de ti

seja meu

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

conheci a mulher no que ela tem de eterno

e no demolir das crenças

mais antigas

 

no que ela tem de primavera

e porque me dá a mão

a vida inteira

 

conheci a mulher porque me incendeia

e me descerra os olhos

no desejo que alimenta das suas janelas

 

conheci-a nesta alegria

de ser alimento

e cada palavra de ternura

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

quantas vezes te falei para dentro de mim

e disse coisas que já não sei repetir

por vezes os pensamentos são íntimos

como os nossos beijos mais saborosos

 

continuo a procurar a tua uva da nova vindima

e o teu reflexo nos meus olhos

nos meus lábios o barro mais puro e o brilho interior

da caverna

 

profunda memória da tua melhor chama

 

de lá dissipo a sede e arquiteto

a rebeldia dos corpos

sem que a loucura abrande para um breve

sossego

 

ninguém compreendeu o amor

quando passeávamos abraçados à chuva

nem o espírito dos tumultos

ainda jovens

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

viverei de ti a vida inteira

a força do desejo

e mais querer

onde conheça os teus olhos

e saiba cheirar o teu musgo mais recente

 

saberei das tuas janelas

por onde me espreitas e acolhes

para que me debruce

no mais íntimo do teu ser

por dentro do teu abraço mais forte

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

onde o sol e a água se enlacem

e se beijem

na melhor colheita

não escondas a revolta

pelo que a vida dói

 

onde o suor dos corpos

seja a seiva da terra

onde nasçam frutos justos

não escondas a revolta

pelo que a vida dói

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

de sol a sol é muito sol a bater no corpo

e enxada a gretar as mãos

muito pão mergulhado na sopa e vida aflita

 

como sonho ainda mergulhar em ti

companheira do maior sofrer

e da fome que habitua

 

saberei ainda amar no que resta do corpo

e terás o meu sorriso sempre que acordes as horas

e tudo o que nos dói

 

importa a luta

e recusar dízimos

nem que se descanse ao sétimo dia

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

nunca sei da sua voz

mas quero esta mulher que inebria

nos seus lábios existem espelhos de paixão

e as melhores vírgulas ao redor do sexo

 

gosto dos seus frutos

e da rosa enegrecida onde palpitam

pingos de renda jovem

 

as suas manhãs são lentas quando desagua

no meu corpo ainda sóbrio

na espera marinheira

da melhor maré

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

intrigas quem procura conhecer-te

apressadamente

 

sem compreenderem a simplicidade

a ternura assusta-as

 

acredito na luz

e na sombra que a persegue

porque nenhuma se rejeita

nem procura dízimos e bençãos

 

maior é a paixão que sinto

e sentes

a primavera dos nossos corpos

e o seu convite

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

que os teus olhos se fixem no futuro

e nos seus dias todos

de trabalho e conquista pelo que seja

 

enquanto a lena me sorrir

acredito na vida e nas pessoas

acredito ser possível construir

a estrada e a justiça

e todos os dias

a paixão mais bonita

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

danças sem a certeza de ser dia

e sem que lamentes os sinos de ninguém escuta

 

em todos os momentos

as portas que abres

mostram o abismo e a queda

e tanto anseio

 

algumas vezes falamos na profundidade das crianças

e nos silêncios que sorriem e se escutam

 

danças sem a certeza de ser dia

no meu corpo

onde já palpitam os lugares

da minha mais ardente seiva

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

em ti deposito os meus beijos e rápidas são as tempestades

por dentro de ti

 

quero saber da morte maior e se nos estremece entre o fogo e a cegueira

saber das portas devastadoras da terra e da erva corrupta

onde respiram palavras de inequívoco segredo

e do terror do escuro silêncio das coisas acabadas

quero saber do sexo e de como me beijas

das gotas de orvalho no teu poço quando lhe toco

 

nos teus seios o equilíbrio onde procuro que ardas inicialmente

 

porque eles concedem a iniciação dos lábios e tão breves se enternecem

e detêm

serão língua antes que sejam verbo e queda suave

alimento que arde no corpo e o que o desejo queira e a paixão deseje

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Gostava tanto de escrever um poema bonito

Que falasse do primeiro orgasmo de todas as virgens

E do sabor dos beijos mais lentos

Um poema que cheirasse a sexo

De palavras húmidas e ensandecidas

Onde as tuas coxas fossem lápis e o teu poço o segredo

Das rimas dos maiores poetas

 

Ser a eternidade contigo sem imposições de sintaxe

Nem gatafunhos de vida

E ao mesmo tempo no limiar do êxtase

 

hei-de fazer de ti um poema excessivo

mais íntimo

desfalecidos os corpos brindarão cada recomeço de palavras amigas

hei-de escrever um poema degrau a degrau

de tanto e tanto querer

enquanto houver um caminho e um abismo de entrega

quando me olhas

enquanto houver um caminho e um abismo que ainda queime

enquanto a tua voz se escute em bocados de silêncio ofegante

 

o que procuram as tuas mãos quando me tocam suaves e quentes

o que fazer de nós neste desejo tamanho

e prazer desesperado

porque há sempre um tempo de espera

um tempo dramático e ansioso onde sejam tremendas  as marés

 

espera comigo por um novo sopro

onde juntos gritaremos novos louvores e ais

 

 

 

 

 

 

 

por vezes sou ilha

ou talvez uma fogueira de festa e areia

 

diz-se que as estrelas brilham

serei uma estrela quando navego no teu corpo contra a noite

ou serei a noite que te dou

 

dentro de mim passeia-se deus e o diabo e também tu

na santa trindade de todo o meu desejo

 

amo-te

talvez por isso

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

onde te ergues mulher se não te satisfaz o silêncio mais extremo

enquanto te mostras abertamente na embriaguez já próxima do corpo

 

os teus apelos ecoam dilacerados na boca que me ofereces

e rápidas são as asas que me lanças

 

nos teus olhos a cegueira do sabor mais denso

enquanto esperas o prazer do leite e da rosa por florir

até que desfrute do teu favo e do perfume

por abrir

 

não sei se és manhã mas não serás renúncia

enquanto o teu coração sorrir e o teu corpo amadurecer

 

serás o melhor vinho e a cama desfeita

a âncora onde me prendo e abraço

na mulher inteira serás a amante desabrida

e eu serei teu e tanto

 

estás nua e eu sei que és doce

sei que és lugar onde irei deitar-me

 

estás nua e és rosa

e és poço e tempo ameaçado

 

estás nua e eu sou espanto

sou nervo mas nunca impaciente

estás nua sem que o saibas e és vontade

de receber-me

 

 

 

 

 

 

 

 

afirmo que deus nasceu

na tua barriga

sem ameaças de vingança

estéril

que o amor é puro

e dá-se

sem medos

nem exigências

 

zanguem-se as igrejas

e todos os cultos

porque a paixão é entrega

sem perdão

onde apenas os beijos

ressuscitam

a carne

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

nunca me amarei sozinho

porque serás sempre a virgem  

daquele dia

que nem as pedras

nem a terra compreenderão

 

amo-te na pressa da vida

e frescas serão as margens do grande lago

 

farta é a luz e o delírio da carne

meu amor

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

de onde vem esta água

onde a fonte e o silêncio

são cúmplices

 

onde o fogo e o vento serão véus

de bocas ávidas

na sombra de cultivo

 

será o tempo do sagrado terreno

a rosa escurecida

sangrando vida

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

acredito nas letras que desenhas no leito

e na fome que elas sustentam

nos gestos marinhos

quando  desaguas

 

que a tua voz seja o sétimo dia

estupenda e quase selvagem

estendida nos meus campos

porque és o brado

de todas as mulheres nuas

 

vem e regressa

enquanto me habites

profundamente

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

reconheço nos teus lábios já húmidos

os mistérios que prometes

e atiçam a descoberta

 

há sempre palavras

de silêncio

e um golfar enlouquecido e branco

 

enquanto houver um caminho

e um abismo

que ainda queime

 

enquanto a tua voz se escute

em bocados de silêncio

ofegante

 

desfalecidos os corpos

brindarão cada recomeço

de palavras amigas

 

hei-de escrever um poema

breve

de querer-te tanto

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

seremos pastores do tempo

e a primeira letra que nos sobrevive

para que a obra terminada

seja ouro intenso

 

e livres as noites no segredo

de corpos que se tocam

em sílabas húmidas de gritos abafados

 

ou numa enxurrada convulsa

levemente exausta

 

para que saibas a nuvens virgens

e as tuas bagas

sejam doces e brandas

 

onde haja lume

que escute e nos alimente

 

são os momentos em que me basta o teu cheiro

ou que apenas te imagine a meu lado

quando espero o vinho da melhor uva

 

e a espera seja rua deserta e fresca

até que a inundes

de bagas ardentes

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

fascina-me a funda serenidade

dos vales

onde se guardam beijos

debaixo de folhas vivas e breves

 

é quando me invades

veloz e quente

na carne delicada

 

dentro de mim é o deus

e o pensamento infantil abraçado e grande

em íntimo espanto

 

os teus lábios

cheiram a terra

e são doces a luz e a mãe

de todas as vezes

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

procuro um poema que fale

da terra e do mar

que fale da lama

e do sémen

 

um poema inacabado

que sorria às mulheres

e as saiba abraçar

 

procuro um poema

que procure no sexo a cumplicidade

dos gestos

e dos sentires

 

um poema que venha lento

e que vindo lento

agrade à vida

e ao amor

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

gosto da pele que cheira a terra e a trabalho duro

de sentir o seu cheiro a vácuo

que me recordam a vida e atingem

 

gostava de construir em mim

esse rosto queimado de sol onde os olhos se fixassem

para além do riso e do tempo

 

gostava de amar como essa gente

e sentir a sua beleza

nas margens do cansaço

 

e deitar-me contigo entre lágrimas

no desejo que deus nos sentisse

e fizesse tudo de novo e tão diferente

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

quando as nossas bocas se tocam
anunciam oferendas de fogo


os beijos são assim

até que a palavra e a terra

se abracem cúmplices

 

por vezes não sei que outras palavras diga
para falar-te da terra e do arado que te remexe
de como abraçamos os nossos sulcos

e a vida fica grande


de como nos construímos leves


um dia saberei dizer do cheiro dos olhos

quando sorris e me dás a mão
e do que nos dizemos em todos os silêncios
da fome mais crua

 

gosto de amar-te em ritmos distraídos

e olhos quase ausentes

enquanto te afogas no quanto te quero

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

palavras de sobressalto dilaceradas e esplêndidas

no seu brilho mais violento

ninguém sabe se é a voz dos homens

ou uma ameaça divina

 

benditos sejam os lábios na sua loucura

que se agitam

na história dos amantes

 

são palavras dramáticas quase estéreis

se não provam o sémen

na sua brancura divina

 

fartas são as penumbras e as pálpebras arrebatadas

no espanto da vergonha e do medo

onde são o gesto amável na entrega da carne

e onde o fruto seja pecado

 

por isso as palavras são dramáticas

no que sobressaltam os deuses

e estéreis nos dias mais apaixonados

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

fulgurante é a luz das coisas do corpo

quando me esperas e desejas

o espanto

 

não sei se és ribeira

se és âncora

ainda no sossego das águas

 

quando existem paisagens nos teus gritos

há um novo mistério por descobrir

que nos cena e inebria

 

a luz entra e sai dentro de nós

e longo é o tempo final

amado e amante

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

eu quero mexer na terra

ainda seca

sujar-me nela

devagar

como quem espera

pelo gozo da mulher

 

desfazer os seus grãos

ou beijar-lhe os seios

 

os sulcos

onde as sementes irão florir

os melhores frutos

 

eu quero mexer na terra

e encontrar nela o teu sabor

virgem

maduro

envelhecido

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

o poema nasce por uma palavra

onde te instalas

ausente da pressa

do tempo

 

desconheço onde desaguas

se no íntimo do poema

ou ao seu redor

 

ou se desaguas

no seu leito

onde te alimentas

e acreditas

 

és diferente todas as manhãs

 

assim o poema

na palavra

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

espero o teu incêndio que transborde no meu corpo

e o inunde de forma arrebatada

e muito branca

enquanto te moves por dentro de nós

 

que a abertura seja lenta mas fulgurante

que transpire nas palavras dos poemas que se escrevam

e de cada vez os livros e os gestos de paixão

sejam livres e cheirem a espuma e a resina

 

nos campos

os charcos são a escultura

do nosso amor

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

sou

o que atento de mim

a forma justa de negar

e nego-me

no que acredito

renunciar

 

sou

o que seja sombra

e persiga a luz

ou seja perseguido

nunca perdoado

 

sou

quem vou sendo

não sujeito

não passivo

nem isto ou aquilo

e não entendo

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

um dia estarei em casa

azul

sem dor e sem lama

de terrível alegria

no fundo dos olhos

 

uma casa cheia de vazios

dos teus vazios

de tradições e receios

e vazia

de escuridão

 

uma casa sem defesas

e sem tramas

onde andarás nua

enquanto esperas

que eu abra

a tua porta

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

conheço todos os caminhos

todas as vielas

e os pátios antigos

do meu tempo de menino

e não te conhecia

ainda

 

conheço todas as tascas

todas as putas

e as guitarras de grito

do meu tempo de destino

e não te conhecia

ainda

 

conheço todos os charros

todos os grifos

e os sons da noite

do meu tempo sem regras

e não te conhecia

ainda

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

é um atinar

que desatina

o amor

e tanto

 

é um incêndio

que mói

e espreita

que beija

e navega

 

és tu

e também sou

na boca

e na língua

e são elas

que mais navegam

por dentro de nós

 

é amor

e amor ainda

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

se estando perto

te julgo tão longe

e quero mais

de tanto que tenho

 

se nos teus olhos

não vejo limites

e no teu corpo

eu sinto desejo

 

se a tua roupa

vai desistindo

e forte te mostras

no quanto me queres

 

será chama

serão gritos

seremos amantes

e tanto

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

o sonho não morre nas marcas do corpo

nem o amor desiste de quem se dá

 

não me esperem nos cânticos sonolentos

porque o céu é castanho

e é terra

é beijo

e é agora

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

dentro de ti

um poema

e a voz do mar

 

em ti

crescem raízes

e as crianças mais belas

 

por ti

edifico sonhos

e nuvens transparentes

 

serei papel e caneta

e um poema

enquanto me agarrares

nos teus olhos

e as nossas bocas

desvendarem mistérios

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

esse desassossego

do teu olhar

quando te deitas

e no meu corpo

procuras tesouros

escondidos

 

águia

que vai pairando

até que se despenha

do céu

no sítio

a descoberto

 

saciada

ainda olhas

e talvez sorrias

no fundo de ti mesma

até depois

um pouco mais tarde

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

a noite ainda dormia quando acordei nas palavras que também sentiam

essa vontade irresistível de olhar-te até que os olhos desistissem de

tamanha alegria

por dentro de mim existem vozes que anseiam um toque e um beijo

que te percorra secretamente e que invada o rosa e o negro

por dentro de mim já cresce o desejo de um poema inteiro e alto que perturbe o corpo

um poema que seja leve e saiba acordar a chama fulgurante

da rosa quente e negra e entreaberta e gota a gota

espere o teu grito e se transforme em espanto e desejo satisfeito

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

onde te deitas

quando te deitas

no meu corpo

 

no chão

na cama

no meu corpo

dentro de mim

 

onde te deitas

quando te deitas

no meu corpo

 

no vento

no vulcão

nas ondas

dentro de mim

 

onde te deitas

quando te deitas

no meu corpo

 

tão dentro de mim

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

nem as nuvens

nem o fogo no céu

nem em nós

não fosses tu

não seria eu

 

nem o que nos molha

nem o que nos queima

nem o que nos une

não fosses tu

não seria eu

 

o que seria eu

senão fosses tu

 

de onde vem o vento

e a chuva

e o fogo

de onde vens

porque não seria eu

se não fosses tu

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

banho-me na tua sombra

no teu abismo

no teu mar

 

e por lá fico

até que a luz se cumpra

e venha sem pressa

 

deito-me no teu lago

na sua água

no que não me é secreto

 

e por lá fico

sem pressa

até que a luz se cumpra

e repita

lentamente

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

deixa que escorregue

até ao fundo de ti

onde a paixão é tão grande

 

olhas

e eu sei para onde

e para onde

me chamas

 

e deito-me

na tua cama

no teu corpo

e toda a água

é estranha

leve

e saborosa

 

enquanto escorrego

beijo-te os gritos

e na tua fome

deposito a minha boca

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

depressa

antes que a noite

nos sufoque

dá-me

o que entenderes

dar-me

 

deixa um poema

e um abraço lento

uma palavra que seja divina

Inexplicavelmente

 

não existem mistérios

nem se contam os espasmos

 

o fogo apenas espera

o seu momento de liberdade

e gritos mudos
***
S E L E T A



D

I



V E R S O S









Antonio Cabral Filho





Letras Taquarenses Edições

2014

*

NOTÍCIAS DE MIM


Nasci em 13 de agosto de 1953, no município de Frei Inocêncio - MG. Em 1964, após o golpe militar, fui para a escola, por decreto do generalíssimo Castelo Branco, aos onze anos de idade. Em 1968 concluí a quarta série, com média 7. Nessa época eu fazia teatro, na escola e na igreja, e, com a ajuda da única pessoa que eu considero Professora neste mundo, a Dona Adir, como eu ainda a chamo, montamos a peça O FILHO PRÓDIGO, com a intenção de realçar a auto-destruição em que se encontrava a juventude naquele momento.

Durante as férias escolares de junho de 1968, dei uma chegada ao Rio de Janeiro para fazer uns biscates e comprar roupa nova, mas ao chegar no Catumbi, meu primo Sadi levou-me para conhecer a cidade. Era 26 de junho, dia da PASSEATA DOS CEM MIL. Passeei na passeata.

Em junho de 1969, meu Tio paterno Sebastião Cabral, mestre de obras no Rio de Janeiro, foi buscar peão para suas obras e eu me alistei. Falei com ele da necessidade de eu sair da roça, escapar das garras do meu pai, deixar de ser mão-de-obra gratuita. Tinha quinze anos e era escravo do meu próprio pai.

Ele compreendeu e arrancou-me da casa paterna, não sem antes anunciar-me as agruras da cidade. Ao chegar em seu barraco, na Favela da Mineira, meu romantismo com a cidade grande foi pelo valão abaixo. Vi cair aos meus pés um menino fuzilado pela polícia, que segundo foi dito, era traficante. Durante muito tempo eu tive pesadelos por causa disso.

Morei na casa do meu querido tio até ir para o quartel. Matriculei-me na Escola Geny Gomes, no Rio Comprido e cursei o ginásio. Era um tempo turbulento, com muitos professores fazendo "inquéritos" com os alunos. Logo a seguir, entrei no Colégio Martin Luther King, fiz a sétima e a oitava séries e fui para o profissionalizante, no Curso Santa Rosa, Largo de São Francisco, em frente ao IFCS-UFRJ. Era 1974, fui promovido a cabo do exército, mas de olho no curso de sargento. Fiz o curso e passei, fiquei até 77 aguardando a promoção que não veio e pedi baixa; passei no vestibular e fui cursar direito na UFF. Abandonei por desilusão com a filosofia do direito após o quarto período; fui para comunicação social, mas a psicologia da notícia acabou comigo. Caí na vida e estou pegando touro à mão.


1 -


1 - ECCE HOMO - POESIA, Edições Curupira, 1997;
2 - DUELO DE SOMBRAS, POESIA, Edições Curupira, 1999;
3 - VER...SO CURTO&GROSSO - POEMAS PIADAS, Edições Letras Taquarenses, 2006;
4 - CINZA DOS OSSOS, POESIA, Edições Letras Taquarenses, 2008;
5 - MEUS HAICAIS PREFERIDOS, COLETÂNEA DE 20 AUTORES, Org Antonio Cabral Filho, Edições Letras Taquarenses, 2010
6 - TROVAS DE TORCEDOR, TEMA FUTEBOL, E-BOOK, 2010;
7 - TROVADOR DE FÉ, RELIGIÃO, E-BOOK, 2011;
8 - TROVAS DE AMIGO, HOMENAGENS, CRÍTICAS, IRONIAS, E-BOOK,2011;
9 - AUTOBIOGRAFIA EM TROVAS & VERSOS FAMILIARES, E-BOOK, 2012;
10 - CADERNO DE HAICAIS, E-BOOK, 2013.
11 - SELETA DI VERSOS 2014


2 - PARTICIPAÇÕES


1 - POETAS DA CIDADE DE NITERÓI, ANE -
Associação Niteroiense de Escritores, 1992;
2 - POETAS 10ENGAVETADOS, Coletânea
, Org. Antonio Cabral Filho, Edição dos Autores, 1995;
3 - ANTOLOGIA POÉTICA VOL2, UFF/EDUFF 1996;
4 - INTERVALO, Ano II Nº10,
Edição Francisco Filardi, 2006;
5 - ANTOLOGIA BRASIL LITERÁRIO 2007,
Org Ivone Vebber, 2007;
6 - QVADERNS DE POESÍA SETEMBRO 2007,
Org Padre MossenPere Grau i Andreu,
Edição Le Club de Difusion Cultural,
Barcelona-Espanha 2007;
7 - CD DE POESIA 2008,
Org Carmem Borges 2008;
8 - DVD DE POESIA 2008,
Org Carmem Borges 2008;
9 - ANTOLOGIA BRASIL LITERÁRIO 2009,
Org Ivone Vebber 2009;
10 - QVADERNS DE POESÍA SETEMBRO 2010,
Org Padre Mossen Pere Grau i Andreu,
Edição Le Club de Difusion Cultural,
Barcelona-Espanha 2010;
11 - FANTASIAS COLETÂNEA,
Org Rozelia Scheifler Rasia et all,
Edição Alpas21/Ed Alternativa 2011;
12 - ANTOLOGIA 13 POSTAL CLUBE,
oRG Araci Barreto, Edição Postal Clube, 2011;
13 - POETAS EN / CENA 6 - BELÔ POÉTICO,
Org Rogério Salgado e Virgilene Araújo, BELÔ POÉTICO 2012;
14 - VERSOS DE OUTONO ANTOLOGIA
Org Delmo Fonseca, Edição Confraria de Autores 2013;
15 - ANTOLOGIA 15 POSTAL CLUBE,
Org Araci Barreto, Edição Postal Clube 2013;
16 - ANTOLOGIA DE POETAS BRASILEIROS CONTEMPORÂNEOS
Org Elenilson Nascimento, Editora Pimenta Malagueta, 2013;
17 - DIÁRIO DO ESCRITOR - Livro Agenda, Litteris Editora, 2013.

18 - APANHADOR DE SONHOS ANTOLOGIA - Editor Marcio M. do N. Sena - Beco dos Poetas 2014.


*

DEDICATÓRIA


A TODOS,

TANTOS,

QUE SABEM

A SUA IMPORTÂNCIA

NA MINHA VIDA.


***

ÍNDICE ( Lista de Poemas )



1 - Florão da América

2 - Poeta de Periferia

3 - Brecht Sob o Céu de Berlim

4 - Ladeira Saint Romain

5 - Me Disserem

6 - Lições de Tempo

7 - Solilóquio

8 - Cogitação

9 - Instinto Primitivo

10 - Política Anti - Literária

11 - Do Pobre Arlequim

12 - Lira dos Quinze Anos

13 - Cinza Wim Wenders

14 - Canção do Preto Inácio

15 - Canto a Ilu-ayê

16 - Delírios de prometeu

17 - Canção dos Guetos

18 - Tempo Fértil

19 - Lotação Esgotada

20 - Faluja

21 - Canções do Filho

22 - Rimbaudices

23 - Dezoito Brumário de Artur Rimbaud

24 - Deslumbramentos

25 - Neoliberal Postudo

26 - Poema Para Moacy Cirne

27 - Viver Sem Receita

28 - Shakespearíaco

29 - deuses do Gueto

30 - Cantiga Para Cassiano Nunes

31 - Quintana

32 - Quintana

33 - Quintana

34 - Quintana

31 - Ode ao Verso Livre

...

Apresentação



Mário de Andrade é uma fonte de inspiração à qual eu gosto muito de recorrer. Ele diz num determinado trecho do Prefácio Interessantíssimo que apresentação, prefácio, notas introdutórias, enfim, essas coisas de dar satisfações a que veio, são inúteis para quem nos despreza e desnecessárias para quem nos ama, ou algo assim.

Meu objetivo aqui não vai nessas direções. Não dou satisfações a quem despreza as diferenças nem preciso fazer preleções a quem as quer bem. Digo isto porque sempre marchei sozinho, sempre sem medo de aonde vai dar e no quê.

Minhas experiências com a escrita vêm desde a adolescência, quando da realização das festas juninas de 1967 em que meu pai pegou meu "Livro de Versos", apenas um caderno do MEC doado nas campanhas de alfabetização daquele período, e, acendendo o isqueiro do Vovó fumar, transformou-o numa tocha para pôr fogo na fogueira, não me lembro se de São João ou São Pedro, aos berros de " poesia é coisa de marica! " Lembro-me que no dia seguinte eu fui revirar as cinzas acreditando encontrar algum fragmento de poema que me ajudasse a reescrever alguma coisa. Inútil! Desde então trago comigo a noção de " estar só " naquilo que faço. Isso poderia ser um ponto de fraqueza para quase todos, mas aprendi a fazer disso a minha força: Não sei contar com ninguém, na hora do " pega-pra-capar ". Por isso, esta seleta de poemas eu a faço sem buscar apoio de ombros amigos, seja na escolha, seja na ordem dos poemas. E tudo que desejo registrar é que constitui-se de poemas bem divulgados, bem aceitos na nossa imprensa literária, a imprensa alternativa, hoje fortalecida pela internet, com seu mundo fantástico de sites, páginas e blogs.

Espero que quem os leia veja um pouco do meu trabalho, aqui representado por versos livres, sem nenhum poema minimalista, nem poemas-piadas, nem haicais, Nem trovas, nenhum soneto, sequer um poetrix. Apenas versos livres na sua expressão mais prosaica, mais solta, distante das formas fixas, modalidade na qual eu creio me mexer bem. Afinal, ser incluído em livros pela UFF - Universidade Federal Fluminense, ser editado em sites como o Jornal de Poesia, criado e dirigido pelo distinto Soares Feitosa, ou no Momento Litero Cultural, hoje tornado site pelo ilustríssimo Selmo Vasconcellos ou ainda figurar na ESCRITABLOG, do caríssimo Wladir Nader, não creio ser algo pouco significativo. E, com o devido respeito a quem gosta de tapinha nos ombros, eu não bajulei ninguém, não troquei favores, até porque não possuo nada trocável. Já cheguei a quinto lugar em diversos concursos, mas não me ressinto em injustiças e dou-me por satisfeito com os resultados até aqui. Mas de agora em diante, tudo muda.



***


FLORÃO DA AMÉRICA



O menino era pivete

E se chamava Joãozinho

Vivia como engraxate

Ganhando a vida por aí

Sem deus e sem diabo pra atentar



Foi estuprado por um maníaco

E encontrado morto na Lapa

Dentro de um latão de lixo



Não foi homenageado

Com honrarias militares

Nem imortalizado

Num samba de carnaval



Morreu e está morto

Morto, bem morto mesmo

Morto até na memória



O menino que era pivete

E se chamava Joãozinho

Que vivia como engraxate

Ganhando a vida por aí

Sem voz sem vez

E sem lugar na HISTÓRIA

*


POETA DE PERIFERIA



Nunca tirei um sarro

Nos bancos do Central Park

Nem aos pés da Estátua da Liberdade

Sequer algum dia

Imitei Hugh Grant

Trocando boquete

Com alguma Divine

Nos arredores de Los Angeles

Jamais mijei no Rio Hudson

Do vão central da Ponte do Brooklin

E nunca achei graça nenhuma

Em comer pipoca com bacon

No trem fantasma da Disney World

Tampouco nunca peguei um breack-fest

Em alguma lanchonete da Wall Street



Mas ninguém se assuste

Com o meu desdém debochado

Pelas coisas suntuosas

Desse mundo consumista

É que eu me sinto muito bem

Junto aos pés-de-cana

Dos butiquins pés sujos

Desses guetos suburbanos

Onde levo minha vida

De poeta proletário.

*


BRECHT SOB O CÉU DE BERLIM


Olhem para mim, vejam bem!

Eu estou aflito.

Não concebo ficar quieto

Diante da situação.

Se o tempo estiver bom,

Eu saio à rua a passear.

Se não estiver eu saio também.

Não dá pra ficar neutro.

Olhem para o tempo.

Como estão as nuvens?

Claras ou turvas?

Ou não há nuvens?

Chove e faz frio

Ou o calor é intenso?

Não importa!

Conforme a temperatura

Eu respondo à altura.

Não quero saber

Se são nuvens de tnt

Ou se neve suave de amanhecer.

Meus pés caminham...


*


LADEIRA SAINT ROMAIN



A Ladeira Saint Romain

Tem muita história a contar,

Mas a Ladeira Saint Romain

Não quer censura em sua história.



A Ladeira Saint Romain

Precisa de alguém que diga

Sua história com o Pasquim,

Mas que seja enquanto viva.



Pois a Ladeira Saint Romain

Não quer deixar sua história

Pra depois que ela morrer.



A Ladeira Saint Romain

Viu muita gente subir,

Mas não viu tanta gente descer.


*


ME DISSERAM



Eu menino me disseram

Que eu era HOMEM

Com todas as letras maiúsculas

Que eu teria uma mulher

Com a qual me casaria

E seríamos felizes para sempre



Porém eu descobri o AMOR e a LIBERDADE

E percebi que o amor é solteiro

E a liberdade não se casa com ninguém



Em seguida me disseram

Que todos tinham religião

E me venderam um deus

Que eu seguiria para sempre



Porém eu percebi

Que havia muitos templos

Tantas tendas onde comprar-se um deus

Que eu desisti

E fui tachado de ateu

Depois me disseram

Que todos tinham ideologia

E me venderam um partido

No qual eu ingressaria

E S P O N TA N E A M E N T E

E a ele serviria enquanto eu quisesse



Tornei-me então violento ativista

Mas constatei que todos tinham que ser iguais

E que o ser a si próprio era impossível



Até que um dia me avisaram

Que eu estava fora do partido

E que eu não era comunista



Desde então venho notando

Que todas as coisas têm um preço

E eu não posso comprar nada

Do que me querem vender

E ainda assim

o SHOW BUSSINESS

não quer deixar-me em paz

por onde quer que eu passo.



Como é possível

Numa mesma praça

De um lado um religioso

Fantasiado de cristo

Nos oferecendo a paz celestial

E do outro

Um comício eleitoral

Nos oferecendo um Strip-tease

Em troca de voto?

Agora restou-me a pecha:

Disseram que eu sou

ANARQUISTA.


*


LIÇÕES DE TEMPO



Houve um tempo

Não muito remoto

Em que me preocupei

Com a velhice

E até me programei

Pra fazê-la agradável,

Como lutei fiz planos

Formei vasta biblioteca

Pra passar o resto

Dos meus dias

Cercado de livros,

Planejei viagens

Pra conhecer a Ásia

A Europa a África

E da América

Visitar pelo menos

Machu Pichu.

Eu queria ser um

devorador de distâncias

guloso qual um marujo

pirata dos mares revoltos,

mas eu não sabia que o tempo passa

e que alguns copos de vinho

deixam a gente assim serelepe.

*


SOLILÓQUIO DE INVERNO



TUDO ANDA TURVO

Cigarras silentes

Arbustos estáticos

Há muito não noto

Formigas nervosas no seu ir e vir

Nem os grilos silvam mais


TUDO ANDA TURVO

Sapos aposentando pilões

Não sei mais dos agouros da côa

E o Bentivi não mais

Dedura ninguém

Os cães nem ladram mais

Nas noites frias

Não mais há bêbados

Cambaleando as calçadas

Rumo ao incerto caminho de casa


TUDO ANDA TURVO

Não mais se ouvem amigos

Falando alto na esquina

Contando histórias de amores furtivos

E mijando a saideira

Tomada agora há pouco


TUDO ANDA TURVO

E não basta dizer

Que tudo anda turvo

A manhã vem irrompendo

E Netuno acaba de soltar os ventos

E Vênus balança os cachos

Rindo-se de mim

Com seu sorriso de ninfa.


*


COGITAÇÃO


(Ao Poeta e Amigo Pedro Giusti)



Pense

Pense

&

Escreve

Se não puder sussurrar

Pense

Pense

&

Sussurre

Se não puder falar

Pense

Pense

&

Fale

Se não puder gritar.


*


INSTINTO PRIMITIVO



Foi assim

Sem mais

Nem menos

Me aproximei dela

E senti um odor diferente

Odor de terra molhada

Algo natural mesmo

Lhe cumprimentei

E senti todo meu corpo crispar-se

Ela notou e disse

Vem cá

E fomos de mãos dadas

Olhos nos olhos

Assim

Sem mais

nem menos

*

POLÍTICA ANTI - LITERÁRIA


O poeta ingênuo sai no pau com o crítico literário

Pra ver qual deles é capaz de regenerar

O poeta oportunista



Enquanto isso o poeta revolucionário

Panfleta nas favelas

O seu sonho visionário



E o poeta maior

O poeta menor

E o dito marginal

Fazem bolotinhas

Com meleca do nariz...


*


DO POBRRE ARLEQUIM





Nasci no sopé das montanhas

Lá onde terminam os bosques

E as florestas se adensam.

Bem cedo aprendi a brincar

Com os habitantes desse mundo

Onde reinam Sacis e Iaras.



Ainda menino fui pras cidades

Sem seio de mãe nem ombro de pai

Órfão de noite e de dia.



Segui sempre o sem-fim dos caminhos

E a poeira das estradas

Tingiu de vermelho os meus sonhos.

E o ronco do motor dos caminhões

É que ninou a soneca do menino

À sombra dos arbustos solidários.



Meu prato requentado e rápido

Eu soube sempre o seu sabor de sal

Temperado de relento e sol.



Na cidade sou um peixe fora d'água

E vez por outra ponho-me frente aos bares

Perscrutando por que essa gente bebe tanto.



O meu amor não sabe o pranto

Tão fartas comigo foram as mulheres francas

Em darem-se inteiras e detalhes tantos.



Não prometo ser algum dia um gentleman

Mas eu não mijo calçada a fora

Após uns chopes com steinhägen.


*


LIRA DOS QUIZE ANOS



Oh que alívio que eu tenho

Daqueles colegas de infância

Com seus mundos cor-de-rosa,

Heróis de história em quadrinho,

Coca-cola, chiclete, carmanguia,

Lencinhos perfumados, documentos,

Sem sombra de movimentos

Que os anos não trazem mais.



Como eram frios os versos

Profundamente românticos!

Mas contra os versos

Profundamente românticos

A alma dos versos meus

É francamente livre

E cospe na cara do eu-lírico

Que caça borboletas azuis.



Oh que alegrias que eu trago

Das minhas gazetas da infância,

Daquelas tardes jongueiras

À sombra dos oitiseiros

Entre o Largo da Carioca

E o tabuleiro da Baiana

Com tudo quanto é quitute,

Cuscuz, cocada, quindins

E os chamegos da mulata.



Oh que saudades que eu tenho

Da minha Avenida Central,

Avenida dos meus sonhos

Colhidos na Cinelândia

E comidos nos Arcos da Lapa

Por alguma linda Brigite

Com beijo gosto de menta

E seios de Marilyn Monroe.


Pobre do espírito pudico

Que nunca esbarrou com Cupido!

Jamais se esbaldou

Nas tabernas da Praça Mauá

Degustando cuba-libre

Com as nossas Bardots,

Nem trocou beijos calientes

Entre senha e contrassenha

Com alguma companheira

Aos cicios " pela revolução!"

Nas esquinas da Rio Branco.



Livre filho suburbano

Desfilava desafeto

Por meu boulevard sem Paris

Da minha Avenida Central,

Que só virou Rio Branco

Para agradar ditos-cujos,

E ria com meus olhos leigos

Da anarquia arquitetônica

Daquele casario sem eiras,

Que o Pereira "passo" extinguiu

Com um só "bota-baixo".


Naqueles tempos ruidosos

De ardente adolescência,

Papai montava a cavalo

E saía pra campear,

Mamãe brandia o chicote

E o leite fervia

No fogão a lenha,

Eu era pingente de trem

E ofice-boy da Light

E Che Guevara era bandeira

Nas barricadas de Paris.



Ai que saudades que eu tenho

Da Avenida Rio Branco

Como um palco a céu aberto

P'rum côro de cem mil vozes

Cantando Geraldo Vandré:

"Vem, vamos embora,

Que esperar não é saber,

Quem sabe faz a hora,

Não espera acontecer."


Mas "saudades" que eu sinto,

"Saudades" que me doem fundo mesmo

São da Avenida Rio Branco

Na Passeata dos Cem Mil

No auge dos meus quinze anos,

Daquela gente bronzeada

Mostrando tanto valor

Só pra mudar o Brasil,



Dos " bailes" que eu dei nos "ome"

Na Biblioteca Nacional

Com o saco de bola-de-gude,

Do Wladimir trepado no poste

Gritando "Abaixo a Ditadura!"

Alheio ao gás lacrimogênio,

Das balas com endereço certo

E o sangue correndo solto.....

................................................

São "saudades" que a palavra

Lhes recusa a assinatura,

Coisas muito duras para esquecer

Como diz o Rei Roberto,

Mas me fazem muito bem

Que os anos não tragam mais.



Por isso eu sigo cantando

"Caminhando" com Vandré:

" Vem, vamos embora,

Que esperar não é saber,

Quem sabe faz a hora,

Não espera acontecer."


*


CINZA WIM WENDERS


O céu turvo de Berlim

Lembra lona de circo velho,

Onde nossos avós nos levavam

Para vermos aquele palhaço

De há muito nosso conhecido.



Seus prédios cinzas,

De um cinza há muito conhecido,

Soltam o reboco feito animais

Que de tempos em tempos

Mudam de pele.



Suas árvores, em eterno outono,

Sem folhas pelo chão...

Suas cores, não sei como, jazem

Sob esse cinza perene

À espera da plena primavera...


*


CANÇÃO DO PRETO INÁCIO



Nasci nos caminhos de dentro,

Que ligam Minas Gerais à Bahia,

Ali pelas imediações do Suassuí,

Lugar de muita casa grande

E senzala mais ainda.



De início éramos todos lavradores,

Gente de lida que os senhores arrebanham

Com ajuda dos bate-paus,

Ora pegos em quilombos

Ora arrematados em leilões

Feitos pelos negreiros à beira dos cais.



Mas de tempos em tempos

Alguém saía de trouxa nas costas

Pendurada no pau de dois bicos,

Como fez o Preto Inácio

Que nunca mais deu sinal.


Quando fugia, dizia-se

Que fez poeira;

Quando saía por conta própria

Dizia-se que foi pra vida;

E, quando era posto pra fora,

Buchichava-se à boca miúda:

Foi vender puáia,

Que era como tratavam

esses pretos velhos

vendedores de raízes

nas feiras da cidade.



Entre uma e outra leva

Dessa gente que partia

Fui aprendendo com a vida

Lição por lição de partida

E assim que peguei tope

Aprontei meu pau de dois bicos

E fiz poeira,

Fui pra vida

Vender puaia.

*


CANTO A ILU-AYÊ



Negro é raiz da liberdade

Mais forte que qualquer outra

E faz nosso povo se unir

Hoje muito mais que outrora.

Porém, os chacais que o rondam

Ainda encontram lacaios

Contra o nosso porvir,

Pois quem nasceu para Judas

Não se cansa de trair.



Ilu-ayê tem o sorriso negro

Pra fortalecer meus irmãos

E regar a flor da resistência

Desde a grimpa dos morros

Até à vereda mais úmida

Em prontidão na tocaia

Para emboscar bate-estradas

E avisar aos capatazes

Que quem brinca com corda

acaba dependurado.


Ilu-ayê tem o abraço negro

Pra fortificar os quilombos

E multidões de Zumbis

Com suas bandeiras erguidas

Pra celebrar nosso Rei,

Que deu seu sangue por nós

E merece glória eterna.



Ao cismar sozinho relembro

Que todo instante da vida

É sempre vinte de novembro

Com a dignidade iluminada

E o espírito pleno de axé.



Pois nossa pele tem mais sol,

Nosso céu tem mais luar,

Nosso povo tem mais força

Quanto mais doar amor.



Não permita Deus que eu morra

Sem que ainda faça um poema

Digno da beleza negra,

Com maior engenho e arte,

Que exalte Rainha Dandara,

Zumbi e Solano Trindade

Com uma imensa quizomba

Para alegrar nossa raça

E cantar pra Ilu-ayê!

*


DELÍRIOS DE PROMETEU


Acossado por despautérios,

As Tróias do presente

E as Cartagos do futuro

Obrigam-me a transpor muros

Da epopéia de quimeras

E prever que qualquer dia

Serei mito de ficção.



Algo ímpar na literatura universal,

Maior que Sherazad,

Maior que Dom Quixote,

Mais forte que os Três Mosqueteiros,

Mais valente que Robin Hood,

Mais sortudo que Robinson Cruzoé

Com Segunda Feira e tudo.



Desses que viram objeto de estudo,

Mais que Joyce e Ezra Pound

E dão pesadelo em curiosos,

São temas de teses acadêmicas

E motivo de congressos mundiais

Com reunião de exegetas renomados,

Cada qual com seu aporte

Sobre o pobrezinho aqui.


E o maior frisson

É o momento culminante

Em que todos vão à práxis

Acomodados em mesa redonda

Para provarem seus enfoques,

Quando enfim sou dissecado

Letrinha por letrinha

Até à exaustão,



Inclusive com preleção

De Leonardo da Vinci

E sua aula de anatomia.



Depois, todos partem felizes,

Com ares de dever cumprido,

Enquanto eu pairo sobre tudo

Alheio ao suor derramado,

À adrenalina gasta

E ao fosfato queimado,

Todo senhor de mim,

Dono do meu ser ficcional

Infinitamente inexaurível,

Como bem apraz à obra prima!


*


CANÇÃO DOS GUETOS





YO LOS HABLO HERMANOS

ACÁ TAMBIEN HAY APARTHEYD.



Guetos de Roma

Hanói, Formosa

Pequi, ou de la Habana Vieja

Y sus "desintegrados"



YO LOS HABLO HERMANOS

ACÁ TAMBIEN HAY APARTHEYD.



Guetos londrinos

Bem à margem do Buckingham

Guetos germânicos

De Bonn ou Berlim

Divididos em "Òssis e Véssis"

Cada um velando

em seu umbigo

o ovo da serpente

MADE IN GERMANY



YO LOS HABLO HERMANOS

ACÁ TAMBIEN HAY APARTHEYD.


Guetos da Bolívia

E seus índios "cocaleros"

Da tribo Quéchua,

Guetos do Peru

E seus guerrilheiros

Sem sendeiros luminosos

Para TUPAC AMARU,

Guetos da Venezuela

E seus caracazos bolivarianos



YO LOS HABLO HERMANOS

ACÁ TAMBIEN HAY APARTHEYD



Guetos dos guetos amarelos

Brasilverdesifilíticos

Gonorrêicos que não lhes quero

Assim do Oiapoque ao Chuí

Das palafitas ribeirinhas de Manaus

Cheias de prostitutazinhas meninas

Vendida por seus próprios pais

A caftens made in europe

Às margens das trans...amaz

Ônicas de meninos e meninas ao relento

Nas praças da república

De suas megacapitais



YO LOS HABLO HERMANOS

ACÁ TAMBIEN HAY APARTHEYD


Guetos de São Paulo

Dos casarios miseráveis

De tábua e zinco

Das zonas norte

Desnorteadas pro

Sul leste oeste

Que apesar dos pontos cardeais

Que os atritam

Nenhum cardeal

Nos deixam em paz

Nos seus sermões dominicais



YO LOS HABLO HERMANOS

ACÁ TAMBIEN HAY APARTHEYD



Guetos do Rio de Janeiro

De tontas maravilhas

De janeiro a janeiro

E cariocas brejeiras

De cartão postal

De Chapéu Mangueira

E Pavão Pavãozinho

Vidigais e Vigários Gerais

Onde a palavra FAVELA

Fala a língua do "bigode grosso"

Pela graça da mordaça

De tantos COMANDOS



Há que buscar uma linha

Mesmo que seja vermelha

Mesmo que seja amarela

Ainda que seja anêmica

Para juntar tantas

Rocinhas Morros das Viúvas

Ladeiras dos Adeuses

Baixadas e Jardins Catarinas

Contra tantos opressores.





Pero hermanos

Hablar no me basta

Como no me basta

Llorar los hermanos caídos

Pois para poner fin

A tanto apartheyd







HAY QUE ENSUCIARSE LAS MANOS!


*


TEMPO FÉRTIL


Não sei se Homero foi à guerra,

Mas exaltou seus heróis

Que foram fazer fortuna.



Camões eu sei que foi

E cantou em verso e pólvora

Os crimes que cometeu.



Tem bardos compondo hinos

Por honra de seus irmãos

Mortos em alheio chão.



Não sei o que sentiriam

Se tivessem os seus lares

Invadidos por estranhos,



Mas eu digo a todos eles:

Não hastearei minha bandeira

Sobre os restos de ninguém,

Como apraz aos cães de guerra;



Não entoarei cantos de gesta

Pelas desgraças alheias,

Tão caras aos pais da usura;

Não gastarei tinta e papel

Só para matar o tempo

Ou agradar ociosos

Com coisas tão caras.



Nunca joguei porrinha

Valendo escalpe de índio

Nem minas de Vila Rica.



LOTAÇÃO ESGOTADA



Brasil cheio

De raças

De classes

De castas



Brasil rico

De prosas

De histórias

De causos



Brasil farto

De seitas

De facções

De máfias



Até o dia em que

Veremos ruir

Isso tudo

E o caos

Entorne a taça

E eu possa rir

O riso largado

Da sangria desatada

Com o potro solto no pasto

E o nosso povo altivo

Com a bandeira na mão.



FALUJA



Vou-me embora pra Faluja,

Aqui eu não sou feliz,

E vou sem Manoel Bandeira,

Pois na hora da partida

Virou porquinho da Índia.



Vou-me embora pra Faluja

E já disse porque vou.

Faluja é uma terra livre

Onde o povo não tem rei.



Vou-me embora pra Faluja,

Aqui eu não volto mais.

Faluja é terra de luz

Onde o povo faz a lei.



Vou-me embora pra Faluja,

Viver lá é uma aventura

De tal modo comovente

Que churrasco de yankee

É servido ainda quente.


Vou-me embora pra Faluja,

Vou juntar-me àquela gente

E fazer que um mundo surja

Sem choro e ranger de dente.


Vou-me embora pra Faluja,

E encerrar a ladainha

Senão eu não chego lá

Nem saio desta terrinha...



Vou-me embora pra Faluja,

Lá sou inimigo do rei

E minha maior diversão

É combater a opressão.


*


CANÇÕES DO FILHO

Parte I

Na minha genealogia

Tem um Pataxó destribalizado

E uma negra Haussa evadida,

Restolhos das "Entradas

E Bandeiras," por parte de mãe.



Ambos foram caçados

Por um bandeirante

E seus bate-paus,

Por parte de pai.



Nesta terra de Caminha

Que em se plantando tudo dá,

A escravidão sexual

Vira miscigenação

E ganha status em canção

De muito filho bastardo.



Muitos se ufanam

De serem mestiços

E até receitam isso

Com certidões de mulatos.



Mas eu não tenho dúvida,

Não cometo suicídio de raça

Nem viro escravo de sangue.



Parte II



Chamam-te AMÉRICA

E após tomarem teu corpo

E devassá-lo milhões de loucos,

Esquartejaram-no com mil cavalos

E aonde acharam manchas do teu sangue

Batizaram com nomes eurobestiais,



Mas pra conferirem ares santos

Providenciaram as bênçãos

De certa santa madre igreja

E em cada parte violada

Cravaram aí uma espada

Simbolizando a nova fé,

À qual chamaram cruz de cristo.



Santa Mãe Terra,

Tão divina, tão ultrajada,

Teu nome são teus filhos

E tu vives em todos nós

Desde a mais antiga Era

Ao mais distante Futuro.

Como eu vivo em meus avós

E o rio na montanha,

Somos todos um só,

Santa Mãe Terra.


*


Menos teus inimigos,

Que perecerão ao relento

Sem chão sob seus pés

Nem céu sobre seus rostos,

Como os ratos, sem berço

De Mãe nem Pátria.


Parte III


Este é um país de poetas

Em sua maioria crioulos,

Que derramam no papel

Transatlânticas nostalgias

Pelas pátrias de seus pais.



Desde Bento Teixeira e Manoel Botelho

Que lançam seus tentáculos

Aos confins de suas itálias,

Ricas em leonardos dantes;

Às suas lisboas fartas

De lusidíacas iguarias das índias

E bacalhau norueguês;

Às suas Londres opacas

Túmidas de piratas da rainha;

D'espanhas e franças e holandas

De germânicas reminiscências.



Felizmente não vivo aqui

Com o umbigo além-mar,

Não sofro a mácula

Do pecado original,

Não trago em meus ombros

Pesadas montanhas

De negros e índios

Dizimados por meus pais,

Para que eu vivesse em paz.



Não canto, não toco nem faço coro

Com o coral da escravidão,

Pois eu estou em minha terra,

Terra natal eterna

Dos meus antepassados longínquos,

Dela broto e a ela volto

E me deito sem colchão

E me desfaço em seu corpo de mãe.



Parte IV



Minha terra não é "minha"

Nem é de quem diz ser dono,

Mas tem impostor assim, oh,

Que a chamam de minha terra.

Muitos dizem minha terra,

Mas com os pés em chão alheio;

Só que esses "terratenientes"

Passam o dia no formol

Pra vampirá-la de noite

Com seus versinhos biáfricos

Por uma caneca de vinho.



Mas o fazem ser saber

Que só vinho não dá verve

Pra suas poéticas esquálidas

Tirá-los de cena à francesa,

Como se fossem nababos.

E tornam careta o Brasil,

Chinfrinizam os seus milagres

E deixam os marajás tupiniquins

Morrerem comendo acarajé

Na aba do sabiá.

*


RIMBAUDICES





Não confie em ninguém

Que xingue deus e o diabo,

E, como um litle bad boy,

Queira estuprar os anjos,

Mesmo que perca a perna esquerda

E a direita perca também

E ainda morra em Marselha,

Bem à porta do oriente

Carcomido pelo câncer.





Não acredite em ninguém

Com mais de trinta dinheiros,

Com mais de trinta invernos,

Que acredite em demônios,

Que fuja para a Abissínia

E contrabandeie armas

E ainda trafique escravos

E em sua hora final

Chame por seu Djami.*¹

Não confie em ninguém

Que levou tiro de Verlaine

E o colocou atrás das grades

E ainda fugiu para Roche

E, após uma Une Saisson em Enfern,

Mandou a Paul Demany

A Lettre Du Voyant,

Escreveu Iluminations

Sem dúvida bem além

Dos Paradises artificiales

De Monsieur Baudelaire,

Regado a muito haschisch.



Não confie em ninguém

Que nasceu gênio precoce,

Seja filho de gendarme,

Freqüente o CABARET VERT

E zombe de pátria e família

E vague noite a dentro no váquo

Como o Spleen de Paris.

Não confie em ninguém

Que sofra de rimbaudite

E viva pagando mico

Em algum coufeé maudit.



- *1 : Djami é o nome do mordomo de Rimbaud.

*


DEZOITO BRUMÁRIO DE ARHUR RIMBAUD



Tenho apenas vinte anos

A mais que Artur Rimbaud

E nem um segundo no inferno.



Nunca provei a taça da amargura

Nem quebrei a cara na Abissínia

Ou cheguei em casa perneta.



Jamais reneguei meus pais

Nem minha querida Jampruca

Por suas vidas pacatas.



E o fato de mochilar por aí

Não tornou-me um andarilho

Nem me fará urbanóide.



Sair da casa paterna, pra mim,

É o mesmo que ir ao trabalho

Ou à horta colher alfaces.



Não quero fazer do mundo

Um monte das minhas cinzas,

Porque me odeio e não tenho causa.

Não sofro de " cazuzismo ",

Acusando a burguesia

Por falta de ideologia.

*

DESLUMBRAMENTO



Meu primeiro amor

Foi como beijo roubado:

Sem liberdade de escolha.

Meu primeiro amor

Começou com a chupeta

Quando Ritinha ameaçou-me

"Só te namolo se laigá pepeta!"

Meu primeiro amor

Trocou bala boca-a boca

Na Igreja de Frei Inocêncio

Bem no meio da missa

E o Padre Daniel

Mandou-me rezar três Pai-Nossos

E eu rezei até mais

Para ficar bem perdoado

O pecadinho tão doce.

Meu primeiro amor

Bateu muita gazeta

Na pracinha da igreja

Só pra comer cocada

E dar beijinhos na boca

Das filhinhas-de-papai...

Meu primeiro amor

Passou nas provas

De educação sexual

Com notas de louvor,

Mas se o Grupo Escolar falasse...

Meu primeiro amor

Chupou muito ingá

Na galhada dos ingaseiros

Sobre as margens do Suassuí

Com a Dasdô do Mané Cachorro.



Meu primeiro amor

Tinha gosto de pé-de-moleque

Devorado com a gula

Do menino assustado

Com o presente da namorada

Que levantou a saia de chita

E lhe disse " mete aqui!"



Meu primeiro amor

Ficou de coração na mão

Com o bicho cabeludo

Da Maria Serafina

Nuinha na minha cama

Pra comer minha inocência,

Apesar dos avisos da mamãe

De que ela era rapariga.


*


Meu primeiro amor

Era como filme de Speelberg:

O tempo todo de suspense

E no fim sobra surpresa.

Meu primeiro amor

Nunca encontrou seu fim

Porque a poeira vermelha

Das estradas mineiras

Nos cobriu na encruzilhada

Entre o passado e o futuro

E o destino nos levou

Para distintos presentes.

*


NEOLIBERAL POSTUDO



Após a abertura

Lenta e gradual

Do General Geisel

Nos idos de 74,

Aceitei a receita

Do General Figueiredo

E empanturrei-me de democracia

Com eleição após eleição

E overdose de votos hoje

Pra curar o porre de ontem,

Nem sempre de votos.



Desde então aposentei

Meus apetrechos de guerrilha

Contra a ditadura militar,

Entre eles meu quixute

Mais veloz que bala de INA

E os arapongas do SNI

Com seus óculos Ray Ban

E cabelos James Dean,

Meus comprimidos de Redoxon

Contra gás lacrimogênio,

Minha lista de jornais

E ONGs de DH,


Minha coleção de calças jeans,

Meu Livro Vermelho de Mao Tsetung

E o trezoitão solidário

Que nunca "moscou" na hora

Quando fez-se necessário

Falar o idioma inimigo,

Além da inexorável certeza

De poder mudar o mundo

Nem que fosse a bala,



Mas a três décadas disso tudo

Não sou mais assim não,

Já não sei quem são meus inimigos,

Já não vislumbro as classes

Em que se antagonizam as pessoas

No seio da sociedade,



Não identifico mais ninguém

Como direita ou esquerda

E qualquer discurso ideologizado

Soa-me como algo anacrônico...



Enfim, tornei-me um reles

Neoliberal pós-tudo,

Sem os mínimos valores humanos

De respeito aos oprimidos

E à luta contra a opressão,

De solidariedade militante

Às minorias sociais

E aos despossuídos em geral.

Hoje, se o Tio Sam me pedisse,

Eu venderia minha própria mãe

E entregaria a alma ao diabo

Sem nenhum motivo aparente,

Porque tornei-me um neoliberal pós-tudo.


*


POEMA PARA MOACY CIRNE



Faz tanto tempo

Que não encontro alguém

Que há muito

Eu não encontrava

Alguém que me deixe assim

Alvissareiro

Como as flores e o sol

Às nove da manhã

Com o peito cheio de alegria

Pronto a dar vida às novas emoções,

Como aconteceu com o Cirne

E sua fada amante

Certo dia em Ceridó,

Que se sentiram crianças no parque

Com as façanhas que viveram

Tamanha a felicidade da dupla

Algo assim tão radiante

Que faz mister compartilhar

Fazer com que irradie

Em todo ambiente

Onde haja corações

Que buscam alguém

Digno de ser encontrado

Pelo puro prazer um do outro,

Como o vinho e os lábios

Da mulher amada.


*


VIVER SEM RECEITA


E assim foram-se vinte anos,

Vinte anos de namoro,

Após longas operações secretas

Nos hotéis da Frei Caneca

E seus corredores sinistros,

De arrepiar Hichtcock,

Com tantas fugas fantásticas

Pela Avenida Mem de Sá,

De congelar Mon Sieur Poirot

Depois de longas estadas

Nos cortiços da Gomes Freire

Durante tantos carnavais

Regados a frango assado

E muito vinho de buteco,

Muita lasanha com Black Prince

Nos bares da Cinelândia,

Filmes pornôs no Cine Íris

Só pra criar o clima,


*


Depois de muitos natais

Curtidos a dois nos quartinhos de favela

Regados a risoto de frango e Malzebeer,

Depois de muita briga besta,

Muita salada completa,

Muita "volta" recíproca,

Muita paz de beijo e abraço

Nos bancos da Cruz Vermelha,

Depois de Ana e de Edson,

Passaram-se vinte anos

Além dos cinco pregressos,

Almejo ainda mais vinte

Mas isto não é receita

Para mal sem cura...

*

SHAKESPEARÍACO



Ao tocar a sirene da fábrica

João não viu Maria sair

E bater o cartão de ponto

Às dezessete e trinta.



Às dezoito horas

João não viu Maria sair

E bater o cartão de ponto

Às dezoito e trinta

João soube pelo vigia

Que Maria fazia serão.



Às dezenove horas

João viu Maria sair

E bater o cartão de ponto

E despedir-se do amante

Com um longo beijo na boca.

João perdeu a linha,

Bebeu a noite inteira,

Chegou em casa de manhã

E matou Maria

Com um tiro na cabeça,

Depois saiu dançando rua afora

Tocando Carinhoso

Em sua flauta de bambu

E nunca mais foi visto.


*


DEUSES DO GUETO


Na topografia do caos

Veias são avenidas

E ninguém viu

Cruzar esta via

Um calango de pedreira

Mais veloz que um tisio

Ou um guri de patins

Nas vielas da favela,

Que ostenta o status

De "aviãozinho da boca"

Mais querido no pedaço

E finda abatido em pleno vôo

Nos becos do mundaréu...

O "patrão" paga o enterro,

O jornal gera emprego,

A família sabe o troco.


*


CANTIGA PARA CASSIANO NUNES



Recebi poemas durante anos

Do Mestre Cassiano Nunes

E saía com eles pra rua,

Levava para os eventos

E lia para os amigos,

Nas rodas e recitais

E quando soube da sua morte

Fiquei desconsolado, e agora (?),

Pensei, mas certo de não ter resposta,

Segui de boca seca.

Senti por não fazer acervo

De tantos poemas que recebi,

Mas me desfiz deles após

Lê-los para o meu público

E publicá-los em meus fanzines.

E a falta que sinto agora

Seja dos poemas ou do poeta

É a satisfação que vai comigo

Pelos destinos que lhes dei

Enquanto eles se foram

Para outras vidas e outras formas.

Mas quando alguém perguntava

Após a leitura de um poema

Quem é Cassiano Nunes,

Eu respondia todo enrolado:

É um paulista de São Vicente,

foi a Brasília fazer carreira

E nunca mais saiu de lá.


*


QUATO POEMAS A MÁRIO QUINTANA


1 - PARAISO QUINTANA


Dizem os abduzidos

Que ao chegar no Paraíso,

Tão bestunta quanto sempre,

Mário Quintana estacou,

Pregou na nuvenzinha

Que lhe servia de tapete

E ficou abestalhado

Com tanta beleza,

Tanta alegria, tanta paz,

Que até esqueceu de sair do lugar,

Sem dar um Passo sequer

E que um anjo louro,

Louro louro muito louro,

Aterrissou a seu lado

Pegando-o pela mão,

E saíram voando, voando,

De início a meia altura

Para logo em seguida,

Seguros de vôos mais altos,

Estenderem as asas

E ganharem outros ventos...


*


Coisas de abduzidos...

E dizem que Mário Quintana

Pensou em perguntar ao anjo

Que parque era aquele,

Lá embaixo, bem ao centro

De todo aquele Paraíso,

Mas como fosse um anjo

Leitor de pensamentos,

Foi logo explicando

Que era o Parque Mário Quintana,

Onde crianças e poetas

Se exercitam nos versos

Bem aos olhos das musas,

Que as suas lhe aguardavam ansiosas

Para ouvirem os versos seus.


*


E ao notar insegurança

Nos olhos tímidos do poeta

Pensando em Bruna Lombardi,

O anjo se adiantou dizendo

Que ela enviara todas suas semelhantes

Enquanto se desvencilhava

De seus encantos terrenos.

Segundo os abduzidos,

Quintana vive cercado

De musas e discípulos,

Exercitando seus encantos

Lá nos palcos do Paraíso,

Bem alheios à realidade.

Mas

Quem

Diz

São os

Abduzidos!

*


2 - QUINTAN'ESSÊNCIAS


Não consigo imaginar

Quintana chorando,

Cortando soluços sentidos

A não ser lágrimas

De extrema alegria

Para lavarem as faces

Queimadas pelo arco-íris,

Pois a palavra Quintana

Sugere criança brincando,

Alheia a tudo,

Imune a qualquer risco

Longe desta vida,



De direitos e deveres,

De ordens e obediências,

Reduzidas a números e papéis,

Aliás, como Quintana sempre quis.


*


3 - GRAVATA DE QUINTANA


Quintana empaca meu verso,

Mas eu puxo-lhe a gravata

E ele ri seu risinho besta

Cheio de desdém

Pelas coisas deste mundo,

E sem largar a desgraça do cigarro.



Intimo-o a não rir de mim,

Mas sem dar-me nenhuma atenção

Mantem-se concentrado em seu vinho

Sem descuidar com o olhar

Atento para surpresas

Que eu possa aprontar-lhe,

Até que desata a rir mais ainda

E desfaz-se o nosso entrevero,

Como se defraudasse

A bandeira colorida

Dos seus sonhos infantis.


*


Mas novamente puxo-lhe a gravata

E não mais encontro Quintana,

Só o vaquo da mesa vazia,

O salão da adega em silencia

E o jornal à minha frente

Com a notícia repentina...



Quintana decola

Do aeroporto moinho de ventos

Rumo ao seu mundo de estrelas,

Onde pretende esquecer de tudo

E passar o resto da eternidade

Puxando perna de grilo

E beijando brunas lombardes.





*

4 - QUINTANA







Mário Quintana

Partiu

De Porto Alegre

Para Porto Feliz

E foi-se

Sem dizer adeus

Rumo ao Reino de Deus

Esquecido de nós

De vez

Sem mandar notícias

Jamais

Ou seria um deus-nos-acuda

Com tantas Babis, Babys

E Brunas Lombardes

Em êxtase.



*

ODE AO VERSO LIVRE







No princípio a poesia era uma canção regada a vinho

Ao som de harpas tocadas com carinhos e beijos de mulher amada

À sombra de uma palmeira frondosa

Onde o poeta-filósofo se deleitava com a vida sem fronteiras

E ela brincava solta pelos bosques entre duendes

Indiferente ao tempo acariciando a sua nudez

Coberta de inocência,



Depois, veio a escrita e de palavra em palavra

Foi vergando-a sob o rigor do verso

Moldando-a à disciplina da métrica

E aprisionando-a à liberdade

Que lhe permite esta margem de papel,



E agora ela atravessa as grades das gramáticas

Sobrevoa o muro das linguagens

E vem sondar-me

No ondular dos cabelos desta mulher que passa...

*
Medo...

Por. Prof. Me. João Edesio de Oliveira Junior.
 
Escrever parece ser uma tarefa difícil, mas não é. Difícil é ter a percepção sensível da realidade ao ponto de perceber que não é preciso que aconteça um grande evento para que possamos registra-lo. Quando pensamos em grandes acontecimentos, logo vem em nossa mente uma tragédia (não a Grega) ou uma grande realização. Tanto um quanto o outro fica registrado em nossa memória, mas o que não percebemos é o porquê que esses ficam como tatuagem em nossa memória.
Quando acontece uma tragédia conosco o que nos deixam encabulados ao ponto de querer contar para qualquer pessoa, seja do nosso convívio ou não, é a dor, não do acontecimento, mas do sentimento que ficou só no planejamento para virar uma ação. Talvez um abraço que seria dado, mas o tempo, ousado, não deixou, um beijo caliente que seria dado, mas apenas seria, uma palavra de carinho ou afeto que apenas ficou bem elaborada na cabeça, porém sem chegar a boca.  Mas o pior de tudo é pensar que esperávamos um grande evento para que tudo isso fosse realizado e o tínhamos o tempo todo.  E não o aproveitamos.
Agora uma grande realização é algo interessante. Clarice Lispector falou certa vez que “A felicidade é clandestina”, sempre concordei com essa “Mulher”, no sentido talvez pessoal mesmo. A expectativa do antes, o enamorar, o paparicar, penso que nos traz uma satisfação maior do que quando a possui algo ou alguém.
Quando ansiamos por algo que desejamos tanto e o conquistamos, percebemos que a alegria é momentânea e volátil, dura menos que a satisfação do desejo de ter, mas não o ter. Talvez o erro não esteja no ter, mas possuir. Assim como aquele livro que desejamos ler, mas por um período de tempo não temos condições de tê-lo. Então nosso esforço fica voltado para o livro, trabalhamos pensando no livro, comemos pensando no livro, dormimos pensando no livro. Quando o temos, caímos no erro de possui-lo até o ultimo número da página da citação que está no rodapé. Após o que nos resta é coloca-lo na estante e esquecer que ele existe. A alegria foi embora com a última pagina do livro. Ter sem possuir.
Assim também acontece com o primeiro beijo. Este apenas ganha uma posição, mas sua emoção já não existe mais, pois virão os outros que o sufocará e o fará cair no esquecimento.
Quando tudo isso se passa com uma pessoa que é muito desejada, precisamos ter o amor de um amante. Observe que para a palavra amor, usei o artigo definido, pois considero que esse amor é diferente dos outros, e para a palavra amante, usei um artigo indefinido, porque razão? Por que todos os amantes têm ações de amor iguais, logo qualquer um serviria como exemplo.
Caso esperássemos apenas esses eventos para podermos registrar, não existiriam bibliotecas como existem hoje. 
A vida se passa é no entre, na sucessão, na passagem. Os ritos de passagem de fato marcam nossa vida, mas são poucos, logo você teria que fazer muitas coisas por poucos momentos. Sua vida ficaria voltada apenas para algumas coisas que talvez tirasse até as pessoas que amamos do caminho em busca do ritual.
Certo João Guimarães Rosa alertou-nos que a satisfação não está na saída ou na chegada, mas no entre. Estamos numa travessia, se focarmos na saída, não conseguiremos contemplar o presente, caso focarmos na chegada, perderemos o presente. Lógico que Rosa não estava falando de travessias triviais, mas da grande travessia, nascimento e morte, limites da nossa existência. 
Quando aprendermos essas lições, conseguiremos escrever com fluência e eloquência, pois o que estará no papel será o amor pelo instante, à percepção sensível que os segundos estão passando e que precisamos coloca-lo num papel, porque foi mais uma oportunidade que o senhor tempo nos deu mais uns segundos, minutos, horas, dias, anos e décadas.
Nem sei como começar. Não tenho prática.
Nestes quarenta anos nunca te escrevi. A senhora sabe como é: correria, muito trabalho, compromissos diversos e afinal, ninguém é de ferro né mãe.
Mas hoje, parei de encontrar desculpas e resolvi te escrever. Talvez eu tenha algumas novidades pra te contar.
Saiba a senhora que já não sou mais aquele menino que tinha vergonha de te beijar, de te abraçar, que não sabia o quanto é maravilhoso dizer e ouvir um “eu te amo”. Cresci mãe, passei e passo meus momentos de dificuldades. Não só eu, os irmãos também.
Pena que não te abracei mais, que não te beijei mais, que não demonstrei mais o meu amor por você. Eu não sabia que você partiria tão rápido. Talvez se soubesse teria feito diferente ou morreria antes para não sofrer esta perda.
Mas estou sobrevivendo, lutando, buscando sempre acertar. Você sabe o quanto é difícil tocar em frente. Eu tento facilitar, pode acreditar, mas ás vezes desabo. Não vou negar que tenho minhas fraquezas e culpas, mas também vivo momentos ótimos, inesquecíveis e lindos.
Puxa!
Estou escrevendo e me dou conta que até meus cabelos estão parcialmente brancos.
Lembro como se fosse hoje o dia que você teve que ir. Nossa. Tanto tempo, mas a memória não se esquece de nada. Todos me deram uma especial atenção, tentaram me distrair. Eu era tão menino, tão inocente, mas sabia o que significava aquele momento.
Eu sabia que meu melhor pedaço de doce ficava ali. Por muitos anos não consegui falar em você sem chorar. Agora também estou em lágrimas. De saudades, de vontade de te ver, de saber que se você estivesse comigo poderia ser mais fácil. De saber que no caminho, por vezes, encontramos mais espinhos do que flores.
Naquele inicio de ano de setenta e dois, nos afastamos para nunca mais eu ver teu rosto. Não sei se, em algum momento, viste o meu.
Estou diferente agora. Perdi aquele sorriso, perdi parte do brilho dos olhos desde aquele dia e agora ainda mais.
Acho que pra aliviar um pouco comecei a escrever. Assim, despretensiosamente. Nos anos 80 fiz algumas crônicas para jornais. Depois fui escrevendo algumas poesias. Em 87 participei da primeira antologia. Hoje são várias participações.
Participo de um site literário, tenho recebido até elogios. Acredita mãe? Verdade. Pena que você não pode ver.
Este ano tenho um projeto mais ousado, conto com teu apoio materno para que dê tudo certo.
Confio no teu amor. Confio na tua intercessão.
A parte triste é que não poderei te enviar, sequer, esta cata.
Você promete me ajudar mesmo assim?
Saiba que eu escrevo com o coração, com a sensibilidade e a saudade de um filho que não te esquecerá jamais. Quem sabe você, com teus poderes de mãe consiga ler. Tomara. Tomara mesmo.
Se não for possível me deixa, ao menos, sonhar que lerá.
Por hoje era isso mãezinha. Beijos.
Ainda amo você muito mais do que a mim mesmo.
Feliz ano novo pra você.
Feliz ano novo para todos.



Escrever é uma das coisas belas da vida, faço-o fluente e excelentemente, com a exagerada consciência tópica, própria de um cego e também a de um louco utópico, moderadamente creio, tenho uma razão sensível encastrada na ponta dos dedos, na língua, nos dentes e outra, dentro das orelhas, nos típicos ouvidos, falo discretamente com a alma a linguagem primitiva e divina dos templos acrósticos, escrevo nas paredes o idioma académico dos corrimãos "grafitados" para que todos entendam e será breve o que digo, pois sou órfão dos olhos e tenho de ser rápido a dizer, já que a sensação é forte e cheia de fé nos sentidos quando escrevo o que penso e digo, também porque escrever "a fio" é bom, faz bem à alma, porque não o fazer assim é banal e vazio, sem tino, só tem inconvenientes, por isso eu dito da consciência o que vale a pena ser tido em conta e apenas digo, se valer a pena ser contado, é o meu modo existencial e excepcional, refiro-me a braços e pernas, todas essas coisas que me não pertencem para sempre, assim é a escrita, a última dimensão sentida da alma, a melhor divisão da casa, onde me reúno comigo, renuncio à vida e pronuncio expressões invulgares, que já não me pertencem, o caso destas agora e de todos os nomes que lhes dou, de que lhes dei, poesia é a mais provável alcunha de todas as coisas, desde as mais simples e leves que a vida, embora nem tão belas nem tão ocultas, quanto a luz devassa contaminada com o escuro breu e o ouro puro, quando mutuamente se cobiçam e se culpam pela cupidez mundana nos olhos fracos dos humanos seres, qualquer semelhança com os deuses é comédia e farsa, desonra é pintura, poesia de poetas, alcunhas para os que se confessam decorativos servos da luz do dia e das trevas da noite, esguios anjos, caídos da guerra no pó da Terra, na lama simples, mas que dá vida, poesia é o apelido de tudo isto e do que ainda não foi dito apenas vislumbrado pela miopia humana, cegueira, amargura e a fome e a sede.
Defino-me como a excepção, não entendo os outros nem pretendo ser entendido por todos, não ajo nem ando como a maioria das pessoas que nem me sentem culpadas, por não me fazerem entender, é uma questão de consciência, não uma tragédia. A fome e a sede são insignificâncias perante a existência de cada um, mas concorrem e especializaram-se, assim como a hipoxia, cada uma à sua maneira e forma para o triunfo da mente humana e para que as palavras falem às vezes connosco e as entendamos.
A noção simples de existência é esmagada pelo desconforto da sede e da fome sobretudo, mais que pela miséria insana, embora sejam uma trindade. Já o que me costuma manter vivo é um desejo de comer e beber, absurdo para alguns e para outros, compreensível, regra “Sine qua non”. Defino-me como a excepção não pela inteligência ou habilidade, mas pela simplicidade, como água de uma fonte ou um pedaço de pão na mão de um miserável esfomeado, mas autentico, não pseudónimo de fraco, assim sou eu e sempre, prefiro o desconforto, pois é este que me faz pensar naquilo em que creio, conquanto produz em mim um sentimento de libertação, pois acredito na constituição de uma sociedade indivisível. 
A Propósito de dizível, no seu teorema mais básico e como fiel de balança, é missão da escrita mais pura a confissão da loucura e esta consiste na exponencial capacidade de cada um em incestar termos, palavras/verbos, inventar temas, escrever novas frases, fundir em poemas inovadores ferro e magma, signos tão finos que brilhem no conteúdo e no escuro, que treinem os nossos corações atletas e os mais profundos medos, emoções, metas na condição de amanhecerem na lua, do lado magro e a sermos exímios maestros, mestres magos, gregos tanoeiros, não só mas também, nos nossos humilhantes fracassos e crassos erros. Insistamos, incestemos almas, matérias-primas e espíritos! Não há caminhar outro, suave e louco, embora o caminho não seja curto, crio (criamos) um longo e magno paradigma, não importa que nos indiciem de loucos e ansiosos; a minha, a tua ambição é amanhecer na Lua, do lado magro, nós outros longos, largos de ombro a ombro, o espaço infinito e vasto, debaixo de um só braço e o comando noutro.
Brinquei tanto ao homem legível e dizível, com iminentes faixas brilhando em tule de catedral, joguei com as palavras enquanto era "bem-visto" por todos os números menores que eu e divisível por dois, como se fosse eu protagonista do que conto, pois que agora, vista o que vista não me encontro mais no "Grand Palace" de cristal, nem na vitrina da “Cartier", desisto do outrora brilhante fato de caxemira branco e preto, sou invisível na plateia até por um mero espectador sentado quer na coxia, como na plateia, a orquestra pode continuar a tocar, monótona e igual, apagada como todos os dias, nada me salvará da morte permanente, assim fui eu sempre, a propósito de indizível, eu hei-de um dia descobrir o que digo quando escrevo, meus olhos nasceram em greve, meu entendimento é breve e leve, quanto um cometa inédito, segue e some, some e segue, assoma-me a loucura quando escrevo, assola-me o que escrevo e quando o faço assemelho-me a um louco, sendo ele, eu próprio noutro ...noutros. Acredito no silêncio e no amor quando posso, Pois que na posse não há amor nem silencio, impor é pro amor como o azeite para a água ou o vinho na comunhão das almas puras, falso e vicioso o som que faz um padre se o vaso é apenas vaso e a água apenas água e fraude.
Trago em mim dentro um mundo de inteiras frases, a poesia expõe-me e todavia explica-me pelas sensações e grafias mais profundas e subliminares, não se aplica o mero entendimento nela, ele é aparente podendo ser falso, ilógico, xeno frásico, bem melhor seria e é imitar-me a mim, eu próprio, elevando a dois, multiplicado pelo melhor exponencial, o conhecimento que tenho a menos, pois os poemas são como as tabelas periódicas, que nunca estão completas, há sempre um elemento em falta e uma órbita que o complementa, um planeta, uma lembrança assim como "valência literária" pode ser alcunha, quando a leitura não é assim tão pura, nem tão bela, a minha não é, sofro numa mistura de desapego e querer, faço na minha vida o que a ciência ainda não provou possível, reduzo os tolos sorrisos doutros, nas silabas e os modos com que cobrirão mil dos meus livros e às cinzas os mortos.
É difícil explicar a um demónio a dor da chama e o que pensa e sente um santo em forma da mula dos infernos ou a um “Semper Fidélis” des crente, perante a morte eminente, a pira do santo ofício e a orgia de sentimentos que o poeta sente, quando escreve e sabe que se está condenado ao purgatório, pelo que diz sem que importe, ele escreve com a expressão no rosto do demónio, qual tem dentro e que dói, numa dor de noite permanente, do desterro de ser gente, tão difícil de explicar por números primos e embora as opiniões nunca fizessem florir uma amendoeira, mas na minha cabeça, o centro fica em flor como que por encanto, quando penso, da própria dor parecer não tenho, nem tento dar opinião, nem tento, sorrio por outros motivos além de não gostar de estar sério, não ter inimigo nem senhorio nem presídio (mesmo que esotérico), aliás a nossa semelhança com os deuses é real, tão natural e antiga que às vezes me parece mentira e doutras parece que o beijo é sério, não é fé nem mistério. Nunca soube julgar tão bem como fui julgado por jogar mal com as palavra " melhor e bem", bem melhor é imitar-me a mim, eu próprio, elevando a dois, multiplicado pelo melhor exponencial, o conhecimento que tenho a menos e vejo crescer mais alto em mim o que digo, do que o que penso, o coração faz peso pra um lado, embora procure o equilíbrio, desabo na sátira de mim próprio, será a poesia o caminho errado, a alegoria não é um sentimento, sonhar não é uma anátema nem uma oferenda, é sonhador quem sonha por si, não por ver sonhar outro, com a alegria passa-se o mesmo, é como no luto, no opróbrio, no desalento.
Embora as vaidades nunca fizessem desabrochar uma figueira mas na minha cabeça invadem-me de aptidões em forma de raiz, o centro fica em nata de figo, como que por encanto quando penso, da dor opinião não tenho nem tento dar opinião, nem tento, sorrio por outros motivos além de não gostar de estar sério, não ter inimigo nem senhorio nem presídio (mesmo que esotérico).
Somente à esterilidade de interesse e inutilidade do meu entusiasmo se pode dever a falência como filósofo, sábio e/ou pensador, não tenho falácias que atravessem vedos, redes, muros e sejam a salvação dos espíritos mais endurecidos e obscuros, nem gozo intimo seguramente de pragmáticos sofismas que aumentem a minha credibilidade como ser consciente, é vital haver, possuir-se e despertar um sentimento de valência e entusiasmo em torno do trigo, para que agite ao vento as espigas, o valimento ou invalidade epistemológica é uma variável indefinível, imaterial e etérea, efémera, como silencioso e solene é o trigo sem vento que o abane, a textura é secundaria como o azedume no vinagre que não se quer num bom vinho, assim é o meu sentimento perante a vida, a sensação interminável e inefável que me arranca da realidade demasiadas vezes quando uso da inteligente doença da qual tenho de fugir que é o pensar sem vitoria nem renuncia simbólica, devo abster – me ou protagonizar expressões teoréticas plásticas de qualidade superior ou apenas apostar na prosaica criação menos dolorosa e desprovida de sentimentos e de esforço com que cada um cada qual pode sentir-se talentoso e reclamar percepção artista da mais solida estrutura possível gerada num universo geracional e bi-dimensual como este onde me encerro escrevendo, no azedume do vinagre , no cafelo da parede, na ignorância quase orgânica destas quatro paredes de cela em nau difusa ou carruagem "Wagon-lit" do "Lusitânia Express", não sou um solitário geriátrico, solitário é ter sangue novo, como um Simbad, ter talento de marinheiro de verdade, sangue azul cobalto de um místico asceta, título monástico de Conde varão de Monte Cristo ou ser apenas solidão, parecida a peste, marca comercial reles, rótulo de Sonasol gasto, decadente, detergente industrial, inferior a preço de sabão macaco em azul desalento, limão verde, amarelo e velho, suco gástrico e mijo, serventia de mata-borrão, azulejos de crematório em bege, solidão de velho, descrente !
Escrever é uma das coisas belas da vida, esquecer é outra coisa, embora possa ser uma lição de vida, quando nos relembramos do mal que nos fez aquilo ou isto, este ou aquele outro, pois do bem basta lembrar um bocadinho para apreciarmos o que sobra do resto do dia e o que somos, não o que fomos, esquecido, pois bem, escrever está certo e não é peso morto, recordar com a memória que nos emprestam não é, nem fará todavia do longe, o aqui perto, nem é realmente pouco, excepto pra quem viveu e morre, espiritual e estritamente cego na sua relação consigo próprio e comigo mesmo, e é relativo a "todos os nomes que te dou", por serem meus e estarem imponderadamente certos.


(Excerto de "Do que era certo")







Joel Matos 03/2019
Http://joel-matos.blogspot.com
na poeira do tempo minhas pegadas
continuo no meu entardecer,
trago as palavras caladas
por não as saber dizer
apenas murmuro as mágoas em tom
plangente, mas nem do coração ouço
qualquer som...também ele nada sente

melancolia de quem vai acenando à vida
deixando para trás páginas cheias
de viver e sonhar amor
que esvoaça incerto, não tendo por perto
das suas mãos o calor...

e hoje é como se o tempo se soltasse
esquecesse a minha já marcada face
e eu viesse ao mundo outra vez
só por fruir e amar a vida...talvez!

já toda me embaraço
reinventando memórias loucas
lembrando passo a passo
as carícias, os beijos das nossas bocas
fosse a nossa vida nada, sem amor e entendimento
não faria a saudade no meu coração assento
essa saudade que me escreve
e me lembra o que deve e o que não deve
faz dançar o coração, uma valsa lenta
e, a sonhar sempre me tenta.

natália nuno
rosafogo
R elembro-te sempre a pensar
A ncioso em poder te rever
Q uero novamente te amar
U m dia em meus braços te ter
E uforia se faz ao lembrar
L igações que deixaste em meu ser...


Diones Batista

PS.: Pensamentos que me consomem numa manhã de segunda... Lá estava eu na secretaria tentando escrever alguns relatórios e como todos os dias a Dona Saudade insiste em me fazer passear pelo corredores da memória e me deixar angustiado por não poder beijar a única mulher que amo! Os sentimentos afloram em lágrimas que correm pelo meu rosto caindo no papel em forma de palavras compondo-se em um acróstico. Onde estiveres recebas meus beijos em pensamentos querida RAQUEL!
05 de Novembro de 2018

E quando chegar aquele trilho, o dos lábios afastados da minha boca da tua, será que ainda teremos harpas suficientes para musicalizar as memórias?

Diário do dia 1 (do depois de outros uns),

Em verdade hoje recordo a primeira vez que te beijei. Não os lábios, mas a alma. A força do impulso da minha boca que saltou dos meus olhos, invadindo os teus olhos, entrando neles, como a garça invade o riacho, e despe todo o corpo numa religiosodade plena de noites ancestrais. Nossas mãos, agulhas sobre a pele, rezam em silêncios as invocações dos nossos corpos, em transe, sob uma escadaria que entre o longe e o infinito nos torna tão próximos. Há uma música a acompanhar este beijar de almas... A nossa respiração, proibida, ofegantemente proibida, e os pássaros da noite, lábios, que se aproximam e se afastam,sem se tocarem, braços que se ligam em formas de eras, trepando o corpo nu de sombras, e o evangelho segundo nossas mãos se escrevem, se reescrevem, se pergaminham em torno de nós.

Diário do dia 2( depois tantos dois).

Invocamos hoje o nosso silencio. A noite está íngreme. Uma vertigem de silêncios infernais toma conta do nosso sono. Adormeces em casa da floresta onde dormes os olhos fechados. Deste lado, o sonambulismo das lágrimas toma conta dos meus olhos. Adormecido perante o abismo do amanha sinto as minhas mãos algemadas em torno da noite... Corro para a janela e grito o teu nome... O eco circunda-me a garganta numa voz invisível... Sinto chuva do teu perfume desaguar sobre mim... E uma paz sussurra no meu ouvido... Há um leve acordar dos meus lábios sentindo tuas mãos acariciando a minha voz.

Diário do dia 3 ( depois de tantos três)

O acordar do sono, resonhando na noite desperta, abrir a porta do corpo e numa valsa vestimos o universo de mil cores, falamos aos deuses no ambão e no altar do corpo... E os diários, os evangelhos que escrevemos nas noites de mágoa e de dor, de magia e sofrimento, ficam secretos em nós. Amanha haverá de novo realidade. Tu serás de novo horizonte, eu serei de novo passado. E as lágrimas serão divinas, eternamente eternas

Assim como o quase nada dos sonhos... Existe um pedaço de cinza, não de cor cinzenta, mas cinza de um lume que fica ali adormecido entre a realidade e o ocultez da realidade... Ficamos a arfar os sonhos, numa correria alcançável de se os tornar alcançáveis, palpáveis, saboreados com um toque místico.

Diário do dia 4 (depois de tantos outros 4).

Sinto a espuma do mar me lavar o corpo. Sinto que as mãos que se me caravelam, adormeceram agora nas longas noites no alto do farol dos olhos. Cantamos os beijos e adormecemos a carne numa cinza incurável dos momentos explosivos... Sentir ainda uma viagem além mar e sobre as conchas guardarmos segredos, pérolas do nosso intimo, a nossa viagem secreta entre a dança e a palavra, entre o olhar e a boca.,,

Acreditar que toda esta viagem me faz despir os olhos, da intemporalidade mortal de todo o ontem. Sinto vestir-me de gladíolos, os sorrisos que saem da tua alma, invadindo a minha alma, e ficando-me sob o espelho das tuas mãos que vulcanizam o novo corpo

Beleza radiante encantadora, 
Eis o teu nome murmúrio em meus lábios, 
Que tantas vezes tocaram os teus, 
Sorrindo com os olhos, 
Tão cintilante tesouro guardado, 
Ao primeiro encontro notado, 
Feito estrela de primeira grandeza. 
O silêncio deste poema declama teu nome, 
Versos da saudade que a rima do tempo, 
Ornado de inspiração celeste carnal, 
Recriou o desejo a nós concebido, 
Tocando o infinito dos nossos corpos, 
Interpretando o amor em sutilezas, 
Inocência perdida da timidez vertente. 
Ardendo em nossos beijos ávidos, 
O pensamento grato deleite da memória, 
Escreveu o livro plácido romance, 
Cuja pena ímpeto alento, 
Grafou no coração páginas confessas, 
Audaciosa Loucura vivida. 
era manhã ainda, quando os pássaros visitaram a lezíria das minhas memórias, trazendo uma luz remendada à minha já tão pouca claridade, caí num sono leve, baloicei entre o sonho e a realidade, deixei cair as horas uma a uma como quem nada teme, e o tempo lá me ia levando, quase mistério!... de que serve estar lutando, se não me leva a sério?!minhas mãos vão remendando o sonho, escrevendo versos a eito, que são como beijos roubados ao amor que trago no peito...do céu cai agora uma chuva densa, descem os rios ao mar, eu com uma saudade imensa...ah! valente mar traz-me saudade e o sonho da juventude perdida, mar da minha vida, solto meus ais, pois d'amor nem sinais, põe tino nas minhas mãos, e no meu destino a memória enamorada, pois se ela descaminha, por certo caminharei sozinha, nesta encruzilhada...sem lembrar de mim, e sem saber ao que vim!


natalia nuno
na poeira do tempo minhas pegadas
continuo no meu entardecer,
trago as palavras caladas
por não as saber dizer
apenas murmuro as mágoas em tom
plangente, mas nem do coração ouço
qualquer som...também ele nada sente

melancolia de quem vai acenando à vida
deixando para trás páginas cheias
de viver e sonhar amor
que esvoaça incerto, não tendo por perto
das suas mãos o calor...

e hoje é como se o tempo se soltasse
esquecesse a minha já marcada face
e eu viesse ao mundo outra vez
só por fruir e amar a vida...talvez!

já toda me embaraço
reinventando memórias loucas
lembrando passo a passo
as carícias, os beijos das nossas bocas
fosse a nossa vida nada, sem amor e entendimento
não faria a saudade no meu coração assento
essa saudade que me escreve
e me lembra o que deve e o que não deve
faz dançar o coração, uma valsa lenta
e, a sonhar sempre me tenta.

natália nuno
Por jamais tê-la, refugiei-me na solidão branca do sal, resguardando-me no silêncio mineral das pedras. Mas mesmo ali, onde a matéria se depura e a vida se renega, nunca a esqueci. Noite após noite, engravidei jardins com flores, sorrisos, esperanças e copos de cerveja. Até que, um dia, beija-flores se embriagavam ao luar e eu te imaginei assim, esquiva e linda, como turmalina ou, no verso, rima.

Tu me olhavas no fundo da alma com os olhos de um lago imerso em infinita dor. E nos teus olhos eu sonhei a luz púrpura do desejo, fogo que em si só consome e cria – o teu olhar eram taças de absinto que me inebriavam a alma e me assomavam memórias antigas, coreografias esquálidas de uma valsa que jamais dancei.

No limbo da minha poesia colho palavras inauditas que sobreviveram a ti, meu amor – e elas me falam de um tempo de trêmulas gotas de volúpia, como pássaros atordoados que caíssem às seis horas de todas as tardes no passeio público. São restos de naufrágio, coisas destruídas, lembranças de amigos mortos, ferimentos que ainda sangram na memória.

E no meu sonho eu me fiz bálsamo para a memória, prazer para o corpo e silêncio para a alma. E no sono da noite sonhei teus seios – momento entre dois desejos, onde após amar-te depositaria mil beijos, esperanças e anseios. Eram teus seios dunas solitárias que apaziguavam minha vontade, minha sede de prazer.

No instante que nunca houve, eu te apanhei nos braços e sonhei loucuras e calmas de pétalas e oceanos distantes, repletos de viagens e amores desfeitos - e tua pele, dourada pétala de crepom, hoje me soa apenas como salitre triste que renega o mar. 

Talvez por nunca tê-la, querida, nunca me saciei e tantas vezes ainda sonho teu colo como um poema, o mesmo poema que um dia vi nascer desesperado em meus lábios, sangrando de dor e prazer, e que nunca consumou-se – tal qual nunca pude acarinhar o latifúndio vazio de tuas costas nuas.

O teu sexo, amada minha, o teu sexo também sonhei. E era ele, de início, doce fruto de pêlos umedecidos suspenso no cio da noite e, depois, gruta incendiada prenhe de manhãs ensolaradas. Ah, teu sexo que jamais tive e tanto desejei – imaginava-o leito de rios que cortam aldeias distantes onde os poetas costumam ir colher rimas e romãs para poemas que nunca escreverão.

Teus próprios sonhos, minha querida, eu sonhei um dia, e no meu vão delírio os vi reais em mim se recriando – ora como filhos correndo pela sala, ora vagas promessas como traças devorando minha triste alma. 

Tuas pernas, ah, tuas pernas, tão lindas, como não sonhá-las? 

Torres morenas de desejo, meneando sisudas e austeras na rua dos meus vinte anos, como se me dissessem meio sim, meio não – como quem deseja, mas não sabe como. Eram lindas e longas utopias – nasciam fartas nas ancas e quase inconscientes escorriam aos joelhos e se precipitavam delirantes aos pés que, eu sonhava, as trariam a mim. Quanta ingenuidade!

Oh, amada que não tive e jamais terei, vendo-te hoje assim tão longe, e no entanto tão perto, ainda sinto como se uma sombra calma me acalentasse o sono e me enfeitiçasse a alma, como se de repente todas as estrelas acendessem e tu finalmente se me oferecesses o amor que jamais tive.

Mas, qual nada, querida, teu amor é hoje apenas poesia. E se no silêncio da rua te imagino nua, Lady Godiva cavalgando a lua, e grito teu nome na solidão do quarto, meu grito soa como clarim barroco de um querubim, vazio e oco – eco silencioso de mim.

Hoje acordo só, sem ti, sem mim, sem ninguém, poeta febril, exausto como um fauno nu – e, lentamente, enxugo as lágrimas em meu leito vazio, recolho o que de ti em mim ainda é fome e novamente adormeço, sem sequer saber-lhe o nome. 
[...] Sete longos anos se passaram, desde a última vez em que há vi. Ao longo destes anos todos, contei os meses, as semanas, as horas, os minutos e os segundos para revê-la, pela vaga memória que reside nos meus pensamentos cotidianos, o que mais me fazia sentir saudade dela, era o cheiro dos bolos que ela preparava com tanta ternura ainda que muito embora o último que tive o prazer de provar, estivesse um tanto triste.
Sim, triste, permita-me explicar. Todos os bolos que aquela jovem condessa preparava, tinha em sua receita, muito dos teus sentimentos que carregava contigo ao longo do dia, desde o primeiro sentimento que tinha ao acordar pela manhã com o sol adentrando pela janela do teu quarto e beijando seu delicado rosto como um desejo de bom dia e boa sorte, até o que sentia ao fazer a mistura para os seus bolos, com a água gelada, o leite morno e os ovos em temperatura ambiente. 
Se acordasse triste, seus bolos eram recheados de sentimentos pesados e delicados, como a calda de ameixas que ela usava junto de um suave creme de merengue, nem muito doce nem muito neutro, exatamente na medida para que os corações de quem provasse pudesse de deleitar com a sensação de um beijo da pessoa amada depois de muito separados pelo tempo e espaço, e enfim se reencontrando. Ou quando acordava alegre e radiante como o sol em um dia de verão, tinha em mente alguns ingredientes diferentes para passar o frescos e o perfume desses dias alegres, algo como raspas de laranja por cima do bolo, a sua massa regada em água de coco, chocolate branco e preto com uma cobertura no meio contendo o frescor dos morangos mais vermelhos e suculentos que os olhos humanos poderiam presenciar.
O fato é, o último bolo que eu provei, estava excessivamente triste, fazia meu coração pesar e os olhos se derramar em rios de lágrimas. A minha queria e amada confeiteira, no dia em questão, estava de partida sem data de retorno prevista. Era aterrorizante pensar que, não saberia a data em que meus olhos poderiam se aconchegar nos dela, em um abraço de almas pelas janelas de suas gaiola. Mas fiz uma promessa em silêncio para ela, que mesmo sem que uma palavra fosse pronunciada ao menos, ela entendeu e concordou com o que foi prometido. 
Havia te prometido, jamais em hipótese alguma, provar outro bolo que não o dela levasse o tempo que fosse. E assim se foram os longos sete anos, passando como os pássaros em migração, como as estações em transição. Neste meio tempo, vaguei pelas confeitarias da cidadezinha de Nautilus, apenas vendo o que tinham de melhor no quesito bolos, sem que provasse qualquer um deles, apenas degustava com os olhos e olfato. Em cada uma das confeitarias que passava certo tempo do meu dia, eu dedicava além dos meus sentidos e tempo de vida, as minhas palavras descritivas e imaginativas do que seria e qual sabor teriam aqueles belos bolos enfeitados cheios de requinte e sofisticação.  Muito embora, alguns dos mais belos e perfumados bolos que vi e degustei com os olhos, me chamassem a atenção e me tentassem a quebrar a promessa e cair na tentação do desejo em prová-los, eu me mantive firme e forte como meu amor pela dama dos meus sonhos. 
Levou cerca de seis anos e nove meses para que "o livro dos sabores" ficasse pronto, foi assim que o chamei. O livro dos sabores. E mesmo que não tivesse de fato provado nem um dos bolos, a descrição imaginativa era quase fiel ao sabor, segundo alguns dos leitores que adquiriram o livro, fazendo o sucesso de vendas exponencial por servirá muito bem como um guia de sabores da cidade de Nutilus, garantindo certa riqueza e calmaria de serviços pesados para este que vos escreve. 
Comprei então, uma bela casa não muito grande não muito pequena, apenas na medida, com um vasto terreno plano repleto das mais belas árvores frutíferas mais saborosas e perfumadas de toda a pequena ilha onde a cidade se localizava. Tinha ao fundo da casa, um jardim de vidro para fins de tarde em relaxamento com a companhia de xícaras de chá. A casa em si, era rustica, de madeira, com cheiro de saudade e aconchego misturados com calmaria e amor, por todas as paredes que se olhava, via-se livros de receitas de bolos, doces e outras guloseimas e também alguns de histórias de reinos encantados e contos de fadas para que a mente pudesse viajar na companhia do chá e dos doces.
Meus afazeres diários, consistiam em ver o sol nascer, ouvir o canto dos pássaros e senti o perfume do pomar em passeios matutinos, sentar-me em uma namoradeira para ver o sol se por, e dar boa noite e boas vindas a chegada da lua. Entre um passa-tempo e outro, me pegava pesando nela, contando as horas sem saber quando poderia vê-la novamente. Minha casa se localizava no topo da colina alta, onde poderia ver o sol e a luz, as ondas do mar e as estrelas refletidas no espelho oceânico, onde eu podia ver toda a cidade, prever a chega dos barcos com suas mercadorias e especiarias, e pessoas do grande continente do outro lado do oceano que vinham em busca de aventuras gustativas e palatáveis. Motivo? O livro dos sabores.
Não querendo me gabar, mas o reconhecimento como cidade turística, se deve ao livro qual eu escrevi. Mas voltando ao foco central. Era 23 de setembro, o primeiro dia de primavera e também o mais perfumado do ano. Como de costume, naquele dia já pela manhã me levanto e dou bom dia ao sol e ao vasto oceano azul que reluzia o dourado dos raios do sol, servi de uma xícara de chá e fui para a varanda sentar-me na namoradeira como sempre, ouvindo o canto dos pássaros e sentindo o vento perfumado e salgado. 
Me aprontei para descer a cidade, comprar um pouco de açúcar e outras coisas que estavam por acabar em meu estoque alimentício. Então, ia eu descendo a nem tão íngreme colina floridas, quando avisto ao horizonte, o mesmo barco que a sete anos atrás havia levado o meu grande amor para longe de meu coração. Era inconfundível, "Princesa Helena II" era o nome da embarcação, e pude ter pela certeza, assim que o mesmo atracou ao porto.
Rapidamente, meu pobre coração sofredor, deu-se em pulos de alegria e esperança de que ela estivesse voltando para casa. No mesmo segundo, meus passos aceleraram o compasso, me levando ao pé da colina e início da cidade. Me dirigi rapidamente ao porto afim de logo encontrar a outra metade do meu coração que havia partido.
Com toda a esperança e saudade que transbordava em meus olhos, sequer prestei atenção no tempo que fazia na ilha. Embora houvesse sol e fizesse calor, vinha do outro lado da ilha algumas nuvens negras e tempestuosas. 
Chegando ao porto, me deparo com a cena mais bela que poderia ver com meus olhos alegres e apaixonados, era ela realmente. Linda como sempre, com teus cabelos negros e encaracolados, os lábios grossos e carnudos como me lembrava, a pele tão branca quanto a neve que caia nos meses de inverno, e um sorriso radiante capaz de ofuscar até mesmo o sol, sem esquecer aqueles olhos cor de mel esverdeado com leves manchas negras pintando toda a íris. 
Enfim, meus olhos e braços com saudade e cansados de esperar, puderam novamente se entrelaçar ao corpo delicado e frágil de minha amada, Taísa.
Corri em direção a ela, com todo o amor que havia guardado para dar-lhe, e toda a saudade estampada em minha face, corri e ao chegar bem diante dela, disse.
- Obrigado, grande e vasto oceano, obrigado por trazer de volta o meu grande amor. 
Sem que pudesse conter a saudade, ambos desabam em lágrimas juntos, colados um ao outro. Então tomei ar aos pulmões e disse olhando aos olhos dela, segurando suas mãos quentes e macias. 
- Vamos, sem demora, vamos até minha casa e lá, te sirvo um chá e então tu me conta dos longos anos fora, como foram e como era a tua vida longe de Nautilus e do seu amado e fiel freguês.
E sem demora, fomos juntos em meio a conversas, troca de olhares e sorrisos posteriormente, fomos até o cume da colina onde residia toda minha vida. 
Chegamos, e fui mostrar a casa para ela, mostrei os muitos livros de culinária e confeitaria, mostrei o pomar, mostrei também o jardim de vidro, e sem esquecer, mostrei também a bela cozinha que havia construído pensando nela.
Faltou-lhe palavras para expressar tudo que sentia, mas não me importava tanto assim, apenas desejava de coração saber como tinha sido todos estes anos longe, queria saber de tudo que havia feito até o dia de sua volta para a ilha. Então, ficamos horas sentados na namoradeira conversando sobre os anos, sobre as mudanças e aprendizados, ficamos horas até perder a noção do tempo, e quando nos demos conta a lua já estava aparecendo no horizonte. 
Eu e ela, adentramos de mãos dadas a casa, e nos dirigimos até a cozinha onde fiz-te um pedido.
- Oh Taísa, meu grande e esplêndido amor, desejas tua vida comigo dividir, nesta casa que te pertence mais que a mim mesmo?
Pudesse eu, prever o tempo e suas árduas intempéries. Taísa disse-me que já havia se casado com um grande e rico conde do outro lado do oceano, o qual possuía grandes fábricas de confeitaria. Falta de atenção a minha, pois como não pude ver o grande anel de brilhantes em seu dedo. Tolo, como pude ser tão tolo.
Enfim, depois de me explicar toda a situação enquanto preparava um bolo para acompanhar o chá, em meio a tempestade de começava a cair. Pasmo com o fim da história, só pude compreender e aceitar, aquele amor, jamais me pertenceu. Ela ela dormiu em minha cama, e eu sem sono, continuei no comodo de baixo, olhando aquele bolo quase tão triste e ao mesmo tempo alegre, quanto eu.
No outro dia, bem cedo, ela partiu sem se despedir.
Não deixem que me tirem a liberdade
de reinventar um novo coração
uma perene historia de amor. . .
de escrever sobre ardente paixão.

Ou a embriagante tensão do desejo
escrever um verso como fosse um beijo
dado no canto da boca, na boca todinha
um beijo de língua, escancarado no verso
linha a linha.

Não deixe que me tirem o pranto
a tristeza que evoca a minha alma
a dor da perda, do desencanto
dos amores perdidos de outrora

Sei que vou morrer a morte dos esquecidos
sem ninguém. . . parentes ou amigos
sou ave errante e sem ninho
e neste mundo indiferente e cruel
resta-me apenas, memórias, um lápis e um pedaço de papel.

Queridos amigos com esta poesia eu fiz um vídeo que postei no youtube fiz com mto carinho se puder faça-me uma visita vou ficar mto feliz,
http://www.youtube.com/user/processolento
Deus — talvez esteja aqui, na textura da minha língua,
Inerente sem dizer palavras
Talvez espere de mim que eu diga quem somos
Uma alma mexida demais, cingida como as cascas e conchas espalhadas numa praia infinita
Para lá das brisas nômades, das noites insones
Dos amores que não fizemos,
Quem sabe se encolha em meus medos e nos caminhos vazios
Onde as copas frondosas das arvoes gigantes me escondem os céus
Ou nas memorias que eu invoco e não me veem
Em meus dedos feridos de trabalhas nas pedras,
Do tempo que me escreve nas mãos as orações esquecidas
Venha sussurrar ao meu ouvido alguma antiga lembrança de ti e de mim
Alguma sonora melodia onde eu possa vê-lo
Ainda que sejas a imensidão que me engula inteiro, me digira e me vomite como um feto, um verme ou a saliva bendita de um beijo
 

Charles Burck

"Escrever-te sem que tu saibas" - É o conceito unificador de um diário de bordo escrito pelo mar báltico, durante oito dias, um texto por dia. As fotos foram feitas durante a mesma viagem e estão associadas aos textos.


#1
Sempre tu

À noite, que ali e nestes dias pouco tem de escuro, sentei-me no deck panorâmico.

Ainda estacionados para receber passageiros, as gaivotas saudavam os novos e subiam para me beijar os pés. 

Até nem foi bem assim. Elas beijavam o reflexo no vidro a ‘pensar’ que me beijavam os pés.

Depois, as gaivotas subiram ao coração e sacudiram os fios da minha memória. 
Queria que estivesses aqui. 
Ficaste do outro lado.
Nem sei se algum dia vais poder estar no lado em que eu estiver. Ao meu lado.
Queria que viesses. 
Não posso pedir. Não devo pedir.
O não dever pedir é mais forte do que o não poder fazê-lo.
Agarrei neste caderno, o das folhas antigas e que diz “Dreams come true”, e escrevi-te. Mas tu não sabes.




2
A eterna preguiça que há no mar

O mar espalmou as horas e distendeu-as.
O mar juntou trinta minutos a cada hora da terra para ter tempo de preguiçar.
O mar armou-se em engraçado e fabricou um relógio só para ele.
O mar enfiou no relógio as horas espalmadas e distendidas.
O mar engoliu o relógio e ficou com uma barriga muito grande.
O mar às vezes tem a barriga tão grande que lhe crescem dobras onduladas.
O mar deixa que eu, e talvez tu se lhe pedires, acrescentemos mais dez minutos a cada hora. Por causa dos batimentos da alma.
O mar não deixa afogar mágoas. Tem boias de salvação.
O mar não engole as mágoas. O relógio deixou-lhe a barriga a abarrotar e não a dar horas.
O mar deixa lavar as mágoas. Até podem ficar a boiar.
O mar devolve-nos as mágoas bem escovadas para as amanharmos melhor.
O mar chateou-se com as minhas mágoas e enfiou-as no meu caderno dos sonhos.
Escrevi-te. Mas tu não sabes.






#3
Tubos

O céu é o que se assemelha mais ao mar.
O céu e o mar são irmãos gémeos. Gémeos falsos.
Nada que tenha a ver com o sexo.
Muito embora o céu tenha anjos.
E tanto se discute acerca do sexo dos anjos.
Já descobriste? Vá, vá, diz-me.
  
A única diferença entre o céu e o mar é o estado do lençol.
No mar, o lençol está sempre encharcado.
No céu, o lençol só deita gotas quando é lavado.

Ao longe, pensei-te piano. Os meus olhos até foram buscar um banquinho em que sentei um pianista a interpretar uma peça.
Juro que ouvi o nocturno em modo diurno.

Na aproximação, vi-te um conjunto de trombetas a apontar para o céu.
Convoquei os anjos para te usarem a preceito.
Meti-me debaixo de ti para averiguar o estado do lençol.
A cada canudo correspondia um retalho.
Acolchoado de algodão, pedaços de linho, tiras de seda.
Acrescentei comprimento aos braços.
Para compensar a dificuldade em pintar-te sorrisos, escrevi frases em cada retalho.
Saí debaixo de ti, alinhei os pedaços no caderno e escrevi-te. Mas tu não sabes.





#4
Do fim

Pensas na morte?
Perguntei-te junto aos túmulos de alabastro.

Não respondeste.
A morte não se diz.
Dizem para aí.
E tu és desses? Vá diz, diz, diz… 
O meu eco abanou os cordões de ouro.
Mortos pintados a ouro… Valem mais, é?
Qual é a cotação do morto em relação ao vivo?
Também não sabes?

Os teus olhos quiseram calar-me com o fogo roubado aos santos.
E calaram.

Voltei costas e escrevi-te sobre a morte.
Tu não sabes que te escrevi?
Ou finges?

Eu digo a morte, sim.
Penso nela todos os dias.
Ou quase.
Penso na minha morte, não na dos outros.
Sempre pela possibilidade de ela estar mais certa para mim.
A imortalidade não deixou sobrar uma nesga para mim.

Foi a noite do mármore.
A pedra fria, branca, muito branca… Conspurcada pelo animal danado.

Estar no fio da navalha muda o referencial da vida para sempre.

É um pressentir estar aqui pela última vez, mesmo sem motivo para descartar a repetição.
O mais seguro é não estar.
É um viver em despedida, sem vislumbre de retorno.
É um sentir vazio de futuro.
É um perceber constante da vida com sofrimento. Porque a vida tem-no sempre. Mais, muito mais, quando não há amor.
E tu não estás, meu amor.

Medo de morrer?
Interroguei-me junto às bochechas rosadas dos anjos.
Não, perdi-o todo de repente.
Ou parece.

Era de noite, estava frio e arrancaram-me tudo.






#5
Ao pôr-do-sol

Desceste enrolado nas gotas de suor que deslizavam sobre a minha pele.

Percebi-te 
nos arrepios bons
nas picadas ligeiras
nas borboletas na barriga (– Essa é de adolescente?! Tens cá uma graça!)
no mareio da competição com a laranja orgulhosa.
Uma laranja inchada, gorda, redonda,
bola que rebola no negrume ondulado.

Irrequietos, profundos, com pinceladas breves de tristeza,
assim são os teus olhos bonitos. 
Ainda mais na noite do fogo, 
reflectidos nas águas doces do mar. 
Sorrimos em modo gigante.

A primeira vez!

E a laranja rabugenta a querer dormir.
Que maçada!

Rabisquei à pressa o nosso desenho, 
para juntar à missiva da garrafa cristalina lançada ao mar.

Já chegaram os traços que grafei?
Tu não sabes que te escrevi, pois não?



#6
Da química

O trabalho e o amor implicam sempre sofrimento. 
Foi o que disse a rapariga dos olhos azuis e pele muito branca, enquanto nos guiava pelo bosque.
Nós aprendemos a lidar com o sofrimento e por isso dissimulamos as emoções. Os homens ainda falam menos sobre o que sentem e por isso sofrem mais.
Continuou a menina-mulher de semblante triste.

Estanquei o coração e quis agarrar-me com força à razão.
Para tentar encontrar algum fio condutor.
Porque, para mim, as mulheres à minha volta pareciam estar dessincronizadas.

Na véspera, a matrona, ao explicar um quadro, dissera sem ponta de hesitação que o pintor foi um homem muito feliz. Ela nunca falou com o pintor, nem trocou correspondência… Ela nem sequer viveu na mesma época do homem.

[E sem que tu visses, rabisquei à pressa estas notas para ti. Não fazias ideia da minha missiva, pois não?]

Os palpites sobre a in|felicidade alheia parecem-me abjectos, por muito frio e cru que tal seja interpretado.

No outro dia, o rapaz de trinta e picos e que de longe alinha palavras cuidadosas e doces, dissera-me que o melhor é evitar-se a paixão por causa do sofrimento que vem a seguir. Julgo que ele não acredita no amor. Tão novo, já viste?

Como se evita a paixão?
E é preferível evitá-la, caso seja possível?
As vezes penso que seria mais fácil não te desejar com esta força avassaladora... Mas não, fazes-me falta.

A rapariga de olhos azuis e pele muito branca encontrou um rapaz. Cumprimentaram-se de forma cúmplice e sorriram. 
A pele dela avermelhou-se.





#7
Apeteces-me

Abri a janela e deixei-te o bilhete que escrevi às escondidas.
Encontraste-o?

Corre, corre!
Vem para a barca.

Deslizaste as mãos pelo meu vestido branco.
Cintaste-me.

Peguei na tua pele e juntei-a à minha pele.
Dão-se bem!
A minha pele com a tua pele.
Deixámo-las brincar às escondidas - tudo às escondidas? - debaixo das pontes.
Tão baixinhas!
Olha a cabeça! - avisavas-me a cada novo buraco.

Sabes que gosto muito de ti?
Sorriste-me com os olhos brilhantes.
Atiro-te para trás.





#8
Nas nuvens

Tudo me parecia muito distante.
Não eram as coisas. Não era um desligar dos procedimentos necessários.
A distância, que eu queria que fosse cada vez maior, era do ruído infindável do caudal de reclamações.
Nada esteve bem. Nada estava bem. Diziam.
Sem que vissem, recolhi-me nos meus pensamentos.
Ou o meu grau de exigência andava pelas ruas da amargura ou aquela mole humana mostrava sinais de ter passado um punhado de dias num campo de concentração. Não para se concentrar, está bom de ver. Naqueles campos à antiga.

Apeteceu-me gritar. Não. Já havia demasiado ruído.
Puxei pelo caderno dos sonhos, aquele em que peguei ao calhas antes de sair de casa, e continuei a registar palavras para ti. Não as viste, eu sei. Um dia... Talvez.

Ali do alto respiro fundo.
Vou para perto de ti. Mais perto, talvez.
Continuo a querer que venhas para o lado em que eu estiver. Para o meu lado.
Sabes que tenho esse sonho muito bem guardado naquela caixinha de que te falei?
De vez em quando vou lá espreitar. Levanto o papel de seda e atiro-te beijos. De volta, sempre os teus olhos bonitos. Irrequietos, profundos, com breves pinceladas de tristeza.





Nietzsche dizia sobre o amor: "Aquilo que se faz por amor está sempre além do bem e do mal."

O que fazemos para estar acima do bem e do mal?
Será que o amor é responsável por toda a nossa alegria?
Os antigos filósofos apaixonados por conhecimento ou até mesmo pelas estrelas sempre deixaram para traz um grande amor.
Será que nós somos os filósofos que ainda vivem entre o tempo?

A chama que queima dentro do nosso peito arde a cada nova manhã
Fazendo-nos olhar para o nada e imaginar as milhões de oportunidades que teremos para amar
Será um fato? Será uma mentira ou o destino?
Os livros derramados de memorias são as provas que ainda existe amor.

Os poetas, ah os poetas. Seres que respiram amor, deleitam-se em um momento acontecido ou até mesmo um pôr do sol.
Escrevem linhas e mais linhas de sentimentos, carregado com o peso de cada coração que virá a lê-los
Iram repassa-los para alguém que ama ou apenas guarda-los para quando esse momento chegar.
Lindos são os amores dos poetas.

Nós somos os filósofos de ontem e os poetas de amanhã
Escrevemos nossa história em um olhar, em um gesto e até em um beijo
Deixamos na história nossa marca de amantes, amigos e amores
Que nada dure e ao mesmo tempo que viva para sempre esses são os votos de um Poeta.
Jefferson.
AUTOBIBLIOGRAFIA

 

quando você quiser me dar um beijo na boca

por favor não me diga nada

sou um astronauta das madrugadas

sob a influência de aquário eu nasci

 

tenho os mais diferentes conceitos

sei que a terra gira que o vento faz curva

e que as estrelas são psicólogas

dos bêbados e das galinhas

 

por isso quando você quiser me procurar

me achará dentro de um livro

de rimbaud ou de artes plásticas

ou ainda ouvindo schummann

 

os meus conceitos as minhas poesias

os meus retratos são fúnebres concertos

de vanguarda e de guarda-chuvas

aliás eu adoro a metafísica de um pé de mamão

 

sonhos tenho aos milhares de milhões

nas esquinas os meus passos têm o esboço

da via-láctea e a minha poesia dorme de costas

tentando conversar com o futuro


 

RECÉM-FORMADO EM BOTÂNICA

 
 

arrumei cinco folhas era madrugada

na mesa um macarrão fora de moda

agora não posso desistir

os meus óculos passeiam pelo chão

o dia inteiro não foi como uma sinfonia

por ironia não foi como uma de mahler

 

rasguei a primeira e joguei ao destino

as minhas pupilas declamavam rilke

estava ensaiada toda a obra da minha vida

tudo fantasia do meu retrato que sorria

sem parar gáudios de safo

o pensamento platônico me fazia brincar

com uma borboleta

o tempo não depende das asas de uma borboleta

 

a segunda tinha um tom meio balzaquiano

rimei em versos dodecassílabos

antes de opugná-la ao lixo

a noite navega como um argonauta apaixonado

o sono toca sua harpa indolentemente

o tempo aterrissa para confidenciar ao crepúsculo

 

a terceira veio impulsionada pelo concerto de brahms

desta vez o inverno não chegou aos meus ombros

com ela o sincretismo de descartes

sófocles ao piano passa pelo meu subconsciente

estava eu em delírios gregos

 
a lua começa a bocejar

tudo é sombra e abandono

no meu quarto a vida é insatisfação

de quem nunca viajou por si mesmo

 

a quarta completa os estágios de mallarmé

não consigo esquecer os versos do sobrinho

neste momento tudo é pausa

o universo é monótono átomos em prosa

o poema flui como galáxias

a madrugada brilha uma vez mais

 

a quinta está completa

pelos passos prostituídos das outras

o tempo não depende das asas de uma borboleta


 

COTIDIANO DE UM POETA

 

acordo às nove e meia da manhã

com os olhos no sol que dormiu

comigo pego um copo com água

olho-me no espelho escovo os dentes

 

sento-me em uma mesa

como um pão com chocolate frio

aos poucos vou me sentindo no mundo

 

minuciosamente vou em direção ao quarto

observo a velha máquina de escrever

arrumo algumas folhas e começo a trabalhar

a mesma cor metafísica de sempre

 

a névoa começa a dançar em meus neurônios

sinto-me como se estivesse com ressaca

tento estralar os dedos como forma de abstração

 

uma pessoa me telefona está tudo bem

volto para o vazio não sei me convencer

estou perdido nem o noticiário é interessante

a tarde namora meu telhado

 

estou confuso sai a primeira linha

muito inocente desenho a chuva no campo

a lua para atrás da minha janela

 

é tão estranho que a noite não me sorria

ouço prelúdios de brisas


aprendo a conviver com a verdade já é tarde

minha cama é o caminho da eternidade

amanhã quem sabe

eu me ouça menos

e a poesia fale




VIOLETAS DANÇAM NO PLAYGROUND

 

sete e meia da manhã

um menino busca o pão

a família o espera

 

oito e vinte e cinco

um carro o atropela

 

doze e quinze

a família fica sabendo

 

dezesseis e trinta e sete

o seu corpo é sepultado

 

sete e meia da manhã

do dia seguinte

o pão aumenta

uma família diminui



A PENÚLTIMA CASA

 


1. eu não lerei o último

poema meu

talvez seja anacrônico

ou até mesmo contrabandista

 

2. terá por certo a perfeita alusão

de mim

sem me desvendar

 

3. cicatrizes no peito

olhos bem espantados

2,20 m de curiosidade

 

4. suave como borboletas

no cio

metade eterno por todo tempo

metade orgasmo por insatisfeito


 

ETERNIDADE MÍNIMA

 

 

estou cego

e a coleção completa dos filmes

de lars von trier ainda não assisti

o gato que antes passeava pela minha

imaginação agora só dorme no tapete

 

entre todos estes combalidos anos

não encontrei o lado b da vida

que consiga me causar espantos

ou a mulher de beijos estonteantes

que me faça negar meus pedros

 

estou cego

e a felicidade é só mais um lúdico cartaz

os fantasmas que nunca ousei encarar

riem das minhas fotos de casamento

amigos me culpam pelo crasso silêncio

 

mesmo a guerra não declarada

do meu comportamento antissocial

é capaz de compreender

os carinhos extremos dos amantes

da ponte neuf

 
estou cego

e cada vez mais os sorrisos recuam

os amores não mais se reconhecem

o absurdo sepulta em mim seu engano

na incerteza cambaleante de continuar


 

A DOMÉSTICA CASA DAS INVENÇÕES PARTICULARES

 

o tempo elege sempre uma vida para levar

mas aprendi que não existe certeza

 
antes corria dos trilhos incendiados

para compreender a perda que imaginamos

nem todo dia é para comemorarmos

 
existe uma parada ela estava lá silenciosa

 
há uma música que sempre ouço pela manhã

faça chuva ou quando lembro de meu pai


estão disfarçados os amantes que mandam flores

sem meus valores não julgo ninguém

meu filho acha engraçado eu dormir de pijama


a vida é uma série de confusos movimentos

 
escolhi o vazio dos lugares sem nomes

para mutilar lembranças que nunca existiram



RODOPIO

 

não esperarei mais

que teus beijos encontrem

meus sapatos trocados

 

nunca ninguém me disse

que eu deveria correr tanto

 

amar foi para mim

uma estranha maneira

de se comparar amanhãs

 

sempre segui na contramão

do que eu sentia sem saber

 

não sei te amar mais

do que uma imagem

desfocada no espelho


 

OS PÁSSAROS

 

a cada dia extinto uma dívida

                             imagens que rangem no espelho

              ouso sentir mais que quase tudo

talvez bispo do rosário tivesse olhos

                         para os infalíveis caos que me perseguem

                                                                    às vezes desamarro

                                                                                              meus girassóis

 

cada foda que dermos uma serpente

                        tigres famintos rodeiam minha solidão

                                                                enquanto escuto o sussurrar das coxas

                        teus olhos parecem se perder em mim

                                                         nem mesmo os poemas de hilda hilst possuem

                                                                                       a báquica carne

                                                                                                      de tuas ancas

                                                                                                                    possuídas


 

MÃOS

 

as mãos sobre o papel

como se fora um barco

o papel

mas na verdade um branco

que dói

 

as mãos sobre o papel

como se esperassem um sonho

nascer

mas na verdade é um sino

que nasce

 

as mãos sobre o papel

como que derrotadas

por hoje

 

mas na verdade a derrota

não houve

 

as mãos sobre o papel

como se não tivessem nada

a fazer a vida inteira

mas na verdade o tempo

não importa


 

ESTUÁRIO

 

 
poesia

uma insatisfação

 

pausa que pulsa por detrás

do mundo lâmina de alta precisão

 

contraventora de palavras

fuga da minha imaginação

 

destino que me alucina

rupestre inscrição

 

incêndio controlado

em minhas mãos


 

HABITAÇÕES

 

 

I)

vague entre estrelas e sóis imaturos pregue a doutrina do beijo

compreenda a dor enamorando-se beba o belo e o feio que são

eternos vista o sonho de realidade ressuscite retratos amarelecidos

com o mesmo ontem solitário experimente novidades sem naufragar

em mares de nunca cruze a saudade velejada nos ombros

 

II)

fale de ventos e tempestades íntimas dance com ternura a valsa dos

peixes deposite o azul dos céus nos olhos mudos toque em notas nuas

as pausas da solidão cicatrize feridas com um leve silêncio de luas

faça versos em sereno utópico à procura do momento exato anuncie

em prosa amiga a grandeza das trevas brancas

 

III)

cante para as noites as suítes úmidas do vento busque no horizonte

um sonho de mãos descalças trace o ridículo em carinhos incomuns

acene em gestos simples sem reduzir rostos de papel ultrapasse

mundos vazios sem flagelos de um soprar castanho escute histórias

de atalhos com urgência de nuvens

 

IV)

suavize as madrugadas num deleite de estrelas trilhe pelos muros do

tempo sem um único sinal de beijo póstumo envolva dores de mães

em dédalos de linho olhe para os homens como palavras rudes resista

calado às dores das cicatrizes amanheça em brumas com sonhos de

distâncias viva à sombra da foice sem massa de cadáveres

 

V)

pinte de aurora a tela do infinito pacifique cóleras com doações

de simplicidade respire corpos perfeitos sem cansaço de bandeiras

tenha mãos pacíficas e seja poeta até no desalento sorria sem perder

a identidade sonhe transparências sem nitidez de suspiros lute contra

os medos são apenas pensamentos

 

VI)

reviva a rosa noturna sem cotidianos de sangue dispa destinos

incertos na nua profundeza dos sonhos decifre províncias sem reter

liberdades pese pecados enrolando confissões sopre o perfume

das fêmeas acariciando orgasmos tenha segredos sem se tornar

prisioneiro conforme o pranto com travesseiros de nunca

 

VII)

abrace o covarde para que ele saiba o que é amar beije a face de

modo elétrico saúde cada momento com exatidão beltrana ore com

olhos sinceros para os de pés cansados procure na dúvida o futuro

embaçado absorva fábulas sem desperdiçar uma borboleta sequer

reduza incertezas em cemitério de comas

 

VIII)

garanta aos humildes um necessário lugar alegre a mesmice em

infernos de flores roucas dissolva o hálito da ruína percebendo o

silêncio mármore dos girassóis retire do lodo as pessoas puras

procurando a essência dos beijos conviva lúcido em um mundo de

hashtags whatsapps & selfies torne público o que de público não há

 


IX)

pregue um mundo de perdões de franciscos protestando contra as

mazelas seculares fuja dos intolerantes dos preconceituosos dos

moderadores e se arrependa das amantes que nunca amou acorde

e olhe para o céu para o sol e o mar para as estrelas como símbolos

contínuos do nosso existir sede vós a essência dos mundos


 

SERENDIPIDADE

 

 

quase observo

uma velhinha passear pela rua

do sol com os calcanhares duros

 

pelas tantas do meio-dia

quase cai e o vento passa

 

de longe apreensivo

pergunto se não quer ajuda

 

abre a sombrinha e me dá a mão

 

lembro do meu avô que morreu

em uma queda de um muro

ou melhor meses depois

de banhar por horas na chuva

 

abruptamente ela para me olha

até aqui está bom vá com deus

 

o caminhar impreciso e frágil

flutuava pelos paralelepípedos

 

como guiados por uma razão maior


 

LEITO QUATRO

 

 

se vai mais um dia entre muitos que pensei viver melhor olhares como

se esperança fosse um entulho de lamentações acelera meus pulmões

ginsberg tece comentários entre a luva indesejada e o prato de comida

que chega como hospitalidade aquele antro de desespero e chagas

destila em meu caos inconformidades com o divino que insiste em me

reter sem qualquer motivo na verdade queria estar em um aeroplano

sobrevoando as praias de humberto de campos ou conversando com

uns amigos na porta do bar do Adalberto

 

às vezes yeats faz me lembrar da samsara que é um copo de leite gelado

após a bebedeira flanando pela avenida melo e povoas agarrado nas

arrepiadas ancas de uma morena observo o marasmo da calcinha

da mulher que ri ao lado naquele bar entre estrelas descontinuadas

todos os meus provérbios de existir me negam tropeço mais uma vez

na mesmice de acreditar em corações complacentes hainoã quando

me chama de pai caem meus hemisférios sobre a baía de são marcos

há felicidade entre o roer de unhas e a dor da cutícula

 

na rua do giz minha vertebral luz minha jerusalém estoica meu

gozo sobre o colo de prostitutas noites que como beatnik caminhava

desolado em busca de algo mais que pudesse estancar as interferências

prejudiciais dos versos inacessíveis anti-herói soprava a dualidade

dos anos oitenta/noventa com barba rala & jaqueta desbotada

transpirando revoluta paixão um ser barroco à procura dos

espelhos perdidos com a obscura missão de continuar em precipícios

acreditando que há um verão orgástico no caminho do poeta

 

a verdade da vida era para ser escrita em forma de poesia pouparia

do desgaste secular de acreditar em são tomás de aquino o amor

só vale a pena se não exigir tíquetes de estacionamento bandeira

da mastercard crediário nas lojas de departamento da magalhães

de almeida agora recluso entre gotas interestelares seringas peidos

fortuitos e azedos o deserto de barreirinhas é o arpoador das minhas

abstrações bundinhas tesas adornadas de branco tangenciam minha

libido meu cacete endurece entre uma e outra troca de antibióticos

 

o céu mais azul que já havia visto se instala em meu coração do olho

d’água à ponta do farol iemanjá me guia com suas ondas caudalosas

o espírito de meu avô parece dançar entre as pedras de arrebentação

da ponta da areia batuques inebriantes cadenciam aquela noite

enquanto os trinta e nove e meio graus me jogam de um lado para

outro iniciado em rotinas e fast-foods inconformismos parecem me

tragar para o boqueirão se pudesse acenderia velas para os ancestrais

bashô está comigo é o que me deixa calmo pelo menos dessa vez

 

reviro-me para tentar apaziguar o cansaço do trópico de capricórnio

que há em minhas costas as mulheres da antiga sunset rasgam meus

olhos pela madrugada naquele equinócio de desesperança onde líamos

camus pessoa gullar chopes ecoavam no saloon pronto a explodir a

nudez de uma amistosa moça nem todos se sentiam na primeira fila

do carnegie hall o cobertor florido aquece meus ossos embargados

por um dia quase todo de febre e delírios ao lado da cama minha

mulher ronca baixinho como um poema arisco de alice ruiz

 

rabolú encontrou as engrenagens simbióticas de jesus maomé

quetzacoaltl pelas ruas desfilou em seu fleetmaster conversível muito

embora a discoteca fosse o religare preterido chove sobre os telhados

do turu e não sinto nada estou vazio como um biscoito ensopado

de café frio aproveito para conferir intempéries não aguento mais

ficar imóvel sobre a esquálida cama apesar de muitos livros ao meu

redor nenhum tem a atmosfera lúdica de peshkov se eu fosse líquido

precipitaria sobre os túmulos carcomidos do cemitério do gavião

 


queria caminhar pela rua portugal destilar imoralidades com sotero

vital ou ouvir o guriatã cantar que a coroa está no maracanã meu

alento são alguns metros quadrados e a memória profícua e desolada

a contemplar a kalevala entre uvas tangerinas e sorrisos de minha

mãe a conversar há uma catarse de choros e ainda não é sexta-feira

nos corações das pessoas nem mesmo o extremismo fático dos grupos

muçulmanos a cortar gargantas pelo iêmen calará os preciosos traços

dos redatores da charlie hebdo

 

meus cabelos parecem a décima quinta de shostakovich a antissepsia é

tão complexa quanto as linhas de nazca mamãe me dá uma ajudazinha

e me enche de sândalo barato ouço no rádio que o país não é mais o

mesmo crise à vista salários minguados violência se instalando dentro

das casas a oligarquia baixando a guarda no maranhão o mundo é

uma sobra de falências múltiplas enquanto uma criança vietnamita

chora a perda de seu cão assado em um mercado público a standard

& poor’s rebaixa a nota de investimentos no brasil


 

RELIGARE

 

 
o tempo todo guardou segredo

na noite de núpcias baixou a luz

pediu que eu viesse com calma

 

abriu o zíper virou-se de costas

beijei-lhe o pescoço as nádegas

 

a virei de frente desci a calcinha

suguei os seios a batata da perna

 

quando estava lá pediu que eu

parasse que seguiria ao closet

 

fechou a porta apagou as luzes

de repente surgiu todinha nua

 

maluquice da minha mulher

tatuar um buda em sua xoxota


 

MÍNIMO MÁQUINA

 

                                                          

uma pessoa que escreve poesia

não é nenhum pouco diferente

de uma costureira de franzidos

de um instalador de antenas

 

não difere em nada

de um ostreiro de um pirata

que rouba barcos fundeados

na baía de são marcos

 

não é nada distante

de copeiros de fast-foods

de acionistas de fundos

de investimentos

 

pelo contrário

um sujeito como os outros

que desliza seus olhos

pelas cidades de si mesmo

 

uma pessoa que escreve poesia

de maneira alguma é diferente

a não ser por levar humanidades

dentro do seu hábito de caminhar



TERMOS E CONDIÇÕES

 

A velhice é a crítica da mocidade

                                José de Ribamar Brito



sempre quis o futuro todos querem o futuro

mesmo com suas ameaças seus mísseis e guerras

açoitado pela rotina não desnorteio o carinho

por quem um dia foi o meu amor

 

nunca seremos ideais ou seja lá o que for

nem admitiremos que a morte nos espreita

pelos corredores e filas ou no orgasmo

com sua manta pungente cheia de significados

 

vivo como se o respirar fosse sempre festa

não minto que já passei por momentos difíceis

me preservo ouço a chuva e preparo o espírito

 

ninguém nunca duvidará do futuro

nem as tais tecnologias serão capazes

de automatizar o que de humano já fomos

tudo se alinha com o que é certo

 

todos os contratempos são antíteses

ou então deus ainda insiste em estrelas

ninguém é muito diferente das ruas à noite

não existe futuro o que existe é agonia

lamentável que os sinais da existência

sejam reticentes ou maneiras de otimismo

já deixei você antes agora só quero voar

 

vou sair

procurar alguém para escolher minhas árvores

ouvir boa música ou mesmo sentar em uma pracinha

de um lugar sem ninguém por perto

 

pessoas passarão por mim

verão meu carimbado rosto

meu livro de cabeceira

 

a eternidade há muito deixou de estar

em meu cabide de roupas prediletas

sempre se constrói algo quando se tenta acreditar 

 

vivências me fazem lembrar que pouco mudei

não havia cordas pesadas em meu pescoço

 

beiramos a estupidez ao pensar em inovações

tudo é complexo para parecer que estamos bem

não ria de mim eu também já me apaixonei

 

talvez reescreva meu destino na tua porta

ou quem sabe me desespere em fugir de ti



PASTO

 

 

quando fernando pessoa

ensaiava o livro do desassossego

minha avó debulhava juçara

nos brejos do interior

 

quando manuel bandeira

modernizava as cinzas das horas

meu avô galopava cavalos

pelas manhãs infinitas

 

quando jorge luis borges

ilustrava a história universal da infâmia

meu pai ainda caminhava

dentro da voz do meu avô

 

quando carlos drummond de andrade

apresentava a rosa do povo

o mundo se diluía entre guerras

meu pai carregava água nos ombros

 

quando pablo neruda

apaixonava com cem sonetos de amor

minha mãe descascava coco babaçu

para ajudar a renda da família

 

quando bandeira tribuzi

se mostrava em pele e osso

meus pais se encontravam

nos clubes de dança de são luís

 

quando cecília meireles

despetalava flor de poemas

eu nascia na benedito leite

com muita gritaria

 

quando luís augusto cassas

concatenava rosebud

eu nos primeiros versos

tomava um espanto

 

quando hagamenon de jesus

emplacava the problem

minha poesia começava a trilhar

entre as transições do mundo

 

quando ricardo leão

palpitava em primeira lição de física

meu combustível se expandia

em anticópias de paixão

 

quando antonio aílton

fulgurava com cerzir

há tempos já acreditava

na desordem das coisas

 

poesia essa ponte de significados

que trisca os olhos necessários

como se o tempo fosse incrustado

no penso parâmetro do porvir  


 

A ESPOSA

 

 

i)

foi necessário perder a costela

para entender toda sua ontologia

 

mesmo no desfiladeiro não desisti

aprontei as malas retornei ao círculo

 

nesta turbulência pude entender

os romances de virginia woolf


 

 

 

ii)

apesar dos filhos da casa mobiliada

só restou o que não me desgastava

 

esqueci de tudo voltei para casa

abrigo de minha mãe um paraíso

 

não era para ser este destino

vivíamos em rota estrangeira

 

 

 

 
iii)

estranho ter que cruzar

com a alma em precipício

 

desconstruir incertezas

apostar o que não podia

 

desprender das perdas

estender cálidas feridas


 

 

 

iv)

apaguei os rastros

o caos se equilibrou

 

fui criando apego

pela paz interior

 

tudo se cadenciou

o amor revigorado


 

 

v)

a vida é o entrelaçar

de aparentes dúvidas

 

não crio mais expectativas

só com o que me satisfaz

 

meus olhos agora brincam

como sempre quis


 

INTERVALOS BURLESCOS

 

 

 

1

ele brinca atirando pedras no rio

enquanto o pai se distrai

 

com uma mossberg 500

caçando patos selvagens

 

 

2

a irmã sem o que fazer

ouve imagine dragons

 

entre gibis baratos

pede proteção a belzebu

 

 


 
3

a mãe com a boca

entupida de cannabis

 

descarta bitucas

no vaso sanitário

 


 

 

 

4

o namorado da irmã

bate na janela do quarto

 

entre uma transa e outra

faz boquetes inesquecíveis

 

 


 

5

o pai chega com o filho

coloca a arma sobre a mesa

 

bate na porta do quarto

da filha sem dizer nada

 


 
 

 

6

o namorado não espera

pula do terceiro andar

 

a mãe morre

de rir com a cena


 

CISÃO AMÉM!

 

                                                                  aos 50 anos de Antonio Aílton

 

 

1.

era uma época de beleza de ignorância lamber os seios de uma mulher um feito merecedor de uma chuva de meteoros quando tocava meu pênis detrás daquele jardim luzes inebriantes solapavam os olhos vermelhos dela que se dizia relâmpago entre meus colhões a verdade é que todo aquele tempo vivíamos uma sinfonia de medos não seguíamos mais os beatles e o que se queria ser era só vanguarda ou rebeldia para agradar um bando de gente com suas interrogações doenças bombardeios ônibus espaciais se desintegrando na hora da sessão da tarde mas sobrevivemos a todos os meandros circunscritos nas calças jeans de nossos pais


 
2.

há muito estive cansado meus cachorros se jogaram de dentro dos meus olhos e escaparam da comida ruim dos fast-foods baratos é certo e não existe coisa mais desagradável que um punhado de caos no final de uma sexta-feira naquela cidade naqueles degraus da matriz de são josé de ribamar vi os olhos de deus caminhando nos cabelos crespos de uma senhora que vendia potes de barro meus pecados talvez não durem mais que o olhar do bêbado dormindo na porta daquela casa em ruínas a fila é grande para os que desistem de amar durante muito tempo desisti de me contentar com um pouco de sexo vinho e discos de pink floyd

 


3.

às vezes necessito que teus olhos larguem meus destinos nunca disse que amanhãs estão escritos na parede do quarto na incerteza encontraremos nosso refúgio necessário há um calendário de perdas no desnorteado sentimento tudo conspira e sopra a nosso favor mesmo desiludido encontro suas pegadas na minha sala de estar é a hora que me inflamo e beijo tuas mãos como reverência aquela fogueira não alcança mais minhas dúvidas divide meus vazios as coisas mudaram não são mais como sempre imaginei quando menino sentando em um banco de praça na avenida jerônimo de albuquerque conferia carros e admirava estrelas

 

 

4.

hoje passam por um menino na calçada profissionais liberais advogados pessoas comuns casais de namorados desviam do inoperante destino mudam os olhares talvez só o apreciem o sol a chuva ou um amontoado de latinhas descartadas os sentidos de todos estão vidrados mesmo é com o aumento dos seios da filhinha do papai são silêncios que nos perseguem que quebram as asas dos anjos se eu permitir você com suas conchas estarei contribuindo para o eterno marasmo que nos persegue uma esquina é sempre um bom lugar para chorar calma que deus até hoje não desabrigou nenhum filho seu por isso esperemos

 


 
5.

em horizontal perspectiva se esconde entre a neblina sugando a metafísica sem estralos da porta que o conduz ao precipício o faro de satã faz habitat na planície da noite é mais belo que o compulsivo sexo da amante amo a noite não me ouve às vezes ninguém me espera há uma chance para abrir a porta me sinto no precipício dentro dos meus olhos a vida basta as pessoas nunca se escutam espio o exercício de cada dia na espiral das escolhas todas as manhãs não tomo café meu vizinho ouve baixinho as notícias dos jornais nem mesmo chuva é ritual nesta existência talvez felicidade seja mais que todas essas coisas juntas

 


 
6.

ela desce as escadas do corredor risca as paredes sem motivo inventa caos é estupidez o retrato do que poderia ser estepe diário filosofia esperança e minha debandada ela que retrai sorrisos é luta íntima o olhar nervoso as estrelas o piano e as cordas vocais as rinhas os reinados a bússola a poesia e tudo que inverna e supera a maresia a santidade e a descrença é iemanjá a pausa a alegria dos casais por ela que tudo se acalma tudo se destrói com um gesto põe tudo a ganhar ou a perder é o destino a que todos esperam é o amor é a que se adianta porque nenhum inverno a espera nem a jose cuervo ou o cabaço da mocinha tremendo

 


 

7.

naquele tempo tudo era muito impreciso nem imaginávamos como seria nossa atualidade quantos filhos só intentávamos em comer um monte de besteiras já passaram tantas tempestades meio século e ainda corremos para a felicidade a vida anda chata demais nem mesmo jogar futebol ou empinar papagaios nos distraem a vida é um acúmulo de cabelos brancos aos poucos vamos brilhando cada vez menos rugas até nas fotos de infância desesperança e angústia nossos companheiros do andar de cima e saber que um dia não mais estaremos por aqui o mal existe deuses e raparigas lindas sorrindo no sofá de um clube de adultos



                                                                                                                    bioquemesito@gmail.com

 

 

                                                                                              

há palavras que não posso te dizer
há gestos que são só silêncios
e te olham
como as memórias olham o passado
e as noites, então, demoram-se
percorrendo as sombras sobre as flores
fazendo escuros os mundos
nos quais vivo sem ti
por que a poesia que tenho
é feita das palavras que não posso te dizer
escondidas em mim
desmedidas
te desejando
e sonhando nos amores todos
como seria te amar
em tanto amor pousado na tua chegada
em segredos
em ausências
na espera
respirando o teu perfume

escrevo
escrevo
escrevo
como se escrevendo cada vez mais
pudesse, enfim,
dizer-te coisas de amar
e, então,
a tua boca pousasse na minha
e todos os verbos diriam versos
e todos os versos diriam amor

nas noites insones fecho meus olhos
dou nome a ti
e canto e escuto o nome que te dei
e tremo dentro da solidão
sedenta da tua doçura
tudo é recordação
que os teus olhos põem no meu coração

às vezes me pego pensando
o que para ti eu diria
se eu pudesse
às vezes me pego pensando
o que para ti eu faria
se eu soubesse
e entrego à noite que habita em teus olhos
o nome que para ti eu sonhei
e que enche os silêncios do meu mundo
com uma canção de uma antiga voz branca e quieta
e um sol mirando o outono
a rosa entreaberta no vermelho dos teus lábios
lembrança do beijo
que não te dei
e que é o inominável das palavras
pra sempre nesta poesia
para sempre inacabada

Olho o teu contorno entre uma luz colorida,
Alguns cabelos à frente,
Os meus óculos a filtrar a tua memória,
Vivida, ausente.

Sorrio como parvo,
Um tolo feliz,
Por poder estar ao teu lado aqui.
Não sou teu escravo,
(como quem diz).

Enquanto a música toca e vais mexendo os lábios,
O tempo pára.
UAU, devo estar apaixonado.
O que dirão os sábios?
O meu coração sarara?

Feliz ouvi a música a olhar para ti.
A embriagar-me com a felicidade que emanavas.
Estou onde quero estar,
Aqui.

Tu onde estavas?
Quando me olhaste de soslaio 
E me perguntaste se estava a gostar
Já estava a escrever na minha cabeça 
Se isto é o ensaio,
Mal posso esperar.

Dou-te a mão e tu um beijo em mim.
O artista que todos gostam não é o que venero
Mas sobre o frio na espinha e o calor na nuca.
E as borboletas na barriga,
Assim sim,
É como eu quero!

Vai rapazinho toca,
Não é para ti que estou a olhar.
A pele da vizinha é a minha coca
Vou-me viciar.
 

Agora estou lembrando daquele dia
Aquela nossa alegria
Passeando no Parque Municipal
De mãos dadas, fora sensacional
Isso sim foi um encontro de casal
Apaixonados, fomos ver um filme, que tal?
Divertimos tanto que não vimos o tempo passar
Abraçados ficamos na fila, esperando o filme começar
Sentamos nas últimas cadeiras
Acalmem-se, não pensem besteiras
Lembro que havia comprado doces para ela
Para mim já bastava o sorriso dela
Mesmo na sala escura, conseguia ver
Queria novamente aquela cena reviver
Mas quero apenas escrever versos com sentido belo
Então mais uma vez, a caneta pego
Escrever sobre aquele tempo eu quero
No começo do filme perguntei qual era a história
Não conhecia ele, mas quem escolheu foi ela, oh glória
Disse para mim que se tratava de uma batalha
Imaginei que seria como escudo e espada
Acabou que minha mente, pela imaginação, fora enganada
Se tratava de uma luta, por uma causa
Imaginação minha era falsa
Me perdi muitas vezes
Provavelmente mais que treze
Já ela, interagia com o telão
Em alguns momentos, apertava minha mão
Ela participava da ação
Disso ela não podia dizer que não.

O filme, para mim, tinha uma extensa duração
Para ser sincero, não entendi o objetivo, a razão
Inicio ao fim foi, na minha mente, uma grande confusão
Sua luxúria me chamou nos créditos finais
Não fizemos nada demais
Haviam, na sala, outros casais
As cadeiras estavam "atrapalhando" os abraços
Aqueles famosos "amassos"
Chamem do que quiserem, mas dessa memória não me desfaço
Os créditos estavam repletos de cenas à repetir
Apenas seus beijos, naquele momento, queria sentir
Eu nem mesmo tentei resistir
Eu apenas sorri
Aproveitando o amor que ela sentia por mim
"Também amo à ti"
E o filme chegou ao seu fim
Acabei por não entender nada
Partimos então da sala
Estranhamente, dizia ela, estava cansada
Claro, foi a sessão de cinema mais animada
Onde certas garotas, ao filme, participavam
Animavam, encantavam e festejavam
Ela não fora a única
Antes que apareça uma dúvida
Eu estava satisfeito com aquilo
Não queria me desgrudar daquilo
Ela era minha noz, e eu um esquilo
Ao lado dela, caminhava tranquilo
A solidão não pesava nem um quilo.

Retornamos ao imenso Parque
Eu mesmo me perguntei, "Para quê?"
Ela dizia gostar dali, era relaxante
Porém ela disse isso de forma interessante
Ela começou, comigo, a procurar
Um cantinho para nos sentar
E também para ela descansar
Aquele lugar era ótimo para encontros
Haviam casais nos quatro cantos
Foi bom, não havia ninguém em prantos
De frente para o lago, encontramos o lugar
Uma relação não gira em torno de "beijar"
Ela queria contar, mas estava calada
Desejaria ser abraçada?
"Daria uma facilitada", pensei
"Gosto muito de você", "eu sei"
"Sinto o mesmo", disse para ela, "minha pequena"
Tudo ficou calmo, ela parecia serena
Me abraçou e no meu ouvido, baixo, falou
"Obrigada por me fazer feliz"
E a cabeça, em meu peito, encostou
Deixo agora uma nota do autor
Que no caso sou eu, o escritor
"Sinto tua falta, e não saberás
Espero um dia poder te avistar
Não poder mais te abraçar
Não poder, pelas ruas lotadas, te carregar
Deixando-te envergonhada
Pequena enciumada
Agora és a ex-namorada".
O que me resta agora?
Voltar amar-te, óh solidão,
Minha velha companheira
A muito abandonada por
Amor e paixão.
As memórias do que foi
Ditam minha saudade.
Arrancaria minha garganta
Pelo soluço entalado,
Se isso não me fizesse temer
Pela covardia de viver.
Todo o alento gasto faz parecer
A alma intrépida diante da vida,
Talvez até a morte recusaria
Algo tão fétido e cheio de angustia.
O amor que resta e ainda me leva,
Leva consigo uma esperança débil
De uma paixão que não vai voltar.
As mãos que um dia me fez sentir
O ébano que dourava a vida,
Agora faz o labor de uma escrita
Que mais faz sentido na solidão,
Nos recônditos de um ser em podridão.
Talvez ainda a toque de quando em quando,
Na raridade de dias felizes em ter a chance,
Mas tudo que terei será o momento de reviver
O toque suave de seus beijos
Me trazendo vida de novo,
Mas sugando toda ela quando me deixastes à solidão.
Fez-me amar-te, até mesmo idolatrar-te em presença,
Agora volto ao desespero de uma escrita sem vida,
Não mais sentirei a paixão
Que um dia você lia cada frase por amor.
Perdi minha poesia?
Devo aprender a escrever sem seu olhar,
Tentarei ser sensível sem teu toque suave,
Amarei cada escrita sem sua voz amável para ser dita,
Inventarei ou até sentirei uma maneira de consegui
Sentir os beijos para minha inspiração,
Os jeitos sensuais para cada palavra de excitação.
Mas em verdade admito,
Não deixarei que minha vida dependa do que foi,
Farei meus sentimentos escrever com minha alma e emoção.
tem um setembro no meu outubro. tem uma mosca no meu quarto. é tarde de domingo e estou emitindo sons na cabeça feito a mosca pela qual me rodeia. não só ela, como também as doenças. os ardores, o calor, a tristeza. um copo de leite não relaxa o meu ponto de massa. nem um pedaço de pão com a pior margarina com 60% de gordura.
estou sendo 1% de mim desde o início do ano. não avanço, mesmo sentando e tentando ler, estou secando. isso não é tentar. isso é se perder no tempo mesmo sem tempo contando os numeros do relogio na tela do celular como se o tempo fosse me matar, como os livros e as palavras não lidas e não expressas.  eu tenho uma semana para envelhecer e ainda não lancei um livro de poemas, não construi uma casa na árvore e nem entreguei a minha última carta, ainda não joguei com meu companheiro de vida bexigas cheias de água e tampouco subi a árvore para compor uma canção nem mesmo dedilhei um violão e não pulei na água mesmo estando abaixo do pescoço eu sorri apenas e depois fiquei séria. é só isso que sei fazer: ser séria e fingir ser feliz em meio a tanta desorganização de vida sem tostão e sem rota concreta de beijo, amor e suor, de sonho e estabilidade de mente e de alma. está tudo empoeirado, livros espalhados, retratos dentro das páginas perdidas no tempo contendo magia de anos atrás quando fui criança  e feliz quando tinha nada e ao mesmo tempo tinha tudo e hoje nada tenho só tenho um nada enorme desenhado na minha memória, nas paredes, na mão de uma corda. há tempos não escrevo uma história senão poemas livres de doenças sentimentais e resquícios de tanta gente que desgraçou meu eu e de tantos eus malfeitos e mal escritos dentro do meu coração discreto incoerente e poroso. poroso feito corpo de ator prestes a enraizar os pés no solo e erguer os braços na inquietude e desejo de alcançar o céu e a presença mística quase impossível de um intérprete bicho corpo não doido mas todo, ser todo no espaço tempo em outro mundo, outro mundo tão desejado e distante. reparo em mim e nos outros de corpo e tenho visto tudo embaçado manchado preto porque minha visão não serve mais para mim quanto menos pra você é por isso que sem poder enxergar o mundo me apaixono desfocado e assim prosseguem essas doenças malditas quase raras de se acontecer  e me desfoco e vejo o outro desfocado mas tudo em meu peito é tão nítido, calado, forte e gripado, rouco e exausto. parado e sem teto sem vez uma mão única e estupidamente gelada sem graça só fervura de teclados e jogos antigos de jogo dramático do pierre encostando no meu garfo e nos teclados de uma semana quente quente e infernal de dores e de sangue sangue sangue sou estudante com útero dilacerante e de sinal fechado para eu mesma e para quem não obedece minhas regras dentro de um carro dando marcha e acelerando até chegar na esquina de uma rua para comprar todos os ingressos de uma peça de um escritor defunto aclamado e imortal de um roteiro estupidamente horrível de romântico com amor e morte e ode é uma confusão ostentar amor na arte sem ter visto e sentido um de perto mas atriz ator é ser isso e tudo um tico de jogador e mal jogador sem ter aprendido as regras e ainda assim ter se jogado no calor de uma cena de ser um piloto uma máquina e um objeto. de se misturar e escrever tudo sem ver sem pensar e ser rápido como vento de corrida no rosto as quintas eu não sei você mas isso não é viver, viver é ser pintura emoldurada na parede para todos ver e ali, nunca nunca nunca tu vais morrer pelo contrário vai eternamente viver dentro de um outubro no quarto enquanto pessoas te rodeiam e te observam feitos moscas famintas a procura de qualquer coisa para saborear e viver mesmo sendo péssimo ainda vao te rodear e falar e falar ou se tocar por tudo o que foi dentro daquele quadro velho e eterno restaurado centenário quadrado e intocável
intocável.

Encontrei uma forma de me controlar para não falar com você: sempre que eu sentir que preciso falar, vou fingir que você está recebendo todas essas palavras que escrevo. Para que eu não me arrependa de escrever, vou imaginar que você as recebe muito mais com ternura do que com temor.
Me atormenta pensar que tudo o que eu quisesse falar soaria como algo destrutivo, para mim e para você. E não acredito em amor assim. 
Não se violenta voluntariamente aquilo que se ama. 
De fato, às vezes é necessário que se destrua uma coisa ou outra, mas porque é nas ruínas que se acende o desejo da reconstrução.
Temo que você leia o que eu escrevo e pense - sinta - que minha intenção é te desmontar e deixar com que você lide com os destroços, sozinha. 
Talvez por eu ter agido assim no passado 
Mas, juro, eu não sabia. 

Quando eu soube, quando eu finalmente entendi, eu quis falar demais.
As vezes pode parecer que é pelos cotovelos e que, de tanto falar,  as palavras se esvaziam de sentido. 
Mas eu gosto de falar daquilo que sinto, porque, caso contrário, sufoco. 
Quando te vi, sinto que falei demais daquilo que, por anos, era segredo.
Violei uma regra fundamental de nós e profanei nosso sagrado.
Com isso, uma linha foi cruzada e não tem mais volta, porque não consigo me desvenciliar do impulso de falar com você e esperar você deigitar.

Lutando pela manutenção dessa conexão, com palavras sem importância, gracinhas sem sentido, palavras disléxicas que ocultavam o verdadeiro sentido da minha procura por você. O uso da linguagem sem sentido com a finalidade de receber a sua atenção, o seu carinho.
E eu briguei com minha memória para congelar cada vez que você veio, pedindo de volta.
Que eu tivesse o poder de fotografar aquele sonho da noite passada; nele você vinha ainda tímida, sem erotismo. Apenas um beijo.
Depois dele um abraço sem medo e a água do mar dançando entre nossos pés.
Pela primeira vez não foi errado tocar você, estava livre de toda angústia .
E a maior de todas as alegrias: era recíproco