Procurar se eu contar voce nao vai acreditar

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Escute só, isto é muito sério.

Anda, escuta que isso é sério!

O mundo está tremendamente esquisito. Há dez anos atrás o Leon me disse que existe uma rachadura em tudo e que é assim que a luz entra, não sei se entendi. Você percebe alguma coisa da mistura entre falhas e iluminação?

Aliás, me diga, você percebe alguma coisa de carpintaria? Você sabe por que meteram um boi naquele estábulo ao invés de um pequeno rinoceronte? Deve ter tido alguma coisa a ver com a geografia. Ou com os felizmente insolussionáveis mistérios que só podem vir do misticismo asiático. Um boi é um bicho tão… inexplicável. Ainda bem.

O amor é um animal tão mutante, com tantas divisões possíveis.
Lembra daqueles termômetros que usávamos na boca quando éramos pequenininhos? Lembra da queda deles no chão?

Então, acho que o amor quando aparece é em tudo semelhante à forma física do mercúrio no mundo. Quando o vidro do termômetro se quebra, o elemento químico se espalha e então ele fica se dividindo pelos salões de todas as festas. Mercúrio se multiplicando. Acho que deve ser isso uma das cinco mil explicações possíveis para o amor.

Ah é! Eu gosto de você. A luz entrou torta por nós a dentro, mas, olha, eu gosto de você! A luz do verão passado quebrou o vidro da melancolia e agora ela fica se expandindo pelas ruas todas. Desde aquele outro lado do Sol até esse tremendo agora.

Hoje ainda faz bastante frio. As cinzas ainda não aterraram sobre as cabeças disfarçadas, tem gente batucando suor e cerveja pelas ruas de nossa cidade sul. Na cidade norte, há ondas de sete metros tentando acertar no terceiro olho dos rapazinhos disfarçados de cowboys.

[suspiro]

O mestre ainda não veio decretar o começo da abstenção e, olha, a luz ainda está conosco. Sim, o mundo está absurdamente esquisito. Já ninguém confia nas imposições dos prefeitos, a esta hora na terra é um tanto carnaval, um tanto conspiração, um tanto medo. Metade fé, metade folia, metade desespero. E, provavelmente, a esta hora, uma metade do mundo está vencendo e a outra metade dormindo, há ainda outra metade limpando as armas, outra limpando o pó das flores. Mas, por causa do que me ensinou o místico, eu acredito que exista, agora, alguém profundamente acordado. Alguém que esteja vivendo entre o intervalo tênue entre o sonho e a agilidade. Suponho que ele saiba perfeitamente que este começo de século será nosso batismo do voô para nossa persistência no amor.João molhou a testa de Manuel. Os gritos das ruas molham as testas de nossos corações.

De que lado você está, eu não me importo! De que garfo você come, de que copo você bebe, que posto certo você escolhe, qual é seu orixá, seu partido, sua altura, de qual de suas cicatrizes cuida, que pássaro você prefere, quem é seu pai, qual é seu samba, Pinot noir ou Chardonay, que protetor você usa, qual é sua pele, seu perfume, qual político, quantos amores você sonha, em que Fernando, em que Ofélia, em que cinema, em que bandeira, em que cabelo você mora, qual dos túneis de Copacabana. Rezo para seus santos quando atravessar.

É… é impossível viver no país de Deus. Isso eu te dou de barato. Mas, atravessar o gramado de Deus em bicicleta, isso não é impossível, não.

Escuta, isso é sério!

Andamos crescendo juntos, distraidamente. As árvores crescem conosco. Nossa pele se estende, nosso entendimento, teso, também. O século cresce conosco. O amor pelas ventas da cara do mundo, também.
Quanto a um pra um entre nós dois, isso logo se vê. Não sei nada sobre a paixão, suspeito que você também não. Mas, começo a entender que o compasso da fé está mudando a passos largos. Dois pra lá e dois pra cá.

Portanto, escute.
Isto é muito serio!
Isto é uma proposta aos trinta anos.

Agora que o mercúrio assumiu sua posição certa, vem comigo achar o meu trono mágico entre a folhagem. E, no caminho até lá, vem dançar comigo, vem!

Notas para um século surpreendente

Está tarde já. Parece muito cedo, mas está tarde. Tem gente morrendo por aí, gente íntima e gente privada, há explosões acontecendo bem no meio de nossos quartos, em nossos banheiros, na testa de nossos filhos. Alguns de nossos filhos pertencem ao futuro. Está tarde, por enquanto está tarde, faz tanto tempo desde a última vez que fomos até à entrada do rochedo, mais tempo ainda desde que mergulhámos na enseada e nos deparámos com o coral, com o brilho, com a coloração perfeita que fazia lembrar a transumância. Tenho pensado na palavra transumância. Tenho pensado muito naquele excerto do diário de Pavese que fala dos mitos e da atenção, dos símbolos, dos nomes. Nalgum momento, ele diz qualquer coisa como: estamos convencidos de que uma grande revelação só poderá sair da teimosa insistência numa mesma dificuldade. E também: sabemos que o modo mais seguro — e mais rápido — de nos espantarmos é fitarmos impávidos sempre o mesmo objeto. Segundo Cesare Pavese, é pela atenção e pela repetição que acontece o estouro do milagre. Ainda acredito em milagres. Ficou tarde de repente e alguns de nós não podem dormir, por muito que nos esforcemos só sabemos passar noites em branco fixando a parede e as sombras na parede. Ficamos até de madrugada brincando com as mãos e com o recorte delas, pelo menos a luz ainda incide sobre nossas mãos, há qualquer coisa de magia nos desenhos noturnos que se projetam nos tapumes de nossas casas, de nossas cavernas, de nossos ilusórios covis. Sim, fitamos impávidos sempre o mesmo objeto. Somos pessoas atentas, pelo menos deveríamos ser, piscamos os olhos devagar para que não se cansem nossas pálpebras, está tudo entrando por nossa cara adentro ao ritmo de um murro de Joe Frazier. Joe chegou a derrotar Muhammad Ali, cuidado. É preciso poupar nossas caras, nossos narizes, nossas línguas. A língua, essa, está muito relacionada com o segredo — é debaixo dela que guardamos o tesouro. Como uma criança que guarda um caroço de cereja na boca durante um dia inteiro, nós seguramos nossos segredos por meses seguidos. Só o segredo nos salvará mais tarde, muito mais tarde do que isto, agora é o tempo da transição e dos desastres aéreos, o tempo da descoberta de planetas muito semelhantes ao nosso mas a 1400 anos-luz daqui, o tempo da morte dos campeões, dos camponeses e dos escritores. Nunca se viu um ano como este, ou talvez sim, todo ano é uma foice e a foice da temporada 2015 está levando tantas cabeças. Pense no Herberto, no Manoel, pense no Galeano, pense no James Tate, estávamos tão distraídos quando morreu Tate, e os poemas dele são círculos tão absurdos quanto costurados pela linha da esperança — às vezes acho que é só disso que precisamos, precisaríamos, um cordel tosco e ao mesmo tempo iluminado, um objeto meio bola de praia, meio ostra, meio plástico meio talismã. Está tarde, talvez estejamos só cansados. Somos os descendentes do passado e o passado sempre foi meio esquisito, aprendemos a ler pelo mapa dos transportes públicos, subiu tanto o preço dos transportes públicos, os mapas das cidades se alteraram, há um desenho novo a cada esquina, só o desenho de nosso corpo não mudou e até isso é mentira. Nossos corpos vão se renovando a cada dia, a cada hora, agora que penso nisso: graças a Deus. Somos o reflexo da cordilheira. Fomos abençoados com a possibilidade do movimento, o constante movimento entre as falésias, abençoados com as tardes de verão e com o cinema que surgiu das cabeças francesas debaixo de um certo sol, foi-nos dada a estufa fria para de dentro dela poder contemplar a natureza que rebenta com tudo lá fora, foram-nos concedidos os vidros e o poder dos vidros. Fomos abençoados com a manhã, com o suor e com as coisas que conseguimos fazer com nosso suor até aos trinta e oito anos, foram-nos concedidas igrejas e cavernas e toda a espécie de templos que impressionam o silêncio, temos a possibilidade do templo em nosso próprio eixo humano, veja bem que sorte a nossa. Estamos atentos, estamos calados, estamos fixando sempre o mesmo objeto. Repetimos os nomes e os gestos para que nos possamos aproximar da realidade. Mito e realidade, que surpresa, afinal é tudo o mesmo. Está tarde, hoje a morte não entrou por nossos túneis, e é muito devagar que vamos movendo os animais para a montanha, da planície para a montanha, de casa para casa. Talvez esta noite possamos dormir em paz. Porque agora em nossas mãos está escrito a carvão aquele trecho de um poema do Pavese, que diz: “Lá fora, depois do jantar, virão as estrelas tocar/ a grande planície da terra. É debaixo deste silêncio que acontece o estouro.”

23 de Agosto de 2015

Crónica. Notas para um século surpreendente
Está tarde já. Parece muito cedo, mas está tarde. Tem gente morrendo por aí, gente íntima e gente privada, há explosões…
www.publico.pt

Matilde Campilho é uma poeta portuguesa, nascida em Cascais, 1982, estudou Literatura em Lisboa e História da Arte em Milão. Morou no Rio de Janeiro, onde também trabalhou como jornalista e redatora freelancer entre os anos de 2010 e 2013 e foi nessa estadia entre Rio e Lisboa que deu vida a sua primeira obra, Jóquei, misturando a dicção das duas cidades.

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Harry acordou em sua cama, de ressaca. Uma ressaca violenta.
– Merda – ele disse em voz baixa.
Havia uma pequena pia no quarto.
Harry se levantou, aliviou-se na pia, abriu a torneira e deixou a água lavá-la, depois enfiou a cabeça ali e bebeu um pouco de água. Depois lavou o rosto e se secou com uma parte da camiseta que estava vestindo.
O ano era 1943.
Harry juntou algumas roupas do chão e começou a se vestir, devagar. A veneziana estava fechada e tudo estava escuro, a não ser pelos raios de sol que entravam pelos furos da cortina. Havia duas janelas. O apê era de primeira.
Ele percorreu o corredor até o banheiro, trancou a porta e se sentou. Era incrível que ele ainda conseguisse evacuar. Não comia há dias.
Jesus, ele pensou, as pessoas têm intestinos, bocas, pulmões, orelhas, umbigos, orgãos sexuais, e... cabelo, poros, línguas, às vezes dentes, e todas as outras partes... unhas, cílios, dedos, joelhos, estômagos...
Havia algo de tão aborrecido nisso tudo. Como é que ninguém reclamava?
Harry terminou com o áspero papel higiênico da pensão. Pode apostar que as senhorias se limpavam com coisa melhor. Todas aquelas senhoras religiosas, viúvas há séculos.
Ele vestiu as calças, puxou a descarga e saiu de lá, desceu as escadas da pensão e alcançou a rua.
Eram onze da manhã. Caminhou para o sul. A ressaca era brutal, mas ele não ligava. Isso lhe informava que estivera em outro lugar, um lugar bom. Durante a caminhada ele encontrou meio cigarro no bolso da camisa. Ele parou, olhou para a ponta amassada e manchada, achou um fósforo e tentou acender. A chama não pegou. Seguiu tentando. Depois do quarto fósforo, que queimou seus dedos, ele conseguiu dar uma tragada. Ele se engasgou, depois tossiu. Sentiu seu estômago revirar.
Um carro veio velozmente em sua direção. Dentro do carro estavam quatro rapazes.
– EI, SEU VELHO DE MERDA! VÊ SE MORRE!
Os outros riram. Depois eles se foram.
O cigarro de Harry ainda estava aceso. Ele deu outra tragada. Uma espiral de fumaça azul subiu. Ele gostava daquela espiral de fumaça azul.
Caminhou sob o sol cálido pensando, estou caminhando e estou fumando um cigarro.
Harry caminhou até chegar ao parque em frente à biblioteca. Continuava tragando o cigarro. Sentiu o calor da ponta queimando e jogou, com relutância, o cigarro fora. Adentrou o parque e andou até encontrar um lugar entre uma estátua e alguns arbustos. A estátua era de Beethoven. E Beethoven estava caminhando, a cabeça baixa, as mãos para trás, certamente pensando em alguma coisa.
Harry se deitou e se estendeu no gramado. A grama aparada lhe dava coceira. Estava pontiaguda, afiada, mas tinha um cheiro delicioso e limpo. O cheiro da paz.
Pequenos insetos começaram a andar sobre seu rosto, formando círculos irregulares, cruzando o caminho uns dos outros, mas nunca se encontrando.
Eram apenas pontos, mas os pontos estavam procurando alguma coisa.
Harry olhou para o céu. O céu estava azul, e isso era horrível. Harry continuou olhando para o céu, tentando sentir alguma coisa. Mas não sentia nada. Nenhuma sensação de eternidade. Nem de Deus. Nem mesmo do Diabo. Mas era preciso encontrar Deus primeiro se quisesse encontrar o Diabo. Eles vinham nessa ordem.
Harry não gostava de pensamentos graves. Pensamentos graves podiam levar a erros graves.
Pensou um pouco sobre o suicídio... sem fazer disso um grande drama. Do mesmo modo como a maioria dos homens pensaria sobre comprar um par de sapatos novos. O maior problema do suicídio era a hipótese de que ele pudesse levar a algo pior. O que ele realmente precisava era de uma garrafa de cerveja bem gelada, o rótulo úmido, e com aquelas gotas geladas tão lindas na superfície do vidro.
Harry cochilou... e foi acordado pelo som de vozes. As vozes eram de meninas muito jovens, colegiais. Elas estavam rindo, gracejando.
– Ooooh, olhem!
– Ele está dormindo!
– Vamos acordar ele?
Harry piscou à luz do sol, espiando as meninas através das pálpebras semicerradas. Não sabia ao certo quantas eram, mas pôde ver seus vestidos coloridos: amarelos e vermelhos e azuis e verdes.
– Olhem! Ele é lindo!
Elas riram, gargalharam e saíram correndo.
Harry voltou a fechar os olhos.
O que tinha sido aquilo?
Nunca antes lhe acontecera algo tão agradável e delicioso. Elas o tinham chamado de “lindo”. Quanta gentileza!
Mas elas não voltariam.
Ele se levantou e caminhou até o final do parque. Lá estava a avenida. Achou um banco de praça e se sentou. Havia outro mendigo no banco ao lado. Ele era bem mais velho que Harry. O mendigo tinha um ar pesado, sombrio, amargo, que fazia Harry se lembrar de seu pai.
Não, pensou Harry. Estou sendo muito duro.
O mendigo olhou na direção de Harry. O mendigo tinha olhos pequenos e inexpressivos.
Harry lançou-lhe um sorriso tímido. O mendigo virou o rosto.
Então um barulho veio da avenida. Motores. Era um comboio militar. Uma longa faixa de caminhões cheios de soldados. Os soldados estavam apertados como sardinhas, transbordavam, se penduravam do lado de fora dos caminhões. O mundo estava em guerra.
O comboio se movia lentamente. Os soldados avistaram Harry sentado no banco de praça. Então começou o barulho. Era uma mistura de assobios, vaias e xingamentos. Eles gritavam com Harry.
– EI, SEU Filho da puta!
– PREGUIÇOSO!
À medida que cada caminhão do comboio passava, o próximo continuava:
– TIRE A SUA BUNDA DESSE BANCO!
– VEADO DE MERDA!
– COVARDE!
– CAGALHÃO!
Era um comboio muito longo e muito lento.
– VENHA SE JUNTAR A NÓS!
– VAMOS TE ENSINAR A LUTAR, SEU PUTÃO!
Os rostos eram brancos e pardos e negros, flores de ódio.
Então o velho mendigo se levantou do seu banco de praça e gritou para o comboio:
– EU PEGO ELE PARA VOCÊS, RAPAZES! LUTEI NA PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL!
Os que estavam nos caminhões que passavam riram e abanaram os braços:
– PEGUE ELE, VOVÔ!
– FAÇA ELE VER A LUZ!
Então o comboio se foi.
Eles haviam jogado coisas em Harry: latas de cerveja vazias, latas de refrigerante, laranjas, uma banana.
Harry se levantou, juntou a banana, sentou-se de novo, descascou a banana e a comeu. Estava divina. Depois ele encontrou uma laranja, descascou-a e a mastigou, engoliu a polpa e o suco. Encontrou outra laranja e a comeu também. Então achou um isqueiro que alguém havia jogado ou deixado cair. Girou a pederneira. Funcionava.
Andou até o mendigo que estava sentado no banco, empunhando o isqueiro.
– Ei, camarada, tem um cigarro?
Os pequenos olhos do mendigo se fixaram em Harry. Pareciam vazios, como se as pupilas tivessem sido removidas. O lábio inferior do mendigo tremeu.
– Você gosta do Hitler, não é? – ele disse em voz baixa.
– Olha, amigo – disse Harry –, por que você e eu não damos uma volta juntos? Podemos descolar uns pilas pra tomar umas biritas.
O velho mendigo revirou os olhos. Por um instante Harry pode ver apenas o branco de seus olhos injetados. Os olhos voltaram para o lugar. O mendigo olhou para ele.
– Com você... Não!
– Ok – disse Harry –, até a vista...
O velho mendigo voltou a revirar os olhos e disse de novo, só que mais alto desta vez:
– COM VOCÊ... NÃO!
Harry saiu do parque caminhando devagar e subiu a rua em direção ao seu bar favorito. O bar estava sempre lá. Harry atracava no bar. Era seu único paraíso. Impiedoso e justo.
No caminho, Harry passou por um estacionamento vazio. Um bando de homens de meia-idade jogava softball. Eles estavam fora de forma. Eram, em sua maioria, barrigudos, baixinhos e bundudos, quase como mulheres. Eram todos amadores ou estavam velhos demais para os arremessos.
Harry parou para assistir ao jogo. Era um festival de eliminações, lançamentos ruins, rebatedores golpeados, erros, bolas mal batidas, mas eles seguiam jogando. Quase como um ritual, uma obrigação. E eles estavam com raiva. Era a única coisa em que eram bons. A energia de sua raiva dominada.
Harry ficou assistindo. Tudo parecia perda de tempo. Até mesmo a bola parecia triste, saltitando inutilmente de um lado para o outro.
– Olá, Harry, como é que você não está no bar?
Era o McDuff, um sujeito velho e franzino, dando uma baforada em seu cachimbo. McDuff tinha uns 62 anos, sempre olhava para a frente, nunca diretamente para seu interlocutor, mas ele o via mesmo assim por detrás de seus óculos sem aro. E ele sempre vestia um terno preto com gravata azul. Chegava no bar todos os dias por volta do meio-dia, tomava duas cervejas, depois ia embora. E você não conseguia odiá-lo nem gostar dele. Era como um calendário ou um porta-canetas.
– Estou a caminho – respondeu Harry.
– Eu acompanho você – disse McDuff.
Então Harry caminhou ao lado do velho e franzino McDuff enquanto o velho e franzino McDuff fumava seu cachimbo. McDuff sempre mantinha o cachimbo aceso. Era sua marca registrada. McDuff era o seu cachimbo. Por que não?
Caminhavam juntos, sem dizer nada. Não havia o que dizer. Pararam no semáforo, McDuff fumando seu cachimbo.
McDuff tinha poupado dinheiro. Nunca havia se casado. Morava num apartamento de dois cômodos e não fazia muita coisa. Bem, ele lia os jornais, mas sem muito interesse. Não era religioso. Mas não por falta de convicção. Simplesmente porque não havia se dado ao trabalho de pensar no assunto. Era como não ser republicano por não saber o que é um republicano. McDuff não era feliz nem infeliz. Vez que outra ficava um pouco inquieto, alguma coisa parecia incomodá-lo e por alguns instantes seus olhos se enchiam de terror. Mas logo aquilo passava... como uma mosca que pousa... e em seguida levanta voo à procura de terras mais promissoras.
Então eles chegaram ao bar. Entraram.
As pessoas de sempre.
McDuff e Harry se sentaram em seus bancos.
– Duas cervejas – proferiu o bom e velho McDuff ao dono do bar.
– Como vai, Harry? – perguntou um dos fregueses do bar.
– Tateando no escuro, tremendo e cagando – respondeu.
Sentiu pena do McDuff. Ninguém o havia cumprimentado. McDuff era como um mata-borrão sobre a mesa. Não suscitava nenhum sentimento. Notavam Harry porque ele era um vagabundo. Fazia com que se sentissem superiores. Eles precisavam disso. McDuff fazia com que se sentissem apenas mais insípidos do que já eram.
Não aconteceu nada demais. Todos se debruçaram sobre suas bebidas, observando-as. Poucos tinham imaginação o suficiente para simplesmente encher a cara.
Uma tarde banal de sábado.
McDuff partiu para sua segunda cerveja e foi gentil o bastante para pagar outra a Harry.
O cachimbo de McDuff estava fervendo por conta das seis horas de queima contínua.
Terminou sua segunda cerveja e foi embora, e Harry ficou lá com o resto do pessoal.
Era um sábado muito parado, mas Harry sabia que se aguentasse por mais algum tempo conseguiria se dar bem. Sábado à noite, é claro, era melhor para descolar umas bebidas. Mas não havia nenhum lugar para onde pudesse ir até que a hora chegasse. Harry estava se esquivando da senhoria. Ele pagava por semana e estava nove dias atrasado.
Entre uma bebida e outra, o ambiente mergulhava num marasmo mortal. Os fregueses só precisavam sentar e ficar em algum lugar. Pairavam no ar uma solidão generalizada, um medo latente e a necessidade de estarem juntos e de conversarem um pouco, pois isso os acalmava. Tudo de que Harry precisava era de alguma coisa para beber. Harry podia beber eternamente e ainda precisaria de mais, não havia bebida suficiente para satisfazê-lo. Mas os outros... eles apenas sentavam, falando de vez em quando sobre o que quer fosse.
A cerveja de Harry estava ficando choca. E a ideia não era terminá-la porque aí teria que comprar outra e ele não tinha dinheiro. Teria que esperar e ficar na expectativa. Como um profissional na mendicância de bebidas, Harry sabia a primeira regra: você nunca deve pedir uma. Sua sede era uma piada para os outros e qualquer pedido de sua parte lhes tirava o prazer de dar.
Harry deixou seus olhos passearem pelo bar. Havia quatro ou cinco clientes por ali. Poucos e só gente miúda. Um deles era Monk Hamilton. A maior afirmação de vitalidade para Monk era comer seis ovos no café da manhã. Todos os dias. Ele achava que isso lhe dava uma vantagem. Não era muito bom nesse negócio de pensar. Era um tipo imenso, quase tão largo quanto alto, de olhos pálidos, fixos e despreocupados, pescoço de carvalho, mãos grandes, peludas e nodosas.
Monk estava falando com o atendente do bar. Harry ficou olhando uma mosca que rastejava lentamente para dentro do cinzeiro molhado de cerveja à sua frente. A mosca caminhou por ali, por entre os tocos de cigarro, forçando caminho contra um cigarro empapado, depois soltou um zunido furioso, ergueu-se, então pareceu voar para trás, e para a esquerda, e depois se foi.
Monk era limpador de janelas. Seus olhos inexpressivos encontraram os de Harry. Seus lábios grossos se torceram num riso de superioridade. Ele pegou sua garrafa, andou, sentou-se no banco ao lado de Harry.
– O que você está fazendo, Harry?
– Esperando chover.
– Que tal uma cerveja?
– Esperando chover cerveja, Monk. Obrigado.
Monk pediu duas cervejas. Elas chegaram.
Harry gostava de beber sua cerveja direto do gargalo. Monk despejou um pouco da sua num copo.
– Harry, você está precisando de emprego?
– Não tenho pensado no assunto.
– Tudo que você precisa fazer é segurar a escada. Precisamos de um cara para a escada. Não paga tão bem quanto lá em cima, mas já é alguma coisa. O que você acha?
Monk estava fazendo uma piada. Pensava que Harry era imbecil demais para compreendê-la.
– Me dê um tempo para pensar no assunto, Monk.
Monk olhou em volta para os outros clientes, soltou seu sorriso superior de novo, piscou para eles, então voltou a olhar para Harry.
– Escute, tudo o que você tem que fazer é segurar a escada bem firme. Isso não é tão dificil, é?
– É mais fácil que muita coisa, Monk.
– Então você topa?
– Acho que não.
– Ah, vamos! Por que você não tenta?
– Eu não posso fazer isso, Monk.
Então todos se sentiram bem. Harry era o garoto deles. O esplêndido fracassado.
Harry olhou para todas aquelas garrafas atrás do bar. Todos aqueles bons momentos à espera, todas aquelas risadas, toda aquela loucura... uísque, vinho, gim, vodca e tantas outras delícias. E ainda assim todas aquelas garrafas ficavam lá paradas, em desuso. Era como uma vida esperando para ser vivida, uma vida que ninguém queria.
– Olhe – disse Monk –, vou cortar o cabelo.
Harry sentiu a tranquila solidez de Monk. Monk havia ganhado, em certo momento, alguma coisa. Ele se encaixava, como uma chave numa fechadura que abria para uma outra parte qualquer.
– Por que você não vem comigo enquanto eu corto o cabelo?
Harry não respondeu.
Monk chegou mais perto.
– Paramos pra tomar uma cerveja no caminho e eu pago outra pra você depois.
– Vamos lá...
Harry esvaziou a garrafa facilmente em sua ânsia, depois a largou.
Seguiu Monk para fora do bar. Caminharam juntos ao longo da rua. Harry sentiu-se como um cachorro seguindo seu dono. E Monk estava calmo, estava agindo, tudo se encaixava. Era o seu sábado de folga e ele ia cortar o cabelo.
Acharam um bar e pararam ali. Era muito mais agradável e limpo do que o bar em que Harry normalmente vadiava. Monk pediu as cervejas.
O modo como ele se comportava! Um homem másculo. E seguro de sua masculinidade. Nunca pensava na morte, pelo menos não na sua.
Enquanto estavam ali, lado a lado, Harry percebeu que havia cometido um erro: um trabalho em turno integral teria sido menos doloroso do que aquilo.
Monk tinha uma verruga no lado direito do rosto, uma verruga bem descontraída, uma verruga sem constrangimentos.
Harry ficou olhando Monk pegar sua garrafa e sugá-la. Era apenas algo que Monk fazia, como coçar o nariz. Ele não estava ávido pela bebida. Monk apenas ficava sentado com sua garrafa e estava tudo pago. E o tempo corria como a merda corre pelo rio.
Terminaram suas garrafas, e Monk disse alguma coisa ao atendente do bar e o atendente do bar respondeu alguma coisa.
Então Harry seguiu Monk até o lado de fora do bar. Seguiram juntos, Monk ia cortar o cabelo.
Caminharam até a barbearia e entraram. Não havia outros clientes. O barbeiro conhecia Monk. Enquanto Monk subia na cadeira eles disseram algumas palavras um para o outro. O barbeiro o cobriu com o protetor e a cabeça de Monk pareceu enorme, a verruga firme na bochecha direita, e ele disse:
– Curto ao redor das orelhas e não tire muito em cima.
Harry, desesperado por outra bebida, pegou uma revista, virou algumas páginas e fingiu estar interessado.
Então ouviu Monk dizer ao barbeiro:
– A propósito, Paul, este é Harry. Harry, este é Paul.
Paul e Harry e Monk.
Monk e Harry e Paul.
Harry, Monk, Paul.
– Olhe, Monk – disse Harry –, quem sabe eu vou lá pegar outra cerveja enquanto você corta o cabelo?
Monk olhou fixamente para Harry.
– Não, nós vamos tomar uma cerveja depois que eu terminar aqui.
Depois Monk olhou fixamente para o espelho.
– Não precisa tirar tanto ao redor das orelhas, Paul.
Enquanto o mundo girava, Paul ia cortando.
– Tem pescado alguma coisa, Monk?
– Nada, Paul.
– Não acredito nisso...
– Acredite, Paul.
– Não é o que tenho ouvido.
– Como...?
– Que nem quando a Betsy Ross fez a bandeira americana, treze estrelas não teriam bastado para se enrolar no seu mastro!
– Ah, droga, Paul, você é muito engraçado!
Monk riu. Sua risada era como linóleo sendo cortado com uma faca sem fio. Ou talvez fosse um grito de morte.
Então ele parou de rir.
– Não tire muito em cima.
Harry largou a revista e olhou para o chão. A risada de linóleo havia se transformado num chão de linóleo. Verde e azul, com diamantes lilases. Um chão velho. Alguns pedaços tinham começado a descascar, revelando o soalho marrom-escuro que estava por baixo. Harry gostava de marrom.
Ele começou a contar: três cadeiras de barbeiro, cinco cadeiras de espera. Treze ou quatorze revistas. Um barbeiro. Um cliente. Um... o quê?
Paul e Harry e Monk e o marrom-escuro.
Os carros passavam do lado de fora. Harry começou a contar, parou. Não brinque com a loucura, a loucura não brinca.
Mais fácil contar as bebidas nas mãos: nenhuma.
O tempo reverberava como um sino monótono.
Harry sentia seus pés, seus pés dentro dos sapatos, e seus dedos... nos pés, dentro dos sapatos.
Ele mexia os dedos dos pés. Sua vida completamente desperdiçada indo a lugar nenhum como uma lesma se arrastando em direção ao fogo.
Folhas cresciam sobre os troncos. Antílopes erguiam suas cabeças do pasto. Um açougueiro em Birmingham levantava seu cutelo. E Harry estava parado numa barbearia, na esperança de tomar uma cerveja.
Ele não tinha dignidade, era um vira-latas.
Aquilo seguiu, passou, continuou e continuou, e então terminou. O fim do teatro da cadeira do barbeiro. Paul girou Monk para que ele pudesse se ver no espelho atrás da cadeira.
Harry odiava barbearias. Aquele giro final na cadeira, aqueles espelhos, eram um momento de horror para ele.
Monk não se incomodava.
Ele se olhou. Estudou seu reflexo, rosto, cabelo, tudo. Parecia admirar o que via. Então, ele falou:
– Ok, Paul. Agora você poderia tirar um pouco do lado esquerdo? E está vendo este pedacinho desalinhado? Temos que corrigir.
– Ah, sim, Monk... eu cuido disso...
O barbeiro girou Monk de volta e se concentrou no pequeno pedaço que estava desalinhado.
Harry observava a tesoura. Havia muito barulho, mas não muito corte.
Então Paul girou Monk de novo em direção ao espelho.
Monk se olhou.
Um leve sorriso se esboçou no canto direito de sua boca. Então o lado esquerdo de seu rosto se contorceu um pouco. Autoadoração com uma pequena pontada de dúvida.
– Está bem – ele disse –, agora você acertou.
Paul espanou Monk com uma pequena escova. Pedaços de cabelo morto flutuaram num mundo morto.
Monk revirou os bolsos atrás do valor do corte e da gorjeta.
A transação monetária fez tinir a tarde apática.
Então Harry e Monk caminharam pela rua, juntos, de volta ao bar.
– Não há nada como um corte de cabelo – disse Monk –, faz você se sentir um novo homem.
Monk sempre vestia work shirts azul-claras, mangas arregaçadas para mostrar seus bíceps. Um cara e tanto. Tudo o que ele precisava agora era de uma fêmea para dobrar suas cuecas e camisetas de baixo, enrolar suas meias e colocá-las na gaveta da cômoda.
– Obrigado por me fazer companhia, Harry.
– Não por isso, Monk...
– Da próxima vez que eu for cortar o cabelo quero que você venha junto comigo.
– Vamos ver, Monk...
Monk caminhava bem perto do meio-fio e era como um sonho. Um sonho amarelado. Simplesmente aconteceu. E Harry não sabia de onde tinha vindo o impulso. Mas cedeu a ele. Fingiu tropeçar e deu um encontrão em Monk. E Monk, como um pesado anfiteatro de carne, caiu na frente do ônibus. Quando o motorista pisou no freio ouviu-se uma pancada, não muito alto, mas uma pancada. E lá estava Monk, caído na sarjeta, corte de cabelo, verruga e tudo o mais. E Harry olhou para baixo. Uma coisa estranhíssima: lá estava a carteira de Monk na sarjeta. Tinha saltado para fora do bolso traseiro de Monk por conta do impacto e ali estava. Só não se achava estendida no chão, mas sim erguida como uma pequena pirâmide.
Harry se agachou, pegou a carteira e a colocou em seu bolso. Parecia cálida, cheia de graça. Ave Maria.
Então Harry se debruçou sobre Monk.
– Monk? Monk... você está bem?
Monk não respondeu. Mas Harry notou que ele estava respirando e não havia sangue. E, de repente, o rosto de Monk pareceu bonito e galante.
Ele está ferrado, pensou Harry, e eu estou ferrado. Nós dois estamos ferrados em sentidos diferentes. Não existe verdade, não existe nada real, não existe nada.
Mas algo existia. A multidão existia.
– Saiam de perto! – alguém disse – Deixem ele respirar!
Harry saiu de perto. Saiu de perto e se misturou à multidão. Ninguém o deteve.
Ele estava caminhando para o sul. Ouviu a sirene da ambulância. Ela gritava, secundando o seu sentimento de culpa.
Então, rapidamente, a culpa desapareceu. Como uma antiga guerra terminada. Era preciso seguir em frente. As coisas seguiam em frente. Como as pulgas e o melado para panquecas.
Harry se enfiou num bar que nunca havia notado antes. Havia um atendente no balcão. Garrafas. Estava escuro ali. Pediu um uísque duplo, bebeu de um só gole. A carteira de Monk estava gorda e abundante. Sexta devia ter sido dia do pagamento. Harry puxou uma nota, pediu outro uísque duplo. Tomou metade, fez uma pausa em reverência, e depois secou o resto, e, pela primeira vez em muito tempo, sentiu-se muito bem.
Mais tarde Harry foi até a Groton Steakhouse. Entrou e se sentou no balcão. Nunca tinha ido lá antes. Um homem alto, magro, desinteressante, vestindo chapéu de chef e um avental sujo andou até ele e se curvou sobre o balcão. Estava com a barba por fazer e cheirava a inseticida. Olhou de soslaio para Harry.
– Veio aqui atrás de EMPREGO? – perguntou.
Por que diabos todo o mundo está tentando me botar para trabalhar?, pensou Harry.
– Não – respondeu Harry.
– Temos uma vaga para lavador de prato. Cinquenta centavos a hora e você pode agarrar a bunda da Rita de vez em quando.
A garçonete passou ao lado deles. Harry olhou para a bunda da mulher.
– Não, obrigado. Por hora, vou querer uma cerveja. De garrafa. Qualquer marca.
O chef chegou mais perto. Tinha longos pelos saindo das narinas, fortemente ameaçadores, como um pesadelo imprevisto.
– Ouça, seu merda, você tem dinheiro?
– Tenho – disse Harry.
O chef hesitou por alguns instantes, então saiu, abriu o refrigerador e puxou uma garrafa de cerveja. Tirou a tampa, voltou até onde estava Harry e colocou o líquido fermentado no balcão com uma pancada.
Harry deu um longo gole, pousou a garrafa suavemente.
O chef continuava a examiná-lo. Não conseguia matar a charada.
– Agora – disse Harry –, quero um filé alto de carne de gado, bem passado, com batatas fritas, e pegue leve na gordura. E me traga outra cerveja, agora.
O chef fez surgir diante dele uma nuvem de fúria, depois se afastou, foi até o refrigerador, repetiu a cena, o que incluía trazer a garrafa e colocá-la no balcão com um estrondo.
Em seguida o chef foi até a grelha, jogou um bife lá dentro.
Um glorioso manto de fumaça se ergueu. O chef encarava Harry por entre a fumaça.
Não faço ideia, pensou Harry, de por que ele não gosta de mim. Bem, talvez eu precise mesmo de um corte de cabelo (tire bastante de todos os lados, por favor) e fazer a barba, meu rosto está um pouco abatido, mas as minhas roupas estão bem limpas. Gastas, mas limpas. Devo ser mais limpo que o prefeito desta cidade de merda.
A garçonete chegou perto dele. Não era feia. Nenhuma maravilha, mas não estava mal. Seus cabelos empilhavam-se sobre a cabeça, meio bagunçados, pequenos cachos desciam soltos pelos lados. Bacana.
Ela se debrucou sobre o balcão.
– Você não pegou o trabalho de lavador de pratos?
– O salário é bom mas não é meu ramo de negócio.
– E qual é o seu ramo de negócio?
– Sou arquiteto.
– Metiroso – ela disse e se afastou.
Harry sabia que não era muito bom de papo. Descobriu que quanto menos falava melhor todos se sentiam.
Terminou as duas cervejas. Então chegaram o bife e as batatas fritas. O chef bateu o prato com força no balcão. O sujeito era bom nas pancadas.
Parecia um milagre para Harry. Ele avançou, cortando e mastigando. Fazia uns dois anos que não devorava um bife. À medida que comia, sentia uma força renovada invadindo seu corpo. Quando não se come com frequência, comer é um verdadeiro acontecimento.
Até mesmo seu cérebro sorria. E seu corpo parecia estar dizendo, obrigado, obrigado, obrigado.
Então Harry terminou.
O chef ainda não deixara de encará-lo.
– Ok – disse Harry –, vou querer um repeteco.
– Vai querer a mesma comida?
– Aham.
O chef o olhou de modo ainda mais fixo. Afastou-se e lançou outro bife na grelha.
– E quero outra cerveja também, por favor. Agora.
– RITA! – gritou o chef –, VEJA MAIS UMA CERVEJA PRA ELE!
Rita apareceu com a cerveja.
– Você bebe bastante cerveja – ela disse – para um arquiteto.
– Estou planejando erguer uma grande obra.
– Rá! Como se você conseguisse!
Harry se concentrou na cerveja. Depois levantou e foi até o banheiro masculino. Quando voltou, liquidou a cerveja.
O chef voltou e bateu o prato de bife e fritas com força na frente de Harry.
– A vaga ainda está disponível, se você quiser.
Harry não respondeu. Avançou sobre o novo prato.
O chef seguiu até a grelha, de onde continuou a encarar Harry.
– Você ganha as duas refeições – disse o chef – e sai empregado.
Harry estava ocupado demais com o bife e com as batatas fritas para responder. Ainda estava com fome. Quando se está na vadiagem, e especialmente quando se é um bebum, pode-se ficar dias sem comer, muitas vezes não se tem nem mesmo vontade de comer, e então, zaz, você é fulminado: surge uma fome insuportável. Você começa a pensar em comer qualquer coisa: ratos, borboletas, folhas, bilhetes de jogo, jornal, rolhas, o que aparecer pela frente.
Agora, debruçado sobre o segundo prato, a fome de Harry ainda estava lá. As batatas fritas eram lindas e gordurosas e amarelas e quentes, algo como a luz do sol, uma nutritiva e gloriosa luz solar que se podia mastigar. E o bife não era apenas uma fatia de alguma pobre criatura assassinada, era algo comovente, que alimentava o corpo e a alma e o coração, que fazia os olhos sorrirem, transformando o mundo num lugar menos difícil de suportar. Ou de se viver. Naquele instante, a morte não importava.
E então ele terminou o prato. Só havia restado o osso, que estava totalmente limpo. O chef ainda encarava Harry.
– Vou comer mais um – Harry disse ao chef. – Outro filé alto com fritas e mais uma cerveja, por favor.
– VOCÊ NÃO VAI COMER MAIS UM! – gritou o chef – VOCÊ VAI PAGAR TUDO E DAR O FORA DAQUI!
Cruzou pela frente da grelha e parou na frente de Harry. Tinha um bloco de pedidos nas mãos. Rabiscou furiosamente uma soma. Depois jogou a conta no meio do prato sujo. Harry pegou a conta de cima do prato.
Havia um outro cliente no restaurante, um homem redondo e rosado, de cabeça grande e cabelos despenteados, tingidos de um castanho um tanto desanimador. O homem consumira inúmeras xícaras de café enquanto lia o jornal da noite.
Harry se levantou, tirou algumas notas do bolso, separou duas e as depôs ao lado do prato.
Depois deu o fora dali.
O trânsito do início da noite estava começando a entupir a avenida de carros. O sol se punha atrás dele. Harry olhou para os motoristas dos carros. Pareciam infelizes. O mundo parecia infeliz. As pessoas estavam no escuro. As pessoas estavam apavoradas e decepcionadas. As pessoas estavam presas em armadilhas. As pessoas estavam na defensiva, nervosas. Sentiam que suas vidas estavam sendo desperdiçadas. E elas estavam certas.
Harry seguiu caminhando. Parou no semáforo. E, naquele momento, teve um sentimento muito estranho. Teve a impressão de que era a única pessoa viva no mundo.
Quando o sinal mudou para o verde, esqueceu-se de tudo. Atravessou a rua e seguiu pela calçada do outro lado.
– Septuagenarian Stew
o verdadeiro deus é a desordem
o verdadeiro deus é a loucura
viver em paz permanente é
viver permanentemente morto.
a agonia pode matar
ou
a agonia pode dar sustentação à vida
mas a paz é sempre horripilante
a paz é o que há de pior
caminhadas
conversas
sorrisos,
a aparência das coisas.
não se esqueça das calçadas
das putas,
da traição,
do verme na maçã,
dos bares, das cadeias,
dos suicídios dos amantes.
aqui na América
assassinamos um presidente e seu irmão,
outro presidente desistiu do cargo.
pessoas que acreditam em política
são como pessoas que acreditam em deus:
estão chupando vento através de canudos
curvos.
não há deus
não há política
não há paz
não há amor
não há controle
não há plano
fique longe de deus
siga perturbado
deslize.

Eu me recostava no balcão do bar Musso’s. Sarah tinha ido ao toalete de senhoras. Eu gostava do bar Musso’s, do bar como bar, mas não da sala onde ficava. Era conhecido como “Sala Nova”. A “Sala Velha” ficava do outro lado, e eu preferia comer lá. Era mais escuro e tranquilo. Nos velhos tempos, eu ia à Sala Velha comer, mas raramente comia mesmo. Apenas olhava o menu e dizia ao pessoal “Ainda não”, e continuava a pedir bebidas. Algumas das damas que eu levava lá eram de má reputação, e enquanto a gente bebia, sem parar, estouravam muitas discussões aos berros, cheias de xingamentos, bebidas derramadas e pedidos de outras. Eu geralmente passava às damas o dinheiro do táxi, mandava-as dar o fora e continuava bebendo sozinho. Duvido que usassem o dinheiro do táxi em táxis. Mas uma das coisas mais legais do Musso’s era que quando eu voltava, depois da trepada, geralmente me recebiam com sorrisos calorosos. Muito estranho.
De qualquer modo, eu me recostava no balcão do bar, e a Sala Nova estava cheia, a maioria turistas, que batiam papo, torciam o pescoço e emitiam raios da morte. Pedi um novo drinque e então me bateram no ombro.
– Chinaski, como vai você?
Virei-me e olhei. Jamais reconheci alguém. Podia encontrar uma pessoa na noite passada e não lembrar dela no dia seguinte. Se arrancassem minha mãe da cova, eu não saberia quem era ela.
– Estou bem – disse. – Posso te pagar uma bebida?
– Não, obrigado. Não nos conhecemos. Eu sou Harold Pheasant.
– Oh, sim. Jon me disse que você estava pensando em...
– É, quero financiar seu argumento. Li sua obra. Você tem um maravilhoso senso de diálogo. Li sua obra: muito cinematográfica.
– Tem certeza de que não quer um drinque?
– Não, preciso voltar pra minha mesa.
– Ah, é? Que tem feito ultimamente, Pheasant?
– Acabo de produzir um filme sobre a vida de Mack Derouac.
– É? Como se chama?
– A Canção do Coração.
Tomei um gole.
– Ei, espere um minuto! Você está brincando! Não vai chamar o filme de A Canção do Coração.
– Oh, sim, é assim que vai se chamar.
Ele sorria.
– Você não pode me enrolar, Pheasant. É mesmo um gozador! A Canção do Coração! Nossa!
– Não – ele disse. – Estou falando sério.
De repente deu as costas e foi-se embora...
Nesse momento Sarah voltava. Olhou para mim.
– De que está rindo?
– Me deixa pedir um drinque pra você que eu te conto.
Chamei o garçom e pedi um também para mim.
– Adivinha quem eu vi na Sala Velha – ela disse.
– Quem?
– Jonathan Winters.
– Ééé? Adivinha com quem conversei enquanto você estava lá.
– Uma de suas ex-putas.
– Não, não. Pior.
– Não tem nada pior que elas.
– Conversei com Harold Pheasant.
– O produtor?
– É, está ali naquela mesa do canto.
– Oh, estou vendo!
– Não, não olhe. Não acene. Beba seu drinque. Eu bebo o meu.
– Que diabos deu em você?
– Sabe, ele é o produtor que ia produzir o argumento que eu não escrevi.
– Eu sei.
– Quando você saiu ele veio conversar comigo.
– Já disse isso.
– Não aceitou nem um drinque.
– Então você fodeu tudo e não está nem bêbado.
– Espere. Ele queria falar de um filme que acaba de produzir.
– Como foi que você fodeu tudo?
– Eu não fodi nada. Ele fodeu.
– Claro. Conta pra mim.
Olhei no espelho. Gostava de mim mesmo, mas não no espelho. Não tinha aquela aparência. Acabei meu drinque.
– Acabe seu drinque – disse.
Ela acabou.
– Conta pra mim.
– É a segunda vez que você diz: “Conta pra mim”.
– Memória notável, e nem está bêbado ainda.
Fiz sinal para o garçom, tornei a pedir.
– Bem, Pheasant veio aqui e me falou do tal filme que produziu. É sobre um escritor que não sabia escrever mas ficou famoso porque parecia um peão de rodeio.
– Quem?
– Mack Derouac.
– E isso chateou você?
– Não, isso não importa. Estava ótimo, até ele me dizer o título do filme.
– Que era?
– Por favor, estou tentando varrer da minha cabeça. É absolutamente idiota.
– Diz pra mim.
– Tá legal...
O espelho ainda estava lá.
– Diz pra mim, diz pra mim, diz pra mim.
– Tudo bem: O Voo do Destroço Peludo.
– Eu gosto.
– Eu não gostei. E disse a ele. Ele se mandou. A gente perdeu o patrocinador.
– Você deve ir lá se desculpar.
– De jeito nenhum. Título horrendo.
– Você queria era que o filme fosse sobre você.
– É isso aí! Vou escrever um argumento sobre mim mesmo!
– Já tem o título?
– Já: Moscas no Destroço Peludo.
– Vamos sair daqui.
Com essa, saímos.
– Hollywood
Eu tinha onze anos e meus dois amigos, Hass e Morgan, tinham doze, e era verão, não tinha aula, e nos sentamos no gramado, ao sol, atrás da garagem do meu pai, fumando cigarros.
– Droga! – eu disse.
Eu estava sentado sob uma árvore. Morgan e Hass estavam sentados de costas para a garagem.
– O que foi? – perguntou Morgan.
– Temos que pegar aquele filho da puta – eu disse. – Ele é um problema na vizinhança!
– Quem? – perguntou Hass.
– O Simpson – eu disse.
– É mesmo – disse Hass –, ele tem sardas demais. Me irrita.
– Não é isso – eu disse.
– Não? – disse Morgan.
– Não. Aquele filho da puta disse que comeu uma garota debaixo da minha casa semana passada. É uma baita mentira! – eu disse.
– Sem dúvida! – disse Hass.
– Ele nem sabe trepar – disse Morgan.
– O que ele sabe é mentir – eu disse.
– Mentirosos não servem pra nada – Hass disse, soprando um arco de fumaça no ar.
– Eu não gosto de ouvir esse tipo de baboseira de um cara que tem sardas – disse Morgan.
– Bem, então talvez a gente tenha que pegar ele – sugeri.
– Por que não? – perguntou Hass.
– Vamos pegar ele – disse Morgan.
Cruzamos a calçada da casa de Simpson e lá estava ele, jogando bola contra a parede da garagem.
– Ei – eu disse –, olhem só quem está brincando sozinho!
Simpson pegou a bola num salto e se virou para nós.
– Olá, companheiros!
Nós o cercamos.
– Andou comendo alguma garota embaixo de alguma casa nesses últimos dias? – perguntou Morgan.
– Não!
– Como não?
– Ah, sei lá.
– Eu não acredito que você tenha comido alguém a não ser você mesmo! – eu disse.
– Eu vou entrar agora – disse Simpson. – Minha mãe me pediu para lavar a louça.
– Sua mãe mete a louça na buceta? – provocou Morgan.
Nós rimos. Chegamos mais perto de Simpson. De súbito, meti um soco na barriga dele. Ele se curvou para frente, segurando o estômago. Ficou desse jeito durante meio minuto, depois se endireitou.
– Meu pai vai chegar a qualquer momento – ele nos disse.
– Ah é? Seu pai também come menininhas debaixo das casas? – perguntei.
– Não.
Nós rimos.
Simpson não disse nada.
– Olhem pra essas sardas – disse Morgan. – Toda vez que ele come uma menininha embaixo de uma casa nasce uma sarda nova.
Simpson não disse nada. Parecia cada vez mais assustado.
– Eu tenho uma irmã – disse Hass. – Quem me garante que você não vai tentar comer a minha irmã embaixo de uma casa?
– Eu nunca faria isso, Hass, te dou a minha palavra!
– Ah é?
– Sim, de verdade!
– Bem, isso é pra você não mudar de ideia!
Hass meteu um soco na barriga de Simpson. Simpson se curvou de novo. Hass se abaixou, pegou um punhado de terra e enfiou na gola da camiseta de Simpson. Simpson se endireitou. Seus olhos estavam cheios de lágrimas. Um veadinho.
– Deixem eu ir, por favor!
– Ir pra onde? – perguntei. – Quer se esconder debaixo da saia da sua mãe para ver a louça sair da buceta dela?
– Você nunca comeu ninguém – disse Morgan –, você não tem nem pau! Você mija pelas orelhas!
– Se um dia eu pegar você olhando pra minha irmã – disse Hass –, vai levar uma surra tão grande que vai virar uma sarda gigante.
– Me deixem ir embora, por favor!
Senti vontade de deixar ele ir. Talvez ele não tivesse comido ninguém. Talvez só estivesse sonhando acordado. Mas eu era o jovem líder. Não podia mostrar compaixão.
– Você vem conosco, Simpson.
– Não!
– Não o caralho! Você vem conosco! Agora, anda!
Caminhei ao redor dele e lhe dei um chute na bunda, bem forte. Ele gritou.
– CALE A BOCA! – berrei. – CALE A BOCA OU VAI SER PIOR! AGORA ANDE!
Nós o conduzimos até a calçada, cruzamos o gramado até a calçada da minha casa e seguimos para o meu quintal.
– Agora se endireite! – eu disse. – Solte as mãos! Vamos organizar um tribunal improvisado!
Eu me virei para Morgan e Hass e perguntei:
– Todos aqueles que acham que este homem é culpado por mentir que comeu uma menininha debaixo da minha casa devem dizer “culpado”.
– Culpado – disse Hass.
– Culpado – disse Morgan.
– Culpado – eu disse.
Eu me virei para o prisioneiro.
– Simpson, você é considerado culpado!
As lágrimas agora escorriam de seus olhos.
– Mas eu não fiz nada – resmungou.
– É disso que você é culpado – disse Hass. – De mentir!
– Mas vocês mentem o tempo todo!
– Não sobre trepar – disse Morgan.
– É sobre isso que vocês mais mentem. Foi com vocês que eu aprendi!
– Sargento – eu me virei para Hass –, amordace o prisioneiro. Estou cansado de suas mentiras de merda!
– Sim, senhor!
Hass correu até o varal. Encontrou um lenço e um pano de prato. Seguramos Simpson, e ele enfiou o lenço em sua boca e amarrou o pano de prato por cima. Simpson emitiu um som abafado e mudou de cor.
– Você acha que ele consegue respirar? – perguntou Morgan.
– Ele pode respirar pelo nariz – eu disse.
– Pois é – concordou Hass.
– O que a gente vai fazer agora? – perguntou Morgan.
– O prisioneiro é culpado, não é? – perguntei.
– Sim.
– Bem, como juiz eu o sentencio a ser enforcado até a morte!
Simpson fez uns barulhos por baixo de sua mordaça. Seus olhos nos encaravam, implorando. Corri até a garagem e peguei a corda. Havia uma, cuidadosamente enrolada, pendurada num grande gancho na parede. Eu não fazia a menor ideia de por que meu pai tinha aquela corda. Até onde eu sabia, ele nunca a havia usado. Agora ela teria uma utilidade.
Saí da garagem levando a corda.
Simpson começou a correr. Hass estava bem atrás dele. Ele pulou em cima de Simpson e o derrubou no chão. Virou-lhe o corpo e começou a dar socos na cara dele. Eu corri até eles e bati forte com a ponta da corda no rosto de Hass. Ele parou com os socos. Olhou para mim.
– Seu filho da puta, eu vou te dar uma surra!
– Como juiz, meu veredicto foi que esse homem seria enforcado. E assim será! SOLTEM O PRISIONEIRO!
– Seu filho da puta, vou te dar uma surra daquelas!
– Primeiro, vamos enforcar o prisioneiro! Depois você e eu resolveremos nossas desavenças.
– Resolveremos mesmo – disse Hass.
– Levante-se, prisioneiro! – eu disse.
Hass se moveu rapidamente e Simpson se ergueu. Seu nariz estava sangrando e havia manchado a parte da frente de sua camiseta. Seu sangue era de um vermelho muito vivo. Mas Simpson parecia resignado. Não estava mais chorando. Seus olhos, porém, revelavam traços de pavor, algo terrível de se ver.
– Me dê um cigarro – eu disse para Morgan.
Ele pôs um na minha boca.
– Acenda – eu disse.
Morgan acendeu o cigarro e eu dei uma tragada, então, segurando o cigarro entre meus lábios, exalei a fumaça pelo nariz enquanto fazia um laço na ponta da corda.
– Levem o prisioneiro para a varanda! – ordenei.
Havia uma varanda nos fundos da casa. Sobre a varanda, havia uma saliência. Lancei a corda sobre uma trave, e então puxei o laço para baixo, em frente à cabeça de Simpson. Eu não queria mais ir adiante com aquilo. Achava que Simpson já havia sofrido o suficiente, mas eu era o líder e ia ter que brigar com Hass depois, assim não podia demonstrar nenhum sinal de fraqueza.
– Talvez a gente não devesse fazer isso – disse Morgan.
– O homem é culpado! – gritei.
– Isso mesmo! – gritou Hass. – Ele deve ser enforcado!
– Olhem, ele se mijou todo – disse Morgan.
De fato, havia uma mancha escura na parte da frente das calças de Simpson, e ela estava aumentando.
– Covarde – eu disse.
Coloquei o laço sobre a cabeça de Simpson. Dei um puxão na corda e levantei Simpson até a ponta dos seus pés. Então, peguei a outra ponta da corda e amarrei numa torneira no lado da casa. Dei um nó bem apertado na corda e gritei:
– Vamos dar o fora daqui!
Olhamos para Simpson, que se equilibrava na ponta dos pés. Ele estava girando um pouco, devagar, parecia já estar morto.
Comecei a correr. Morgan e Hass correram também. Corremos até a calçada e então Morgan e Hass foram embora, cada um para a sua casa. Dei-me conta de que eu não tinha para onde ir. Hass, eu pensei, ou você se esqueceu da briga ou não queria brigar.
Fiquei parado na calçada por alguns instantes, então corri de volta ao pátio. Simpson ainda estava girando. Um pouco, devagar. Tínhamos esquecido de amarrar suas mãos. Ele estava com as mãos erguidas, tentando aliviar a pressão em seu pescoço, mas não estava conseguindo. Corri até a torneira, desatei a corda e a soltei. Simpson bateu na varanda, depois tropeçou e caiu no gramado.
Ele estava de bruços. Virei seu corpo e tirei a mordaça. Ele estava mal. Tinha o aspecto de quem poderia morrer a qualquer momento. Me debrucei sobre ele.
– Ouça bem, seu filho da puta, não morra, eu não queria te matar, de verdade. Se você morrer, vai ser triste. Mas se não morrer e contar isso para alguém, aí você não me escapa. Entendeu?
Simpson não respondeu. Apenas me olhou. Ele estava péssimo. Seu rosto estava roxo e ele tinha marcas de corda no pescoço.
Eu me levantei. Olhei-o por alguns instantes. Ele não se movia. A coisa estava feia. Fiquei tonto. Depois me recompus. Respirei fundo e caminhei até a calçada. Era cerca de quatro da tarde. Comecei a caminhar. Caminhei até a avenida e segui caminhando. Eu estava pensativo. Sentia que minha vida tinha se acabado. Simpson sempre gostara de andar sozinho. Talvez fosse solitário. Nunca se misturava com a gente ou com os outros garotos. Ele era estranho nesse sentido. Talvez fosse isso o que nos incomodava nele. Mesmo assim, ele tinha algo de bom. Eu sentia que havia feito algo muito ruim e, ao mesmo tempo, sentia que não. Na maior parte do tempo eu tinha um sentimento vago, que se centrava no meu estômago. Caminhei e caminhei. Caminhei até a autoestrada e voltei. Meus sapatos machucavam muito meus pés. Meus pais sempre me compravam sapatos vagabundos. Pareciam bons por mais ou menos uma semana, então o couro rachava e as unhas começavam a atravessar a sola. Eu segui caminhando mesmo assim.
Quando voltei para casa já era quase noite. Caminhei vagarosamente pela calçada em direção ao quintal. Simpson não estava lá. Nem a corda. Talvez ele estivesse morto. Talvez ele estivesse em outro lugar. Olhei em volta.
Vi o rosto do meu pai pela porta de tela.
– Venha aqui – ele falou.
Subi as escadas da varanda e passei por ele.
– A sua mãe ainda não chegou. Melhor assim. Vá para o quarto. Quero ter uma conversinha com você.
Avancei até o quarto, sentei na cama e olhei para os meus sapatos vagabundos. Meu pai era um homem grande, mais de um metro e oitenta de altura. Ele tinha uma cabeça grande e olhos que pareciam pendurados sob suas sobrancelhas bagunçadas. Tinha lábios grossos e orelhas grandes. Era másculo sem precisar fazer esforço algum.
– Por onde você andava? – ele perguntou.
– Por aí, caminhando.
– Caminhando? Por quê?
– Gosto de caminhar.
– Desde quando?
– Desde hoje.
Fez-se um longo silêncio. Então ele falou de novo.
– O que aconteceu no nosso quintal hoje à tarde?
– Ele está morto?
– Quem?
– Eu disse pra ele não contar. Se ele contou, é porque não está morto.
– Não, ele não está morto. E os pais dele iam chamar a polícia. Tive que conversar um longo tempo com eles para convencê-los a não fazer isso. Se eles tivessem chamado a polícia, sua mãe teria ficado arrasada! Está entendendo?
Não respondi.
– Sua mãe teria ficado arrasada! Você entende isso?
Não respondi.
– Tive que pagar para que ficassem calados. E, além disso, vou ter que pagar as despesas médicas. Você vai levar a surra da sua vida! Eu vou te dar um corretivo! Não vou criar um filho incapaz de viver em sociedade!
Ele ficou de pé junto à porta, parado. Eu olhei para os seus olhos debaixo daquelas sobrancelhas, para aquele corpo enorme.
– Chame a polícia – eu disse. – Não quero você. Prefiro a polícia.
Ele se aproximou de mim devagar.
– A polícia não entende gente como você.
Levantei da cama e cerrei os pulsos.
– Vamos lá – eu disse –, vou lutar com você!
Com um rápido movimento ele estava em cima de mim. Foi como se um raio de luz me cegasse, uma pancada tão forte que nem cheguei a sentir. Eu estava no chão. Levantei-me.
– É melhor você me matar – eu disse –, porque, quando eu crescer, vou matar você!
A pancada que veio a seguir me arrastou para baixo da cama. Parecia um bom lugar para estar. Olhei para as molas. Eu nunca tinha visto nada mais agradável e maravilhoso que aquelas molas acima de mim. Então eu ri. Foi um riso apavorado, mas eu ri, e ri porque me veio o pensamento de que talvez o Simpson tivesse de fato comido uma garota debaixo da minha casa.
– De que diabos você está rindo? – gritou meu pai. – Você é mesmo o filho do Diabo, você não é meu filho!
Vi sua enorme mão tatear por baixo da cama, procurando por mim. Quando se aproximou, agarrei a sua mão com as minhas e a mordi com toda a força. Ouvi um gemido feroz e a mão se recolheu. Senti o gosto de sangue e carne em minha boca, cuspi fora. Então eu soube que, apesar de Simpson estar vivo, eu poderia estar morto dentro de poucos instantes.
– Muito bem – ouvi meu pai dizer em voz baixa –, agora você pediu e, por Deus, você vai levar.
Eu esperei. E, enquanto esperava, ouvia apenas alguns sons estranhos. Ouvia os pássaros, o som dos carros que passavam, ouvia até mesmo o som do meu coração batendo forte, o som do sangue correndo em minhas veias. Eu ouvia a respiração do meu pai, e me arrastei até a parte do meio da cama e esperei pelo que viria em seguida.
– Septuagenarian Stew

A quinta série era um pouco melhor. Os outros estudantes pareciam menos hostis, e eu crescia fisicamente. Ainda não era escolhido para os times da escola, mas já não sofria ameaças frequentes. David e seu violino tinham partido. Sua família se mudara. Agora eu caminhava sozinho para casa. Muitas vezes, um ou dois caras me seguiam, dentre os quais Juan era o pior, mas não chegavam a me fazer nada. Juan fumava cigarros. Caminhava atrás de mim fumando um cigarro e sempre tinha consigo um parceiro diferente. Jamais me seguia sozinho. Isso me assustava. Queria que eles sumissem. Contudo, por outro lado, eu não dava muita bola. Não gostava de Juan. Não gostava de ninguém naquela escola. Creio que eles sabiam disso. Devia ser por isso que não simpatizavam comigo. Não gostava do jeito que eles caminhavam, de sua aparência, do modo como falavam, mas também não gostava dessas coisas em meu pai e minha mãe. Continuava com a sensação de estar cercado por um grande espaço em branco, um vazio. Havia sempre uma sombra de náusea em meu estômago. Juan tinha a pele morena e usava uma corrente de metal em vez de cinto. As garotas tinham medo dele, assim como os rapazes. Ele e um dos seus capangas me seguiam quase todos os dias. Eu entrava em casa, e eles ficavam parados lá fora. Juan fumaria seu cigarro, bancando o durão, e seu parceiro ficaria ali parado. Eu os observava através das cortinas. Finalmente, depois de um tempo, eles acabavam partindo.
A sra. Fretag era nossa professora de Inglês. No primeiro dia de aula ela perguntou o nome de cada um de nós.
– Quero conhecer cada um de vocês – ela disse.
Sorriu.
– Bem, cada um de vocês tem um pai, estou certa. Penso que seria interessante se descobríssemos o que eles fazem para viver. Começaremos pelo primeiro da fila e iremos adiante, até que todos na sala tenham falado. E então, Marie, o que seu pai faz da vida?
– Ele é jardineiro.
– Ah, mas que legal! Carteira número dois... Andrew, o que seu pai faz?
Foi terrível. Os pais de todos os meus colegas das redondezas tinham perdido seus empregos. Meu pai havia perdido o emprego. O pai de Gene ficava o dia inteiro sentado na varanda. Todos estavam desempregados com exceção do pai de Chuck, que trabalhava num matadouro. Ele dirigia o carro que entregava as carnes, um carro vermelho com o nome do matadouro gravado nos lados.
– Meu pai é bombeiro – disse o número dois.
– Ah, isso é interessante – disse a sra. Fretag. – Carteira número três.
– Meu pai é advogado.
– Carteira quatro.
– Meu pai é... policial...
O que eu iria dizer? Talvez apenas os pais da minha vizinhança estivessem sem emprego. Tinha ouvido falar do crack da bolsa. Significava algo ruim. Talvez o mercado só tivesse entrado em colapso na nossa vizinhança.
– Carteira dezoito.
– Meu pai é ator de cinema...
– Dezenove...
– Meu pai toca violino em concertos...
– Vinte...
– Meu pai trabalha num circo...
– Vinte e um...
– Meu pai é motorista de ônibus...
– Vinte e dois...
– Meu pai é cantor de ópera...
– Vinte e três...
Vinte e três. Era eu.
– Meu pai é dentista – eu disse.
A sra Fretag prosseguiu até que chegou no número 33.
– Meu pai não tem emprego – disse o número 33.
Merda, pensei, queria ter pensado nisso.
Um dia, a sra. Fretag nos passou uma tarefa.
– Nosso ilustríssimo senhor presidente, Herbert Hoover, virá visitar Los Angeles no sábado e fará um discurso. Quero que todos vocês vão até lá ouvir o nosso presidente. E quero que escrevam um ensaio sobre a experiência e sobre o que vocês acharam do discurso do presidente Hoover.
Sábado? Não havia a mínima chance de que eu pudesse ir. Era dia de cortar a grama. Eu tinha que cuidar dos fiapinhos. (Eu nunca conseguia eliminá-los por completo.) Praticamente todos os sábados eu apanhava com o amolador de navalha porque meu pai encontrava um fiapo. (Também apanhava durante a semana, uma ou duas vezes, por outras coisas que eu deixava de fazer ou não fazia corretamente.) Não tinha como dizer a meu pai que eu iria assistir ao presidente Hoover.
Assim, não fui. No dia seguinte, peguei um jornal dominical e me sentei para escrever sobre a aparição do presidente. Seu carro aberto, abrindo caminho entre as bandeiras tremulantes, tinha entrado no estádio de futebol. Um carro, cheio de agentes do serviço secreto, lhe abria caminho, enquanto outros dois seguiam o carro presidencial de perto. Os agentes eram homens de coragem, armados para proteger nosso presidente. A multidão se levantou quando o carro presidencial entrou na arena. Nunca acontecera anteriormente nada parecido. Era o presidente. Era ele. Acenou. Nós aplaudimos. Uma banda começou a tocar. Gaivotas sobrevoavam em círculos, como se soubessem que se tratava do presidente. E havia ainda aviões que escreviam mensagens de fumaça no céu. Escreviam no ar frases como: “A prosperidade está logo ali na esquina”. O presidente se pôs de pé em seu carro, e, assim que ele fez esse movimento, as nuvens se afastaram e os raios de sol incidiram diretamente em seu rosto. Era quase como se Deus também soubesse quem ele era. Então os carros pararam, e nosso grande presidente, rodeado pelos agentes do serviço secreto, caminhou até o palanque. Ao se posicionar junto ao microfone, um pássaro desceu do céu e pousou sobre a bancada em que estava o microfone. O presidente acenou para o pássaro e riu e todos nós rimos com ele. Então ele começou a falar, e as pessoas passaram a ouvi-lo com atenção. Eu quase não conseguia ouvir o discurso porque estava sentado muito próximo a uma máquina de pipocas que fazia muito barulho estourando os grãos, mas creio ter escutado ele falar que os problemas na Manchúria não eram muito sérios e que aqui no país as coisas logo entrariam nos eixos, que não devíamos nos preocupar, tudo o que precisávamos fazer era acreditar na América. Haveria empregos para todo mundo. Haveria bastantes dentistas e dentes suficientes para arrancar, bastantes incêndios e bombeiros bastantes para apagá-los. As fábricas e as indústrias reabririam. Nossos amigos na África do Sul pagariam suas dívidas. Logo todos dormiríamos tranquilamente, com os estômagos cheios e os corações pacificados. Deus e nosso grande país nos envolveriam em seu amor, nos protegendo do mal, dos socialistas, nos despertando de nosso pesadelo nacional, para sempre...
O presidente ouviu os aplausos, acenou, então voltou para o carro, entrou e partiu seguido pelos carros apinhados de agentes do serviço secreto enquanto o sol mergulhava no horizonte e o entardecer se fazia noite, vermelho, dourado e maravilhoso. Havíamos visto e ouvido o presidente Herbert Hoover.
Entreguei meu ensaio na segunda-feira. Na terça, a sra. Fretag se dirigiu à classe:
– Li os ensaios de todos vocês sobre a visita do nosso ilustríssimo presidente a Los Angeles. Eu estava lá. Alguns de vocês, pelo que pude notar, não puderam comparecer ao evento por uma ou outra razão. Para aqueles entre vocês que não puderam estar lá, gostaria de ler o ensaio escrito por Henry Chinaski.
Um terrível silêncio se abateu sobre a turma. Eu era de longe o aluno mais impopular da classe. Era como se todos eles tivessem levado uma facada no coração.
– Este é um texto muito criativo – disse a sra. Fretag e começou a ler meu ensaio.
As palavras me soavam bem. Todos escutavam. Minhas palavras enchiam a sala, corriam de um lado a outro pelo quadro-negro, ricocheteavam no teto e cobriam os sapatos da sra. Fretag, se amontoando no chão. Algumas das garotas mais lindas da classe começaram a me lançar olhares furtivos. Os caras durões estavam putos da cara. Seus ensaios não valiam merda nenhuma. Eu bebia de minhas próprias palavras como se fosse um homem sedento. Comecei, inclusive, a acreditar que elas representassem a verdade. Vi Juan sentado ali como se eu lhe tivesse esmurrado a cara. Estiquei minhas pernas e me recostei na cadeira. Logo, porém, estava tudo terminado.
– Com essa grande redação – disse a sra. Fretag –, encerro a aula...
Todos se levantaram e começaram a guardar seus materiais.
– Você não, Henry.
Sentei-me na cadeira, e a sra. Fretag ficou ali, me encarando. Então disse:
– Henry, você estava lá?
Tentei encontrar uma resposta. Nada me ocorreu. Eu disse:
– Não, eu não estava lá.
Ela sorriu.
– Isso faz com que seu ensaio seja ainda mais notável.
– Sim, madame...
– Você já pode ir, Henry.
Levantei-me e deixei a sala. Fui para casa. Então era isso que eles queriam: mentiras. Mentiras maravilhosas. Era disso que precisavam. As pessoas eram idiotas. Seria fácil para mim. Olhei em volta. Juan e seu comparsa não estavam me seguindo. As coisas estavam melhorando.
– Misto-quente
Ah, se eu soubesse lhe dizer o que eu sonhei ontem à noite
Você ia querer me dizer o seu sonho também
E o que é que eu tenho a ver com isso ?

Ah, se eu soubesse lhe dizer o que eu vi ontem à noite
Você ia querer ver mas não ia acreditar
E o que é que eu tenho a ver com isso ?

Filósofos suicidas
Agricultores famintos
Desaparecendo
Embaixo dos arquivos

Ah, se eu soubesse lhe dizer qual é a sua tribo
Também saberia qual é a minha
Mas você também não sabe
E o que é que eu tenho a ver com isso ?

Ah, se eu soubesse lhe dizer
O que fazer prá todo mundo ficar junto
Todo mundo já estava há muito tempo
E o que é que eu tenho a ver com isso ?

Sou brasileiro errado
Vivendo em separado
Contando os vencidos
De todos os lados

Brock, o chefe de seção, estava sempre escarafunchando o cu com os dedos, usando a mão esquerda. Sofre de um caso grave de hemorroidas.
Tom percebeu isso ao longo do dia de trabalho.
Brock estivera na sua cola por meses. Aqueles olhos redondos e sem vida pareciam estar sempre à espreita de Tom. E então Tom acabou notando a mão esquerda, enfiada no cu, escarafunchando.
E Brock estava realmente na sua cola.
Tom executava seu trabalho tão bem quanto os outros. Talvez não mostrasse exatamente o mesmo entusiasmo dos demais, mas cumpria com suas obrigações.
Ainda assim, Brock não deixava de persegui-lo, fazendo comentários, despejando sugestões inúteis.
Brock era parente do dono da loja e um posto lhe fora arranjado: chefe de seção.
Naquele dia, Tom terminava de acondicionar o dispositivo de luz num pacote oblongo de um metro de comprimento e o depositou na pilha que estava atrás da sua mesa de trabalho. Voltou-se para pegar um novo conjunto da linha de montagem.
Brock estava parado à sua frente.
– Quero falar com você, Tom...
Brock era alto e magro. Seu corpo se inclinava para frente a partir da cintura. A cabeça estava sempre curvada, como se pendurada em seu pescoço longo e esguio. A boca ficava sempre aberta. Seu nariz era bastante proeminente com narinas muito grandes. Os pés eram grandes e desajeitados. As calças ficavam frouxas em seu corpo magricelo.
– Tom, você não está fazendo seu trabalho.
– Estou mantendo a média de produção. Do que você está falando?
– Não acho que você esteja empacotando direito. É preciso usar mais fita. Tivemos alguns problemas com quebra de materiais e estamos querendo resolver.
– Por que vocês não colocam as iniciais de cada empacotador nas caixas? Assim, se houver algum estrago por causa de mau acondicionamento, vocês podem rastrear o culpado.
– Quem deve pensar por aqui sou eu, Tom. Esse é o meu trabalho.
– Claro.
– Venha cá. Quero que você observe como o Roosevelt faz os pacotes.
Foram até a mesa de Roosevelt.
Roosevelt estava no trabalho havia treze anos.
Ficaram observando Roosevelt embalar os dispositivos de luz.
– Vê como ele faz? – perguntou Brock.
– Bem, sim...
– O que eu quero dizer é o seguinte: veja como ele faz o empacotamento... ele ergue e deixa cair lá dentro... é como tocar piano.
– Mas desse jeito ele não está protegendo o dispositivo...
– Claro que está. Ele o está acomodando, não consegue ver?
Tom discretamente inspirou e expirou.
– Tudo bem, Brock, está bem acomodado...
– Faça como ele...
Brock deu uma circulada na mão esquerda e a cravou lá dentro.
– A propósito, sua linha de montagem está atrasada...
– Claro. Você estava falando comigo.
– Isso é problema seu. Vai ter que recuperar agora.
Brock enfiou mais uma vez os dedos e depois se afastou.
Roosevelt ria em silêncio.
– Acomode, filho da puta!
Tom riu.
– Quanta merda será que um cara tem que aguentar apenas pra se manter vivo?
– Muita – veio a resposta –, e nunca para...
Tom voltou para sua mesa e conseguiu recuperar o prejuízo. E quando Brock olhava para ele, empacotava com a técnica da “acomodação”. E Brock sempre parecia estar de olho nele.
Por fim, chegou a hora do almoço, trinta minutos de intervalo. Mas para muitos dos trabalhadores a hora do almoço não significa fazer uma refeição, mas sim descer até a Vila e entornar garrafas e mais garrafas de cerveja, preparando-se para enfrentar o turno da tarde.
Alguns dos caras as misturavam com anfetaminas. Outros, com barbitúricos. Muitos com anfetaminas e barbitúricos, levando tudo goela abaixo com uma cerveja.
Do lado de fora da fábrica, no estacionamento, havia mais gente, sentada no interior de carros velhos, reunida em grupos diferentes. Os mexicanos ficavam num, e os negros, noutro, e às vezes, ao contrário do que acontecia nos presídios, eles se misturavam. Não havia muitos brancos, apenas alguns sulistas, sempre silenciosos. Mas Tom gostava de toda a rapaziada.
O único problema no lugar era o Brock.
Durante aquele almoço, Tom estava em seu carro com Ramon.
Ramon abriu a mão e lhe mostrou um enorme comprimido amarelo. Parecia uma bala quebra-queixo.
– Ei, cara, experimente isso. Você vai ficar totalmente na paz. Quatro ou cinco horas parecem cinco minutos. E você vai se sentir FORTE, nada fará você cansar...
– Obrigado, Ramon, mas eu já estou na maior merda.
– Mas isso aqui é justamente pra tirar você da merda, não sacou?
Tom não respondeu.
– Beleza – disse Ramon –, eu já tinha tomado o meu, mas fico com o seu também!
Colocou o comprimido na boca, ergueu a garrafa de cerveja e tomou um bom gole. Tom ficou olhando aquele comprimido gigantesco, dava para vê-lo descer pela garganta de Ramon. Até que enfim foi engolido.
Ramon se virou devagar na direção de Tom e sorriu:
– Veja, a porra do negócio nem chegou no meu estômago e já estou me sentindo melhor!
Tom riu.
Ramon tomou mais um gole de cerveja, depois acendeu um cigarro. Para um homem que supostamente estava se sentindo tão bem ele parecia sério demais.
– Sabe, cara, sou um homem de merda... não posso nem dizer que sou homem... Olha só, na noite passada tentei comer a minha esposa... Ela engordou uns vinte quilos este ano... Preciso me embebedar pra conseguir... Bombei e bombei, cara, e nada... O pior de tudo, fiquei com pena dela... Disse que era por causa do trabalho. E era por causa do trabalho, mas também não era. Ela se levantou e ligou a tevê...
Ramon continuou:
– Cara, tudo mudou. Há um ou dois anos atrás, tudo era divertido entre a gente, interessante, eu e a minha esposa... Ríamos de qualquer coisa... Agora não há mais nada disso... O que a gente tinha se perdeu, não sei onde foi parar...
– Sei como é isso, Ramon...
Ramon se endireitou com rapidez, como se recebesse uma mensagem:
– Merda, cara, está na nossa hora!
– Vamos lá!
Tom retornava da linha de montagem com um dispositivo e Brock o esperava. Brock disse:
– Tudo bem, deixe isso aí. Venha comigo.
Seguiram até a linha de montagem.
E lá estava Ramon com seu pequeno avental marrom e seu bigodinho.
– Fique à esquerda dele – disse Brock.
Brock ergueu a mão e a maquinaria começou a funcionar. A esteira movia os dispositivos de um metro em direção a eles num ritmo firme mas previsível.
Ramon tinha esse enorme rolo de papel à sua frente, uma bobina aparentemente interminável de pesado papel marrom. Surgiu o primeiro dispositivo de luz vindo da linha de montagem. Ele rasgou um pedaço de papel, abriu-o sobre a mesa, e em seguida colocou o dispositivo de luz sobre ele. Dobrou o papel ao meio, prendendo-o com durex. Depois dobrou as pontas em triângulo, primeiro a esquerda, depois a direita, e então o dispositivo seguiu na direção de Tom.
Tom cortou um pedaço de fita adesiva e a fez deslizar com cuidado sobre o topo do dispositivo, onde o papel deveria ser selado. Então, com pedaços menores, terminou de fixar a dobra da esquerda e depois a da direita. Depois ergueu o pesado dispositivo, deu meia-volta, seguiu por um corredor e colocou-o direitinho num suporte de parede, onde aguardaria por um dos empacotadores. Por fim retornou à mesa em que outro dispositivo já vinha em sua direção.
Era o pior trabalho em toda a fábrica e todo mundo sabia disso.
– Agora você vai trabalhar com o Ramon, Tom...
Brock se afastou. Não havia necessidade alguma de vigiá-lo: se Tom não executasse a função com propriedade, a linha de montagem inteira pararia.
Ninguém aguentava muito tempo como o segundo de Ramon.
– Sabia que você ia precisar do amarelão – disse Ramon com um sorriso.
Os dispositivos se moviam sem parar na direção deles. Tom cortava metros e mais metros de fita durex da máquina à sua frente. Era uma fita reluzente, grossa e pegajosa. Esforçava-se ao máximo para manter o acelerado ritmo de trabalho, mas, para acompanhar Ramon, algumas precauções tinham de ser eliminadas: a ponta cortante da máquina de durex acabava por provocar, ocasionalmente, cortes longos e profundos em suas mãos. Os cortes eram quase invisíveis e quase nunca sangravam, mas, ao olhar para seus dedos e suas palmas, podia ver as linhas brilhantes e vermelhas na pele. Não havia nenhuma pausa. Os dispositivos pareciam se mover cada vez mais rápido e a cada momento se tornavam mais e mais pesados.
– Caralho – disse Tom –, vou ter que desistir. Acho que até dormir no banco da praça é melhor.
– Claro – disse Ramon –, claro, qualquer coisa é melhor do que essa merda...
Ramon trabalhava com um sorriso fixo e insano no rosto, negando a impossibilidade daquilo tudo. E então a maquinaria parou, como ocorria de vez em quando.
Que dádiva dos deuses foi aquilo!
Alguma parte havia enguiçado, superaquecido. Sem esses colapsos das máquinas, muitos dos trabalhadores não aguentariam. Durante essas pausas de dois ou três minutos, eles conseguiam reorganizar seus sentidos e suas almas. Quase.
Os mecânicos lutavam com energia para encontrar a causa da falha.
Tom espichou os olhos para as garotas mexicanas que trabalhavam na linha de montagem. Para ele, elas eram todas lindas. Desperdiçavam o seu tempo, entregavam-se a uma vida tola e marcada pela rotina do trabalho, mas ainda assim mantinham alguma coisa em si, alguma coisa não identificável. Boa parte delas usava pequenas fitas nos cabelos: azuis, amarelas, verdes, vermelhas... E faziam piadas entre si e riam o tempo todo. Mostravam uma coragem enorme. Seus olhos conheciam alguma coisa da vida.
Mas os mecânicos eram bons, muito bons, e a maquinaria já voltava a funcionar. Os dispositivos de luz se moviam outra vez na direção de Tom e Ramon. Todos estavam de novo a soldo da Companhia Sunray.
E depois de certo tempo, Tom ficou tão cansado que há muito já não se poderia mais chamar cansaço o que sentia, era como estar bêbado, era como estar enlouquecendo, era como estar bêbado e louco de uma só vez.
Ao aplicar mais um pedaço de durex em um dispositivo de luz, ele gritou:
– SUNRAY!
Talvez tivesse sido o tom, talvez o momento do grito. Seja como for, todos começaram a rir, as mexicanas, os empacotadores, os mecânicos, mesmo o velho que se ocupava de lubrificar e conferir a maquinaria, todos riam. Loucura total.
Brock se aproximou.
– O que está acontecendo? – perguntou.
Ele ficou em silêncio.
Os dispositivos surgiam e partiam; os trabalhadores permaneciam.
Então, de alguma maneira, como despertar de um pesadelo, o dia terminou. Foram até o painel apanhar seus cartões, esperaram na fila para bater o relógio-ponto.
Tom bateu o ponto, colocou o cartão de volta no painel e seguiu na direção do seu carro. Deu a partida e ganhou a rua, pensando: “Espero que ninguém se atravesse no meu caminho, estou tão fraco que acho que não conseguiria nem pisar no freio”.
Tom dirigia com a gasolina no vermelho. Estava cansado demais para parar num posto de gasolina.
Deu um jeito de estacionar, chegou até a porta, abriu-a e entrou.
A primeira coisa que viu foi Helena, sua esposa. Vestia uma camisola suja e frouxa, estirada no sofá, a cabeça sobre um travesseiro. Sua boca estava aberta, ela roncava. Tinha uma boca bastante redonda, e seu ronco era uma mistura de cuspida e engasgo, como se não pudesse se decidir entre cuspir o que lhe restava de vida ou engoli-la.
Era uma mulher infeliz. Sentia que sua vida era incompleta.
Uma garrafa de meio litro de gim estava sobre a mesa de centro. Três quartos tinham sido consumidos.
Os dois filhos de Tom, Rob e Bob, de cinco e sete anos, batiam uma bolinha de tênis contra a parede. Era a parede do lado sul da casa, a que não tinha nenhum móvel. A parede uma vez fora branca, mas agora trazia as marcas da sujeira das infinitas rebatidas das bolinhas de tênis.
Os garotos não prestaram nenhuma atenção à chegada do pai. Haviam parado de jogar a bolinha contra a parede. Discutiam agora.
– EU ELIMINEI VOCÊ!
– NÃO, TEM QUE SER QUATRO BOLAS!
– TRÊS JÁ ESTÁ FORA!
– QUATRO!
– Ei, só um pouquinho – interveio Tom –, posso perguntar uma coisa pra vocês?
Os dois pararam e o encararam, quase ofendidos.
– É isso aí – disse Bob por fim. Ele era o garoto de sete anos.
– Como vocês conseguem jogar basebol batendo uma bolinha de tênis contra a parede?
Olharam para Tom, mas logo o ignoraram.
– TRÊS ESTÁ FORA!
– NÃO, SÓ NA BOLA QUATRO!
Tom seguiu até a cozinha. Havia uma panela branca no fogão. Uma fumaça negra se erguia de seu interior. Tom ergueu a tampa. O fundo estava enegrecido, com batatas, cenouras e pedaços de carne, tudo queimado. Tom fechou a panela e desligou o fogo.
Avançou até a geladeira. Havia uma latinha de cerveja ali. Pegou e abriu, tomou um gole.
O som da bolinha de tênis contra a parede recomeçou.
Em seguida um outro som: Helena. Ela havia trombado em alguma coisa. E agora estava ali, de pé na cozinha. Na mão direita segurava a garrafinha de gim.
– Você deve estar puto, não é?
– Só queria que você desse comida para as crianças...
– Você me deixa a porra de 3 dólares por dia. O que vou fazer com a porra de 3 dólares?
– Podia ao menos comprar papel higiênico. Toda vez que quero limpar a bunda, olho em volta e só tem um rolo vazio ali.
– Ei, uma mulher também tem os seus problemas! COMO VOCÊ ACHA QUE EU VIVO? Todo dia você sai pro mundo, você sai e vê como a vida é lá fora! Eu tenho que ficar sentada aqui! Não sabe o que é isso um dia depois do outro.
– Pois é, tem isso...
Helena tomou um gole de gim.
– Você sabe que eu te amo, Tommy, e que quando você está infeliz isso me machuca, machuca de verdade, aqui no peito.
– Tudo bem, Helena, vamos nos sentar aqui e manter a calma.
Tom foi até a mesa da cozinha e se sentou. Helena trouxe a garrafa consigo e ocupou um lugar na frente dele. Olhou-o.
– Por Deus, o que houve com as suas mãos?
– Trabalho novo. Tenho que descobrir uma maneira de proteger minhas mãos... Uma fita adesiva, luvas de borracha... alguma coisa...
Havia terminado sua latinha.
– Escute, Helena, tem mais desse gim por aí?
– Sim, acho que sim...
Observou-a seguir na direção do guarda-louça, esticar o braço e apanhar uma garrafa das de meio litro. Colocou-a sobre a mesa e se sentou. Tom retirou o lacre e a tampa.
– Quantas dessas você tem por aí?
– Algumas...
– Bom. Como se bebe esse negócio? Puro?
– É...
Tom tomou um bom gole. Depois olhou para as mãos, abrindo e fechando as duas, observando as feridas vermelhas que se expandiam e se contraíam. Eram fascinantes.
Pegou a garrafa, despejou um pouco de gim sobre uma das palmas e em seguida esfregou uma mão na outra.
– Ai! Essa porra arde!
Helena tomou outro gole de sua garrafa.
– Tom, por que você não arranja outro trabalho?
– Outro trabalho? Onde? Tem uns cem caras querendo o meu...
Então Rob e Bob entraram correndo. Detiveram-se junto à mesa.
– Ei – disse Bob –, quando a gente vai comer?
Tom olhou para Helena.
– Acho que tenho algumas salsichas – ela disse.
– Salsichas de novo? – perguntou Rob. – Salsichas de novo? Odeio essas salsichas!
Tom olhou para o filho.
– Ei, camarada, pega leve...
– Bem – disse Bob –, então que tal um gole dessa bebidinha de merda aí?
– Seu miserável! – gritou Helena.
Estendeu o braço e mandou um tapa, forte, de mão aberta, na orelha de Bob.
– Não bata nas crianças, Helena – disse Tom –, já tive o bastante disso quando era pequeno.
– Não me diga como educar os meus filhos!
– São meus também...
Bob estava ali de pé, parado. Sua orelha estava muito vermelha.
– Então você quer uma bebidinha, não é? – perguntou Tom.
Bob não respondeu.
– Venha cá – disse Tom.
Bob se aproximou de seu pai. Tom lhe estendeu a garrafa.
– Vamos lá, beba. Beba a porra da sua bebida.
– Tom, o que você está fazendo? – perguntou Helena.
– Vamos lá... beba – disse Tom.
Bob ergueu a garrafa de meio litro, tomou um gole. Devolveu-a e ficou ali parado. De repente começou a empalidecer, até mesmo sua orelha vermelha começou a ficar branca. Tossiu.
– Esse negócio é HORRÍVEL! É como beber perfume! Por que vocês bebem isso.
– Porque a gente é idiota. Porque vocês têm uns pais idiotas. Agora vá para o quarto e leve o seu irmão junto com você...
– A gente pode ver tevê lá? – perguntou Rob.
– Tudo bem, mas andem duma vez...
Os dois saíram.
– Só o que falta você transformar os meus filhos em bêbados! – disse Helena.
– Espero apenas que eles tenham mais sorte do que a gente na vida.
Helena tomou um gole de sua garrafa. Secou-a.
Ela se levantou, tirou a panela queimada do fogo e jogou a comida no lixo.
– Pra que fazer tanto barulho? Quem precisa dessa barulheira toda! – disse Tom.
Helena parecia chorar.
– Tom, o que a gente vai fazer?
Ligou a água quente e despejou na panela.
– Fazer? – perguntou Tom. – Do que você está falando?
– Desse nosso modo de vida!
– Não há muito que a gente possa fazer.
Helena raspou a comida grudada e despejou um pouco de sabão na panela, depois foi até o guarda-louça e sacou mais uma garrafa de meio litro de gim. Contornou a mesa e se sentou de frente para Tom, abrindo a garrafa.
– É preciso deixar a panela de molho por um tempo... Depois eu ponho as salsichas...
Tom bebia da sua garrafa, deixando a bebida assentar.
– Amor, você é uma bebum, uma gambá.
As lágrimas ainda estavam lá.
– Ah, sim, bem, quem você acha que me deixou assim? UMA CHANCE!
– Essa é fácil – respondeu Tom –, duas pessoas: você e eu.
Helena tomou o primeiro gole da nova garrafa. Com isso, de imediato, as lágrimas desapareceram. Riu de mansinho.
– Ei, tive uma ideia! Posso conseguir emprego como garçonete ou algo assim... Aí você poderia descansar um pouco, sabe... O que você acha?
Tom estendeu sua mão por sobre a mesa e tomou uma das mãos de Helena.
– Você é uma boa garota, mas vamos deixar tudo como está.
Então as lágrimas voltaram a brotar. Helena era boa com as lágrimas, principalmente quando bebia gim.
– Tommy, você ainda me ama?
– Claro, baby, você é maravilhosa quando está bem.
– Eu também te amo, Tom, você sabe disso...
– Claro, baby, o mesmo aqui!
Tom ergueu sua garrafa. Helena a dela.
Brindaram com as garrafas de gim em pleno ar, então cada um bebeu da sua.
No quarto, Rob e Bob mantinham o rádio ligado, a todo volume. Havia uma claque no programa e as pessoas da claque não paravam de gargalhar. Gargalhavam e gargalhavam e gargalhavam
e gargalhavam.
– Septuagenarian Stew

Miami foi o lugar mais distante ao qual conseguir chegar sem deixar o país. Levei Henry Miller comigo e tentei lê-lo ao longo do percurso. Ele era bom quando era bom, e vice-versa. Tomei uma garrafa de uísque. Depois outra e ainda outra. A viagem levou quatro dias e cinco noites. Fora uns amassos com uma jovem morena cujos pais não podiam mais lhe pagar a faculdade, nada de mais ocorreu. Ela deixou o ônibus no meio da noite em uma parte particularmente estéril e fria do país e desapareceu. Eu sempre tive insônia na estrada, e o único modo de dormir em um ônibus era enchendo completamente a cara. Mas não me arriscava a fazer isso. Quando chegamos ao destino, eu mal havia dormido ou cagado por cinco dias e mal conseguia caminhar. Era cedo da noite. A sensação de estar novamente caminhando pelas ruas era deliciosa.
QUARTOS PARA ALUGAR. Aproximei-me e toquei a campainha. Nessas circunstâncias, a atitude mais sábia era deixar a mala fora do alcance da visão da pessoa que abrisse a porta.
– Procuro um quarto. Quanto custa?
– US$ 6,50 por semana.
– Posso dar uma olhada?
– Claro.
Entrei e a segui pela escada. Devia ter uns 45, mas sua bunda balançava de um modo legal. Sempre que seguia essas mulheres escada acima, como agora, eu pensava que, se uma dessas senhoras se oferecesse para tomar conta de mim, oferecendo-me refeições quentes e roupas limpas para vestir, eu aceitaria.
Ela abriu a porta, e eu dei uma olhada no interior.
– Tudo bem – eu disse –, parece um bom lugar.
– Você tem emprego?
– Mais ou menos.
– Posso perguntar o que você faz?
– Sou escritor.
– Oh, você já escreveu livros?
– Oh, ainda não estou pronto pra escrever um romance. Por enquanto escrevo artigos, alguma coisa para revistas. Os textos não são grande coisa, mas estou melhorando.
– Tudo bem. Vou lhe dar uma chave e fazer um recibo.
Seguia-a novamente pela escada. O rabo não se movimentava com a mesma beleza descendo os degraus. Olhei sua nuca e me imaginei a beijá-la atrás das orelhas.
– Sou a sra. Adams – ela disse. – E você?
– Henry Chinaski.
Enquanto ela preenchia o recibo, eu escutava uns sons que lembravam o de uma madeira sendo serrada, vindos detrás de uma porta que ficava à nossa esquerda. O som de serragem era pontuado pelo ofegar de uma respiração penosa. Cada tomada de ar parecia ser a última, ainda que logo fosse sucedida por outra mais dolorosa.
– Meu marido está doente – disse a sra. Adams ao me passar o recibo e a chave. Sorriu. Seus olhos brilhantes tinham uma adorável cor de avelã. Dei meia-volta e segui pela escada.
Quando entrei no meu quarto, lembrei que havia deixado minha mala lá embaixo. Fui buscá-la. Ao passar pela porta da sra. Adams, os ofegos estavam muito mais altos. Levei minha mala escada acima, lancei-a sobre a cama, voltei a descer e ganhei a noite. Encontrei uma espécie de bulevar principal seguindo um pouco para o norte, entrei em uma mercearia e comprei um pote de manteiga de amendoim e um pão de sanduíche. Tinha uma faquinha de bolso e poderia assim espalhar a manteiga no pão e ter algo para comer.
Quando retornei à pensão, parei no saguão e fiquei com os ouvidos no sr. Adams, pensando, eis a Morte. Fui para o meu quarto, abri o pote de manteiga de amendoim e, enquanto escutava os sons do moribundo que vinham do térreo, mergulhei meus dedos fundo no vidro. Comi a pasta direto dos dedos. Estava uma delícia. Então abri o pão. Estava verde e úmido, exalando um cheiro azedo e forte. Como podiam vender um pão nesse estado? Que tipo de lugar era a Flórida? Joguei o pão no chão, tirei a roupa, apaguei as luzes, puxei as cobertas e me deitei no escuro, escutando.
Encontrei um emprego nos classificados do jornal. Fui contratado por uma loja de roupas, mas não em Miami, e sim em Miami Beach, e a cada manhã eu tinha que enfrentar uma travessia aquática junto com a minha ressaca. O ônibus corria por uma faixa muito estreita de cimento e ficava junto à água sem qualquer forma de guard-rail, nenhuma proteção. Só havia a pista. O motorista se recostava, e nós seguíamos sobre essa faixa estreita de cimento completamente cercada pela água, e todos a bordo, as vinte e cinco ou trinta pessoas, confiavam nele, mas eu jamais. Às vezes, era um motorista novo, e eu pensava, como eles selecionam esses filhos da puta? Havia água profunda nos dois lados, e um erro de julgamento mataria a todos nós. Isso era ridículo. Suponha que ele tenha brigado com sua mulher naquela manhã? Ou que tenha câncer? Ou que tenha visões de Deus? Um dente podre? Qualquer coisa. Seria o suficiente para ele. Lá estaríamos nós no fundo do mar. Sei que, se eu estivesse dirigindo, consideraria a possibilidade ou o desejo de afogar todo mundo. E algumas vezes, depois de ter feito essas consideração, a possibilidade passaria à ação. Para cada Joana d’Arc há um Hitler suspenso do outro lado da balança. A velha história do bem e do mal. Mas nenhum dos motoristas jamais nos lançou no mar. Por suas cabeças não passava mais do que prestações do carro, resultados do beisebol, cortes de cabelo, férias, enemas, visitas familiares. Não havia um homem de verdade entre toda aquela merda. Eu sempre chegava enjoado no trabalho, ainda que em segurança. O que demonstra porque Schumann é melhor termo de comparação que Shostakovich...
Fui contratado para o que eles chamavam de bola extra. O bola extra era o cara que fazia de tudo sem ter, ao mesmo tempo, nenhuma atividade específica. Ele devia saber o que fazer após consultar uma espécie profunda e infalível de sexto sentido. Instintivamente, esse cara devia saber como manter as coisas funcionando de modo natural, o que era melhor para a empresa, a Mãe de todos, e suprir-lhe todas as pequenas necessidades que eram irracionais, contínuas e insignificantes.
Um bom bola extra não tem face nem sexo e deve estar disposto a se sacrificar pela causa. Está sempre esperando junto à porta, antes mesmo do primeiro homem chegar. Logo deve lavar a calçada, cumprimentando cada pessoa pelo nome à medida que elas chegam, sempre trazendo no rosto um sorriso brilhante e encorajador. Reverente. Isso fará com que todos se sintam melhores antes que as engrenagens do moedor comecem a funcionar. Ele verifica se os papéis higiênicos estão em ordem, principalmente no banheiro feminino. Os cestos nunca devem estar cheios. As janelas não podem estar encardidas. Os pequenos reparos são prontamente feitos em mesas e cadeiras. Nada de portas que não abram facilmente. Os relógios sempre ajustados. Nenhum tapete enrugado. Jamais deixar uma mulher bem-alimentada e forte ficar sobrecarregada por um pacotinho qualquer.
Eu não era muito bom nisso. Minha ideia era vagar por aí sem fazer nada, evitando sempre cruzar com o chefe, além dos puxa-sacos que poderiam me denunciar. Eu não era tão esperto assim. Agia mais por instinto do que qualquer outra coisa. Sempre iniciava um trabalho com a sensação de que, assim que eu o terminasse, seria demitido, e isso me deu um ar tranquilo, que era facilmente confundido com inteligência ou algum poder secreto.
Era um comércio de roupas autossuficiente e autoabastecido, combinando fábrica e venda no atacado. O mostruário, os produtos finalizados e os vendedores ficavam todos no primeiro andar, enquanto a fábrica funcionava no segundo. A fábrica era um labirinto de passarelas e passagens que nem mesmo os ratos conseguiam vencer, longas e estreitas galerias onde homens e mulheres trabalhavam sob lâmpadas de trinta watts, inclinados, movendo os pedais, costurando, sem jamais erguer os olhos ou trocar uma palavra, curvos e calados, trabalhando incessantemente.
Certa vez, em um de meus empregos em Nova York, eu tinha trabalhado transportando tecido para fábricas como essa. Eu seguia com o caminhão por uma rua congestionada, vencendo o tráfego, e então entrava em uma ruela atrás de um prédio encardido. Havia um elevador escuro, e eu tinha que puxar umas cordas por umas roldanas de madeira. Uma das cordas era para subir, a outra para descer. Não havia luz e, enquanto o elevador subia lentamente, eu ficava de olho nos números brancos sobre a parede nua, números que brotavam da escuridão – 3, 7, 9, rabiscados a giz por uma mão esquecida. Chegava ao meu andar, puxava outra corda com meus dedos e, usando toda a minha força, abria com esforço e devagar uma velha e pesada porta de metal, revelando filas e mais filas de velhas senhoras judias sentadas às suas máquinas, trabalhando nas pilhas de tecidos. A costureira número 1 na máquina 1, inclinada, cuidando do seu espaço. A garota número 2 na máquina 2, pronta para substituí-la se fosse necessário. Elas jamais erguiam os olhos ou tomavam consciência de minha presença.
Nessa mistura de fábrica e comércio em Miami Beach, não havia necessidade de entregas. Tudo estava à mão. No meu primeiro dia, andei entre o labirinto de máquinas de costura olhando para as pessoas. Diferentemente de Nova York, a maioria dos trabalhadores era formada de negros. Aproximei-me de um negro, bem pequeno – quase anão –, que tinha um rosto mais agradável que os outros. Ele fazia algum trabalho de acabamento, com uma agulha. Eu tinha uma garrafinha no bolso.
– Seu trabalho é de matar. Vai um trago?
– Claro – ele disse.
Tomou um bom gole. Então devolveu a garrafa. Ofereceu-me um cigarro.
– Você é novo na cidade.
– Sim.
– De onde veio?
– Los Angeles.
– Um astro de cinema.
– Sim, de férias.
– Não devia estar falando com um costureiro.
– Eu sei.
Ele ficou em silêncio. Parecia um pequeno macaquinho, um macaco velho e gracioso. Para os caras do andar debaixo, ele era realmente um macaco. Tomei um gole. Sentia-me bem. Observava-os trabalhar, todos quietos sob suas lâmpadas de trinta watts, suas mãos movendo-se delicadas e habilidosas.
– Me chamo Henry – eu disse.
– Brad – ele respondeu.
– Escute, Brad, fico muito, mas muito deprimido vendo vocês trabalharem. Que tal se eu cantar uma música pra vocês?
– Não.
– Esse seu trabalho aqui é pavoroso. Por que você segue com isso?
– Porra, não tenho escolha.
– O Senhor disse que há!
– Você acredita no Senhor?
– Não.
– No que você acredita?
– Em nada.
– Então estamos quites.
Falei com alguns dos outros empregados. Os homens eram de poucas palavras, algumas das mulheres riam de mim.
– Sou um espião – eu ria de volta. – Sou um espião da companhia. Estou de olho em todo mundo.
Tomei outro gole. Cantei a eles minha música favorita, “My heart is a Hobo”. Eles seguiram trabalhando. Ninguém tirou os olhos das roupas. Quando terminei, eles seguiam no labor. Por alguns instantes, houve silêncio. Então escutei uma voz:
– Olha só, branquelo, não venha mais aqui.
Decidi que o melhor era passar uma mangueira na calçada da frente.
Levou quatro dias e cinco noites para que o ônibus chegasse a Los Angeles. Como de costume, não consegui dormir ou defecar durante a viagem. Houve uma certa excitação quando uma loira enorme embarcou em algum lugar da Louisiana. Naquela noite ela começou a se vender por US$ 2, e todos os homens e uma das mulheres do ônibus se aproveitaram de sua generosidade, excetuados o motorista e eu. As transações comerciais se davam à noite na parte traseira do veículo. Ela se chamava Vera. Usava um batom púrpura e ria por qualquer motivo. Aproximou-se de mim durante uma rápida parada em uma cafeteria. Plantou-se atrás de mim e me perguntou:
– Qual é, se acha bom demais pra mim?
Não respondi.
– Veadinho.
Ao retornar para o lado de um dos seus fregueses, ouvi seus resmungos enojados...
Em Los Angeles, fiz uma ronda nos velhos bares da vizinhança à procura de Jan. Não obtive qualquer sucesso antes de encontrar Whitey Jackson, que estava trabalhando atrás do balcão no Pink Mule. Ele me disse que Jan estava trabalhando como camareira no Durham Hotel na Beverly com a Vermont. Fui até lá. Eu procurava pelo escritório da gerência quando ela saiu de um dos quartos. Estava com uma boa aparência, como se esse tempo longe de mim lhe tivesse feito bem. Então ela me viu. Não fez nada além de ficar onde estava, parada, apenas seus olhos foram ficando maiores e mais azuis. Até que ela disse:
– Hank!
Correu em minha direção e nos abraçamos. Beijou-me com loucura, que tentei retribuir.
– Por Deus – ela disse –, achei que nunca mais fosse ver você!
– Voltei.
– De vez?
– Minha cidade é L.A.
– Afaste-se um pouco – ela disse –, deixe-me ver você.
Dei um passo para trás, um sorriso aberto no rosto.
– Você está magro. Perdeu peso – Jan disse.
– Você está ótima. Está com alguém?
– Não.
– Não há ninguém mesmo?
– Ninguém. Você sabe que não suporto as pessoas.
– Estou feliz que você esteja trabalhando.
– Venha até o meu quarto – ela disse.
Fui atrás dela. O quarto era muito pequeno, mas tinha um quê de agradável. Você podia olhar o tráfego lá fora pela janela, ver o semáforo mudar de cor, o garoto vendendo jornal na esquina. Gostei do lugar. Jan se jogou na cama.
– Venha, deite aqui do meu lado – ela disse.
– Estou constrangido.
– Eu te amo, seu idiota, nós já trepamos umas 800 vezes, então relaxe.
Tirei meus sapatos e me estiquei na cama. Ela ergueu uma das pernas.
– Continua gostando do que vê?
– Claro que sim! Jan, você terminou seu serviço?
– Sim, com exceção do quarto do sr. Clark. E ele não liga muito pra isso. Ele sempre me dá gorjetas.
– Jan...
– Sim?
– A passagem de ônibus me deixou pelado. Preciso de um lugar pra ficar até arranjar um emprego.
– Posso esconder você aqui.
– Sério?
– Claro.
– Eu te amo, baby – eu disse.
– Cretino – ela respondeu.
Começamos a fazer amor. Estava uma delícia. Uma verdadeira e genuína delícia.
Depois que terminamos, Jan se levantou e abriu uma garrafa de vinho. Abri meu último maço de cigarros e sentamos na cama para beber e fumar.
– Você está todo lá – ela disse.
– Como assim?
– Digo, nunca conheci um homem como você.
– Ah, é?
– Os outros chegavam só uns dez ou vinte por cento lá, você está lá inteiro, você todo está bem lá, é tão diferente.
– Não sei do que você está falando.
– Você tem um gancho, você prende as mulheres.
Aquilo fez eu me sentir bem. Após terminarmos nossos cigarros, voltamos a fazer amor. Então Jan me mandou ir buscar mais uma garrafa. Retornei. Eu tinha que retornar.
Fui contratado de imediato por uma companhia de lâmpadas fluorescentes. Ficava na Alameda Street, na direção norte, em um agrupamento de armazéns. Eu trabalhava no balcão. Era uma verdadeira barbada, pois eu apanhava os pedidos em uma cesta, preenchia-os, embrulhava os conjuntos em papelão e os deixava no setor de expedição, cada conjunto etiquetado e com o endereço de entrega. Eu pesava os embrulhos, acrescentava o valor do transporte e ligava para a transportadora para que viesse apanhar as encomendas.
No primeiro dia em que eu estava lá, no turno da tarde, ouvi um estrondo atrás de mim, próximo à linha de montagem. As velhas caixas de madeira que continham as partes prontas corriam para longe da parede e se espatifavam no chão – metal e vidro atingindo em cheio o cimento do piso, explodindo, produzindo uma terrível barulheira. Os trabalhadores da linha de montagem correram para o outro lado do prédio. Então tudo ficou em silêncio. O chefe, Mannie Feldman, saiu de seu escritório.
– Que diabos está acontecendo aqui?
Ninguém respondeu.
– Certo, desliguem a linha de montagem! Vocês todos, peguem pregos e martelo e deem um jeito nessas caixas de madeira!
O sr. Feldman retornou para o seu escritório. Não havia nada que eu pudesse fazer além de me apresentar para ajudá-los. Nenhum de nós era carpinteiro. Foi preciso toda a tarde e mais da metade da manhã seguinte para que conseguíssemos pregar todas as caixas. Ao terminarmos, o sr. Feldman saiu de seu escritório.
– Então, conseguiram? Muito bem, agora me escutem: quero as 939 em cima, as 820 logo abaixo, os lanternins e vidros nas caixas mais de baixo, entenderam? Será que há alguém aqui que pode não ter entendido o que é pra fazer?
Não houve nenhuma resposta. As 939 eram as caixas mais pesadas – extremamente pesadas – e ele as queria por cima. Ele era o chefe. Fizemos o que ele mandou. Colocamos as 939 no topo, todo aquele peso, e deixamos as mais leves por baixo. Então retornamos ao trabalho. As caixas resistiram o resto do dia e da noite seguinte. Pela manhã, começamos a ouvir uns rangidos. Eram as caixas cedendo. Os trabalhadores da linha de montagem começaram a se afastar, não contendo as gargalhadas. Cerca de dez minutos antes do intervalo da manhã, todas as caixas desabaram. O sr. Feldman veio correndo de seu escritório:
– Mas que diabos está acontecendo aqui?
Feldman tentava receber seu seguro e decretar falência ao mesmo tempo. Na manhã seguinte, um homem de aspecto muito digno veio da parte do Banco da América. Ele nos disse para não montarmos mais nenhuma caixa. “Apenas recolham essa merda do chão”, foi o modo como colocou a questão. Ele se chamava Jennings, Curtis Jennings. Feldman devia ao Banco da América um caminhão de dinheiro, e agora eles o queriam de volta, antes que o negócio falisse. Jennings assumiu o controle da companhia. Estava sempre circulando, observando o trabalho de todos. Mergulhou fundo nos livros-caixa de Feldman; verificou as trancas e as janelas e a cerca de segurança em torno ao estacionamento. Veio até mim:
– Não use mais a transportadora Sieberling. Foram roubados quatro vezes ao transportarem um de nossos carregamentos entre o Arizona e o Novo México. Alguma razão em especial pra você estar trabalhando com esse pessoal?
– Não, nenhuma razão.
O representante da Sieberling me passava dez centavos por baixo dos panos a cada duzentos quilos em mercadorias despachadas.
Em três dias, Jennings demitiu um homem que trabalhava no escritório principal e o substituiu por três jovens mexicanas cheias de disposição para trabalhar por metade do que o outro ganhava. Demitiu também o homem da limpeza e, além de ter que despachar as mercadorias, incluiu em meu trabalho a função de motorista da empresa para entregas locais.
Assim que recebi meu primeiro contracheque, me mudei do quartinho de Jan para um apartamento só meu. Ao chegar certa noite, ela havia se mudado para lá. Ora, foda-se, eu lhe disse, minha terra é sua terra. Pouco tempo depois, tivemos nossa pior briga. Ela foi embora, e eu fiquei bêbado por três dias e três noites. Assim que recuperei a sobriedade, soube que meu trabalho já era. Nunca voltei lá. Decidi limpar o apartamento. Aspirei o chão, escovei as esquadrias das janelas, esfreguei a banheira e a pia, encerei o chão da cozinha, matei todas as aranhas e baratas, esvaziei e lavei os cinzeiros, lavei os pratos, areei a pia da cozinha, estendi toalhas limpas e coloquei um novo rolo de papel higiênico no banheiro. Devia ser a veadagem chegando, pensei.
Quando Jan finalmente voltou para casa – uma semana depois –, acusou-me de ter trazido uma mulher aqui, pois tudo parecia limpo demais. Ela aparentava uma fúria imensa, que não passava, obviamente, de disfarce para sua própria culpabilidade. Eu não conseguia entender por que não me livrava dela. Era uma adúltera compulsiva – ia com qualquer um que conhecesse num bar e, quanto mais baixo e imundo fosse, mais ela gostava. Usava continuamente nossas brigas para se justificar. No íntimo, eu seguia me dizendo que todas as mulheres do mundo não eram putas, somente a minha.
– Factótum
lembro
na minha infância do som
de:
“TRAPOS! GARRAFAS! SACOS!”
“TRAPOS! GARRAFAS! SACOS!”
foi durante a
Depressão
e você podia ouvir as
vozes
muito antes de avistar a
velha carroça
e o
velho
pangaré.
então você ouvia os
cascos
clop, clop, clop...
e então você avistava
o cavalo e a
carroça
e isso sempre parecia ocorrer
no dia
mais quente do
verão:
“TRAPOS! GARRAFAS! SACOS!”
oh
aquele cavalo estava tão
cansado...
fios de saliva
branca
babando
sempre que o freio se enterrava
em sua
boca
ele puxava uma carga
intolerável
de
trapos, garrafas, sacos
vi seus olhos
imensos
em agonia
suas costelas
expostas
as moscas gordas
circulavam e pousavam sobre
falhas em seu
couro.
às vezes
um de nossos pais
gritava:
“Ei! Por que você não
alimenta esse cavalo, seu
merda!”
a resposta do homem era
sempre a
mesma:
“TRAPOS! GARRAFAS! SACOS!”
o homem era
inacreditavelmente
sujo, barba por
fazer, vestindo um chapéu
de feltro manchado e
roto
ele
se sentava sobre
uma enorme pilha de
sacos
e
vez ou
outra
quando o cavalo parecia
vacilar
um passo
este homem
sentava-lhe
o longo chicote...
o som era como o
disparo de um rifle
uma falange de moscas
se erguia
e o cavalo se
lançava para frente
renovado
os cascos resvalando e
escorregando no asfalto
quente
e então
tudo o que podíamos
ver
era a parte de trás da
carroça
e
o enorme monte de
trapos e garrafas
cobertos pelos
sacos
marrons
e
mais uma vez
a voz:
“TRAPOS! GARRAFAS! SACOS!”
ele foi
o primeiro homem
que tive vontade de
matar
e
desde então
não houve
mais nenhum.

As lutas seguiam de maneira ininterrupta. Os professores pareciam não saber nada a respeito. E sempre tinha problema quando chovia. Qualquer garoto que trouxesse um guarda-chuva ou viesse com uma capa de chuva era discriminado. Nossos pais, em sua maioria, eram pobres demais para comprar esse tipo de coisa. E caso o fizessem, tratávamos de esconder bem os objetos entre os arbustos. Qualquer um que fosse visto carregando um guarda-chuva ou vestindo uma capa de chuva era tido imediatamente por maricas. Era espancado na saída. A mãe de David fazia com que ele carregasse um guarda-chuva mesmo que o dia estivesse apenas um pouco nublado.
Havia dois períodos de recreio. Os alunos das primeiras séries se reuniam em torno de sua própria quadra de beisebol e escolhiam os times. Eu e David permanecíamos juntos. Era sempre assim. Eu era o penúltimo a ser escolhido, e David, o último. Assim, sempre jogávamos em times diferentes. David conseguia ser pior do que eu. Com seus olhos oblíquos, sequer conseguia ver a bola. No meu caso era falta de prática. Eu nunca jogara com as crianças da vizinhança. Eu não sabia como pegar uma bola ou como rebater. Mas eu queria aprender, era divertido. David tinha medo da bola, eu não. Eu movimentava o bastão com força, com mais força do que qualquer um, mas nunca acertava a bola. Eu sempre era eliminado[2]. Uma vez rebati uma bola. Aquilo foi bom. Noutra vez, iniciei uma corrida. Quando cheguei à primeira base, o primeiro basista disse:
– Essa é a única maneira de você chegar até aqui.
Parei e o fitei. Ele mascava um chiclete e longos pelos negros saíam de suas narinas. Seu cabelo estava empapado com vaselina. Sempre tinha um sorrisinho de escárnio nos lábios.
– Está me achando bonito? – ele perguntou.
Não sabia o que responder. Eu não estava acostumado a conversar.
– Os caras dizem que você é louco – ele falou –, mas em mim você não mete medo. Dia desses pego você na saída.
Continuei olhando para ele. Seu rosto era horrível. Então o arremessador jogou a bola, e eu corri para a segunda base. Corri como um louco e deslizei em direção à segunda. A bola chegou depois. Eu estava salvo.
– Você está fora! – gritou o garoto que servia de árbitro.
Levantei-me, sem acreditar.
– Eu disse: VOCÊ ESTÁ FORA! – gritou o árbitro.
Então eu soube que não seria aceito. David e eu não seríamos aceitos. Os outros queriam que eu recebesse o “fora” porque ali não era meu lugar, porque eu devia mesmo ficar de “fora”. Eles sabiam da minha amizade com David. Era por causa dele que eu não era aceito. Enquanto me afastava da quadra, pude ver David na terceira base com suas calças curtas. Suas meias azuis e amarelas estavam arriadas e caíam sobre seus sapatos. Por que ele tinha me escolhido? Eu era um homem marcado. Naquela tarde depois da escola eu caminhei apressado para casa, logo que a aula terminou, sem esperar por David. Não queria vê-lo apanhar novamente dos nossos colegas ou da sua mãe. Não queria ouvir o seu triste violino. Mas no dia seguinte, na hora do almoço, quando ele se sentou comigo, comi suas batatas fritas.
Meu dia chegou. Eu era alto e me sentia poderoso sobre a base. Não conseguia acreditar que eu jogasse tão mal quanto eles queriam me fazer crer. Girei meu bastão de modo desordenado, mas com muita força. Eu sabia que era forte e talvez, como eles mesmos diziam, “louco”. No entanto, tinha essa sensação de que havia algo verdadeiro acontecendo aqui dentro. Talvez fosse a merda endurecida, mas era mais do que qualquer um deles tinha. Eu estava a postos.
– Ei, é o REI DOS REBATEDORES! SR. CATA-VENTO!
A bola chegou. Girei e me senti ligado ao bastão como há muito tempo eu esperava que acontecesse. A bola subiu, subiu às alturas, em direção ao campo da esquerda, passando por sobre a cabeça do jogador que estava à esquerda. Seu nome era Don Brubaker, e ele ficou parado vendo a bola passar por sobre sua cabeça. Parecia que ela nunca mais voltaria a tocar a terra. Então Brubaker começou a correr atrás da bola. Ele queria me eliminar. Jamais conseguiu fazê-lo. A bola aterrissou e rolou para uma outra quadra onde jogavam os garotos da quinta série. Corri lentamente para a primeira base, bati no montinho, olhei para o cara que estava ali posicionado, avancei devagar até a segunda, toquei-a, corri até a terceira onde estava David, ignorei-o, bati na terceira e segui para a base final. Nunca houve dia igual. Nunca alguém da primeira série tinha feito um home run! Ao chegar de volta à posição inicial, ouvi um dos jogadores, Irving Bone, dizer ao capitão do time, Stanley Greenberg:
– Vamos colocá-lo no time titular. (O time titular enfrentava os times de outras escolas.)
– Não – disse Stanley Greenberg.
E ele estava certo. Nunca mais acertei um home run. Furava a maior parte do tempo. Mas sempre lhes vinha às mentes o home run daquele dia, e, embora ainda me odiassem, era uma forma melhor de ódio, um ódio que já não tinha um porquê.
A temporada de futebol americano foi pior. Jogávamos um futebol de toque[3]. Não me era permitido agarrar ou lançar a bola, mas mesmo assim entrei no jogo. Quando o corredor passou na minha frente, agarrei-o pelo colarinho e o joguei no chão. Quando começou a se levantar, o enchi de chutes. Não gostava dele. Era o cara da primeira base, o de vaselina no cabelo e pelos que saíam do nariz. Stanley Greenberg chegou. Ele era maior do que qualquer um de nós. Poderia ter me matado, se quisesse. Era nosso líder. A palavra final era sua. Ele me falou:
– Você não entende as regras. Basta de futebol pra você.
Fui encaminhado para o voleibol. Jogava com David e com os outros. Era uma chatice. Meus parceiros gritavam e urravam e ficavam eufóricos, mas os outros estavam jogando futebol. Eu queria jogar futebol. Só precisava de um pouco de prática. O voleibol era vergonhoso. Meninas jogavam voleibol. Depois de um certo tempo, eu já não jogava mais nada. Ficava apenas parado no meio do pátio onde ninguém estava jogando. Eu era o único que não praticava nenhum esporte. Eu ficava plantado lá, todos os dias, esperando os dois recreios passarem.
Um dia, quando eu estava ali parado, mais problemas apareceram. Uma bola de futebol me pegou desprevenido, atingindo em cheio a minha cabeça. O impacto me nocauteou. Fiquei bastante tonto. Eles se postaram ao meu redor, rindo e fazendo barulhos.
– Oh, vejam, Henry desmaiou! Henry desmaiou como uma donzelinha! Oh, vejam o Henry!
Levantei-me com o sol a girar. Então ele parou. O céu se aproximou e voltou para seu lugar. Era como estar numa jaula. Eles estavam ao meu redor, faces, narizes, bocas e olhos. Como estavam tirando um sarro da minha cara, concluí que tinham me atingido deliberadamente com a bola. Não era justo.
– Quem chutou a bola? – perguntei.
– Quer mesmo saber?
– Sim.
– O que vai fazer quando descobrir?
Fiquei quieto.
– Foi Billy Sherril – alguém disse.
Billy era um garoto gordo, enorme, mais simpático do que a maioria, mas nem por isso deixava de ser um deles. Segui na direção de Billy. Ele ficou parado no mesmo lugar. Quando me aproximei, ele se esquivou. Eu quase não percebi. Acertei-o na orelha esquerda, e quando ele colocou a mão sobre ela, lhe dei um golpe no estômago. Ele caiu no chão. E ali ficou.
– Levante e lute com ele, Billy – disse Stanley Greenberg.
Stanley ergueu Billy e o empurrou em minha direção. Dei-lhe um soco na boca, e ele a cobriu com as duas mãos.
– Certo – disse Stanley –, vou tomar o lugar dele!
Os garotos aplaudiram. Decidi correr, ainda não era minha hora de passar dessa para melhor. Mas então um professor apareceu.
– O que está acontecendo aqui?
Era o sr. Hall.
– Henry bateu no Billy – disse Stanley Greenberg.
– Foi isso mesmo, garotos? – perguntou o sr. Hall.
– Sim – responderam.
O sr. Hall me puxou pela orelha por todo o caminho até a sala do diretor. Forçou-me a sentar numa cadeira em frente a uma mesa vazia e então bateu à porta do diretor. Ficou lá dentro por um tempo considerável e então saiu sem olhar para mim. Fiquei ali sentado por uns cinco ou dez minutos antes que o diretor saísse e fosse ocupar o lado da mesa que estava vazio. Tratava-se de um homem com um aspecto bastante digno, com vastos cabelos grisalhos e uma gravata azul com um belo nó. Parecia um verdadeiro cavalheiro. Seu nome era sr. Knox. O sr. Knox cruzou os dedos e ficou me olhando, sem dizer nada. Quando começou a falar, porém, já não tive tanta certeza de sua cortesia. Seu objetivo parecia ser me humilhar, me tratar como os outros.
– Bem – ele disse por fim –, me conte o que aconteceu.
– Não aconteceu nada.
– Você machucou aquele garoto, Billy Sherril. Os pais dele vão querer saber por quê.
Não respondi.
– Acha que pode resolver seus problemas no braço quando acontece alguma coisa que não o agrada?
– Não.
– Então, por que fez isso?
Novamente me calei.
– Você se acha melhor do que as outras pessoas?
– Não.
O sr. Knox continuou sentado em seu lugar. Tinha um abridor de cartas muito comprido, que ele fazia rolar para lá e para cá sobre o feltro verde que cobria a mesa. Tinha também um enorme tinteiro verde e um porta-canetas com quatro delas dentro. Eu me perguntava se ele iria me bater.
– Diga logo: por que você fez isso?
Não respondi. O sr. Knox continuava movendo o abridor para lá e para cá. O telefone tocou. Ele atendeu.
– Alô? Oh, sra. Kirby? Ele o quê? Quê? Escute, será que a senhora não poderia lhe aplicar um castigo? Estou ocupado no momento. Está certo, eu lhe telefono assim que encerrar a questão com esse aqui...
Ele desligou. Com uma das mãos ele afastou uma mecha do seu belo cabelo branco que lhe caía sobre os olhos e me encarou.
– Por que você está me causando todo esse problema?
Não respondi.
– Você se acha durão, né?
Continuei em silêncio.
– Um garoto durão, né?
Uma mosca voava em círculos ao redor da mesa do sr. Knox. Começou a pairar sobre o tinteiro verde. Então ela pousou sobre a tampa negra do tinteiro e ficou ali sentada, esfregando as asas.
– Certo, garoto, você é durão, e eu sou durão. Vamos selar essa descoberta com um aperto de mãos.
Não me considerava um cara durão; por isso, recusei.
– Vamos, me dê sua mão.
Estendi minha mão e ele começou a balançá-la. Então ele parou o movimento e me encarou. Ele tinha olhos de um azul cristalino, ainda mais claros do que o azul da sua gravata. Seus olhos eram quase bonitos. Continuava me encarando e segurando minha mão. Seu aperto começou a ficar mais forte.
– Quero cumprimentá-lo por ser um cara durão.
Estreitou ainda mais o aperto.
– Acha que eu sou um cara durão?
Não respondi.
Esmagou os ossos dos meus dedos. Podia sentir os ossos de cada um dos dedos cortando a carne do dedo seguinte como uma lâmina afiada. Manchas vermelhas me turvaram a visão.
– E agora, me acha um cara durão? – ele perguntou.
– Vou matar você – eu disse.
– Vai o quê?
O sr. Knox apertou ainda mais sua pegada. Sua mão parecia um torno. Eu podia ver cada poro em seu rosto.
– Caras durões não gritam, não é?
Apertou até o limite. Tive que gritar, mas o fiz do modo mais silencioso possível, assim ninguém nas salas de aula poderia me ouvir.
– E agora, sou um cara durão?
Esperei. Era odioso dizer isso. Mas, afinal, deixei escapar:
– Sim.
O sr. Knox soltou minha mão. Tive medo de olhar para ela. Deixei que ela caísse ao lado de meu corpo. Percebi que a mosca tinha ido embora e não pude deixar de pensar que não era tão ruim ser uma mosca. O sr. Knox escrevia num pedaço de papel.
– Agora, Henry, estou escrevendo um bilhete para os seus pais e você vai entregá-lo. Vai entregar direitinho para eles, não vai?
– Sim.
Ele colocou o bilhete dentro de um envelope e me entregou. O envelope estava selado, e eu não tinha nenhum desejo de abri-lo.
– Misto-quente
Eu estava sentado em um bar na avenida Western. Era perto da meia-noite e estava metido em uma das minhas habituais confusões. Quero dizer, você sabe, nada dá certo: as mulheres, os trabalhos, a falta de trabalhos, o tempo, os cães. Por fim, você simplesmente senta em uma espécie de estado de transe e espera como se estivesse no banco da parada de ônibus aguardando a morte.
Bem, estava sentado lá e então chega essa mulher com cabelo preto e longo, bom corpo, olhos castanhos e tristes. Não me virei para olhá-la. Ignorei-a, mesmo ela tendo sentado no banco ao lado do meu, quando havia uma dúzia de outros lugares vagos. Na verdade, éramos os únicos no bar, exceto pelo balconista. Ela pediu um vinho seco. Depois me perguntou o que eu estava bebendo.
– Scotch com água.
– Dê-lhe um scotch com água – ela disse ao balconista.
Bem, isso era incomum.
Abriu a bolsa, removeu uma pequena gaiola de arame e tirou algumas pessoas pequenas e as colocou no balcão. Tinham todos aproximadamente dez centímetros de altura e estavam vivos e bem vestidos. Havia quatro deles, dois homens e duas mulheres.
– Fazem desses agora – ela disse. – São muito caros. Custaram quase dois mil dólares cada um quando comprei. Agora já estão chegando aos 2.400 dólares. Não sei como são feitos, mas provavelmente é coisa fora da lei.
As pessoas em miniatura estavam caminhando por cima do balcão. Repentinamente um dos pequenos homens deu um tapa na cara de uma das pequenas mulheres.
– Sua vagabunda – ele disse –, já chega!
– Não, George, você não pode – ela gritou –, eu te amo! Vou me matar! Tenho que ter você!
– Não me importo! – disse o pequeno sujeito e puxou um cigarrinho e o acendeu. – Tenho o direito de viver.
– Se você não a quer – disse o outro sujeitinho –, fico com ela, eu a amo.
– Mas não quero você, Marty. Estou apaixonada pelo George.
– Mas ele é um idiota, Anna, um idiota completo!
– Eu sei, mas o amo de qualquer forma.
O idiotinha caminhou pelo balcão e beijou a outra mulherzinha.
– Estou com um triângulo amoroso em andamento – disse a mulher que havia me pagado uma bebida. – Esses são Marty e George e Anna e Ruthie. George vai se dar mal, muito mal. Marty é meio quadrado.
– Não é triste ver tudo isso? Errr, qual o seu nome?
– Dawn.[13] É um nome terrível. Mas é o que as mães fazem com suas crianças às vezes.
– O meu é Hank. Mas não é triste...
– Não, não é triste observar isso tudo. Não tive muita sorte com os meus próprios amores, péssima sorte, aliás...
– Passa o mesmo com todos nós.
– Parece que sim. De qualquer forma, comprei essas pessoinhas e agora fico olhando pra elas. E é como ter e não ter esses problemas. Mas fico muito excitada quando começam a fazer amor. É aí que fica difícil.
– São excitantes?
– Muito, muito excitantes. Meu Deus, me deixam louca!
– Por que você não os obriga a fazer sexo? Quero dizer agora. Ficaremos olhando juntos.
– Não se pode forçá-los. Têm de fazer por conta própria.
– Com que frequência acontece?
– Oh, eles são bem bons. Quatro ou cinco vezes por semana.
Estavam caminhando pelo balcão.
– Escute – disse Marty –, me dê uma chance. Apenas uma chance, Anna.
– Não – disse Anna. – Meu coração pertence ao George. Não pode ser de nenhuma outra maneira.
George estava beijando Ruthie, apalpando seus peitos. Ruthie estava ficando excitada.
– Ruthie está ficando excitada – eu disse a Dawn.
– Está, está mesmo.
Eu também estava ficando. Agarrei Dawn e a beijei.
– Escute – ela disse. – Não gosto que eles façam sexo em público. Vou levá-los para casa e colocá-los para transar.
– Mas aí não poderei olhar.
– Bem, terá que vir comigo.
– Tudo bem – respondi. – Vamos lá.
Acabei minha bebida e saímos juntos. Ela carregava as criaturas em uma pequena gaiola de arame. Entramos no carro dela e colocamos o pessoal entre nós, no banco da frente. Olhei para Dawn. Era realmente jovem e bonita. Parecia ser boa também por dentro. Como podia ter fracassado com os homens? Há tantas maneiras de as coisas saírem erradas. Os quatro pequenos custaram-na oito mil. Tudo isso para se afastar de relacionamentos e na verdade não se afastar de relacionamentos.
A casa era perto dos morros, um lugar com uma aparência agradável. Descemos do carro e caminhamos até a porta. Segurei a gaiola com os pequenos enquanto ela abria a porta.
– Ouvi Randy Newman semana passada no The Troubador. – Ele não é ótimo? – perguntou.
– Sim, é ótimo.
Entramos na sala, e Dawn tirou os pequenos da gaiola e os colocou em uma mesinha. Então caminhou até a cozinha, abriu o refrigerador e pegou uma garrafa de vinho. Trouxe dois copos.
– Perdão – ela disse. – Mas você parece um pouco louco. O que você faz?
– Sou escritor.
– E irá escrever sobre isso?
– Ninguém jamais acreditará, mas vou.
– Olha – disse Dawn. – George tirou as calcinhas de Ruthie. Ele está enfiando os dedos nela. Gelo?
– Sim, está fazendo isso. Não, sem gelo. Puro está ótimo.
– Não sei o que acontece – disse Dawn –, mas fico realmente excitada quando os observo. Talvez seja porque são tão pequenos. Realmente me excita.
– Entendo o que quer dizer.
– Olhe, o George está chupando ela.
– É mesmo.
– Olhe pra eles!
– Deus do céu!
Agarrei Dawn. Ficamos ali em pé nos beijando. Enquanto isso, seus olhos iam dos meus para eles e novamente para os meus.
O pequeno Marty e a pequena Anna também estavam olhando.
– Olhe – disse Marty –, eles vão trepar. Nós bem que podíamos trepar também. Até os grandes vão transar. Olhe pra eles!
– Você ouviu isso? – perguntei a Dawn. – Eles disseram que nós vamos trepar. É verdade?
– Espero que sim – disse Dawn.
Levei-a para o sofá e levantei o vestido acima da cintura. Beijei seu pescoço.
– Eu te amo – eu disse.
– Mesmo? Ama?
– Sim, de alguma forma, sim...
– Tudo bem – disse a pequena Anna ao pequeno Marty. – Também podemos trepar, mesmo que eu não ame você.
Eles se abraçaram no meio da mesinha. Eu já tinha tirado as calcinhas de Dawn. Ela gemia. Ruthie gemia. Marty se aproximava de Anna. Estava acontecendo por toda parte. Tive a ideia de que todas as pessoas no mundo estavam trepando. Então esqueci do resto do mundo. De alguma forma fomos para o quarto. Então penetrei Dawn para a longa e lenta cavalgada.
Quando ela saiu do banheiro, eu estava lendo uma história muito idiota na Playboy.
– Foi tão bom – ela disse.
– O prazer foi meu – respondi.
Ela voltou para a cama. Pus a revista de lado.
– Acha que daremos certo juntos? – perguntou.
– O que quer dizer?
– Acha que vamos conseguir ficar juntos por algum tempo?
– Não sei. Coisas acontecem. O começo é sempre mais fácil.
Então ouvimos um grito vindo da sala.
– Ai, ai – ela disse.
Saltou da cama e correu para a sala. Segui logo atrás. Quando cheguei lá, ela estava segurando George nas mãos.
– Oh, meu Deus!
– O que aconteceu?
– Foi a Anna!
– O que tem a Anna?
– Cortou fora as bolas dele! George é um eunuco!
– Uau!
– Pegue papel higiênico, rápido! Ele pode sangrar até morrer!
– Esse filho da puta – disse Anna da mesinha –, se não posso ter o George, ninguém mais terá.
– Agora vocês duas são minhas! – disse Marty.
– Não, agora você tem que escolher uma de nós – disse Anna.
– Então, com qual vai ficar? – perguntou Ruthie.
– Amo as duas – disse Marty.
– Parou de sangrar – disse Dawn. – Ele está frio.
Ela embrulhou George em um lenço e o colocou sobre a borda da lareira.
– Quero dizer – seguiu Dawn – que se você acha que não daremos certo, não vou insistir.
– Acho que amo você, Dawn.
– Olhe – ela disse. – Marty está abraçando Ruthie!
– Vão trepar?
– Não sei. Parecem excitados.
Dawn pegou Anna e a colocou na gaiola de arame.
– Deixe-me sair daqui! Vou matar os dois! Deixe-me sair daqui!
George gemeu de dentro do lenço sobre a borda. Marty já tirara as calcinhas de Ruthie. Puxei Dawn para perto de mim. Era bonita e jovem e boa por dentro. Eu podia estar apaixonado novamente. Era possível, nos beijamos. Mergulhei fundo em seus olhos. Então emergi e comecei a correr. Eu sabia onde estava. Uma barata e uma águia faziam amor. O tempo era um idiota com um banjo na mão. Continuei correndo. Seu cabelo longo caía sobre meu rosto.
– Vou matar todo mundo! – gritava a pequena Anna. Agitava-se na gaiola de arame às três horas da manhã.
– Ao sul de lugar nenhum
(Para Jane, com amor)
saímos do bar
porque estávamos sem dinheiro
mas ainda tínhamos algumas garrafas de vinho
no quarto.
era cerca de quatro da tarde
e passamos por um posto de bombeiros
e ela
enlouqueceu:
“um POSTO DE BOMBEIROS! ah, eu adoro
os CAMINHÕES, são tão vermelhos e tudo o
mais! vamos entrar!”
eu a segui.
“CAMINHÕES DE BOMBEIRO!” ela gritou
rebolando seu grande
rabo.
ela já tentava subir num
deles, erguendo a saia até
a cintura, tentando alcançar o
banco.
“aqui, aqui, deixe eu ajudar você!” correu um
bombeiro.
outro bombeiro se aproximou de
mim: “nossos cidadãos são sempre bem-vindos”,
ele me
disse.
o outro cara já estava ao lado dela no
banco. “você tem uma dessas COISAS enormes?”
ela lhe perguntou. “digo, hahaha!, quero dizer um
desses CAPACETES enormes!
“tenho um outro capacete que também é enorme”, ele lhe
disse.
“hum, hahaha!”
“você joga cartas?” perguntei ao meu
bombeiro. tenho 43 centavos e todo o tempo do
mundo.
“venha comigo até os fundos” ele
disse. “claro, nada de jogo por aqui.
é contra as
regras.”
“entendo”, eu lhe
disse.
já havia transformado meus 43 centavos em
um dólar e noventa
quando a vi subir as escadas com
seu bombeiro.
“ele vai me mostrar seus
alojamentos”, ela me
disse.
“entendo”, eu lhe
respondi.
quando o bombeiro dela desceu deslizando pelo mastro
dez minutos depois
eu lhe fiz um aceno
com a cabeça.
“são 5
dólares.”
“5 dólares pelo
quê?”
“não queremos um escândalo, não é
mesmo? nós dois poderíamos perder nossos
empregos. claro, eu não estou
trabalhando.
ele me passou os
5.
“sente aí, você pode
recuperá-los.”
“qual que é o jogo?”
“blackjack.”
“jogar é contra a
lei.”
“tudo que é interessante é. além disso,
você está vendo algum dinheiro sobre a
mesa?”
ele se sentou.
agora éramos
5.
“que tal a parada, Harry?” alguém
perguntou.
“nada mal, nada
mal.”
o outro cara subia as
escadas.
jogavam muito mal.
não se davam ao trabalho de memorizar o
baralho. não sabiam se sobravam mais
cartas altas do que baixas. e basicamente jogavam até estourar,
não sabiam garantir uma mão
baixa.
quando o outro cara desceu
me passou uma nota de
cinco.
“como estava, Marty?”
“nada mal. ela conhece... uns movimentos
bacanas.”
“mais uma carta!” eu disse. “uma ótima garota. vou
eu mesmo lá.”
ninguém disse
nada.
“algum incêndio sério nos últimos tempos?”
perguntei.
“não. nada de
mais.”
“caras, vocês precisam
se exercitar. mais uma carta para
mim!”
um garoto grande e ruivo, que estava dando um lustre num
caminhão
largou sua flanela e
subiu as escadas.
ao descer me jogou uma nota de
cinco.
quando o quarto cara desceu eu lhe dei
3 de cinco por uma de
vinte.
não sei quantos bombeiros
estavam no prédio ou onde eles
estavam. notei que alguns haviam escapado da minha cobrança
mas eu era um bom
esportista.
estava escurecendo
quando o alarme
tocou.
começaram a correr pra lá e pra cá
caras surgiram deslizando pelo
mastro.
então ela surgiu deslizando pelo
mastro. era boa nesse negócio do
mastro. uma mulher de verdade. nada além de tripas
e
rabo.
“vamos embora”, eu lhe
disse.
ela ficou ali, dando tchauzinho para os
bombeiros mas eles já não
pareciam
muito interessados.
“vamos voltar para o bar”, eu lhe
disse.
“ah, você arrumou uma
grana?”
“achei uns trocos que eu achava que tinha
perdido...”
sentamos no fundo do bar
com uísque e cerveja para dar uma
amaciada.
“preciso dar uma boa
dormida.”
“claro, baby, você precisa de um bom
sono.”
“olha aquele marinheiro me encarando!
deve achar que eu sou... uma...”
“não, ele não acha nada disso. relaxe, você tem
classe, muita classe. às vezes você me lembra uma
cantora de ópera. você sabe, uma daquelas prima-donas.
você exala classe.
bebe
aí.”
pedi mais 2
rodadas.
“sabe, paizinho, você é o único homem que eu
AMO! digo, de verdade... AMO! sabe disso,
né?”
“claro que sei. às vezes penso que sou um rei
apesar de ser quem sou.”
“sim, sim, é isso que estou dizendo, algo
assim.”
tive que ir mijar. quando voltei
o marinheiro estava sentado no meu
lugar. a perna dela roçava a do marinheiro
enquanto ele falava.
me afastei e fui jogar dardos com
Harry o Cavalo e com o jornaleiro da
esquina.

O Hotel Sans era o melhor da cidade de Los Angeles. Era um hotel antigo, mas tinha a classe e o charme que faltavam aos mais novos. Ficava de frente para o parque do centro da cidade.
Era famoso por suas convenções de negócio e pelas putas caríssimas, de talento quase legendário que, no final de uma noite lucrativa, costumavam presentear os mensageiros com boas gorjetas. Havia também histórias de mensageiros que haviam se tornado milionários – mensageiros desgraçados, com cacetes de 27 centímetros que haviam tirado a sorte grande ao conhecer e se casar com alguma velhota rica que se hospedara no hotel. E a comida, as LAGOSTAS, os enormes chefs negros em seus altos e brancos chapéus de mestre-cuca, que sabiam de tudo, não apenas sobre comida, mas sobre a vida e sobre mim e sobre todas as coisas.
Fui contratado para trabalhar na seção de abastecimento. O setor de descarga tinha estilo: para cada caminhão que chegava, havia dez caras a postos para descarregar, quando na verdade dois bastariam. Eu vestia minhas melhores roupas. Nunca tive que tocar em nada.
Descarregávamos (eles descarregavam) tudo o que chegava ao hotel, em sua maioria itens alimentícios. Minha impressão era de que os ricos comiam mais lagostas do que qualquer outra coisa. Caixas e mais caixas do bicho não paravam de chegar, criaturas deliciosamente rosadas e grandes, balançando suas garras e barbas.
– Você gosta desse negócio, não, Chinaski?
– Claro. Maravilha – eu concordava.
Um dia, a mulher encarregada dos empregados me chamou. O escritório ficava atrás do setor de descarga.
– Quero que você gerencie este escritório aos domingos, Chinaski.
– E o que tenho que fazer?
– Basta atender ao telefone e contratar os lavadores de prato dos domingos.
– Tudo bem!
O primeiro domingo foi ótimo. Só tive que ficar ali sentado. Logo entrou um velho.
– Pois não, camarada? – perguntei.
Ele vestia um terno caro, mas estava cheio de vincos e um pouco sujo; e os punhos estavam puídos. Segurava o chapéu em uma das mãos.
– Escute, vocês precisam de um cara que seja bom de conversa? Alguém que possa tratar com o público? Tenho uma certa dose de charme, sei contar histórias engraçadas, sou capaz de fazer as pessoas darem boas risadas.
– É?
– Ah, sim.
– Faça-me rir.
– Oh, você não entende. Tem que ser no cenário adequado, é preciso clima, decoração, você entende...
– Faça-me rir.
– Senhor...
– Você não serve, não passa de um bêbado!
Os lavadores de pratos eram contratados pela tarde. Saí do escritório. Quarenta vagabundos de rua estavam por ali.
– Prestem atenção! Precisamos de cinco homens de qualidade! Cinco! Nada de bêbados, pervertidos, comunistas ou molestadores de criança! E é preciso ter o cartão da previdência! Vamos lá, tirem o cartão do bolso e ergam sobre suas cabeças!
Os cartões começaram a aparecer. Eles os agitavam.
– Ei, eu tenho um!
– Ei, camarada, olhe eu aqui! Me dê essa chance, cara!
Olhei para eles devagar.
– Você, com essa marca de merda no colarinho – apontei. – Dê um passo à frente.
– Isso não é uma marca de merda, senhor. É molho de carne.
– Bem, sei não, camarada, me parece que você anda comendo mais merda do que rosbife!
– Ha, ha, ha, ha – gargalharam os vagabundos. – Ha, ha, ha, ha.
– Certo. Ainda preciso de quatro bons lavadores! Tenho aqui quatro moedinhas na mão. Vou jogar pra cima. Os quatro que me trouxerem as moedinhas lavarão os pratos hoje!
Lancei as moedas bem alto sobre a multidão. Corpos saltaram e caíram, roupas se rasgaram, muitos praguejares, um homem gritou, vários socos foram trocados. Então os quatro sortudos se aproximaram, um por vez, ofegando, cada qual com sua moedinha. Dei-lhes seus cartões de trabalho e lhes indiquei a cantina dos empregados, onde, antes de mais nada, receberiam comida. Os outros vagabundos foram se retirando vagarosamente pela rampa de carregamento, desceram e seguiram pela viela em direção à terra devastada que é o centro de Los Angeles aos domingos.
O Mercado dos Trabalhadores Rurais[10] ficava na Fifth Street com a San Pedro. Você tinha que se apresentar às cinco da manhã. Ainda estava escuro quando eu cheguei lá. Alguns homens estavam sentados, outros de pé, enrolando seus cigarros e conversando baixinho. Tais lugares sempre têm o mesmo cheiro – suor velho, urina e vinho barato.
No dia anterior, eu tinha ajudado Jan a se mudar para a casa de um corretor de imóveis, um gordo que morava na Kingsley Drive. Fiquei escondido num canto do saguão e a vi beijá-lo. Logo os dois entraram no apartamento dele e a porta se fechou. Retornei sozinho para a rua, notando pela primeira vez os papéis esvoaçantes e o lixo que se acumulava pelas calçadas. Havíamos sido despejados de nosso apartamento. Eu tinha US$ 2,08. Jan me prometeu que esperaria minha sorte mudar, mas era difícil de acreditar nisso. O nome do corretor era Jim Bemis, tinha um escritório na Alvarado Street e era cheio da grana.
– Odeio quando ele trepa comigo – ela tinha dito.
Agora, provavelmente, ela estava dizendo a mesma coisa de mim.
Laranjas e tomates eram empilhados em diversas caixas e, aparentemente, eram de graça. Apanhei uma laranja, fiz um buraco com os dentes na casca e chupei o suco. Eu havia exaurido os meus benefícios do seguro-desemprego desde que deixara o Hotel Sans.
Um cara de cerca de quarenta anos veio em minha direção. Seu cabelo parecia morto, de fato nem parecia cabelo humano, lembrando mais fios de linha. A luz branca que vinha do teto lhe atingia em cheio. Ele tinha verrugas marrons na cara, muitas delas concentradas ao redor de sua boca. Um ou dois pelos negros brotavam de cada uma delas.
– Como vai?
– Tudo bem.
– Está a fim de um boquete?
– Não, acho que não.
– Estou com tesão, cara. Estou excitado. Sei realmente fazer um.
– Escute, sinto muito. Não estou a fim.
Ele se afastou tomado de fúria. Dei uma olhada pelo galpão. Havia cerca de cinquenta homens esperando. Havia dez ou doze funcionários do governo sentados em suas mesas ou caminhando ao redor. Eles fumavam e pareciam mais preocupados que os vagabundos de rua. Os funcionários estavam separados dos vagabundos por uma sólida tela de metal entrelaçada, que ia do teto ao chão. Alguém a tinha pintado de amarelo. Era um amarelo bastante apagado.
Quando um dos funcionários tinha que fazer uma transação com um dos vagabundos, ele destravava e corria uma portinhola de vidro presa à tela. Quando a questão da papelada se resolvia, o funcionário fechava a portinhola, trancava-a por dentro e, toda vez que isso ocorria, a esperança parecia desaparecer. Todos despertávamos quando a portinhola deslizava, a chance de cada homem era a chance de todos nós, mas, quando ela se fechava, a esperança evaporava. Então restava apenas olhar para as caras uns dos outros.
Na parede dos fundos, atrás da tela amarela e dos funcionários, havia seis quadros-negros. Havia giz branco e apagadores, como na escola. Cinco dos quadros estavam vazios, embora ainda fosse possível enxergar os resquícios das mensagens anteriores, de trabalhos havia muito preenchidos e naquele momento perdidos para sempre, ao menos no que nos dizia respeito.
Havia uma mensagem no sexto quadro:
PRECISA-SE DE COLHEDORES DE TOMATES EM
BAKERSFIELD
Eu pensara que as colheitadeiras automáticas haviam extinguido esse trabalho. No entanto, ali estava o anúncio. Seres humanos, aparentemente, saem mais barato que máquinas. E máquinas quebram. É isso.
Dei uma olhada ao redor do recinto – não havia orientais nem judeus, pouquíssimos negros. A maioria dos vagabundos ou era composta de brancos pobres ou de mexicanos. Os dois negros, naquele momento, já iam altos no vinho.
Então um dos funcionários se pôs de pé. Era um homem grande, com uma proeminente barriga de cerveja. O que você podia notar era sua camisa amarela com listras pretas verticais. A camisa estava esturricada, e ele usava braçadeiras – para segurar suas mangas como nas fotografias tiradas em 1890. Ele se aproximou e destravou uma das janelas de vidro na tela amarela.
– Muito bem! Há um caminhão lá nos fundos recolhendo gente pra trabalhar em Bakersfield!
Correu a janela, trancou-a, sentou-se à sua mesa e acendeu um cigarro.
Por um momento, ninguém se mexeu. Então, um a um, aqueles que estavam sentados nos bancos começaram a se levantar, os rostos sem expressão. Os homens que já aguardavam de pé deixaram cair seus cigarros e os apagaram cuidadosamente com as solas de seus sapatos. Depois disso, começou um êxodo vagaroso e geral; todos saíram em fila por uma porta lateral que dava para um pátio cercado.
O sol nascia. Na verdade, olhávamos pela primeira vez uns para os outros. Uns poucos homens sorriam ao reconhecer um rosto familiar.
Permanecemos enfileirados, lutando para conseguir chegar até a caçamba, o dia começando a raiar. Era hora de partir. Subíamos em um caminhão de exército usado na Segunda Guerra Mundial, a cobertura de lona toda rasgada. Fomos avançando, aos encontrões, mas ao mesmo tempo tentando manter a mínima polidez. Então, cansado das cotoveladas, dei um passo para o lado.
A capacidade do caminhão era admirável. O grande capataz mexicano acompanhava a tudo em um dos lados da traseira da caçamba, acenando sem parar:
– Isso aí, isso aí, vamos lá, vamos lá...
Os homens avançavam devagar, como se entrassem na boca de uma baleia.
Pela lateral do caminhão eu podia ver os rostos deles; falavam baixinho e sorriam. Sentia a um só tempo repugnância por aquelas pessoas, mas também minha solidão. Então decidi que era capaz de colher tomates. Decidi embarcar. Alguém bateu em mim pelas costas. Era uma mexicana gorda e ela parecia bastante sentimental. Agarrei-a pelos quadris para ajudá-la a subir. Ela era muito pesada, difícil de manejar. Finalmente encontrei apoio em algo; aparentemente uma de minhas mãos se atolou no fundo da sua virilha. Consegui colocá-la para dentro. Então fui em busca de um apoio para também subir. Eu era o último. O capataz mexicano pôs o pé sobre minha mão.
– Não – ele disse –, já temos gente que chega.
O motor do caminhão deu a partida, engasgou e apagou. O motorista tentou novamente. Desta vez pegou, e eles seguiram em frente.
A Associação de Trabalhadores para a Indústria ficava nos limites da periferia. Aqui os vagabundos de rua eram mais bem vestidos, mais jovens, porém igualmente indiferentes. Sentavam-se por ali, nas bordas das janelas, inclinados para frente, aquecendo-se ao sol e bebendo o café grátis que a A.T.I. oferecia. Não havia creme e açúcar, mas era de graça. Não havia qualquer tela nos separando dos funcionários. Os telefones tocavam com mais frequência, e os empregados aqui tinham um aspecto muito mais descontraído que os do Mercado dos Trabalhadores Rurais.
Aproximei-me de um balcão e me foi dada uma ficha e uma caneta presa por corrente.
– Preencha – disse o funcionário, um rapaz mexicano de boa aparência que tentava esconder sua cordialidade atrás de uma postura profissional.
Comecei a preencher a ficha. Na lacuna para o número de telefone, escrevi: nenhum. Após grau de escolaridade e capacitação profissional, escrevi: dois anos na L.A. City College. Jornalismo e belas-artes.
Então eu disse ao funcionário:
– Rasurei a ficha. Poderia me conseguir outra?
Ele me passou uma nova em branco. Em vez daquilo, escrevi: ensino médio, L. A. High School. Carregador, almoxarife, trabalhador braçal. Alguma experiência como datilógrafo.
Devolvi-lhe a ficha.
– Muito bem – disse o funcionário –, sente aí e vamos ver se aparece alguma coisa.
Encontrei um espaço na borda de uma das janelas e me sentei. Um negro velho estava sentado próximo de mim. Ele tinha um rosto interessante; não trazia aquele olhar resignado que a maioria dos que estavam ali mostrava. Era como se ele tentasse não rir de si mesmo nem do resto de nós.
Ele viu que eu o olhava. Sorriu com malícia.
– O cara que chefia esse lugar é muito esperto. Foi demitido dos Trabalhadores Rurais, ficou puto da vida, veio pra cá e abriu isso aqui. Especializado em serviços de meio turno. Um cara que quer descarregar um vagão, rápido e barato, liga pra cá.
– Pois é, ouvi falar.
– O cara quer descarregar um vagão, rápido e barato, liga pra cá. O chefe desse lugar leva cinquenta por cento. A gente não reclama, pega o que aparece.
– Pra mim está beleza. Merda.
– Você parece desanimado. Tudo certo?
– Perdi uma mulher.
– Logo vêm outras, e você também vai acabar perdendo elas.
– Pra onde elas vão?
– Experimente isso aqui.
Era uma garrafa em um saco. Tomei um gole. Vinho do porto.
– Obrigado.
– Não há mulheres quando se está na rua.
Ele me passou novamente a garrafa.
– Não deixe ele ver nós dois bebendo. Isso deixa ele louco.
Enquanto estávamos ali sentados, vários homens foram chamados e seguiram para algum posto. Aquilo nos alegrou. Pelo menos havia alguma ação.
Meu amigo negro e eu ficamos esperando, revezando a garrafa.
Até que ela acabou vazia.
– Onde é a loja de bebidas mais próxima? – perguntei.
Recebi o endereço e fui até lá. De alguma maneira, durante o dia, o calor sempre era escaldante nas periferias de Los Angeles. Você avistava os vagabundos caminhando nas redondezas com pesados sobretudos. Mas quando a noite caía, e o albergue estava cheio, aqueles sobretudos vinham a calhar.
Quando retornei da loja, meu amigo continuava ali.
Sentei-me e abri a garrafa, passei o saco.
– Pô, mantém o negócio na moita – ele disse.
Era agradável ficar bebendo aquele vinho.
Alguns mosquitos começaram a se reunir e a circular ao nosso redor.
– Mosquitinhos do vinho – ele disse.
– Os filhos da puta ficam viciados nisso.
– Sabem o que é bom.
– Bebem pra esquecer suas mulheres.
– Só bebem.
Dei um golpe com a mão no ar e apanhei um dos mosquitinhos. Quando a abri a única coisa que pude ver foi uma mancha negra e a estranha visão de duas asinhas. Nada mais.
– Aí vem ele!
Era o jovem de boa aparência que comandava o lugar. Apressou-se em nossa direção.
– Muito bem! Caiam fora daqui! Sumam, seus bebuns de merda! Deem o fora daqui antes que eu chame a polícia!
Ele nos conduziu até a porta, aos empurrões e nos maldizendo. Senti culpa, mas nenhuma raiva. Mesmo enquanto nos empurrava, eu sabia que ele não dava a mínima para o que fazíamos. Ele usava um anel enorme na mão direita.
Não avançávamos com a pressa necessária, e recebi um golpe com a mão do anel no meu supercílio esquerdo; logo senti o sangue começar a correr e depois meu olho inchar. Meu amigo e eu estávamos de volta para as ruas.
Afastamo-nos. Encontramos um pórtico e sentamos sobre os degraus. Passei-lhe a garrafa. Ele deu um gole.
– Coisa fina.
Devolveu-me a garrafa. Dei um gole.
– É, coisa fina.
– O sol já vai alto.
– É, o sol já vai alto mesmo.
Ficamos em silêncio, revezando a garrafa.
Então a bebida chegou ao fim.
– Bem – ele disse, está na minha hora.
– Nos falamos.
Ele se afastou. Levantei-me, segui na direção contrária, dobrei a esquina e ganhei a Main Street. Segui até chegar ao Roxie.
As fotos das strippers estavam expostas atrás de um vidro junto à porta de entrada. Aproximei-me e comprei um ingresso. A garota no guichê parecia melhor do que as fotos. Naquele momento me restavam 38 centavos. Entrei no teatro escuro equipado com oito fileiras de poltronas. As três primeiras estavam lotadas.
Tive sorte. O filme já havia terminado, e a primeira stripper já estava no palco. Darlene. A primeira geralmente era a pior, uma veterana decadente que não conseguiria, no mais das vezes, nada além de uns números de bailado na segunda linha do coro. Seja como fosse, tínhamos Darlene para a abertura. Era provável que alguma das dançarinas tivesse sido assassinada, ou estivesse menstruada, ou tivesse tido uma crise histérica, explicando assim a nova oportunidade para Darlene de um número solo.
Darlene, no entanto, era boa. Magra, mas peituda. Um corpo que lembrava um salgueiro. Ao fim daquelas costas esguias, no meio daquele corpo magro, brotava um enorme traseiro. Era como um milagre – o suficiente para levar um homem à loucura.
Darlene trajava um vestido negro de veludo, longo e muito justo – suas panturrilhas e pernas pareciam de um branco mortiço contra aquela negrura. Ela dançava e nos olhava com olhos de maquiagem extremamente carregada. Era sua chance. Ela queria retornar – ter novamente o seu número no programa. Eu estava com ela. À medida que o zíper descia, mais e mais do seu corpo ficava à mostra, saltando para fora daquele sofisticado vestido de veludo negro, pernas e carne branca. Logo ela estava apenas com seu sutiã cor-de-rosa e uma tanga cheia de penduricalhos, falsos diamantes que balançavam e reluziam aos seus movimentos.
Darlene seguiu dançando e se agarrou à cortina do palco, que estava puída e coberta por uma grossa camada de pó. Ela se agarrou ao pano, dançando no compasso que o quarteto de músicos impunha e sob a luz rosada dos holofotes.
Começou a trepar com a cortina. A banda acelerou o ritmo. Darlene realmente se entregou para a cortina. As luzes rosadas passaram de súbito a púrpuras. A banda veio com tudo. Ela pareceu chegar ao orgasmo. Sua cabeça se curvou para trás, sua boca se abriu.
Então ela se endireitou e voltou dançando para o centro do palco. De onde eu estava sentado, podia escutá-la cantar para si mesma por sobre a música. Agarrou seu sutiã cor-de-rosa e o arrancou, enquanto um cara três filas abaixo acendia um cigarro. Agora restava apenas a tanga. Empurrou o dedo contra o umbigo e gemeu.
Darlene seguiu dançando no centro do palco. A banda tocava com mais sutileza. Ela começou a se mexer com doçura. Então o quarteto começou a esquentar a coisa novamente. Os músicos avançavam para o ato culminante; o baterista atacava o aro da caixa lembrando o fogo de uma metralhadora; eles pareciam extenuados, desesperados.
Darlene manipulou seus seios nus, mostrando-os para a gente, seus olhos reluziam com a plenitude do sonho, seus lábios úmidos e entreabertos. De repente, ela se voltou e balançou seu imenso rabo para nós. As contas tremularam e brilharam em um bailado louco e cintilante. O canhão de luz acompanhava a dança e os movimentos como uma espécie de sol. O quarteto seguia botando para quebrar. Darlene girava e girava. Ela lançou as contas para longe. Eu olhei, eles olharam. Podíamos ver os pelos de sua buceta através de sua segunda pele. A banda realmente fazia sua bunda vibrar.
E eu não conseguia ficar de pau duro.
– Factótum
– Bolas – ele disse. – Estou cansado de pintar. Vamos sair. Estou cheio desse fedor de tinta, estou cansado de ser grande. Estou cansado de esperar pela morte. Vamos sair.
– Sair pra onde? – ela perguntou.
– Pra qualquer lugar. Comer, beber, ver.
– Jorg – ela disse –, que é que eu vou fazer quando você morrer?
– Vai comer, dormir, foder, mijar, se vestir, andar por aí e encher o saco dos outros.
– Eu preciso de segurança.
– Todos nós.
– Quer dizer, não somos casados. Eu não vou poder nem receber o seu seguro.
– Tá tudo bem, não esquenta com isso. Além do mais, você não acredita em casamento, Arlene.
Arlene sentava-se na poltrona cor-de-rosa lendo o jornal da tarde.
– Você diz que cinco mil mulheres querem dormir com você. Onde é que eu fico?
– Cinco mil e uma.
– Acha que eu não consigo outro homem?
– Não, pra você não tem problema. Pode arranjar outro homem em três minutos.
– Acha que eu preciso de um grande pintor?
– Não precisa, não. Um bom bombeiro serve.
– É, desde que ele me ame.
– Claro. Ponha o casaco. Vamos sair.
Desceram a escada do sótão. Para todos os lados, quartos baratos, entupidos de baratas, mas ninguém parecia passar fome: pareciam viver cozinhando coisas em panelões e sentados por toda parte, fumando, limpando as unhas, bebendo latas de cerveja ou dividindo uma comprida garrafa azul de vinho branco, gritando ou rindo uns com os outros, ou peidando, arrotando ou dormindo diante da TV. Não havia muita gente com dinheiro no mundo, mas quanto menos dinheiro tinham melhor pareciam viver. Só precisavam de sono, lençóis limpos, comida, bebida e pomada para hemorroidas. E sempre deixavam os quartos um pouco abertos.
– Idiotas – disse Jorg, quando desciam a escada –, passam a vida fofocando e enchendo a minha vida.
– Oh, Jorg – suspirou Arlene. – Você simplesmente não gosta das pessoas, gosta?
Jorg ergueu uma sobrancelha para ela, mas não respondeu. A reação de Arlene ao que ele sentia pelas massas era sempre a mesma – como se não amar as pessoas fosse algo que revelasse uma imperdoável deficiência espiritual. Mas ela era uma foda excelente e uma companhia agradável – a maior parte do tempo.
Chegaram ao boulevard e seguiram andando, Jorg com a barba vermelha e branca, os dentes amarelos podres e o mau hálito, as orelhas roxas, os olhos assustados, o casaco fedorento rasgado e a bengala branca de marfim. Sentia-se melhor quando estava pior.
– Merda – disse –, tudo morre cagando.
Arlene rebolava o rabo, não fazendo segredo dele, Jorg batia na calçada com a bengala, e até o sol olhava lá de cima e dizia Ô-hô! Chegaram finalmente ao velho prédio miserável onde morava Serge. Jorg e Serge vinham ambos pintando há anos, mas só recentemente tinham vendido suas obras por mais que peidos de porco. Tinham passado fome juntos, agora se tornavam famosos separados. Jorg e Arlene entraram no hotel e subiram a escada. O cheiro de iodo e fritura de frango enchia os corredores. Num quarto, alguém fodia sem fazer segredo disso. Eles subiram até o sótão e Arlene bateu. Abriu-se a porta, e lá estava Serge.
– Tchan-tchan! – ele disse. E corou. – Oh, desculpem... entrem.
– Que diabos deu em você? – perguntou Jorg.
– Senta aí. Pensei que fosse Lila...
– Você brinca de esconder com Lila?
– Esquece.
– Serge, você precisa se livrar dessa dona, ela está fundindo sua cuca.
– Ela aponta meus lápis.
– Serge, ela é jovem demais pra você.
– Tem trinta anos.
– E você sessenta. São trinta anos.
– Trinta anos é demais?
– Claro.
– E vinte? – perguntou Serge, olhando para Arlene.
– Vinte anos é aceitável. Trinta anos é obsceno.
– Por que vocês dois não arranjam mulheres da sua idade? – perguntou Arlene.
Os dois olharam-na.
– Ela gosta de fazer piadinhas – disse Jorg.
– É – disse Serge –, é engraçada. Vamos lá, escuta, eu mostro a vocês o que estou fazendo.
Seguiram-no até o quarto. Ele tirou os sapatos e estendeu-se na cama.
– Estão vendo? É assim, olha. Todos os confortos. – Serge amarrara os pincéis em longos cabos e pintava numa tela presa ao teto. – É minhas costas. Não posso pintar dez minutos sem parar. Assim, pinto horas.
– Quem mistura suas tintas?
– Lila. Eu digo a ela: “Mergulhe no azul. Agora um pouco de verde.” Ela é muito boa. Posso acabar deixando os pincéis a ela e ficar por aí lendo revistas.
Então ouviram Lila subindo a escada. Ela abriu a porta, atravessou a sala da frente e entrou no quarto.
– Opa – disse –, vejo que o velho vagabundo tá pintando.
– É... – disse Jorg – diz que você machucou as costas dele.
– Eu não falei nada disso.
– Vamos sair pra comer – disse Arlene.
Serge gemeu e levantou-se.
– Palavra de honra – disse Lila. – Ele só fica por aí deitado como uma rã doente, a maior parte do tempo.
– Preciso de um trago – disse Serge. – Aí volto à forma.
Desceram juntos para a rua e foram a The Sheep’s Tick. Dois rapazes em meados da casa dos vinte se aproximaram. Usavam suéteres de gola rolê.
– Oi, vocês são os pintores Jorg Swenson e Serge Maro!
– Sai da frente, porra! – disse Serge.
Jorg brandiu sua bengala de marfim. Atingiu o mais jovem dos rapazes bem no joelho.
– Merda – disse o rapaz –, me quebrou a perna!
– Espero – disse Jorg. – Talvez você aprenda um pouco de boas maneiras!
Seguiram para The Sheep’s Tick. Quando entraram, subiu um zunzum dos comensais. O chefe dos garçons acorreu imediatamente, curvando-se e acenando com menus e falando coisas lisonjeiras em italiano, francês e russo.
– Veja esses pelos negros, compridos, nas narinas dele – disse Serge. – Realmente nojento.
– É – disse Jorg, e gritou para o garçom: – ESCONDA O NARIZ!
– Cinco garrafas de seu melhor vinho! – berrou Serge, enquanto se sentavam à melhor mesa.
O chefe dos garçons desapareceu.
– Vocês dois são dois babacas – disse Lila.
Jorg correu a mão pela perna dela acima.
– Dois imortais vivos têm direito a algumas indiscrições.
– Tira a mão de minha xoxota, Jorg.
– A xoxota não é sua, é de Serge.
– Tira a mão da xoxota de Serge, senão eu grito.
– Minha vontade é fraca.
Ela gritou. Jorg tirou a mão. O chefe dos garçons aproximou-se com o carrinho contendo um balde de vinho. Rolou as garrafas no gelo, curvou-se e tirou uma rolha. Encheu a taça de Jorg. Jorg esvaziou-a.
– É merda – disse –, mas tudo bem. Abra as garrafas!
– Todas?
– Todas, seu babaca, e depressa com isso!
– É um trapalhão – disse Jorg. – Olha só pra ele. Vamos jantar?
– Jantar? – disse Arlene. – Vocês só fazem beber. Acho que nunca vi nenhum dos dois comer mais que um ovo mole.
– Suma de minha vista, covarde – disse Serge ao garçom.
O chefe dos garçons sumiu.
– Vocês não deviam falar assim com os outros – disse Lila.
– Pagamos nossas contas – disse Serge.
– Não têm o direito – disse Arlene.
– Acho que não – disse Jorg –, mas é interessante.
– Os outros não têm de aceitar essa merda – disse Lila.
– Os outros aceitam o que têm de aceitar – disse Jorg. – Aceitam muito pior.
– Só o que eles querem são os quadros de vocês – disse Arlene.
– Nós somos nossos quadros – disse Serge.
– As mulheres são idiotas – disse Jorg.
– Cuidado – disse Serge. – Também são capazes de terríveis atos de vingança...
Ficaram umas duas horas tomando vinho.
– O homem é menos delicado que o gafanhoto – disse Jorg por fim.
– O homem é a cloaca do universo – disse Serge.
– Vocês são dois babacas mesmo – disse Lila.
– Claro que são – disse Arlene.
– Vamos trocar esta noite – disse Jorg. – Eu fodo sua xoxota e você fode a minha.
– Ah, não – disse Arlene – nada disso.
– E isso aí – disse Lila.
– Estou com vontade de pintar – disse Jorg. – Estou chateado de beber.
– Eu também estou com vontade de pintar – disse Serge.
– Vamos dar o fora daqui – disse Jorg.
– Escuta – disse Lila –, ainda não pagaram a conta.
– Conta? – berrou Serge. – Você não acha que a gente vai pagar por essa merda?
– Vamos – disse Jorg.
Quando se levantavam, surgiu o chefe dos garçons com a conta.
– Essa merda fede – berrou Serge, dando saltos. – Eu jamais pediria a ninguém que pagasse por uma coisa dessas! Quero que você saiba que a prova está no mijo!
Serge agarrou uma meia garrafa de vinho, abriu à força a camisa do garçom e despejou o vinho no peito. Jorg mantinha a bengala como uma espada. O chefe dos garçons parecia confuso. Era um belo rapaz com unhas compridas e um caro apartamento. Estudava química e certa vez ganhara o segundo prêmio num concurso de ópera. Jorg brandiu a bengala e atingiu o garçom, com força, pouco abaixo da orelha esquerda. O garçom ficou muito pálido e oscilou. Jorg atingiu-o mais três vezes no mesmo lugar, e ele desabou.
Saíram juntos, Serge, Jorg, Lila e Arlene. Estavam todos bêbados, mas tinham um certo porte, uma coisa singular. Saíram pela porta e alcançaram a rua.
Um jovem casal sentado a uma mesa próxima tinha visto tudo. O rapaz parecia inteligente, só uma grande bolota de carne perto da ponta do nariz estragava esse efeito. A garota era gorda mas linda, num vestido azul-escuro. Um dia quisera ser freira.
– Eles não foram magníficos? – perguntou o rapaz.
– Foram babacas – disse a garota.
O rapaz acenou pedindo uma terceira garrafa de vinho. Ia ser outra noite difícil.
– Numa fria
Os poemas das três primeiras partes deste livro são dos anos de 1955 a 1968, e os poemas da última parte correspondem aos trabalhos novos de 1972 a 1973. O leitor poderá se perguntar o que aconteceu entre os anos de 1969 e 1971, uma vez que o autor desapareceu (literalmente) entre os anos de 1944 e 1954. Mas não desta vez. The Days Run Away Like Wild Horses Over the Hills (Black Sparrow Press, 1969) contém os poemas escritos ao fim de 1968 e em boa parte de 1969, mais uma seleta de cinco poemas que haviam saído em edições caseiras não cobertas pelas três primeiras partes do presente livro. Mockingbird Wish me Luck (Black Sparrow Press, 1972) traz impressos poemas escritos do fim de 1969 até o início de 1972. Assim, para os críticos, leitores, amigos, inimigos, ex-amantes, novas amantes, o presente volume, junto com Days e Mockingbird, contém o que considero ser o melhor de meu trabalho escrito nos últimos dezenove anos.
Cada uma das partes faz ressurgir lembranças caras. Para Meu coração tomado em suas mãos me pediram para fazer uma viagem a Nova Orleans. O editor tinha que, em primeiro lugar, certificar-se de que eu era uma pessoa decente. Ao apanhar o trem na Union Station logo na sequência do Terminal Anexo aos Correios onde eu trabalhava para o Tio Sam, sentei-me no vagão-restaurante e comecei a beber uísque com água e voei para Nova Orleans para ser julgado e avaliado por um ex-presidiário que dirigia uma antiga casa editorial. Jon Webb acreditava que a maioria dos escritores (e ele conhecera alguns bons, incluindo Sherwood Anderson, Faulkner, Hemingway) eram seres humanos detestáveis quando estavam longe de suas máquinas de escrever. Cheguei, eles me conheceram, Jon e sua esposa, Louise, bebemos e conversamos por duas semanas, então Jon Webb disse, “Você é um canalha, Bukowski, mas vou publicá-lo assim mesmo”. Fui embora da cidade. Mas isso não foi tudo. Logo os dois estavam em Los Angeles com seus dois cães em um hotel ecológico que ficava nos limites da periferia. Ele queria uma confirmação. Bebemos e conversamos. Eu seguia sendo um canalha. Adeus. Muitos acenos pela janela do trem. Louise chorava por detrás do vidro. Meu coração foi publicado...
O grosso dos poemas de Crucifixo em uma mão morta foi escrito durante um mês extremamente quente e lírico em Nova Orleans no ano de 1965. Eu caminhava pela rua e tonteava, sóbrio eu tonteava, ouvir os sinos das igrejas, os cachorros feridos, feria a mim, tudo isso me feria. Eu tinha mergulhado em uma depressão, sofrera um apagão depois de publicar Meu coração e Jon e Louise haviam me trazido de volta para Nova Orleans. Eu vivia em uma esquina perto da casa deles com uma mulher gorda e gentil cujo ex-marido (que já estava morto) tinha quase chegado a ser campeão mundial dos pesos médios ou dos leves, esqueci ao certo. Todas as noites eu visitava Jon e Louise, e bebíamos até o amanhecer junto à pequena mesa da cozinha secundada por baratas que não paravam de subir e descer na parede a nossa frente (elas gostavam, em especial, de se mover em círculo ao redor de um bico de luz que brotava diretamente da parede) enquanto conversávamos e bebíamos.
Eu voltava para o meu canto e acordava por volta das dez e meia da manhã, bastante enjoado. Eu me vestia e seguia até a casa de Jon. A editora ficava abaixo do nível da rua e eu dava uma olhada para ver se ele estava por ali antes de bater. Podia vê-lo pela janela, calmo, relaxado, sem qualquer sinal de ressaca, murmurando e alinhando as páginas de Crucifixo na prensa.
“Trouxe algum poema, Bukowski?”, ele perguntava, assim que eu entrava. (É preciso ter cuidado: alimentar uma prensa à espera de material com poemas pode facilmente reduzir-se a jornalismo.)
Jon desconcertava-se de imediato se eu não tivesse trazido um punhado de poemas. Não era tão bom ficar ao lado daquele puto nessas ocasiões, e eu logo me via de volta ao meu quarto trabalhando na máquina de escrever. À noite, se eu lhe trouxesse algumas páginas de poesia, seu humor melhorava de modo considerável.
Então eu seguia escrevendo poemas. Bebíamos com as baratas, o lugar era pequeno, e as páginas 5, 6, 7 e 8 ficavam enfiadas na banheira, ninguém tomaria banho, e as páginas 1, 2, 3 e 4 ficavam em um grande baú, e logo não havia espaço para colocar qualquer outra coisa. Havia páginas até o teto. Com muita cautela, nos moviámos entre elas. A banheira tinha sido útil, mas a cama se tornou um problema. Então Jon construiu uma espécie de elevação com umas sobras de madeira. Mais uma escada. E Jon e Louise passaram a dormir ali sobre um colchão e a cama foi descartada. Assim havia mais espaço no chão para espalhar as folhas. “Bukowski, Bukowski por toda parte! Vou ficar louca!”, disse Louise. As baratas circulavam e nós bebíamos e a prensa engolia meus poemas. Um tempo muito estranho, e lá estava Crucifixo...
Eu costumava ir à casa de John Thomas e ficar por lá a noite inteira. Tomávamos boletas e bebíamos e conversávamos. Quero dizer, John tomava as boletas e eu as tomava junto com a bebida, e nós conversávamos. John tinha então o hábito de gravar tudo, fosse bom ou não, estúpido ou interessante, inútil ou aproveitável. Escutaríamos nossas conversas no dia seguinte, e era um processo válido, ao menos para mim. Eu percebia o quão imbecil, insuportável e desfocado seguidamente me tornava, ao menos quando estava bêbado. E algumas vezes mesmo quando não estava.
Certa vez, durante essas gravações, John pediu que eu levasse uns poemas e os lesse. Eu o fiz. E deixei os poemas por lá e esqueci que existiam. Os poemas foram jogados fora junto com o lixo. Meses se passaram. Um dia, Thomas me ligou. “Aqueles poemas, Bukowski, dariam um bom livro.” “Que poemas, John?” Ele disse que tinha pegado a fita com os meus poemas e a tinha ouvido de novo. “Eu teria que transcrevê-los, isso daria muito trabalho”, eu disse. “Eu transcrevo para você.” Concordei, e logo tinha os poemas mais uma vez datilografados.
Desta vez, um homem careca e ruivo, com uma testa alta e lustrosa, meticuloso e gentil, com um sorriso escarninho quase imperceptível e constante, estava por aparecer. Trabalhava como gerente em uma firma de móveis e suprimentos e era colecionador de livros raros. Seu nome era John Martin. Havia publicado alguns de meus poemas em edições caseiras. Ele assinava uns cheques em meu nome enquanto eu me sentava a sua frente na cozinha e assinava aqueles panfletos. Ali estava começando a Black Sparrow Press, uma editora que logo começaria a publicar uma grande parcela da poesia de vanguarda na América, mas nenhum de nós sabia disso então.
Mostrei a John os poemas que Thomas tinha transcrito para mim. Eu havia revisado as transcrições e ele fizera um trabalho muito cuidadoso e acurado. John Martin levou os poemas consigo e me ligou alguns dias depois: “Você tem um livro aí e eu mesmo vou publicá-lo”. E foi assim que alguns poemas quase perdidos foram reencontrados e impressos em livro e a Black Sparrow alçou voo. Chamei o livro de Na rua do terror e no caminho da agonia.
Dando uma olhada nesses poemas escritos entre 1955 e 1973, gosto mais (por uma ou outra razão) daqueles escritos por último. Isso é algo que me agrada. Não faço a mais vaga ideia, claro, da forma que meus poemas futuros terão, sequer se escreverei outros mais, porque não posso garantir nem mesmo que vá seguir vivendo, mas uma vez que comecei a escrever poesia tarde na vida, por volta dos 35, gosto de pensar que eles me darão alguns anos a mais nessa reta final. Enquanto isso, os poemas que agora seguem terão de cumprir essa missão.
Charles Bukowski
30 de janeiro de 1974
em São Francisco a senhoria, 80, me ajudou a arrastar a Vitrola
verde escada acima e eu toquei a 5ª do Beethoven
até que batessem nas paredes.
havia um balde enorme no meio do quarto
cheio de garrafas de cerveja e de vinho;
então, pode ter sido o delirium tremens, certa tarde
ouvi o som de algo como um sino
só que o sino estava zunindo ao invés de bater,
e logo uma luz dourada apareceu no canto do quarto
bem perto do teto
e através do som e da luz
brilhou a face de uma mulher, envelhecida mas bonita,
e ela me olhou voltando os olhos para baixo
e então uma face masculina apareceu ao seu lado,
a luz se tornou mais forte e o homem disse:
nós, os artistas, estamos orgulhosos de você!
então a mulher disse: o pobrezinho está assustado,
e eu estava, e então eles desapareceram.
levantei, me vesti, e fui até o bar
me perguntando quem eram os artistas e por que razão estariam
orgulhosos de mim. havia umas vivas almas no bar
e consegui algumas bebidas de graça, coloquei fogo nas calças graças
às brasas do meu cachimbo de sabugo, quebrei um copo deliberadamente,
não me sentia incomodado, conheci um homem que dizia ser William
Saroyan, e bebemos até que uma mulher entrou e
puxou-o para fora pela orelha e pensei, não, esse não pode ser o
William, e um outro cara apareceu e disse: velho, você fala
grosso, bem, escute, há pouco saí por assalto e
agressão, então não se meta comigo! fomos para fora do
bar, ele era um bom garoto, sabia como usar os punhos, e aquilo seguiu
bastante parelho, até que eles nos separaram e voltamos
a entrar e bebemos por mais um par de horas. voltei
para o meu quarto, coloquei a 5a de Beethoven e
quando bateram nas paredes eu bati de
volta.
continuo pensando em mim mesmo jovem, lá, o jeito que eu era,
e mal posso acreditar nisso mas não importa.
espero que os artistas sigam orgulhosos de mim
mas eles nunca mais
retornaram.
a guerra atropelou tudo e quando me dei conta
estava em Nova Orleans
caminhando bêbado até um bar
depois de cair no meio da lama numa noite chuvosa.
vi um homem esfaquear outro e fui até uma juke box
colocar uma moeda.
aquilo era um começo. São
Francisco e Nova Orleans eram duas das minhas
cidades favoritas.
mande quantos poemas você quiser, mantenha
apenas cada um deles a dez linhas no máximo.
nenhum limite quanto ao estilo ou conteúdo
embora prefiramos poemas de
afirmação.
espaço duplo
com seu nome e endereço na
parte superior do cabeçalho
esquerdo.
os editores não se responsabilizam pelos
manuscritos
sem envelope de retorno
todos os esforços
serão feitos para
julgar os trabalhos num prazo de 90
dias.
após uma cuidadosa seleção
a escolha final será feita por
Elly May Moody,
editora-geral responsável.
por favor envie dez dólares
para cada poema
apresentado.
um prêmio final de
75 dólares será
entregue ao vencedor
do
Prêmio de ouro Elly May Moody de
poesia,
junto com um certificado
assinado por
Elly May Moody.
também serão premiados com certificados os 2º, 3º e
4º lugares
todos com a assinatura de
Elly May Moody.
as decisões são
irrevogáveis.
os vencedores do prêmio serão
publicados no número de primavera de
O coração do paraíso.
os vencedores do prêmio também receberão
uma cópia da revista
junto com
a última coletânea de
poesia de
Elly May Moody,
O lugar onde morreu
o inverno.

A cena da banheira era simples. Francine sentava-se dentro e Jack Bledsoe no chão, do lado de fora, recostado na banheira, enquanto Francine falava de várias coisas, principalmente sobre um assassino que vivia no prédio e se achava em liberdade condicional. O homem, que morava com uma velha, espancava-a continuamente. Ouviam-se o assassino e sua dona discutindo e se xingando através das paredes.
Pinchot me pedira para escrever diálogos de pessoas brigando do outro lado das paredes, e eu lhe dera várias páginas. Basicamente, essa fora a parte mais gostosa da criação do argumento.
Muitas vezes, nessas pensões e apartamentos baratos, não se tinha nada a fazer quando se estava duro, morrendo de fome e reduzido à última garrafa. Não se tinha nada a fazer senão escutar aquelas discussões cabeludas. Elas faziam a gente compreender que não era o único desiludido do mundo, não era o único à beira da loucura.
Não podíamos ver a cena da banheira, porque não havia espaço suficiente lá dentro, por isso Sarah e eu ficamos esperando na porta da frente do apartamento, com a cozinha para um lado. Na verdade, trinta anos atrás eu tinha morado por pouco tempo naquele mesmo prédio da Rua Alvarado, com a dona sobre a qual escrevera o argumento. Era de fato estranho e arrepiante. “Tudo que passa, volta.” De uma maneira ou de outra. E trinta anos depois, o lugar parecia mais ou menos o mesmo. Só que as pessoas que eu conhecera tinham todas morrido. A dona morrera três décadas atrás, e ali estava eu sentado, tomando uma bebida naquele mesmo prédio cheio de câmeras e som e técnicos. Bem, eu ia morrer também, muito breve. Sirva um por mim.
Preparavam comida na pequena cozinha, e a geladeira regurgitava de cervejas. Fiz algumas incursões por lá. Sarah encontrou pessoas com quem conversar. Tinha sorte. Toda vez que alguém falava comigo, eu sentia vontade de saltar pela janela ou descer no elevador. As pessoas simplesmente não tinham interesse algum. Talvez não devessem ter. Mas os animais, pássaros, até mesmo os insetos tinham. Eu não entendia.
Jon Pinchot continuava adiantado um dia em relação ao cronograma de filmagens, e eu estava satisfeito pra burro com isso. Tirava a Firepower do nosso pé. Os grandolas não apareciam. Tinham seus espias, é claro. Eu os via.
Alguns membros da equipe tinham livros meus. Pediam autógrafos. Os livros que traziam eram curiosos. Quer dizer, eu não os considerava os melhores. (Meu melhor livro é sempre o último que escrevi.) Alguns deles tinham um livro de minhas primeiras histórias pornográficas, Batendo punheta no demônio. Alguns livros de poemas, Mozart na figueira e Você deixaria esse homem tomar conta de sua filhinha de auatro anos? Também A latrina do bar é minha capela.
O dia passava, em paz mas sem alegria.
Bela cena de banheira, eu pensava. Francine deve estar bem lavada a essa altura.
Jon Pinchot entrou correndo no quarto. Parecia descomposto. Até o zíper estava meio aberto. Despenteado. Os olhos pareciam ao mesmo tempo ensandecidos e vazios.
– Meu Deus! – disse. – Aqui está você!
– Como vai indo?
Ele se curvou sobre mim e me sussurrou no ouvido:
– É terrível, é de enlouquecer! Francine está preocupada com a possibilidade do bico do peito dela aparecer acima d’água! Fica perguntando: “Meus peitos estão aparecendo?”
– Que mal faz um peitinho?
Jon se curvou mais ainda.
– Ela não é mais tão jovem quanto gostaria... E Hyans odeia aquela iluminação... Não suporta a iluminação e está bebendo cada vez mais...
Hyans era o câmera. Ganhara quase todos os prêmios do ramo, um dos melhores câmeras vivos, mas, como a maioria das almas grandes, gostava de seu traguinho de vez em quando.
Jon prosseguiu, sussurrando freneticamente:
– E Jack não diz uma fala certa. Temos de cortar o tempo todo. Tem alguma coisa nas falas que incomoda ele, e ele fica com aquele sorriso idiota no rosto quando as diz.
– Qual é a fala?
– É: “Ele tem de masturbar o agente da condicional quando o cara aparece”.
– Tudo bem, experimente: “Ele tem de tocar punheta no agente da condicional quando o cara aparece”.
– Nossa, obrigado! ESTA VAI SER A décima nona TOMADA!
– Meu Deus – eu disse.
– Me deseje sorte...
– Sorte...
Jon deixou o quarto. Sarah se aproximou.
– Que é que há?
– A décima nona tomada. Francine está com medo de mostrar os peitos, Jack não consegue dizer sua fala, e Hyans não gosta da iluminação.
– Francine precisa de um trago – ela disse. – Vai fazer ela se soltar.
– Hyans não precisa de um trago.
– Eu sei. E Jack vai conseguir dizer a fala quando Francine se soltar.
– Talvez.
Nesse momento Francine entrou no quarto. Parecia inteiramente perdida, completamente por fora. Usava um roupão, uma toalha amarrada na cabeça.
– Vou dizer a ela – disse Sarah.
Aproximou-se de Francine e falou-lhe baixinho. A outra escutou. Assentiu levemente com a cabeça, saiu do quarto por uma porta à esquerda. Num instante, Sarah emergiu da cozinha com uma xícara de café. Bem, tinha scotch, vodca, uísque e gim naquela cozinha. Sarah preparara alguma coisa. A porta abriu-se, fechou-se e a xícara de café desapareceu.
Sarah aproximou-se.
– Ela vai ficar bem agora...
Passaram-se dois ou três minutos, e a porta do quarto abriu-se de repente. Francine saiu e dirigiu-se para o banheiro e a câmera. Quando passava, seus olhos encontraram os de Sarah:
– Obrigada!
Bem, não havia nada a fazer senão ficar sentado e bater mais papo.
Eu não podia deixar de lançar uma olhada ao passado. Aquele era o mesmo prédio do qual eu fora despejado por levar três mulheres para meu quarto certa noite. Naquele tempo não tinha essa de Direitos do Inquilino.
– Sr. Chinaski – dissera a senhoria –, aqui moram pessoas religiosas, pessoas trabalhadoras, pessoas com filhos. Eu nunca recebi uma queixa dessas sobre outros inquilinos. E soube também que o senhor... aquelas cantorias, aqueles xingamentos... quebra-quebra... palavrões e risadas... Em toda a minha vida, eu jamais soube de nada parecido com o que aconteceu em seu quarto ontem à noite!
– Tudo bem, eu saio...
– Obrigada.
Eu devia estar louco. Sem me barbear. A camiseta cheia de buracos de cigarro. Meu único desejo era ter mais de uma garrafa na cômoda. Não era feito para o mundo nem o mundo pra mim, e encontrara outros como eu, e em sua maioria esses outros eram mulheres, mulheres com as quais a maioria dos homens jamais iria querer ficar num mesmo quarto, mas que eu adorava, elas me inspiravam, eu fazia teatro, xingava, saltava pelo quarto de cueca dizendo-lhes que era grande, mas só eu acreditava nisso. Elas apenas berravam: “Foda-se! Sirva mais um pouco de álcool!” Aquelas donas do inferno, aquelas donas no inferno comigo.
Jon Pinchot entrou rápido no quarto:
– Deu tudo certo! Que dia! Agora, amanhã recomeçamos tudo!
– Agradeça a Sarah! – eu disse. – Ela sabe preparar uma bebida mágica.
– Quê?
– Ela soltou Francine com uma coisa numa xícara de café.
Jon voltou-se para Sarah.
– Muito obrigado...
– Disponha – respondeu Sarah.
– Nossa – disse Jon –, estou neste ramo há muito tempo e nunca fiz dezenove tomadas!
– Eu soube – eu disse – que Chaplin às vezes fazia cem tomadas até conseguir o que queria.
– Isso era Chaplin – disse Jon. – Cem tomadas, e nosso orçamento vai embora.
E foi isso aí por esse dia. A não ser por Sarah, que disse:
– Diabos, vamos ao Musso’s.
O que fizemos. E conseguimos uma mesa na Sala Velha e pedimos umas bebidas enquanto olhávamos o menu.
– Lembram? – perguntei. – Lembram dos velhos tempos quando a gente vinha aqui ver as pessoas nas mesas e tentar localizar os tipos, os atores, os diretores ou produtores, os tipos do pornô, os agentes, os aspirantes? E a gente pensava: “Veja só eles, discutindo suas negociatas de filmes, ou os contratos sobre seus últimos filmes”. Que toupeiras, que desajustados. Melhor desviar o olhar quando chegarem o peixe-espada e o linguado.
– A gente achava eles uns merdas – disse Sarah – e agora nós é que somos.
– Tudo que passa, volta...
– Certo! Acho que vou querer o linguado...
O garçom pairava acima de nós, arrastando os pés, franzindo o cenho, os pelos das sobrancelhas caindo sobre os olhos. Musso estava ali desde 1919, e tudo era um pé no saco para ele: nós, e todos os demais na casa. Eu concordava. Decidi pelo peixe-espada. Com batatas fritas.
– Hollywood
Antônio Massa me faz senti-lo como uma espécie de poeta do desencanto, no tocante ao seu canto e suas queixas sobre a condição humana. O poema Cartesianos é o mais expressivo dos versos que eu li. Nele o racionalismo é ponto de partida, e dentro do qual está, com toda a clareza, uma grande queixa, uma ode, um hino e, finalmente um manifesto pela liberdade, a liberdade que exigiria romper com os laços do convencionalismo racionalista das coisas institucionalizadas. Importa pois, sair das formas geométricas dentro das quais estamos perdidos, engradados, resignados a um teorema.
O racionalismo, então pré-racionalismo, com Santo Agostinho, em "A Cidade de Deus", estava assim expresso, no século III : "Intelligas ut creda; credi ut intelligas"( Ver para crer, crer para compreender). Mas tarde o santo diria " Se eu me engano é porque sou, pois quem não se engana não é" , num rompante próprio dos padres filósofos, da filosofia patrística que procurava explicar Deus não mais à luz dos dogmas e sim de um entendimento racional. René Descartes, século XIV, retoma as perquirições agostinianas e, com o " Penso, logo existo" ( Cogito, ergo sum ), passa à história como o criador do racionalismo, face aos seus conhecimentos das ciências matemáticas...
O racionalismo, portanto, foi apenas a busca das dimensões reais das coisas, quando a humanidade ainda se debatia entre a mitologia, a religião e as ciências. E não poderia ter nada a ver com convencionalismo, muito mais um categoria sócio-político e elemento fundamental das sociedades humanas que nos contiveram em números, datas, e um código de obrigações, forçando a que o poeta, angustiado, afirme em "Firma Reconhecida", com todos tons e matizes da alma que busca o sentido do existir, do homem que busca um papel humano, ou humanístico:

Está tudo no papel
e em todos os papéis
homens carimbados
buscando papel de gente.

Mas Antonio Massa, em Cartesianos, abre fogo contra o racionalismo
Por demais acartesianados
não distinguimos o espírito
despido de números ou códigos.
E segue :
Nem entendemos que o silêncio
foi criado a fim de ouvirmos seu doce pranto.

E prossegue falando das nossas preocupações sobre quantos raios o sol emite ou de quantos pelos há na pubis; da nossa incapacidade de separarmos o homem do lobisomen que há dentro de nós, insensível e incapaz de conceder, conceber, perdoar, empreender, etc, no tocante a certas necessidades e relações entre seres humanos, por vezes não institucionalizadas e por isto estranhas e condenadas...
Num crescendo, Antonio Massa pretende dar por encerrada sua queixa quando nos afirma:
Estamos esperando
que a praia seque
e o mar se vá
para sentarmos, então, ao nada
e queixarmos academicamente
- Onde foi que erramos a conta ?

Quando imagino que o poema lembra uma ode á liberdade, lembro-me de Max Nordau, que escreveu sobre as mentiras convencionais do século XX. E até mesmo de Zaratustra, de Nietzsche, quando nos afirma que desteta os que se escondem por detrás de uma estrela e não lutam pela terra...
Quando tudo parece estar finalizando, então, Antonio Massa dá uma receita de como encerar o homem, na verdade a sua vaiade, o seu egoismo, a sua pretendida identidade, no fundo mesmo a sua caricatura, em Instruções para se Encerar um Homem. E depois de muitas peripécias chega ao topo do homem, a cabeça, afirmando:
Ao chegar ao topo,
deve-se abrir a caixa
e sujar o homem com seu
conteúdo
e quando
depois de ofuscada a cera
teremos um homem perfeito.

...o que o poeta parece nos querer dizer, que o brilho, o polimento dado no homem tanto pode ser efêmero como necessário, por vezes, que a caricatura do homem que somos e temos sido é algo incômodo.
Mas quando menos se espera que o tema está terminado Antonio Massa nos informa, em Não há vagas, que o homem continua procurando vagas ( espaço ) em todos os lugares:
...nas casas, nas mágoas
no ofício de gente
no prato do irmão.

...nos muros , na arte
e nos arremates
de vida e de sorte.

...apesar de tudo, numa fatalidade dramática, se não estiver enganado. Mas agora um certo "darwinismo social" toma conta do tema do poeta
porque, feliz ou felizmente

...os senhores da Ordem
justos e prestos
buscam informatizar
as alas do inferno.

...impedindo-nos mesmo de uma morte tranquila...
O que há de belo nos poetas e nas poesias são as suas afirmativas e negativas, as suas contraposições metafísicas, mas, de repente, a espiral dialética que lhes permitem sair no outro lado do túnel.
Continuo acreditando no Zaratustra, de Nietzsche, quando nos afirma que às vezes é preciso termos o caos dentro de nós para darmos à luz uma estrela cintilante.
Pode ter sido, não sei, o caos que Antonio Massa vê em torno do homem o motivo para que ele desse ao mundo a sua estrela cintilante, sob forma de poesia.
Quem sabe,finalmente, e também, não lhe moveu, inconscientemente, a alma de Gonçalves Dias, o poeta guerreiro que o convocou para não se intimidar diante do mundo e do homem, ordenando-lhe denunciar as prefigurações do ente que está mais próximo dele mesmo e sobre o qual ele tem algumas dúvidas...
O mundo é assim mesmo, meu caro poeta. Mas apesar de tudo estaremos sempre a sair do outro lado do túnel. E você saiu, com sua poesia, apesar das "dores do mundo", do melancólico mas extraordinário Schopenhauer...
Quando Nietzsche, do "Ecce Homo", trata do homem no tocante à "vontade do advento" nos afirma, categoricamente: "...aquilo que não o aniquila, torna-o bem mais forte..."
O advento da poesia, em sua vida, meu caro poeta, é a sua estrela cintilante.
Vá em frente...
Luiz Nogueira Barros

Devir Louco

Que me desculpem os seus exacerbados paladinos, mas o devir louco é o reino das paixões. E a paixão? oh! a paixão, o que é isto caro leitor? É bem possível que você tenha a sua opinião. Apesar disso, permita que eu externe a minha. Bem, antes de mais nada a coloquemos no seu devido lugar, ou seja, dentro do corpo. Afinal, toda e qualquer paixão emana do corpo e o corpo é a sua fonte primeira e última. No corpo, a paixão é uma das nossas emoções, como o medo, o susto, a alegria, a coragem e etc. Inclusive, delas, é a principal, posto ser através da paixão que os animais suprem suas necessidades básicas, como a alimentação e o acasalamento. Decididamente, por ser uma emoção básica em qualquer animal, a paixão não é uma conquista da civilização ou da cultura. A paixão, sem dúvida, não é uma invenção humana.
Os seres humanos, entretanto, incorporaram as diversas paixões possíveis, isto é, as emoções, aos seus códigos, símbolos e condutas culturais. Entre os procedimentos necessários da paixão, decodificados e incorporados nas manifestações culturais, um dos mais antigos é a postura de caçador. Esta veio a ser a base modeladora de muitos mitos e ritos ao longo dos 100 mil anos de existência do Homo sapiens sapiens. No bojo dessa postura caçadora veio a paixão pela guerra.
Como condição necessária da vida animal, as emoções evocam situações restritivas uma vez que as necessidades são necessárias apenas enquanto o prazer é ausente. Se há falta, há necessidade e a sua satisfação é o seu limite. Além da necessidade há outra coisa, mas não mais o domínio da emoção. Há sentimento. Porém, a satisfação de uma paixão é o fim e início de outra falta. O ciclo gira em torno da necessidade, da falta e da satisfação, que neste caso, é sempre provisória: mais cedo ou mais tarde o caçador deverá sair à campo atrás de mais caça. E a satisfação, então passageira, não será nada mais ou nada menos do que o retorno da superação de uma necessidade insistindo em voltar. O retorno da necessidade através da permanência da falta, aflora assim que o desejo é satisfeito.
Não há como escapar disso amigo. Se a paixão é uma emoção necessária, sua satisfação deverá ser permanentemente ratificada. Neste caso, enquanto expressão básica da vida animal, a paixão existe porque existe a fome e a reprodução, que garantem a sobrevivência das espécies. Portanto, a paixão está presente no ser humano, assim como está presente nos animais selvagens, sejam mamíferos, répteis ou aves, porque é um instinto básico da luta pela sobrevivência. A paixão, quem diria, hem? é uma emoção demasiada animal!
A guerra só é possível quando existe a paixão por uma causa, na qual a luta pela sobrevivência, traduzida como necessidade de conquista, é um poderoso argumento de convencimento. Entretanto, se é necessidade, isto é, se a paixão é da conta dos instintos e, obviamente, do corpo, então seus parâmetros emocionais estão diretamente relacionados aos ciclos vitais. Ciclos esses que se colocam entre o nascimento e a morte. Em síntese, entre o prazer da vida (o prazer do ganho) e a dor da morte ( dor da perda).
Enquanto substrato de emoções tão díspares, como aquelas que se manifestam no prazer ou na dor, a paixão se manifesta positiva ou negativamente, dependendo do nível da falta a ser satisfeita. Em nome da satisfação da necessidade ausente, a luta e a morte são perfeitamente justificáveis.
Ah, a morte! Limite de toda e qualquer necessidade: a morte de um em prol da permanência de outro; o caçador mata a caça para permanecer vivo; para suprir uma falta só identificável na sua necessidade particular; identidade que só enxerga a si mesmo, acabando por excluir tudo o que é diferente, externo ou estranho. Porém, a natureza caçadora desconhece que ninguém abate uma presa impunemente. Todos os atos efetivados, unicamente, com a emoção da conquista, compromete os corpos envolvidos para sempre. Portanto, a conquista do outro ou do mundo, para a glória do ego, compromete o eu, o outro e ou o mundo, numa mesma miragem sem cor.
Como a paixão se manifesta no corpo, para o corpo e pela química do corpo, que segundo alguns até pode ser identificada e quantificada, ele é a sua catedral. Por isso que a morte desde o início, foi uma questão importante para a consciência. Uma vez que todo esforço visava a manutenção do corpo, como a sua ruína poderia ser tão inexorável, irrevogável, inevitável e improrrogável? Não, não poderia. A morte não era o limite do corpo e, com isto, descobriram a alma, coisa cuja estrutura invisível, sobrevivia além da carne. Opa, incrível! para espanto de alguns, logo descobriram que a alma também apresentava necessidades a serem satisfeitas. Daí inventaram a religião e, as suas manifestações, que desde sempre, foram expressadas através da paixão. Trágica paixão.
As necessidades da alma seriam carências muito profundas que, por sua vez, no extremo oposto, estavam na essência da vida. Por isto o homem inventou este artifício chamado religião, decidido a suprir a maior de todas as faltas, a da vida depois da morte. Visando preencher suas bases: falta, identidade, necessidade e exclusão; desviaram todos os recursos excedentes - aqueles os quais ficaram além das necessidades, quando foram produzidos ao longo do desenvolvimento das civilizações urbanas -, para um corpo invisível, intangível e cujas necessidades e faltas, de fato, ninguém sabia dizer ao certo quais eram. E muitos, em nome disto, se desviaram da natureza e do próprio corpo, porque quiseram acreditar que a vida, a eterna, não era física, porém incorpórea; incomensurável e perfeita mas no entanto, absolutamente fora deste mundo.
Projetada para o espaço inatingível, a paixão criou deuses, santos e até homens coroados por espíritos sobrenaturais, que se apropriando de necessidades divinas impossíveis, justificaram conquistas, massacres, extermínios e a exploração de uns poucos sobre a maioria. E o poder de alguns homens ser mais especial que dos demais mortais, encontrava justificativa por estes se nomearem os representantes, na Terra, das necessidades espirituais segundo as quais eles deveriam suprir.
Está claro que a paixão é eminentemente masculina. Afinal ela não foi aperfeiçoada pelo caçador e pelo guerreiro? Então!?!.. Nada de ilusão, óbvio que ela também está presente na mulher. Aliás, a eminência masculina da paixão no ser humano não se manifesta, forçosamente, do mesmo modo como nos demais representantes do reino animal. É mais que sabido, que entre os leões, por exemplo, são as fêmeas que caçam. Entretanto, cada animal é um animal e embora a paixão se manifeste em todos, foram os homens, através da caça e da guerra, que lapidaram e legaram às civilizações, a atitude apaixonada. A paixão, na mulher, veio a ser reconhecida apenas quando a alma foi descoberta. E o ingresso delas nos rituais até então masculinos, de iniciação espiritual, veio a ser tardio.
Entre as paixões que se manifestam na mulher, a especial, é a que diz respeito à reprodução. Por conta disto a paixão, na mulher, é mais objetivamente (efetivamente) agradável do que no homem. Ou seja, a mulher sente no corpo a satisfação da necessidade reprodutora. Através do sexo, a mulher tem no prazer, algo muito mais objetivo que o homem. Nele, as paixões da caça, guerra e religião, tornam-no mais subjetivo, muito mais estratégico. Na mulher não. Seu corpo físico é um campo de emoções poderosas, pois dele emanam sensações orgânicas, muito mais ricas do que nos homens. Mas ela também está entre o prazer e a dor e nela isto é muito mais bem percebido, visto não adiantar a satisfação de certas faltas, mesmo na fartura haverá a menstruação e senão, a dor do parto.
Na base da nossa atual civilização, entre as paixões, aquelas que foram consideradas as mais importantes de todas, são as da alma. E com um significado trágico: na Idade Média isto se tornou mais claro, ao interpretarem
Quando morre alguém que amamos, a primeira coisa que vem
à nossas cabeças é que estamos sendo punidos. Mas perder alguém não é um
castigo. É antes, um processo de aprendizado. É algo pelo qual teremos todos que
passar. É inevitável. Não há o que fazer.

Quando minha mãe perdeu uma
filha, ela ficou muito triste e chorou. Mas depois deixou as coisas se
acomodarem. E com o tempo, falava dela com o rosto tranquilo. Assim, sem
remorsos, sem dores extremas, sem mágoas ou rancores para com Deus ou para com
a vida.

Também não foi diferente
quando ela perdeu a mãe. A morte de minha avó aconteceu numa madrugada. Ela já
estava doente, acamada e fraca. Como ocorreu à noite, ficou em segredo para a
família. Minha mãe velou sozinha o corpo dela. Nós ficamos sabendo só no dia
seguinte. Ela assim quis que fosse. E assim ela fez. Passaram a última noite
juntas e sozinhas. Só as duas: mãe e filha.

Alguns anos depois meu pai
caiu doente. Naquela noite foi ela quem o segurou nos braços. E ela estava ali
quando ele morreu. Ficou escolhendo um terno bonito para ele ser enterrado.
Minha mãe chorou. Lembrou das coisas que ele gostava de dizer e fazer. Ficou o
tempo todo com ele num gesto de extremo amor e dedicação, como havia sido a
vida toda. E seguiu em frente.

A postura dela diante da
morte me ensinou lições valiosíssimas. A primeira é que não há nada que mude o
que está acontecendo. A morte consumada não permite volta. Não há grito, gesto,
dor, que abrande isso. Então, o jeito é aceitar. Pois aceitando ou não vai
continuar do mesmo jeito. Vai doer do mesmo jeito. Só que com menos espetáculo
para os olhos alheios.

A segunda lição é: Nada que
se diga nesse momento vai adiantar. Nada mesmo. Então o melhor é silenciar.
Basta um abraço sincero. Um rápido “sinto muito”. Ficar dizendo que foi melhor
assim, que foi a vontade de Deus, que isso ou aquilo, é bobagem.

Soa mais como uma tentativa
desesperada de se safar da dor. Mas para quem foi laçado por ela, não tem
jeito: vai ter que beber até o último gole. E depois ficar digerindo a dor por
dias e dias a fio, feito uma sucuri pançuda que engoliu um imenso objeto de
metal: não consegue expelir, não consegue por para fora. Fica ali, meio viva,
meio morta, se arrastando devagar.

Por fim a lição mais
importante: Não prolongar a dor. Esta é com certeza, a mais valiosa de todas.
Imagine a dor como uma vizinha fofoqueira e oportunista. Assim, que você der
chance, ela se aproxima para trazer notícias de coisas que não te dizem
respeito. Trazer à tona coisas que não te servem mais.

Se tem que sangrar, que
sangre.

Se tem que doer, que doa.

Mas que seja assim, de uma
só vez. Como um parto atravessado.

Não dá para ficar arrancando
a casquinha da ferida e acreditar que um dia ela vai sarar.

Minha mãe tem pouco estudo.
Mas sempre teve a sabedoria de seguir em frente.

De vez em quando, ela dá uma
olhadinha para trás. Mas para ter certeza que tudo ficou lá onde deveria. Que
não está arrastando com ela um passado morto. Não dá para ficar se lamuriando
quando a sua volta você vê histórias iguais ou piores que a sua. Destinos
piores. Dores mil vezes mais fortes.

Lembro-me de uma história
verídica acontecida na roça que minha mãe costumava sempre nos contar. A de uma
vizinha que, perdendo o marido, saiu para o meio do terreiro correndo atrás de
galinhas para preparar para os parentes que vinham de longe para o velório.
Enquanto destroncava um a um, ela impassível, ia repetindo:

- O dono dos frangos morre,
os frangos morrem também!

 

Meire Moreira

Artigo/Opinião:

Biblioterapia, a Terapia da Leitura Que Cura Almas, Corações e Mentes

Livroterapia, Um Remédio Caseiro e Casual Que Escancara e Cura?

-Doutor, estou com graves problemas emocionais, de depressão a falta de apetite, de baixa estima a obesidade mórbida, que remédio o sr me indica?

-Leia o livro tal. Você vai adorar. Vai fazer um bem enorme pra vc. Pratique esportes. Não beba, não fume. Viaje no livro.

-Doutor, pensei em me matar. Não fui uma boa filha. Só fiz coisas erradas. Más escolhas. Agora a idade me cobrando. Caiu a ficha. Preciso de tratamento.

-Vou indicar um remédio: esses livros aqui... Leia-os. Volte a estudar. Se quiser, procure uma igreja, mas lembre-se que um bom livro é melhor do que farmácia, shopping, praia, afinal, vc não pode fugir do lugar que está, do lugar que vc é. Humorterapia tb ajuda. Mas no livro vc se encontra e viaja na maionese, na batatinha... Um ótimo livro é melhor do que Rivotril. Leia e se encontre. Ou se perca. O melhor animal de estimação é um livro. A melhor viagem é para dentro. Ler, amar, e se curar...

Psicólogo poeta? Vá vendo. Quero dizer, vá lendo. Terapia ocupacional: ler vários livros. E consultar especialistas, fazer tratamentos tb. Somando à terapia do perdão, terapia comunitária, estudar muito - fugir, fugir, fugir... nos livros - e fazer regime, se for carência, e nos cursos e viagens encontrar pessoas... Alma gêmea? Nem pensar. Algemas. Prenda-se a um bom livro e tb seja um livro com final feliz. Ler é o melhor remédio. O melhor energético. Livroterapia...

-Dr, preciso de um ansiolítico, uma cura logo, emergencial. Exames. Consultas. Chapas. -Leia esses livros todos, a bula como bibliografia. O laudo é: quem lê, abre a alma, a mente, o coração. Quem não trabalha não se valoriza. Quem não estuda não muda, não sai do lugar. Consumismo é doença. Internet o tempo todo e escrevendo errado é atestado de ignorância virtual. O preço da ignorância é a eterna dependência do achismo, da mesmice. Não seja um coxinha. Vá abrir um livro.

-Dr, como muito. Dr, choro muito. Dr, tenho pesadelos. Dr, preciso de alguém ao meu lado. -Muito bem, paciente, vou indicar medicamentos e... LIVROS. Vá caçar um livro. Vá ler outras vidas. Não foi fácil para ninguém. Seja mais do que um ninguém, seja alguém. Ler é um tratamento eterno... Seja vc tb um livro aberto sobre si mesmo...

Viajar, comer, amar, estudar, ler, brincar de ser feliz. Mágoa atrai câncer. Frustração atrai pesadelo. Ódio não leva a nada, a não ser a doenças. Saia de si, num livro. No livro vc vai sacar que pessoas (heróis, personagens, bruxos, fadas, anjos, monstros, Peter Pan, Sininho, Gepeto, Cinderela, Mil e Uma Vidas) pessoas que sofreram mil vezes mais do vc, e mesmo assim venceram e foram felizes. Resiliência? E vc aí se achando. Perca-se nas páginas de um livro. Seja tb sua vida-livro com um final feliz que vc escreveu apesar de tudo. Frequente bibliotecas. Ler um livro faz bem pra pele. Seja o seu livro uma praia, uma viagem, uma cabana, não cem anos de solidão. Não gosta de ler? Tem tratamento. Não gosta de estudar? Tem cura. É difícil mas tem. Livros difíceis? Pois é, livros fáceis e vc fica "facinha", de lograr, de aceitar mentiras, de acreditar em lorotas... já pensou que lugar ao sol é o seu futuro, se vc se esconde atrás de uma máscara, fingindo que foi o que não foi, que é o que não é? Nem ler, nada a ver. Nada a ser. Leia e seja. Um médico não é Deus. Uma igreja certinha não existe, vc não é certinha e nenhuma religião pode adestrar vc, a não ser que vc seja quadrúpede. E depois, lembre-se: a solidão é a melhor amiga da alma. E um livraço é a melhor companhia. Poesia é bom pra memória, pro espírito, para neuras, remorsos, sequelas. Deus ama quem lê com alegria. Na casa do Pai há muitas bibliotecas... Já pensou que demais? Seja um bom livro, seu super-herói preferido. Leia e apareça. Quem não lê, sabendo ler, é um inocente inútil, um ignorante perfeitinho para um sistema que banaliza o amor, a caridade, a evolução. Leia e evolua. Ou fique aí parado, esperando a banda passar, e vc atrás da banda de falsos contentes desafinando a sua vida em escala errada. Lucros, perdas. Quem lê vale mais. Vale quando seja. Conteúdo. As aparências deformam o caráter. Quer escolher alguém para ser feliz, seja feliz antes. Se ele tem mais livros do que beleza, ame-o, e deixe-o amar. Cresça e apareça ao lado dele. Se ela tem mais cursos e diplomas do que sapatos e caixas de maquiagens, e adora trabalhar e estudar, vai ser a musa ideal, a esposa ideal, vc vai crescer com ela, ser feliz, ficar rico com as mãos limpas, nas alegrias e nas vitórias. É sim, possível ser feliz sozinho. Se vc está em boa companhia, quando está sozinha com um livro na mão, vc tem o que oferecer a um outro ser. Um celular sem crédito, e vc pouco ligando. Vai reler aquele clássico famoso. Vai se reaprender. Vc vê as fotos de vc menininha, de sua mãe gestora, de sua vida evolutiva, e sempre está com um jornal, uma revista, um livro na mão, ou desenhando, lendo, estudando, e olha-se: venceu por seus próprios méritos de muitas leituras, estudos, cursos, diplomas, conquistas, vitórias. Sua vida um final feliz. Quem não lê muito não se ama nada. Alme-se: LEIA. Quem não estuda sempre vai morrer sem ter uma vitória de garra para contar como referência. Quem quer um livro de um mané, um asnoia, um zé ninguém, se a mesmice e a verdadeira autoajuda é a ajuda mutua, o esforço, o sacrifício, o além de si, a determinação, a transparência, e assim então uma verdadeira alta ajuda. Que exemplo vc é para sua família, ou vc é mais um, ou para vc tanto faz como tanto fez, não significa nada sendo o que é?

Leia a vida-livro do autor. Leia a história do personagem admirável. Vc nasceu, seu nome foi escrito no livro da vida. Vc casou, ganhou uma pg de livro de oficio, num cartório. Vc lê a bula que é a pg de um remédio, a química, a biologia, a homeopatia. O laudo foi negativo e está ali mais uma página de sua vida limpa. Seus diplomas, suas escrituras. Quando vc morrer, escreverão seu nome num livro. Aqui jaz ou "aqui jazz"? Dance conforme a música do livro. Ora, se tudo se enlivra de vc, e vc lendo se livra de tanta coisa ruim, quando morrer, seu nome sendo escrito no livro do céu, pq vc não lê então, se tudo retrata vc? Quando Deus escreveu vc, Ele estava virando pra lua, ou vc aceita a escuridão da ignorância e da rotina, e tem um medíocre repertorio de palavras, escreve errado, querendo palpitar sem saber... Leia e aumente o volume do seu cérebro... Morrer sem ter lido os mil melhores livros de todo mundo, vai fazer de vc uma ameba com godê. Bonitinha mas tapada. Grã-fina mas ruim de diálogo. Saber ler mas não lê, acaba uma ignorante política daquelas. Já pensou, seu cérebro um receptáculo de tudo que faz de vc ser pequena, a fofoca, a vizinha topeira, a amiga burralda, a parente analfabeta, quando estudar vai abrir sua concepção, e ler vai fazer vc medir informações, escrever melhor, saber usar o verbo viver em toda esplendência?

Biblioterapia. Livroterapia. Eis a fórmula secreta. Dieta da lua? Dieta da USP. Cursos, diplomas. Rato de sebos. Dieta do Livro. Leia e emagreça. Pedale seu livro. Plante um livro em seu canteiro neural. Resuma o livro, copie o livro, critique, escreva ao autor, à editora. Indique o livro. Coma o livro, beba o livro, respire os livros. Empreste o livro. Seja freguesa da biblioteca ou da livraria de seu bairro. Gaste dez por cento do seu salário com livros, cds, dvds. Tenha a sua própria coleção na biblioteca em casa, feito um pedaço de um infinito particular. Sentiu firmeza? O céu pode ser uma grande biblioteca do Criador, um paraíso de livros. Vai repetir de vida, ou vai repetir de livros? Onde a sua vida-livro se encaixa da biblioteca da natureza? Ou vc é um caso perdido, um pé no sacro, um final infeliz, uma pobre e analfa e reaça alma perdida a vagar nessa dimensão cósmica numa travessia da Via Láctea? Olhe para o céu que há no livro, e se livre do inferno que as suas escolhas obscuras fizeram de vc uma refém do ostracismo.

Será que o seu login depois da morte é o nome de um livro clássico, e a senha, no portal do infinito, é um guardião alado dizendo: -Evolução ou retrocesso? -Quantos livros vc leu, camarada? Se leu pouco, voltará dependurada num cipó de Darwin, com seu DNA corrompido, a placa mãe retardada. Se leu muito, um lugar melhor será o seu futuro e dirão, que vc mesmo teve um belo romance de vida, que escreveu com seu suor, suas lágrimas, seu sangue, e também, claro, com seus cursos, diplomas, e livros que inspirou, leu escreveu e foi de alguma forma capa e espada tb. Mas não acredite em verdades perfeitas, nem tenha aquela velha opinião formada sobre tudo. Critique tudo. Com sabedoria curricular e cultural. Mas com base. Nunca questione escrevendo errado ou sem pesquisar antes. O selfie pode esperar. Vidinha medíocre, paz burra. Só idiotas não têm inimigos. É mais cômodo e seguro ser um mané, uma perua, né não? Ser burro não dói nada. Aprender dignifica a fé, a obra, o ser. O que vc pensa, cisma, pensa, exprime, escreve, diz mais de vc do que vc acha que diz ou é. Não compartilhe bobices, fascismos, neuras sublimadas, resignações de panelas. Leia-se e seja-se. Fuja num mapa do livro. Solte as amarras. Use a imaginação. No reino da fantasia há muitas jornadas espirituais. Pague pra ver, pra ler, pra ser, crescer e aparecer... Quem lê vale mais. Quem lê poesia vale muito mais. Ler e criar, é só começar. Ler e curar-se, é só continuar a ler muito e bem...

"É comum confundir Biblioterapia com ler livros de autoajuda. Alguns títulos de autoajuda são úteis e podem ser aplicados junto com o tratamento", diz Rodrigo Leite, (Coordenador do Ambulatório Geral do Instituto de Psiquiatria da USP, a Biblioterapia)

Ou vc quer ser uma merreca de um cerebrozinho de carruagem de abóbora selvagem, com inúteis e bobos mil tons de cinza de anões de jardins cheio de coliformes fecais de abutres? Vire a página. Seja freguês de uma estante cheia. Mande ver. Mande LER. A melhor pedagogia é o exemplo. A maior e melhor lição é não ser tapado e nem metido a cult ou artista de embustes, sem ser sequer ser um eterno aprendiz da alma humana. Livro ensina. Aprenda.

Quando eu morrer eu quero ser LIVRO.

-0-

PS: Livros viram 'remédios' para paciente psiquiátrico. Fobias, ansiedade, bulimia e depressão podem ser tratadas através da leitura. Histórias são indicadas pelos médicos. Ler pode ser um importante aliado em tratamentos psiquiátricos. É o que apostam especialistas da Biblioterapia. No Reino Unido o método ganhou apoio do governo por meio de parceria entre médicos e bibliotecas públicas, que transformaram-se em verdadeiras farmácias culturais: os livros são 'prescritos' em receitas e emprestados ao paciente. Jornal O Dia - Inglaterra.

Escreveu:

Silas Corrêa Leite, Livre pensador humanista, blogueiro e ciberpoeta premiado.

Autor de vários livros, premiado em diversos concursos, constando mais de 800 links de sites e em mais de cem antologias literárias de renome em verso e prosa, até no exterior. Contatos para palestras, congressos, debates, entrevistas, críticas, torpedos, etc. E-mail:

poesilas@terra.com.br

Último Romance no Site da Folha de São Paulo:

http://livraria.folha.com.br/ebooks/literatura-ficcao/gute-gute-ebook-1316008.html

Livros a venda no site: WWW.livrariacultura.com.br

OU no: WWW.clubedeautores.com.br

Caminhando a passos lentos, voltando do trabalho muito mais tarde do que eu queria, senti a garganta arranhar, estava muito frio e eu parecia que adoeceria muito em breve. "Mais essa agora!" Pensei. Como se já não bastasse as pilhas de relatorios para revisar inadiavelmente, eu ficaria doente e dolorido. Meus resfriados sempre eram fortes e me deixam muito mal.

As ruas da minha cidade são muito escuras e eu ando sempre a pé. Meu dinheiro é curto e eu tenho que sustentar a mim e ao meu filho, o Felipe. Felipe tem só cinco anos e sente muito a falta da mãe. Minha querida e amada Julia, que Deus a tenha.

Chegando perto de casa eu sempre vejo a luzinha da Tv ligada da janela, já passam das nove e meia da noite e Felipe sabe que já devia estar dormindo. A babá só fica até as oito então ele aproveita pra fazer suas travessuras quando ela sai. Sempre que ele ouve o barulho do velho portão de metal rangir eu vejo a luzinha da TV apagar, e como num passe de magica, quando eu entro em casa ele deita na cama e finge estar dormindo.

Menino travesso,o meu, mas eu prefiro que seja assim, pelo menos não é uma criança triste.

Esta noite em especial eu cheguei e o Felipe não fingiu dormir, ao invez disso ele desligou a TV e me esperou na porta. Parecia chateado.

- Papai! Eu fiquei com medo.

Ele abraçou minhas pernas com força e pareceu choramingar.

Meu coração estava partido, o que tinha feito meu garotinho levado chorar?

Eu acariciei seus cabelos escuros e me pareceram suados e oleosos. Afastei-o devagar e com delicadeza e me agachei para nivelar a altura.

-Do que você teve medo filho? Aconteceu alguma coisa?

Ele esfregou os olhinhos molhados e avermelhados de sono. Seus olhos eram verdes, iguais os da Julia, lembrava muito a mãe.

-A Bárbara, foi embora muito cedo, eu não gosto de ficar sozinho aqui.

Eu fiquei confuso, Bárbara era a babá, sempre foi muito confiável, e ela sempre me avisava quando tinha de sair antes do horário, não me lembrava dela ter dito nada a mim hoje.

-Como assim filho? A Bárbara sempre sai ás oito, quando a lua começa a aparecer lembra? E minutinhos depois o papai chega, só hoje que eu me atrasei um pouquinho.

-Sim Papai! Mas hoje ela saiu quando ainda tinha sol, fiquei muito tempo sozinho, você não chegava nunca mais, achei que você tivesse ido embora.

Felipinho desabou a chorar, e aquilo deixou meu coração em frangalhos, ao mesmo tempo que me deixou enfurecido. Como a Bárbara pode fazer isso sem avisar, deixar meu pequeno sozinho sem mais nem menos.A que horas ela saiu?

-Filho, calma, você já tomou banho?

-Não. Ela saiu sem me dar banho.

Ela sempre da banho no Felipe por volta das seis, antes de ele fazer a lição, jantar e ir pra cama, se ela saiu sem dar banho nele, significava que ela havia saído no meio da tarde. Eu fiquei extremamente zangado. Respirei fundo, não podia transparecer minha fúria a uma criança.

-Vamos para o banheiro, papai vai te dar banho e aí a gente vai dormir, ta bom?

- Ta bom, mas eu posso dormir com você hoje pai? Só hoje!

Tinha um nó na minha garganta. Engoli meu choro.

-Pode sim meu anjo.

Dei um banho no Felipe, ele estava bem sujinho, talvez de tanto brincar, ele pareceu mais alegre naquela hora, fazia muito tempo que eu não dava banho nele e ele gargalhava fazendo espuma pra todo lado. Coloquei ele na cama e acho que não demorou nem cinco minutos para que ele pegasse no sono, o pobrezinho parecia exausto.

Deitei na cama ao lado dele, mas não podia dormir, não sem uma explicação, Levantei e sai do quarto silenciosamente, encostei a porta.

Fui até a cozinha e peguei meu celular. Liguei pra Bárbara. Ela atendeu ao terceiro toque.

-Alô.

-Alô, Bárbara, aqui é o Gregório.

-Ah, seu Gregório, oi.

-Bárbara, o Felipe me disse que você saiu mais cedo hoje, o que foi isso? Aconteceu alguma coisa? Não me lembro de você ter dito nada.

-Não. É que na verdade eu não vou mais.

-Como assim não vem mais? E o nosso contrato? O que aconteceu?

-Eu não posso é que .... Não consigo, não da.

- Como assim? Por que não?

-Essas pessoas estranhas paradas aí na frente da casa o dia todo, é perturbador, eu não posso com isso, to muito apavorada e .... Não vou, não mesmo.

Eu não conseguia processar o que ela estava falando, não estava entendendo bulhufas.

- Que pessoas, menina? Não tem ninguem aqui, do que você ta falando?

- Desculpa, seu Gregório, me desculpa mesmo, manda o Beijo pro Felipinho, fala que eu adoro ele tá?

- O que? Não, espera, como assim?

Ela desligou.

Que porra Bárbara!

Joguei o celular no chão. Estava desamparado. E agora o que eu iria fazer? Ela esteve cuidando do Felipinho por dois anos, como eu iria achar uma substituta tão em cima da hora?

Sentei na cadeira e dei uma respirada. Pequei meu notebook e mandei um e-mail pro meu chefe, não poderia ir trabalhar no dia seguinte, ficaria cuidando do meu filho.

As palavras dela não me saiam da cabeça. De que pessoas ela estava falando?

Levantei e fui até a janela da cozinha, abri só uma pequena fenda da cortina, do outro lado da rua quatro figuras encapuzadas estavam paradas olhando pra casa, quando me perceberam espiar, acenaram pra mim.


Acordei meio suado, parecia já ser tarde, só me lembrava de ter ido me deitar ao lado do meu filho, eu estava apavorado e me perguntando quem seriam aquelas pessoas estranhas em frente à minha casa. Esfreguei os olhos tentando despertar, rolei para o lado e a cama meio bagunçada estava vazia. O Felipe não estava ali.

Levantei de supetão, estava tremendo, não sei se de frio ou de nervoso. Talvez fosse os dois. Procurei no banheiro, nada. Chamei meu filho e não houve resposta.

Estava atordoado, meu deus, meu filho. Fui correndo até a varanda dos fundos e vi o Bolinha, nosso cachorro comendo um pedaço enorme de carne. Estranhei aquilo, eu não havia dado nada a ele, tinha acabado de acordar. Não dei muita importância, precisava achar meu filho.

Corri para a sala, estava vazia, da forma que estava na noite anterior. Estava ofegante, parecia que eu ia desmaiar quando ouvi um barulho de talher na cozinha.

Corri até lá desesperado, entrei pela porta escorregando no piso por causa das meias, e vi meu filho, sentado à mesa, que estava farta, cheia de frutas e doces caseiros. Foi um alivio enorme, tão grande que minhas pernas amoleceram, soltei todo o ar dos pulmões.

-Filho! Não ouviu o papai te chamar?

Ele com toda a sua tranquilidade de criança, balançando as perninhas na cadeira terminou de mastigar uma colherada de cereal com fruta.

-Não ouvi papai, desculpe.

Eu não sabia o que dizer, estava ficando paranoico, dei um beijo na testa dele e fui pegar uma xícara de café, estava aliviado. Enchi uma xícara bem cheia de café e me escorei no balcão, fui dar um gole e me virei para mesa e só então me dei conta. Quem havia preparado aquilo tudo?

Meus olhos arregalaram, meu coração palpitou, me senti tremer novamente, coloquei de vagar a xícara em cima do bancão e vagarosamente me aproximei do Felipe, meu corpo em choque tentando entender, olhei para ele e perguntei pausadamente, engolindo em seco.

-Felipe.

-hum?

-Quem preparou isso tudo pra você?

Ele me olhou confuso.

-Você?

Eu esfreguei a mão na testa, não estava conseguindo conter meu nervosismo.

-Não filho, o pai tava dormindo.

Ele fez uma expressão pensativa, entendo que pra ele deveria estar ainda mais difícil de compreender.

-humm, a Bárbara?

Ele estava tentando adivinhar.

-Não querido, a Bárbara não veio hoje. Você viu alguém aqui hoje cedo? Quero dizer, fazendo alguma coisa?

-Não. Já tava aqui. Ah! Você deixou a porta aberta ontem pai. tava tudo frio aqui.

Eu senti tontura, parecia que eu ia enfartar. "não eu não deixei". Pensei. Me apoiei na mesa para me manter de pé.

-Sim, claro, me esqueci, Obrigado.

Fui até a porta da frente, andando meio duro, parecia um robô inexpressivo, em choque. Olhei para fora com medo do que eu veria, mas para minha surpresa não havia nada estranho, aquelas pessoas da noite passada não estavam mais lá, olhei para a rua cima a baixo, procurando nem eu sei o que, e não vi absolutamente nada fora do normal. Quando já estava quase fechando a porta vi no chão um papel meio amassado, resolvi desamassar para ver o que tinha ali, e para meu espanto, desenhado à lápis havia um símbolo estranho, um pentágono com uma estrela de seis pontas no meio, e quatro assustadores olhos desenhados no centro da estrela, havia também outro pedaço de papel colado no canto da folha com o carimbo de um ponto de interrogação.

O que essas aberrações estavam querendo me dizer? Eu estava surtando, guardei o papel no bolso do pijama, dei mais uma olhada para fora e fechei a porta. Tranquei.


Coloquei um agasalho no Felipe e me aprontei para pegar o ônibus rumo a biblioteca municipal, eu vou scannear essa porcaria e fazer uma busca na internet para ver se eu acho alguma coisa que faça sentido, se eu tiver sorte pode ser que seja alguma piada de mal gosto que se tornou viral.

Estávamos aguardando no ponto quando eu vejo de longe um golzinho velho vermelho se aproximando e parando bem perto de nós, a janela do carro se abriu devagar e fazendo um rangido estranho.

-Falaa Greg!

Era o Barba, meu amigo do trabalho, o apelido dele é esse por causa da barba comprida que ele mantem e cuida igual cabelo de mulher. A maioria do pessoal até já esqueceu o nome dele de verdade, eu mesmo que o conheço desde que entramos juntos na empresa me esqueço as vezes, O nome dele é Jurandir, então Barba, pega mais fácil.

-Eae Barba!-Respondi.

Ele olhou para o Felipe, que estava distraído.

-Oi Felipinho, como você ta campeão?

O Felipe adora o Barba, ao perceber que era ele ficou todo agitado.

-Oi Tio Barba! Eu cresci um tanto assim - Ele fez um sinal exagerado de tamanho com os braços.-

-Tudo isso rapaz? desse jeito vai bater a cabeça nas nuvens eim.

-Uau! Eu acho que eu vou sim, dai eu vou comer um pedaço delas, porque elas são de algodão doce, só que branco.

Levei a mão na testa, que imaginação era aquela, rimos muito.

-Mas eai Senhor Gregório, pra onde você ta indo? Fiquei sabendo do que a Barbara fez, ela não é disso cara, que foda.

-Eu to indo na biblioteca agora. Pois é cara, sacanagem, acontece que ...

-Não, não, me conta no caminho, vou dar uma carona pra vocês entra aí.

Ele jogou umas tralhas pro canto do banco de trás e eu acomodei o Felipe no assento. No caminho até a biblioteca contei tudo o que tinha acontecido pro Barba, ele não falou nada até eu terminar, só balançava a cabeça.

-Uff. - ele soltou o ar como se fosse algo pesado.- Mano, que porra de história bizarra que tu acabou de me contar. Verídico mesmo?

-É claro que é caramba! Da onde que eu ia inventar um troço desse? Você me conhece, sou quadradão demais pra isso de inventar coisa.

-Mas assim, os caras, deixaram o desenho e PUFF desapareceram no ar?

-O que? Não! -Eu estava frustrado, ela não estava me levando a sério-. Eles só deixaram lá e foram embora, seja lá pra onde gente estranha mora.

-Eu vou te ajudar a resolver essa fita aí.

-Não precisa, deve ser bobeira.

-E daí se for bobeira? Agora eu quero saber, sou doido nesse negócio de teoria da conspiração, meu sonho investigar essas paradas.

-Cara, não é teoria da conspiração.

-Não corta o meu barato, falou? Pra mim é sim, esses negócios existem em toda parte irmão, ou você acha que o homem foi mesmo pra lua? Não se iluda!

-Ta bom. -Ri-. Mas eai, porque você não foi trabalhar hoje?

-Peguei atestado, doido.

-Você ta doente?

-To, doente daquele monte de relatório, deus me livre.

-Não acredito, O Marcelo vai ter que fazer tudo sozinho?

-Vai. - Ele me deu um olhar maléfico e demos uma gargalhada juntos.- Aquele mala vive puxando o saco do Afonso, ele que se vire, não é o senhor prestativo, senso de dono da empresa? Se vi-re.

-Bem feito.

Chegamos em nosso destino, eu já mais descontraído por causa da conversa com o Barba. A biblioteca municipal é um lugar enorme, deve ter sido construído lá por mil oitocentos e pouco, porque tem um aspecto bem antigo. Estacionamos o carro e subimos a longa escadaria até a porta. Chegando lá me virei pro meu filho.

-Filho, o papai vi ter que procurar umas coisas e pode ser que demore um pouquinho, lá dentro tem uma sala de joguinhos e uma tia bem simpática que vai cuidar de você, você promete que vai se comportar?

Ele balançou a cabeça em sinal de sim e saiu correndo para a entrada da sala de jogos.

Me aproximei da moça da recepção. Era uma mulher bonita, cerca de 30 anos, morena.

-Quanto tá a hora da salinha? - Perguntei pra ela-.

-São 20 reais, senhor.

Meu bolso doeu, aqueles homens misteriosos estavam me custando os olhos da cara.

-Me ve 1 hora então, por favor.

-Nome?

-Gregório Aparecido Boulevard.

-Nome da criança?

-Felipe de Alcântara Boulevard.

-Vamos anotar o telefone do senhor para contato.

Ela retirou uma fitinha com o nome do meu filho, amarrou no pulso dele e girou a catraca, Felipe saiu correndo feito um doido e sumiu no meio das crianças e dos brinquedos.

Não pude conter minha preocupação, não gostava de deixa-lo sozinho assim, mas desta vez foi preciso. Parece que transpareci demais, o Barba percebeu.

-Relaxa, a recepcionista bonitona vai cuidar dele.

Eu ri.

-Deixa só a Cristina ouvir isso.

-Deus o livre, ela arranca meu couro.

Adentramos a imensa biblioteca e fomos confiantes rumo a nossa caçada ao desconhecido.

Digitalizei o pedaço de papel e fiz uma busca rápida na internet. Nada.

Olhei para o Barba que assim como eu se sentiu frustrado. Resolvi fazer uma busca em livros de papel. Imprimi uma cópia do símbolo para o barba e pedi para ele seguir pelo lado esquerdo da biblioteca e procurar por livros de simbologia ou qualquer coisa que remetesse ainda que vagamente aquilo. Eu segui pelo lado direito.

Voltamos minutos depois, ambos com os braços cheios de livros pesados, colocamos sobre a bancada.

Depois de quase uma hora folheando páginas e mais páginas e sem sucesso algum, me senti exausto, estava quase na hora do Felipe sair da salinha de jogos e eu decidi fazer uma última busca desesperada. Sai entremeio as imensas prateleiras lendo os títulos nas bordas dos livros o mais rápido quanto podia, quando um deles em especial chamou minha atenção, era um livro velho de capa de couro cujo título era "Os lugares mais misteriosos do Brasil e suas histórias".

Me aproximei dele, e retirei da prateleira pela borda, analisei a capa em busca de algo que indicasse se aquilo tinha alguma relação ainda que mínima com meu símbolo misterioso, como não encontrei nada concreto olhei novamente para prateleira na intenção de colocá-lo no lugar, mas o que vi, me fez tremer os ossos. Do outro lado, no espaço vazio que o livro deixara havia um homem parado, cujo o olho estava posicionado perfeitamente na brecha, um homem de pele escura e olhos verdes como folha.

Eu travei, não sabia mais falar, gritar nem me mover, com muito custo consegui chamar o Barba que estava apenas a alguns passos de mim.

Ele parou ao meu lado confuso e olhou para prateleira, ao perceber aquele homem ali, ele entendeu o motivo do meu pavor. Barba sempre foi mais destemido que eu, e resolveu enfrentar a figura que viamos.

-Ei! Ei cara, o que você ta querendo, meu irmão?

O homem moveu-se saiu do nosso campo de visão, mas ouvimos sua voz grave e calma quando ele disse do outro lado:

-Aquele que com aplicação procura, sempre acha.

Barba puxou meu braço, me tirando do meu estado de choque.

-Vamos Greg! Vamos caramba. Vamos pegar esse cara.

Caminhamos a passos rápidos até o fim do corredor para dar a volta e nos encontrarmos com nosso colega misterioso, mas quando dobramos a esquina não encontramos nada incomum. Do outro lado só havia um grupo de estudantes de cerca de vinte anos sentados em volta de uma grande mesa.

Barba se aproximou de um deles e questionou:

-Desculpa interromper, pessoal, mas vocês viram um cara grandão, pele escura, olhos verdes por aqui?

O garoto olhou para os colegas como quem refazia a pergunta a todos e como ninguém se manifestou, respondeu:

-Foi mal, não prestamos atenção não.

Barba deu dois tapinhas no ombro do rapaz como quem diz um obrigado silencioso.

Nos afastamos andando lentamente, confusos e decepcionados. Peguei o Felipe na saída da salinha e só então me dei conta que ainda estava com o livro na mão. Dei meia volta, na intenção de retornar à prateleira para devolve-lo quando ouvi um grito e um alarme soou. No alto falante um rapaz repetia freneticamente. "incêndio na sessão 7, incêndio na sessão 7. Repito. Isso não é um teste, incêndio na sessão 7. Todos os leitores e funcionários favor dirijam-se para a saída mais próxima. Repito(...)"

Coloquei o livro dentro do meu casaco, pequei meu filho no colo e fomos até a saída principal. Atrás de nós um caos de pessoas saindo apressadas e desnorteadas.

Em silencio andamos até o estacionamento e entramos no carro.

Barba suspirou forte, e soltou um palavrão em tom animado e incrédulo.

-Que merda foi essa meu amigo? Caraaaaalho, que isso? Mano, sessão sete não era a que a gente estava? Caraaaalho, isso foi insano.

Eu estava com o olhar fixo a minha frente, era muito para processar, estava nervoso.

-Barba, e-eu roubei um livro da biblioteca municipal!

-O que

-E-eu nunca roubei nada na vida, nem bala, uma vez a moça me deu um real a mais no supermercado e eu devolvi. Eu roubei um livro da caralha da biblioteca municipal!

-Você ta fumado Gregório? Me atualiza aí que eu não to entendendo porcaria nenhuma do que você ta falando.

Abri o casaco, retirei o livro de dentro dele e apontei para o Barba. Estava eufórico.

O Barba olhou pra ele, processou por alguns segundos. Soltou uma gargalhada e ligou o carro.

-Ora, ora, parece que temos um grande ladrão entre nós. Próxima parada, Banco Central.

-Cala sua boca!- Ri.

O transito naquela área estava péssimo por conta do fuzuê do incêndio. Caminhões de bombeiro pra todo lado, curiosos dirigindo devagar e policiais isolando a área. Pedi pro barba ligar o rádio do carro pra gente saber o que os repórteres estavam falando sobre o acontecido.

Em várias estações de rádio, ouvimos notícias de que o incêndio fora criminoso, estavam analisando as câmeras de segurança para identificar o culpado. Chamaram o ato de terrorismo.

Naquele momento estávamos tensos. Aquilo tinha tomado proporções muito maiores do que jamais pudemos imaginar. Não eram apenas caras estranhos querendo fazer uma pegadinha de mal gosto, era algo muito sério, e o pior de tudo é que eu estava envolvido.

-Mano. -Eu disse tentando não parecer nervoso-. O que eu vou fazer agora?

Barba me olhou por uns instantes.

-Você? Você nada. NÓS vamos dar um jeito nesses caras. Vamos na polícia, talvez eles nos ajudem em algo.

Me exaltei.

-Policia? Você ta locão? Eu não posso ir na polícia! E-eu, eu roubei a merda de um livro!

-Ta bom, ta bom! Calma! Vamos resolver nós dois então. Eu e você. Sem polícia.

-Melhor assim.- Esfreguei as mãos no rosto tentando aliviar a tensão e pensar lucidamente-. Mas o que nós dois contadores de uma empresa furreca podemos fazer? Estamos fu...- Lembrei que meu filho de 5 anos de idade estava no banco de trás ouvindo todos aqueles palavrões. Me senti um péssimo pai.- Estamos lascados!


Barba me deixou na porta de casa, tudo parecia estranho ali, segurando a mãozinha gelada do meu filho tudo que eu conseguia sentir era medo. Eu havia passado o dia todo correndo atrás de mistérios e me esqueci completamente que, apesar das minhas horríveis aventuras eu ainda era um pobretão que por acaso trabalharia na manhã seguinte e não tinha nenhuma babá.

Barba já estava saindo quando pedi para que esperasse um pouco e abaixasse os vidros. Precisava fazer um pedido a ele:

-Mano, tem como você me arrumar um desses seus atestados aí? Ainda to sem babá cara.

Barba fez uma expressão malandra.

-É claro que eu consigo, Brother! Peguei um de 7 dias pra mim. Te arranjo um igual, até você acertar essas paradas suas aí com os iluminatti.

Não acreditava que tinha escutado aquilo. Barba era mesmo muito doidão. Ri muito.

-Sim claro! E com os Maçons também.

Barba riu, mas depois fez uma expressão pensativa.

-Mano! Será que eles são Maçons?!

Não podia acreditar naquilo. Bati a mão na testa.

-Vai pra casa, Barba.

Ele arrancou com o carro em alta velocidade e saiu fazendo uma barulheira pelo bairro todo.

Aquele velho golzinho deve estar todo ferrado com as loucuras que o Barba apronta com ele. O que se pode fazer? O cara vive intensamente. Eu, por outro lado, não passo de um pamonha.

Destranquei a porta e logo que ela abril Felipe saiu correndo pra dentro, imaginei o quão cansado das aventuras de hoje ele deveria estar, correu pra geladeira e pegou um pedaço enorme de chocolate que estava lá esquecido. Pensei em repreende-lo por comer doces àquela hora, mas não o fiz, só desta fez não faria mal algum.

Comecei a dar uma organizada na casa, quando fui procurar o Felipe para organizar os brinquedos da sala o encontrei jogado na minha cama dormindo ainda com o chocolate lhe lambuzando as mãozinhas. O cobri e voltei aos meus afazeres domésticos.

Pensei em abandonar toda aquela loucura, aqueles homens de capuz e o episódio todo da biblioteca, não era nenhum agente secreto para ficar resolvendo mistérios, mas era um pai que precisava tomar conta de seu filho pequeno. Decidi que no dia seguinte devolveria o livro à biblioteca e diria que na correria o levei por engano e se acaso aqueles homens aparecessem novamente eu chamaria a polícia. Era o mais sensato a se fazer.

Estava perdido em meus pensamentos quando ouvi uma batida na porta, dei um pulo do susto que levei, não estava esperando ninguém, provavelmente o Barba havia esquecido algo e voltou para dizer.

Abri a porta calmamente, mas não foi o Barba que vi, na verdade era uma figura completamente diferente, uma moça loira, não mais que quarenta anos, trajando um vestido fino vermelho, parecia uma celebridade. O único pensamento que me passava pela cabeça era o que um ser tão deslumbrante fazia à minha porta no subúrbio do mundo. Quase não consegui dizer nada.

-Senhor Boulevard? -Ela perguntou com um sotaque russo-.

Balancei a cabeça como que para desfazer minha cara de bocó.

-Eu mesmo, pois não?

Ela me entregou um envelope igualmente vermelho com meu nome escrito em letra cursiva.

-Compareça neste endereço hoje ás 20:00 horas.

Não entendi porcaria nenhuma, percebi naquele momento que de uns dias para ali eu não entendia nada de porcaria nenhuma. Tentei parecer educado.

-Perdão Senhorita, do que se trata?

Ela não tinha expressão alguma.

-Posso lhe dizer que não se trata de um convite.

Fiquei atônito e com um pouco de raiva também, eu agora seria forçado a ir a lugares.

Abri a boca para protestar, mas ela não permaneceu para me escutar, virou as costas e andou até um enorme carro preto que estava parado em meu portão, sentou no banco de trás e saiu sem nem se quer olhar novamente para mim.

Pronto! Pensei. Mais essa agora! Eu já tinha decido não entrar nessa loucura.

Passei a tarde tentando ignorar aquele envelope maldito, mas eu sofria de um mal incurável, a curiosidade.

Abri o envelope e dentro dele só havia um bilhete simples escrito à mão com um endereço. Naquele momento eu entendi o que me forçaria a ir até lá. Eu mesmo.

Liguei pro Barba e pedi pra ele cuidar do Felipe naquela noite. fucei o guarda roupas em busca do meu terno de casamento, me pareceu pela aparência da moça que eram pessoas poderosas com a qual iria lidar, então precisava me misturar. Ao retirar meu velho paletó empoeirado no cabide, meu coração apertou. "Que saudades Julia, meu amor. Se ao menos você estivesse aqui".

Afastei meus pensamentos tristonhos e me trajei a rigor.Escutei alguém bater à porta, era o Barba, finalmente.

Estava com um cigarro de seda na boca.

-Que porra é essa aí,Barba?

Ele soltou a fumaça e me respondeu com a voz rouca:

-Maconha.

-Eu sei que é maconha seu animal. Eu quero dizer.. cara tem uma criança aqui, você sabe né.

- Ou, eu sei ta. -Jogou o cigarro no chão e pisou em cima-. aí, pronto já joguei fora.

-ah, sim agora ta melhor mesmo. - Estava nervoso, passei a mão pela cabeça-. Deus, eu vou deixar o meu filho com um drogado!

- Cara não surta, relaxa, vai lá encontrar a loira gostosona.

-Eu não ... olha, só não deixa ele sair de casa ta? Ele se vira.

-Ta bom.

Eu não sabia que rumo aquilo estava tomando, peguei as chaves do carro do Barba emprestado e saí sem ter a mínima ideia do que me aguardava.


Dirigi uns vinte minutos pela rodovia, o endereço que a moça me deu era de uma zona rural, não sabia ao certo qual entrada lateral tomar, então parei no acostamento e peguei o bilhete novamente. No final da descrição do endereço estava descrito "Fazenda Escorpião". Dirigi mais uns quinhentos metros e encontrei a entrada com esse nome.

Parado ali na entrada de uma longa estrada de terra eu refleti se eu realmente estava fazendo uma boa escolha, e se me fizessem algum mal, como ficaria meu filho? Ele já não tinha mais a mãe e por conta de uma besteira perderia o pai também?

Pensei em dar meia volta e acabar com aquilo, mas antes que eu pudesse tomar qualquer atitude alguém bateu no vidro da janela. Quase morri de susto, do lado de fora um homem alto, trajado de segurança, usando terno e aqueles comunicadores de ouvido, pedia para que abrisse a janela:

-Boa Noite senhor. Preciso dos seus documentos de identidade e bilhete de convocação.

Eu ainda estava me recuperando do susto, não sabia como lidar com aquilo, com as mãos tremulas e ansioso abri o porta-luvas e entreguei o que ele me pediu. Minha testa suava, eu estava realmente nervoso.

Ele deu uma olhada, falou alguma coisa no comunicador em uma língua que eu não consegui compreender e me devolveu a documentação.

-Siga em frente por mais cem metros, há uma vaga no estacionamento reservada para o senhor após o portão principal. Tenha uma boa noite.

Acenei com a cabeça para identificar que tinha entendido.

-Obrigado.

Era isso, a partir dali não tinha mais volta, se alguma coisa parecesse fugir do controle eu planejava sair de lá o mais rápido possível, dirigi mais um pouco a frente quando avistei um enorme portão branco perolado, era magnifico, digno da realeza.

Ao ultrapassar o portão havia uma vaga logo a frente, no meio de vários carrões de luxo com o meu sobrenome escrito em uma placa. Estacionei o golzinho, que parecia tímido e ofuscado em meio a tantas maquinas milionárias.

Subi uma pequena escadaria de mármore e parei frente a uma enorme porta branca. Toquei a campainha.

Segundo depois a porta se abriu, e lá estava novamente a minha frente aquela mulher deslumbrante, trajando um vestido de veludo preto, igualmente charmosa e fina.

-Por favor entre, estávamos te aguardando. Madame Nikole Ivanov, ao seu dispor.

Entrei meio desconfiado a casa mais parecia um palácio, escadarias enormes de mármore se elevavam em espiral até um segundo piso com pequenas salinhas como em um teatro.

Entramos em uma enorme sala redonda com várias cadeiras organizadas em um semicírculo, contei pelo menos umas vinte, mas sei que haviam mais. Sentados uma em cada cadeira estavam pessoas poderosas, vi alguns vereadores a até mesmo o prefeito em uma delas, o restante deveria ser empresários ou celebridades, não sabia dizer, só conseguia ver a riqueza e o poder em suas faces pomposas.

No meio deles havia apenas uma cadeira vazia, imaginei que seria a minha então tomei-a e me sentei. Ainda estava nervoso com aquela situação, minhas mãos me entregavam e eu batia os dedos no apoio ansiosamente.

Minutos após a minha chegada, Madame Ivanov, que havia se retirado, voltou a sala empurrando uma cadeira de rodas com um senhor muito idoso sentado nela. Colocou a cadeira o centro da sala, para que todos nós o víssemos. Apesar da idade avançada o senhor estava finamente trajado, e tossia em intervalos muito pequenos.

Ivanov parou ao seu lado e começou a discursar:

-Sejam bem-vindos a nossa trigésima sessão de sucessão. Como muitos de vocês já sabem, meu pai, Dom Dimitri Ivanov, está muito doente. Após a sua partida, eu, tomarei o seu lugar como suprema mestre da fraternidade brasileira.

Fiquei confuso e agitado, aquilo era o que? Algum tipo de seita? Estava perdido, mal sabia como me comportar. Ela continuou:

-No entanto, para tomar o meu lugar como governador geral da fraternidade, meu pai escolherá um de seus herdeiros. Eu já tenho o nome de cada um de seus filhos, e ele, junto aos supremos mestres de cada país fará a melhor escolha.

Minha cabeça rodava, governador geral? Nossos filhos? Eu não envolveria o Felipe nessa loucura, eu nem mesmo fazia parte daquilo tudo, não tinha a mínima ideia do porque havia sido levado até aquilo. Protestei.

-Perdão, Madame Ivanov, mas receio que meu filho não fará parte desta votação, eu nem mesmo faço parte disso.

Todos na sala voltaram suas atenções para mim. Me senti suar. A face da mulher era inexpressiva, não poderia dizer de forma alguma como ela sentiu diante da minha objeção. Só depois de alguns segundos me analisando ela exclamou:

-Não. O senhor certamente não, Senhor Boulevard. No entanto a Senhora Julia, era uma de nossas mestras. Você é o representante dela como esposo, devido a infortuna circunstância de sua ausência, nada mais.

Me senti amolecer, tontear, tamanho o meu choque. Julia? Não, não poderia ser. Como? A Julia fazia parte dessa bizarrice. Como eu nunca soube de nada? Porque ele envolveu nosso filho nisso? Eu estava com raiva, como a mulher que eu amava era membro de uma fraternidade louca e eu não sabia? Ivanov continuava a falar.

-Nesse momento faremos uma pausa de quinze minutos para a tomada de decisão dos supremos mestres. Aguardem, por favor.

Ivanov saiu da sala empurrando a cadeira de seu pai. Eu ainda sentado na cadeira, suava frio. Não conseguia processar aquilo, minhas mãos tremiam e ninguém ao meu redor parecia estar preocupado. Quinze minutos pareceram ser horas até que Nikole e o velho senhor retornaram:

-A decisão foi tomada.

Ela tinha um envelope vermelho em mãos. Eu só conseguia pensar. "Que não seja o meu filho, por favor, que não seja o meu filho".

Ela abriu o envelope e leu o cartão que estava dentro dele. Ela soltou um risinho irônico, pareceu sair involuntariamente, só então exclamou:

-Felipe de Alcântara Boulevard.

Meu mundo caiu, naquele momento, eu senti vontade de vomitar, mas não pude, estava paralisado. As pessoas ao redor sussurravam umas com as outras, incrédulas. Meu coração acelerava cada vez mais. Parecia que eu iria explodir. Escutei uma voz masculina vindo do outro lado da sala em tom alto. Era o prefeito.

-Governadora, isso é inconcebível! O garoto é uma criança!

Nikole deu com os ombros como quem diz que não há o que fazer. Pediu silencio a todos.

-Devido a esse atípico fato, declaro que o senhor Gregório será o Mentor de Felipe até que ele alcance a maior idade. Isso não indica a detenção do poder a ele, O cargo é de Felipe por direito, ele só responderá por ele até que o menino alcance a maior idade.

Os cochichos retornaram, os participantes pareciam não aceitar a decisão. Ouvi alguém gritar no meio deles.

-Isso é um absurdo!

Madame Ivanov levantou a voz.

-Absurdo ou não, é a decisão dos supremos. Esta sessão está encerrada! Há um coquetel na sala ao lado, aproveitem.

Ela saiu, soltando o ar de stress. Todos levantaram e se dirigiram para a sala indicada ainda cochichando indignados. Fui atrás de Ivanov.

-Madame Ivanov por favor espere! Nikole!

Ela se virou para mim, também não parecia muito satisfeita.

-Precisa de alguma coisa Senhor Boulevard?

Eu ainda estava muito nervoso, não sabia como começar.

-Olha, eu sei que eu não faço parte disso, a Julia nunca me disse nada sobre vocês, eu realmente não sei o que fazer.

Eu estava desesperado. Ela cerrou os olhos, parecia surpresa.

-Não? Interessante.

-Não, não, não, nada de interessante, olha você não entende, aqueles caras de capuz assustaram minha babá, eu não tenho ninguém, não sou esses ricaços aí, preciso trabalhar, não da.

Ela arregalou os olhos, pareceu assustada.

-O que você disse?

Fiquei confuso, o que eu disse que a assustou?

-Eu não sou rico?

-Não isso, idiota, os caras de capuz, o que você disse sobre os caras de capuz?

-Bom, eles ficam me observando em frente à minha casa, deixam bilhetes.

Ela pareceu ficar nervosa, passou a mão na testa tentando se recompor.

-Quatro caras de capuz, é isso?

Eu não estava entendendo, o que havia de errado.

-Sim, quatro deles, eles não são dos seus?

Ela se apoiou na parede, parecia apavorada, e eu me apavorava mais ainda vendo aquilo.

-Não, não são dos nossos. Isso é ruim, muito ruim. Já estão aqui.

Madame Ivanov me deixou sozinho na sala, saiu rápidamente batendo o salto alto no piso de mármore fazendo ecoar um som seco de trote pelo grande salão. Eu fiquei ali parado, confuso, nervoso e ávido por respostas. Levei as mãos à cabeça e dei aguns passos desnorteados pelo salão até decidir sair dali e ir para casa.

Cruzei o salão até a porta principal andando tão rápido que se alguém me observasse de longe poderia até mesmo dizer que eu estava correndo, entrei no carro e me sentei no banco do motorista sem saber ao certo ainda o que fazer, e foi ali, no silêncio e na solidão que tudo finalmente pesou.
Pensei naquelas pessoas, na votação, na minha esposa. Desferi socos desesperados contra o volante e me peguei chorando. Lembrei do meu filho, me recompus, limpei o rosto na manga do terno e girei a chave.

Não me lembro muito bem de como cheguei em casa, mas cheguei inteiro, estacionei o carro e olhei para a casa. Dela podia se ver apenas uma janela iluminada, era a luz da sala de estar. Entrei ainda amargurado, deixei as chaves na mesa da cozinha e fui até a sala. A cena que encontrei me fez dar o primeiro sorriso do dia, Barba e Felipinho estavam apagados, babando no sofá abraçados, ambos fantasiados de pirata com objetos improvisados. Aquilo aqueceu meu coração. Apesar de toda a loucura eu ainda tinha pessoas que me amavam acima de tudo.

Apaguei a luz da sala e deixei os dois dormindo lá, do jeitinho que estavam, não me atreveria a acorda-los. Entrei no quarto e me despi do meu traje de gala. Estava quase me deitando quando observei o livro que roubei da biblioteca, abandonado no criado mudo. Me peguei pensando no porquê diabos eu tinha me interessado por aquele livro tão aleatório e sem sentido.

Fui até ele e o encarei por um tempo, enquanto minha mente vagava buscando uma explicação, me lembrei da Julia, viva e linda. Amava ver a maneira como ele erguia seus cachos escuros em um coque para ler livros malucos para o nosso pequeno bebê.

Enquanto me deliciava em minhas memórias, por um instante pareci me recordar da minha esposa carregando um livro muito parecido com aquele que eu agora estava segurando, forcei a memória por alguns instantes até me dar conta de que com toda a certeza era o mesmo livro.

Folheei o livro desesperadamente tentando encontrar qualquer coisa fora do comum. depois de muito tempo e sem sucesso, esbravegei e soquei-o contra a madeira do criado mudo. O barulho que aquilo fez fi estranho, oco. Peguei a rapidamente o exemplar de volta e analisei com todo o cuidado a capa grossa que o revestia, até que percebi um relevo quase imperceptível que surgia na contra capa. Com um pedaço de clip de papel consegui desgrudar a parte em relevo da capa. Dentro do buraco, havia um fino medalhão prateado com um entalhe muito peculiar. Um circulo, uma estrela e quatro olhos sinistros. As palavras pularam da minha boca:
- Mas que merda, Julia!

Acordei energizado, tomei um banho rápido, peguei o celular e liguei para o Barba.

-Barba?

- Oi? Greg? Ta tão cedo cara, aconteceu alguma coisa?

- Eu tenho uma ideia, preciso da sua ajuda.

- Chego aí em dez minutos.



Deixei o Felipe com a Cristina, esposa do Barba, expliquei sobre o medalhão para ele. Tirei uma foto do objeto e imprimi o maior que pude. Colei na minha porta da frente, abri duas cervejas e sentamo-nos no sofá.

Barba me olhou com expectativa, algo em seus olhos indicava animação e adrenalina, características as quais eu invejava imensamente. Cansado do meu silencio ele questionou.

-E agora?

-Agora esperamos.

Dei uma golada na minha bebida e permaneci frígido. Estava decidido a obter todas as respostas ali.

O dia se desenrolou sem grandes emoções e a noite já quase caía enquanto eu e Barba permanecíamos jogados no sofá da sala, sem esperança alguma e assistindo um programa de culinária da tevê local.

Barba me dirigiu um olhar cansado e levantou para despedir-se, nesse exato momento ouvimos alguém bater à porta. Levantei de supetão e parei por um momento hesitante frente ao trinco, respirei fundo e abri.

Parado de frente para mim com uma postura invejável, completamente ereta e trajando uma farda muito bem alinhada, estava um homem de meia idade muito provavelmente militar. Sua expressão estava séria e seus duros olhos me encaravam com repreensão.

-Boa noite, Boulevard. O senhor tem a mais vaga noção da origem completamente sigilosa do símbolo que ostenta de forma tão vulgar em sua porta da frente?

O sangue me inundou os olhos, a petulância que me saltava à boca ignorava completamente a figura intimidadora daquele oficial.

-Na verdade, não tenho mesmo. Sou completamente leigo a respeito dessa coisa que vocês chamam de sigilosa e que por motivos que eu nem mesmo sei dizer acabou em minhas mãos civis. A imagem continuará aí até que essa merda toda me seja esclarecida.

Me arrependi de ter aberto a boca no pontual momento em que a fechei, mas já era tarde, tudo já havia sido dito e eu esperava qualquer que fosse a consequência agressiva que provavelmente sofreria.

Contradizendo todos os meus temores e instintos, o homem virou as costas e saiu, dirigiu-se à um carro preto e antigo que estava estacionado próximo ao meu portão. Quando pensei que havia sido deixado falando sozinho, a porta traseira do veículo se abriu, e de dentro dele surgiu o que julguei ser um homem muito robusto trajando uma roupa completamente preta e com o rosto coberto por um capuz.

Meu coração palpitou forte e a minha mente já estava a planejar um plano de fuga, eu queria correr, me esconder. A única frase que eu pude formar naquele momento e que saltaram dos meus lábios mais rápidos do que poderia pensar foi: "Fodeu! ".

Breves Apontamentos de Rebites para Um Rascunho de Quase Resenha Cítrica:

Márcia Denser, Sangria Desatada em Suas "Desestórias"

Rastilhos em Polvorosa em Apontamentos Para Desestórias

01.Tô na "leção!" da Márcia, PQP, que tornado de informações, lucidezas, ela ferina, libertária, mordaz, alucilímpida; um livraço, vale quando pesa, quem não ler é desconectado do que realmente se passa nos bastidores dos totens, antros, subterrâneos de pompas, o raio que o parta. Aliás, o livro é um raio abrindo memórias ressentidas, ressecadas, vc acaba por rever-se no aparelhamento da história como um coice, uma aula, uma lição, um verdadeiro mapa mundi de sepulturas malcaiadas, e tem que ler bebendo - para não acabar numa roleta russa de remorso e estupidez...

02.Que loucura o livraço da Márcia, tá tudo ali, um ensaio sobre terremotos; o olhar ferino- mordaz extremamente lúcido dela, libertária, porra louca, em lições de brasis e mundis, aulas sobre tudo, repassando histórias, falsidades, insurreições, um livro-aula-campi, quem não ler nem se sentirá na sobrevivencialização... Tô relendo e anotando, PQP, tb tô anotando me sub/vertendo comentários, porradas, vai ficar uma zona, mas vou indo, que mente vodkiana, hein? Temos que ser resgatados do inferno da mesmice, do achismo, do ódio customizado com rúculas de aberrações, bizarrices e toxinas?

Começo:

"Eu me interesso pela linguagem porque ela me fere ou me seduz".

(Roland Barthes)

-DESESTÓRIAS DE MÁRCIA DENSER - Márcia Escorraçai por Nós

Somos todos discípulos do ridículo, somos todos apóstolos do caos, pobres tantãs entre embrutecimentos de comodismos? Parceiros em potencial de analfas, reaças, amebas, consumistas, nessa ridícula e cotidiana rotina pica-couve do raio que o parta a fórceps? Henry Muller, tenha piedade de nós. Irreverente, a escritora/romancista La Denser, o tango fantasma dela metamorfoseando em nosotros caras pálidas seus ledores-camaleões-chacais, numa terra em transe? Ave Césio. Os que vão subviver são uvas verdes no rede-moinho das aparências hostis. Uma refugiada ou uma desertora, a autora-escritora ela mesma esturricada de contemplações ferinas? Ah, escorraçai por nós. Nós? -Núcleo de Otários Subordinados. Nesses tempos tenebrosos (Brecht), deveríamos todos errantes ser vacinados contra raiva desde o ventre. O escuro é nosso e ninguém taxa. Eis a nossa cota de trevas. Coxinhas, grávidas e black bloc primeiro; La Denser tirou o medo-rabo do pedestal do lepo-lepo em DESESTÓRIAS, ou não-histórias, crônicas, artigos, opiniões, ensaios, tudo numa leva do bem bolado e bem sacado no estertor. Ah a indignação pondo mais do que história-remorso. Só mesmo se inventariando do que se enlivra e regurgita seus vagidos narrativos, feito orgasmos múltiplos de doses duplas de realidade e soterramento para o éter-na-mente. Saravá "gentehumana"... "É nós" nas tretas. O erótico virou pinóquio de chuchu com supositório de comodismo do mínimo impuro, do laquê de impunidade na opus dei da rapaziada, tudo dentro do campo da impune mediocridade-leviatã. É o "anacronismo" de La Denser salpicando de querelas as brutezas da vida. A saci-Denser capitulando em livros suas epístolas, bravatas e panurgismos. Debaixo do tapete infame das etiquetas há muito lixo e talvez até haja mais vidas do que no sofá com vaginas e estercos de sacos roxos com oxiurose. Pois ela discorre brava/mente sobre FHC, blogs, lobbys, 11 de setembro, Tea-Party, Bush e Sherazade. Acredite se quiser. Eu não teria coragem de escrever sobre a Marcia Denser a palo seco, e, falando sério, o selfie pode esperar. Ela é o prego enferrujado do faquir nas etiquetas do deleite derramado. Nas barricadas dos bares da vida ela foi "contracorrentes" (Ítalo Moricone) e nessa contracorrente deixa sua página de sangrias desatadas a evocar por nós, nas labaredas das loucurezas, honrando as calças. Estradas e bandeiras? Abre-se o livro e começa a expectativa já que o estado gozoso tb é lê-la e assim tomar sentido das bandas podres dos curtumes e fermentos dos ciclos historiais minados, e nas catanças de escrevinhares jorram as escrevivências dela, que bota fogo na canjica e relampeja em prismas fumegantes essa sua selvagem/realista literapura.

Ah a banda dos contentes (como diria o filósofo Erasmo Carlos), ela salta o surto com limpidez extraordinária. Alma gêmea? Algemas. O tesão de escrever sola pelos cotovelos e dispara cogumelos-torpedos de enredos ferozes. Transgredir é preciso. Nesse mondo-saigon (em que a terceira guerra mundial já começou e não fomos avisados), Márcia Denser incorpora a alma libertária-femina e escarra na grã-ralé, na grã-finagem-lesma, entre tantos parasitas e mochileiros sem galáxias ostentando o nada e o ninguém, mas ela sucumbe, soçobra no mar de sargaços destilando falatório, palavrórios e outras lucidezas.

Gente é para morrer de fome, contrariando o dizer do Veloso Caetano, isso é o que se lê nas entrelinhas da mundialização de mediocridade universalizada do livro, um clássico. Desestórias é isso; puro sangue - literalmente um pé no sacro das grifes, na patuleia desequilibrada das raves pro açougue das almas, e dos sais nodosos que não tiram a epiderme-cela de cada um. Ah a craca do ego doentio da "sifilização" fazendo pilates para morrer sem sair do lugar que está e é. Juntos somos cavalos? A massa podre desgovernada pela mídia-ração grita: fora cérebro. Mas o aço da palavra da Denser respira pelos gumes das navalhas na carne. Vc só a lê se inteirando se estiver muito bem desperto. Ela flui a narrativa e evoca a literata-libertinagem da verdade que dói mas vc não quer acreditar. Numa sociedade de estercos que sofre o open-doping da mídia-abutre, ela dá seu testemunho de saber lidar com suas estocadas antropogênicas. Que porra é essa?

Ela é toda adrenalina nos passando o que corrói o olhar, o enfoque, a evocação da escrita-salitre. Dá seus cortes, pincela, feito seu testemunho de presença nessa terra cobaia de deuses e pagãos. Criares diferenciados. As máscaras do capital, da política, do NEOLIBERALISMO-câncer, ela tira repentes de teatros figurativos, engessa a imagem e diz: isso não é bem isso. Retrata abismos temporais datados. Ah o cinismo de uma sociedade pústula e seu mundinho de siricoticos com rivotril e ansiolítico e cocaina. Que pocilga é a vida? Tudo cheirando a goma-lacta, creolina, oxxi, crack, e ainda os que vão todo ano num crime lesa-fisco comprar fantasias de Patetas na Disneylândia, sem saber um nada do que rola por trás, no entredentes, nos bastidores, ela mesmo escrevendo como se com uma faca entredentes. Evoé, Baco. Ah os desvãos da alma do lucro-fóssil, a vaca profana dos podres poderes, num mundo com regras pétreas de imbecilidade, em que ela se exila na escrita como pode... Sorte nossa.

Senhoras e senhores, o circo tá armado e Márcia Denser é um perigo: ela pensa. Mais, ela cria, pior, ela salga essa sodomogomorra que é a vida. Subversiva, intolerante, granada sem pino, fio descascado. Sua açodada visão estrebucha o que tem verniz adulterado, criticando os puteiros do sistema. Desde o capitalhordismo americanalhado, às instituições de fachadas do crime organizado, falsas ofertas e procuras, falso mercado, não obedece, logo, cria. Talvez, afinal, uma revelação dessa fossa borralheira que é a vidamorte sempre a lhe atiçar os ânimos e os olhos, e talvez ainda ela seja de uma forma ou de outra a nossa trombeta de Arendt tupiniquim. Extraterrestres venceremos? Estamos fudidos e mal pagos. Deixem-na sangrar pra nós, por avessos virais, em seus livros/livrações. Vinhetas, pertencimentos, perguntações, mulherices, gordices, reflexões criticas, calhordices, detonando o indecente com fachada, pontuando pautas do arco da velha, contra siglas, antros de escorpiões, vertentes de chorumes existenciais... Diz do homem otarius, da consciência perversa, de amnésia histórica, dos nomes do jogo, da vida besta. Ah DESESTÓRIAS é tudo isso em soma e sumo. Ela vagamundeia o arbítrio, o cético, as ferrugens, num macadame de enxergar o couro grosso da mentira, do embuste, do que contempla com filosofia toda própria e argumentação textamental de fina estampa e grosso calibre, tudo junto e misturado, isso mesmo, um mosaico do que é e não é. Ah, pergunta o leitor atiçado, e o livro Desestórias propriamente dito? Pois é isso mesmo que a teimar estou somando tudo para falar na "livra" que é aqui a enciclopédia (livre) de La Denser. Ela é o livro. No livro ela destripa o mico das inverdades, entre utopias e distopias conta ao seu modo especial, sarcástico, bombástico, deixando o leitor numa zona de desconforto: como pude não pensar eu tb sob essa ótica, ou sacar o indizível que ela na cara dura nomina, ou, pior, muito pior, deixar que eu entenda que tolo e coxinha eu assinei achando que sabia do riscado e a coisa está muito pior pra raça... Somos todos espíritos de pornôs? Vai doer mais em quem ler? Porque não é aceitável assumirmos a comodidade do inferno de nós. Pois esse é um livro que a gente sofre pra caralho na leiturança e muito no final da leitura, como se de toda a existência os acontecidos fossem gatos escalpados entupindo nossa visão com mentiras e lambanças. O pavio curto dela mantém acesa a esperança de que, sim, o mundo acabou, camaradas... A NUDEZ DO Brazyl S/A. A nova geopolítica manda. A nova desordem econômica mundial grassa e detona. As honras são capachos. E tudo cheirando a mofo e naftalina de togas, patentes, tungas, túnicas, igrejismos, palácios, impérios, farsas e fardas. O lixo da história? Ela retrata, conta a sua opinião crua. Diz das estratégias de manipulação da elite. Diz da arte do equivoco, da ideologia do choque e do saque colonial... Privatização da consciência? É com ela mesma. E vai fundo em heresias, rituais, tudo na sua cara...

A crítica a consagra:

"Márcia Denser é densa, vivaça, ferro e foro nas etiquetas:

Suplementopeernambuco - #PernambucoLeu: "Marcia Denser é uma das nossas vozes mais pungentes da literatura brasileira contemporânea. Para traçar o que foi o Brasil nos estranhos anos da virada entre ditadura e abertura política precisamos retornar à sua personagem mais famosa, Diana Marini - Diana caçadora, publicitária, louca e perdida numa São Paulo cinzenta que era no fundo todos nós. DesEstórias marca sua estreia no terreno da não-ficção, reunindo observações sobre literatura, sobre o mundo lá fora e aqui dentro, não deixando escapar nem um restaurante banal onde encontra os amigos, um ambiente em que é "tudo baratíssimo, lembrando um mix de naufrágio com suicídio empresarial no melhor estilo anos 50, uma vez que ainda sobrevive graças à frequência de teatros off-Roosevelt - atores, dramaturgos, diretores, técnicos, público, fãs de tudo isso retra e supra". E quando se olha no espelho não se esquiva de sombras, como nesse trecho em que reflete sobre seu trabalho: "isto não é autoficção, tampouco autonaufrágio, até porque escritor é aquele nadador com várias medalhas olímpicas que, cada vez que chega à beira da piscina, se dá conta que não sabe nadar, já o fez um dia, mas agora ele não lembra, contudo mergulha mesmo assim, toca o fundo e milagrosamente consegue emergir. Absolutamente só e ofegante, mas vivo, porra". E cada vez mais viva!", por @schneidercarpe #instalivros #instabook #literatura #leiamulheres #menos1naestante"

Rir aos quatros ventos. Ferir-se de ler. Ah essa cavalgadura do achismo. Os asnóias precisam de belzeboys e belzebundas para terem altar. Mais médicos? Não, mais médicis... A seco ninguém segura esse rojão, muito bem cantou Chico Buarque, deve ser isso porque a Márcia Denser escreve estopins. O cínico está pegando fogo? Saques o celular. Ah o selvagem coração da divida social dos infelizes miseráveis do progresso sem consciência, em arremedos de fés quase isso mesmo, fezes. E o endividamento moral coletivo? Ah o carnegão da pose. Macacos nos moldam. "Num mundo totalmente globalizado e informatizado, tornou-se impossível ocultar a realidade sob o manto da ideologia"(PG. 279/Desestórias). E descreve sobre Flips, Ongs, Haiti, Delivery, Favela, Jogos, Sacis, Erotismo, preconceito, Feminismo, lobotomia, DogVille, Paulistices, Vinis, Gordier, Bachianas, sítios, rituais, estágios, afins e pertencimentos pertinentes. Sempre com filosofia/sabedoria/acidez narrativa fora de série e as vezes irônica e mesmo muito fora do sério, que nem tudo que reluz é fêmea. Ela faz chover no piquenique das ideias, mostra reinados nus, e saltita aqui e ali sobre a sociedade-cadáver. Gotham City só existe no gibi? Leiam aos poucos. Leiam bebendo doses homeopáticas de vodka russa pura. Vai ser um porre, PQP, as toupeiras vão botar as panelas no vaso sanitário. As hienas vão entrar numa TPM temporã. Ah o conservadorismo e suas pataquadas amorais. Ela traz imagens do pântano, diz de núcleos de abandonos de todos os tipos, conta das tripas sociais (mídia), e expõe disso tudo cicatrizes e sequelas. Você abre em qualquer pg e lá viça a contação raçuda e logo se sente (está) no finca-pé dessa deriva ao notório como é e vc nem sacava que era. Toma um porre de informações e se assusta. Ela dita o ritmo, dela. Como não saquei isso à época? Se eu contar, vcs não vão acreditar. Leiam a obra. Ah a sabedoria pansexual dessas mulheres que tanto sacam que acabam a mosca na sopa das breguices e achadouros disformes do real. Enquanto o meio desinforma, ela desenforma tudo e revela-se: tá na área é grilo esclarecido. Fica entre uma inventariante de remorsos, de tropeços, de relicários e perdulários. Com seu software todo peculiar, um imaginário e um conhecimento superior, MARCIA DENSER deixa com esse livro sua marca indelével de uma puta escritora, nessa obra-master em que se afirma nela e nos confirma MÁRCIA DENSER como uma literata monstro.

Querem saber? Leiam o livro.

Depois não digam que eu não disse. Márcia Denser, Escorraçai por nós...

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Silas Corrêa Leite - E-mail: poesilas@terra.com.br

Autor entre outros de GUTE GUTE, Barriga Experimental de Repertório, Editora Autografia, RJ, 2015.

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BOX

Livro DESESTÓRIAS, Crônicas e Relatos

Autora Márcia Denser - https://www.facebook.com/marcia.denser

Editora Kotter Editorial

332 pgs, 2016 - www.kotter.com.br

E-mail: kotter@kotter@bom.br

Coletânea de Poesias
EM HOMENAGEM AO DIA DA CRIANÇA


SORRISO DE CRIANÇA


O sorriso de criança
De angelical pureza
Demonstra sua confiança
Neste mundo de incerteza


Franco e sadio sorriso
No seu reino de alegria
A vida é um paraíso
Que ela vive a cada dia


Sorri contente e feliz
Numa alegria sem par
É da vida um aprendiz
Capaz de nos ensinar


O sorriso de criança
Puro elo de ventura
Exprime e traça a esperança
Do criador à criatura.


São Paulo, 19/05/2005
Armando A . C. Garcia
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A GAZELA E O LOBO MAU


Certo dia uma gazela desgarrada
Á beira de um riacho, tranquila pastava
Quando um lobo, goela aguçada
Olhava, mirava, se d'um pulo alcançava


O porco-espinho, compadre da gazela
Atento observava a avidez do lobo
Que a cada segundo, pensava comê-la.
Como o porco espinho, nada tinha de bobo...


Arquitetou um plano contra o intento
Do astuto e ardiloso lobo mau,
Que fingia nutrir-se do mesmo sustento
Para acercar-se da gazela, o marau!


E quando o manhoso, o bote tinha certo,
O porco-espinho que a tudo assistia,
Jogou seus espinhos, em firme acerto
Que o lobo cegou; e de dor, ele gania...


A doce gazela, tão pura e tão bela,
Sequer percebeu o perigo iminente.
Continuou comendo, nenhuma cautela...
Só foi perceber, quando à sua frente!


O lobo ganindo, socorro pedia...
A pobre gazela, seus espinhos tirou,
Curou suas chagas, serviu-lhe de guia,
Para ser atacada, tão logo ele sarou!


O quanto podia, correu pelos prados
Saltava, pulava, só poeira fazia.
Por fazer o bem, pagou seus pecados...
Até que chegou, aonde o lobo não ia.


Aí, foi pensar que nem sempre se pode
Ao seu inimigo, comida lhe dar.
Porque à primeira rusga a poeira sacode...
Agradecendo assim, quem o quis ajudar.


São Paulo, 23 de agosto de 2004


Armando A. C. Garcia
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O CURUPIRA


A estória que vou contar
Não é minha criação
É folclore brasileiro
Das matas ou do sertão


Consta que na floresta
Havia um menino peludo
Dentes verdes, pés virados
Cabelos avermelhados


Criatura horripilante
Não fosse sua bondade
Dos animais vigilante
Tornar linda a fealdade.


Conta a lenda que protege
Todo animal que lá habita
E quando um caçador herege
Que caça não necessita...


Os bichos da mata imita
Ninguém o consegue ver
Assobia, grulha e grita
E da trilha o faz perder


Os que matam os filhotes
E caçam só por prazer
Judia-os passa-lhes trotes
Ficam loucos pra valer


Diz a lenda que certo dia
-Curupira era o seu nome
Na floresta um índio dormia
E Curupira tinha fome.


Então resolve comer
Do índio seu coração
Este acorda, ouve dizer
Vou fazer dele um lanchão


O índio apavorado
Fingindo medo não ter
- Teu olhar fique fechado
Que vou-te dar tal prazer !...


No bornal tinha guardado
Um coração de macaco
- Ao Curupira ofertado
Como se dele, fosse o naco.


O índio em troca pediu
Que o Curupira lhe desse
seu coração. Consentiu!
Com a faca o peito abriu...


Porque havia acreditado
Que o índio nada sentiu !
Caiu morto, esticado.
O índio fugiu aterrado...


Jurando lá não voltar
Mal um ano se passou !...
Sua filha pediu um colar
Diferente qu'o povo usou.


O índio aí se lembrou ...
Verdes dentes do duende !
Ao tirar... o ressuscitou
- O duende, nada entende....


Quis retribuir a bondade !
Arco e flechas certeiras
Para caçar sem maldade
Foram as ordens primeiras.


E avisado não poder
Mais que para um apontar
Com bando, nunca mexer ...
Porque o iriam atacar


Um dia, todo emproado...
Quis mostrar ao povo inteiro
De nenhum disparo errado
Com seu atirar certeiro


Esqueceu o recomendado
Atirou num bando inteiro
Foi de tal forma atacado
Qu'nada sobrou do arqueiro


O Curupira tudo viu
Cheio de pena ficou
Com cola, os restos uniu
O índio inteiro montou


Em razão da tal colagem
Ao índio recomendou
Não comer ou beber quente
Se não derrete para sempre


Um dia sua mulher
Fez um prato apetitoso
Muito quente e o guloso
Se apressou em comer


Derreteu de uma só vez.
- A lenda quer nos mostrar
Que a caça predatória
Não se deve praticar.


Que Curupira só deixa
Caçar um para comer
E aquele que caça enfeixa
Da trilha o faz perder.
---------
Esqueci de acrescentar
Como Curupira tem pés virados para trás
Ninguém o consegue encontrar !...


S.P. 04/12/2004 -
Armando A. C. Garcia
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TEXTO DE UTILIDADE PÚBLICA - POR FAVOR, REPASSE-O




CRIANÇA, TOMA CUIDADO (Infantil)
(Com a Pedofilia)


Criança, presta atenção
Naquilo que vou falar
Tem muito espertalhão
Querendo te abocanhar


É o lobo mau da historinha
Só que, em figura de gente
Criança, seja espertinha
Não sejas tão inocente


Criança, toma cuidado
De estranhos.Não aceites
Doces, bolacha ou salgados
O lobo, com esse deleites


Visa estraçalhar você.
Criança, toma cautela
O pedófilo é jacaré
Não quer que sejas donzela.


Nem um aperto de mão
Ou um elogio sequer
A sua má intenção
Está querendo esconder


Se pedófilo te abordar
Criança, toma juízo
Nem pares pra conversar
Que ele promete o paraíso


Chama a Polícia depressa
Antes que ele te faça mal
Brinquedos, são vil promessa
De uma troca desigual...


Se tu fores abordada,
Com proposta desonesta
Dá-lhe grande bofetada
E cospe na sua testa .


Aos Pais:


Quem ama toma cuidado
Com aquilo que o filho faz
Não deixe a vigília de lado
Às garras do satanás


Quem ama, toma cuidado
Alerte seu filho também
Não deixe que um desgraçado
Faça mal, a quem quer bem.




São Paulo, 21/07/2008
Armando A. C. Garcia
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O Poeta Pigmeu ! (Infantil)


Era uma vez um poeta
Pigmeu por natureza
Escrevia tão bonito
Que encantava a realeza


Um dia p'lo Rei foi chamado
Quis saber donde provinha
Seu lindo palavreado
Que, mesmo o Rei, não o tinha


-Respondeu-lhe: são as musas
Que o transportam do além
Achando as respostas escusas
O Rei, achou ser desdém


Mandou-o encarcerar
Pensando preso não usa
Com as musas conversar
E a escrever, ele se recusa...


Foi em vão. Logo em seguida
O Pigmeu escreveu
Poesia. O sopro da vida.
- Melhor entre terra e o céu!


São Paulo, 18/07/2008
Armando A. C. Garcia
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A MENTIRA ! - (Infantil)


O meu pai sempre dizia
Filho, não deve mentir
Porque a Mentira um dia
Poderá te atingir


Vejam só o que aconteceu
Ao Zé, que apascenta gado
- À noite não adormeceu,
Por sentir-se entediado


Então, sem o que fazer
Uma farsa engendrou
E gritando, ele fez crer
Que o lobo o atacou


Os pastores da vizinhança
Ouvindo... lobo gritar
Acudiram na esperança
Do lobo mau espantar


Lá chegando, circunspecto
O palco do acontecido
Não revelava aspecto
Do lobo ali ter bramido


Mal três dias se passaram
O Zé, de novo gritou...
Lobo, lobo, socorram ...
E todo mundo ali voltou


Vendo a mentira do Zé
Os pastores s'entreolharam
E sem tapa ou pontapé
Desapontados... retiraram


Zé, ficou desacreditado
No meio da vizinhança
- O caráter demonstrado
Foi de uma vil criança


No dia que o lobo atacou
O Zé, socorro pediu ...
Mas ninguém se importou
Porque o Zé, sempre mentiu


Com fúria e sanguinolência
O lobo mau sacrificou
Dez ovelhas, em consequência
Da mentira que criou


Foi então que o Zé pensou
No mal que havia feito
Quando mentindo gritou
Por socorro sem efeito !


São Paulo, 07/02/2008
Armando A. C. Garcia
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O casal de castores


Lindo casal de castores
Vivia à beiro do rio
Nem tudo eram flores
Pelo risco que corriam


É que lá ia beber
Casal de gatos selvagens
Passando logo a querer
Dos castores tirar vantagens


Tocaiaram sua presa
Um bom tempo sem cessar
P'ra colocá-los à mesa
À noite no seu jantar


Mas o casal de castores
Arquitetos por nascença
Tinha erguido uma barragem
P'ra defender sua existência


Construíram sua morada
Com galhos bem entrançados
Com a porta de entrada
Na barragem submersa


No meio dos paus trançados
Grande espaço reservado
Lá moravam sossegados,
Com mantimento, guardado.


Até que dois gatos selvagens
Perturbaram sua paz,
Mantendo guarda cerrada
Com finalidade voraz!


Por terem discreta porta
Com entrada pelo rio,
Deixaram de virar torta
Nos ataques que sofriam.


Cansados da perseguição
Resolveram se vingar...
Fizeram um mutirão,
Para os gatos afogar.


Assim na próxima investida
Os castores de prontidão
Abriram as águas do rio
Dos gatos... nunca mais se ouviu falar.




São Paulo 09/08/2004
Armando A. C. Garcia
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A RITINHA E O GATO SIAMÊS




A Ritinha tinha um gato
Cuja raça é siamês
Pulando sobre os telhados
Escapulia de vez


A Ritinha não gostava
Das fugas do siamês
Na sua ausência chorava
Pela falta que lhe fez


Sempre o bichano voltava
De cada sua escapada
- Nas ausências se encontrava
Com gata que muito amava


A Ritinha não sabia
Quem o siamês visitava
Até que um certo dia...
Trouxe a prole e a namorada


A Ritinha muito alegre
A todos eles abraçou
- Sua casa foi albergue
Da prole qu'o siamês gerou


São Paulo, 14/09/2007
Armando A. C. Garcia
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Oração da Criança


Quis rezar mas não sabia,
Nenhuma oração legal.
Vou pedir p'ra cada dia
O que acho principal.


Senhor, meu Deus, atendei
O pedido que vos faço,
Eu nem sei porque busquei
Abrigo em Vosso regaço.


Minha mãe, está doente,
Meu pai, desempregado
Que ela, cure de repente,
P'ra ele, trabalho achado.


Sabeis que sou pequenina
Tenho três anos de idade,
Não sei oração Divina
P'ra vós, não é novidade!


Atendei o que vos peço
Que chegando à mocidade,
Pagar-vos-ei justo preço
Rezando com qualidade.


Obrigado meu senhor,
Em atender meu pedido.
Eu não sei rezar melhor,
Mas vos fico agradecido.




São Paulo 07/08/2004
Armando A. C. Garcia
E-mail: armandoacgarcia@superig.com.br
Visite meu blog: http://brisadapoesia.blogspot.com



Balde de água Fria

Cheguei adiantado, Trabalho como colunista geral do Jornal New Age, de Calgary. E como Colunista geral eles querem dizer que sou piadista geral. Escrevo as mais diversas matérias relacionadas com qualquer coisa que seja no mínimo desinteressante. Sonho em um dia ser um grande jornalista atrás de matérias extraordinárias, mas isso, é só um sonho.

Como dizia, entrei adiantado e fui direto para a cozinha buscar meu Elixir negro da Produtividade, que os leigos costumam chamar de café. A primeira pessoa que eu converso no dia é a Dorothy, minha colega de Trabalho. Sempre chamei ela de Dory, como o peixe de Procurando Nemo, porque ela vive esquecendo as coisas. Ela é quem ilustra minhas matérias sensacionais. A Dorothy não é do tipo garota modelo, mas é naturalmente bonita, tem a pele cor de canela e longos cabelos claros ondulados, seus olhos parecem duas grandes amêndoas.

Como de costume entrei na cozinha e procurei pela minha caneca da sorte, na verdade era só uma caneca que meu pai me deu de natal, mas era especial para mim. Lavei a caneca com cuidado enquanto reparava na imensa carranca que a Dory estava fazendo. Ela estava encostada na bancada e batia o dedo indicador na superfície como quem está se segurando por alguma coisa.

Curioso e pronto para provoca-la eu sorrateiramente me esgueirei para perto dela e como quem não se importava fui em direção a cafeteira e retirei o jarro do suporte. Ela soltou o ar com força para chamar a atenção. Escorei na bancada contraria a que ela estava e fingi estar apenas relaxando e olhando para o nada. Dory cruzou os braços e ficou me encarando.

-Vai ficar aí só olhando? Não vai perguntar nada?

Eu ri por dentro. Sempre funcionava.

-Oi Dory, Tudo bem?

-Não! Nada está bem! Você por um acaso sabe o que o Austin pediu para a gente escrever sobre?

-Basicamente, sou eu quem escrevo. Mas não, não sei nada ainda. O que vem agora?

Ela serrou os olhos por conta do meu comentário.

-Me poupe. -Houve uma breve pausa- Ele quer que NÓS escrevamos uma Matéria sobre o John Louco da rua 15!

Ela disse a palavra "nós" gritando por provocação.

Fiquei alguns segundos tentando processar o que Dory estava me falando. John Louco Na verdade Era John Smith, um homem de cerca de 40 anos que há algum tempo havia perdido a sanidade por conta de um acidente de carro. Hoje em dia só fala palavras soltas e sem sentido de um mundo que só ele vê. Coisas como: sem corpo. Fundo escuro. Essas coisas bizarras que faz todo mundo se afastar.

-Não. -foi a única palavra que consegui dizer. -

-Sim! É o que ele me disse agora a pouco. - Retrucou Dory parecendo extremamente irritada.-

Eles acham que somos o que? Piadistas? Coluna de humor? Eu não aceito isso, não aceito!

- Eu acho que... - engoli em seco. - Talvez precisemos só de tempo para se acostumar com a ideia.

Dorothy fez uma careta incrédula e de supetão batendo a porta, saiu da cozinha. Sem dizer mais nada.

Respirei fundo tentando processar a patética ideia de entrevistar um senhor psicologicamente doente e fazer disso uma matéria de jornal. Quase que missão impossível eu pensei. Tomei goladas apertadas de café enquanto olhava para a pequena janela da cozinha. O vento estava soprando forte de novo e mesmo estando aquecido eu podia sentir o frio cortante chegar. Imaginei quem seria eu, se as coisas me fossem diferentes, Se meu coração e meus músculos funcionassem da forma correta. Decidi não pensar.

Abri a porta e caminhei sonolento em direção a minha mesa. A minha e a da Dory ficavam lado a lado e ela já estava lá digitando o que quer que seja sem nem olhar para o lado. Eu estava quase sentando, colocando a caneca sobre a mesa quando ouvi o Grito do Austin. Austin era o nosso superior imediato que vivia nos enlouquecendo com suas besteiras. Ele era muito alto para um homem normal, cabelo grisalho e um tremendo barrigão redondo que lembrava uma melancia.

- Nolan! Já soube das Novidades? Quero a descrição da entrevista com o Senhor Smith na minha mesa amanhã de manhã para revisão. Me traga um bom conteúdo garoto, se esforce.

-Senhor Smith? ah sim senhor. - Quando você coloca apelido nas pessoas o nome delas nunca mais soa familiar, para mim o senhor Smith era John Louco da rua 15. Demorei assimilar.

-Sim, John Smith garoto, vamos! Está dormindo ainda?!

Mentalmente sim. Pensei.

-Não senhor, estará pronto amanhã de manhã.

- Certo.

Enquanto voltava a me acomodar na cadeira ainda meio tremulo e nervoso pela conversa gritante com Austin, Dory já não digitava mais e me olhava fixamente com um ar de deboche no rosto.

- Acostume-se com essa ideia. - Disse ela, e depois voltou a digitar -.

Eu levei minhas mãos até a cabeça, estava preocupado. Que tipo de conteúdo eu traria? Eu precisava muito daquele emprego e como é que eu iria proceder tirando conteúdo interessante da mente de um homem louco. Era frustrante pensar que estava estudando tanto para ser alguém tão (...)

-Nolan!

Dory me retirou de meus pensamentos.

Balancei a cabeça em sinal de resposta.

-Vamos, temos que chegar cedo se quisermos tentar tirar algo dele.

Ela colocou a mão sobre o meu ombro em sinal de consolo, já não estava mais zangada.

- Vai dar certo Ok?

Dei um sorriso forçado.

- OK.


John Smith

Apanhamos tudo que acreditamos que iriamos precisar e colocamos dentro da van da empresa. Era uma van velha, mas bem conservada. Eu estava caindo de tanto sono, entrei no carro sentei e joguei as chaves para Dory.

-Hoje é com você.

Ela me fez uma cara de malicia digna de Velozes e Furiosos, e eu cheguei a pensar de verdade que ela ia arrancar em alta velocidade. Mas não o fez, ela caiu na gargalhada e saiu a trinta km/h uma vez que a van não era nada rápida. Me senti um imbecil completo e me deixei rir com ela.

Ficamos na estrada por cerca de uma hora até finalmente chegarmos a rua onde morava nosso ilustre entrevistado. Eu estava cansado e com muita fome, mas devíamos começar a buscar algum conteúdo o quanto antes.

Atravessamos a rua 15 atentos à procura do número 956 que era o endereço que constava nos registros da prefeitura. Chegamos a uma imensa casa de madeira antiga. Deus do céu aquilo causava arrepios na espinha. Era como entrar em outro universo, a rua era linda, casas coloridas e jardins joviais. E como em um clichê de filmes de horror, lá estava a amedrontadora casa velha de madeira.

Aquilo em si já era conteúdo. Decidimos então perguntar aos vizinhos mais próximos o porquê daquela casa ser tão desproporcional ao lugar, e saber mais sobre o nosso amigo John Louco.

Batemos na porta ao lado e uma simpática senhora já por volta dos seus 70 anos nos atendeu com um sorriso caloroso. Ela vestia roupas simples e muito coloridas, o seu semblante me trazia aconchego, por um momento me lembrei da minha avozinha e senti saudades. Dory a cumprimentou estendendo a mão.

- Bom dia Senhora ...

- Meredith. -Ela disse sorridente-

- Bom dia Senhora Meredith, Eu sou a Dorothy e esse é o Nolan, nós somos do jornal New Age e gostaríamos de lhe fazer algumas perguntas se nos permitir.

- Do jornal!? -ela disse empolgada passando as mãos nos curtos cabelos grisalhos- É claro minha filha, finalmente vou ficar famosa.

Ela deu risada e fez sinal para que entrássemos. Sua casa era igualmente acolhedora, com aroma de lavanda e moveis rústicos, eu me sentia em paz ali, era um ambiente extremamente aconchegante. Nos sentamos no sofá da sala que ficava apenas a alguns passos da porta, era um sofá marrom aveludado muito bem limpo, enfeitado com almofadas coloridas com imagens de filhotes. Comecei perguntando de sua vida, para não assusta-la logo de cara.

- Então Senhora Meredith ...

- Oh não meu caro. Pode me chamar só de Meredith, mesmo.

- Tudo bem. Então Senh ... Meredith, Você nasceu aqui mesmo em Calgary?

-Não, não. Eu vim de Vancouver, meus pais não acreditavam eu um futuro lá, então decidiram se mudar, cheguei aqui quando eu era muito pequenina. Diziam que queriam tentar algo diferente.

- Com o que eles trabalhavam?

- Meu pai era Barbeiro, Minha mãe costureira. Não vivíamos no luxo, mas dava pra sobreviver sabe? Ganhavam pouco e eu tinha mais quatro irmãos menores, muitas bocas para alimentar.

- O importante é a união, certo? A senhora não estaria aqui se não fosse por todo esse sacrifício não é mesmo?

-É verdade filho, essa é uma verdade muito grande da vida.

- Então, faz muito tempo que a senhora está aqui? Digo, nesta casa?

Ela me olhou profundamente por alguns segundos, como se vasculhasse cada intenção minha, minha garganta ficou seca, os velhos olhos azuis apagados me lembravam o mar em dia de tempestade, e eu estava me afogando.

Ela então desviou o olhar, olhou para baixo, como se calculasse o que iria dizer.

- Apenas há quarenta e cinco anos, filho. -Ela deu um sorriso curto de canto de boca, como quem força uma piada.-

-Uau! Isso é bastante tempo. Os vizinhos aqui se mudam muito?

Estava começando a suar, isso é incomum, eu já fiz isso milhões de vezes, não conseguia compreender porque me senti tão nervoso.

- Na verdade não, creio que a maioria deles, assim como eu está aqui há muito tempo.

Ela falava sobre o tempo com tanta tristeza, quase não parecia a senhora sorridente de minutos atrás.

-E o seu vizinho ao lado, o Senhor Smith. A senhora o conhece bem?

-Perdão querido, quem?

-O Senhor John Smith, que mora ao lado, casa de madeira.

-Desculpe, eu acho que não conheço esse homem, filho.

Olhei rapidamente para Dory e ela estava bufando um pouco, havia se frustrado com a nossa falha na comunicação, e decidiu ajudar. Ela parou de desenhar, o que quer que ela estava desenhando e dirigiu-se a senhora:

-Ele ta falando do John Louco, Dona Meredith!

Eu fiquei estupefato, a boca entre aberta em indignação. Não podemos falar de entrevistados dessa forma!! Droga Dory eu vou te esganar. Pensei.

-Aaaaah sim. -Meredith respondeu, dando uma gargalhada-. Conheço ele, Mudou-se a uns anos, a casa já era assim mesmo. Mas eu não gosto de falar dele.

O humor dela mudou da agua pro vinho, de uma gargalhada para um semblante preocupado, quase aterrorizado.

- Receio que tenham que ir, crianças.

- Na verdade a senhora poderia dizer se ele faz algo incomum, ou talv....

Ela cortou minha fala com a mão em sinal de pare. Pigarreou e disse de forma lenta, controlando-se.

-Eu Receio. Que tenham. Mesmo. Que ir.

Ela nos acompanhou até a porta Apressadamente e a única coisa que disse antes de bate-la na nossa cara foi: Até breve.

Eu olhei para Dory com meu olhar mais mortal.

-O que foi? -Ela disse em tom adolescente-.

- E você ainda pergunta? Droga Dory, não podemos chamar as pessoas desse jeito, temos de ser educados. No mínimo Profissionais.

Ela fez cara de deboche e ficou alguns segundos gaguejando até finalmente falar.

-Não senhor, ela até riu, foi você que forçou a barra cedo demais. Poderíamos ter conseguido muito mais informações importantes.

Soltei o ar violentamente e chacoalhei os braços.

-Não importa muito agora. Vamos ter que enfrentar a Fera com o que temos.

Atravessamos de um quintal pro outro, era como trocar de universo, da alegria, para a tristeza. Minhas mãos suavam, eu senti que não estava passando muito bem, o frio era cortante e minha testa começava a encharcar. Caminhamos a passos cautelosos até a porta principal da casa do "Senhor Smith", a porta era grande, de madeira antiga, um pouco apodrecida por conta da exposição ao tempo. Tocamos a campainha.

O Som ecoou longe como se lá dentro houvesse apenas um imenso salão vazio, como se não existissem moveis ou barreiras para conter o som. Passos pesados e apressados começaram a ecoar dentro da casa, e em poucos segundos a porta estava se abrindo.

O rosto de um homem negro empalidecido surgiu no vão da porta entreaberta, seus olhos eram brancos, sem vida e suas roupas estavam muito sujas. Ele nos olhou de cima a baixo e então vociferou como um animal raivoso.

-Eu não vou comprar nada! Não! Nada!

Eu já não estava me sentindo bem e aqueles berros insanos me deixaram além de tudo arrepiado. Dory que estava mais confortável tentou argumentar com o senhor, que mal parecia saber se estávamos realmente ali. De vez em quando ele olhava realmente pra gente, mas na maioria das vezes ele parecia não estar dentro do próprio corpo.

-(...)Como eu disse, somos do jornal. O senhor poderia por favor nos conceder uma entrevista? -Argumentou Dory-.

-Posso.

Ele havia voltado a si. Graças a Deus. Minha pele estava salva, eu teria algo para mostrar ao Austin e manteria meu emprego maravilhoso.

Entramos receosos, a casa era uma bagunça total, mal iluminada e pilhas e mais pilhas de roupas e sujeira esparramadas para todo lado. Eu juro que vi um rato correr do meu lado logo que a porta abriu completamente.

-Podem sentar naquele negócio ali. - Ele disse apontando o dedo para um velho sofá rasgado no canto do cômodo-.

-O sofá? -Perguntou Dory para se certificar-.

-Isso, Sofá. Sofá. SOFÁÁÁÁ! -Disse ele surpreso-

As coisas já não estavam começando muito bem. Eu e a Dory nos entreolhamos e parecia que nos lamentávamos juntos por termos escolhido esse emprego.

Estávamos arrumando as coisas para entrevista e eu resolvi começar a quebrar o gelo com o nosso doido amigo nos apresentando primeiramente.

-Olá senhor Smith. Meu nome é Nolan Lackolzzi vou escrever tudo o que falar, e essa é minha parceira Dorothy Montgomery ela vai ilustrar e fotografar a nossa entrevista, ok?

Ele me olhou estranho, a princípio acreditei que ele estava apenas agindo em seu estranho habitual. Mas aquilo estava diferente, ele não parecia realmente estar bem, parecia estar lutando com algo na própria cabeça, apertava-a tão forte que eu achei que ele mesmo iria esmaga-la. Os olhos apagados começaram a revirar e ele chacoalhava o corpo constantemente. Eu fiquei assustado. Queria correr dali. Me levantei depressa. Precisava de ar. Aquilo não parava. Ele chacoalhava a cabeça e gritava o próprio nome.

Quando estava próximo a porta, olhei novamente para traz e então ouvi a voz dele mudar, quer dizer. A voz que vinha dele. Era grave e duplicada e me chamou pelo nome.

-NOLAN.

Eu tremi, os olhos moribundos daquele homem se tornaram negros, orbitas de escuridão. Eu senti meu corpo amolecer. Ouvi um sussurro: Nigro amictu Dicere salve adventum clementer resalutatis eis, qui corde non videat creatura invisibilis in conspectu eius.

Apaguei.



Acordei confuso, tudo ao meu redor girava. A luz estava forte demais e eu não podia enxergar com clareza. Esfreguei os olhos e tentei foca-los, ouvi barulho de maquinas e vi algumas agulhas, inclusive uma delas estava cravada no meu braço. Eu estou no hospital? Senti alguém tocar minha mão, olhei para o lado e lá estava a Dory, olhando pra mim com seus olhos de avelã cheios de água:

- Oi Dory! Lindo dia, não?

Ela deu risada secando as lagrimas e me deu um tapinha no braço.

- Seu idiota, nunca mais me faça uma coisa dessas entendeu, nunca!

Me esforcei pra levantar um pouco, minha cabeça estava girando ainda e meu corpo pareceu pesado. Com algum custo consegui me colocar sentado na cama, enquanto tentava ajustar as ideias.

- O que aconteceu?

Dory me olhou com olhar de choro novamente, parecia assustada.

- Nós estávamos arrumando as coisas aí você começou falar e aquele homem começou berrar coisas estranhas eu não sabia o que fazer e, aí cadê o número da ambulância? Eu devia arrumar a bolsa, a van não andava rápido, o que eu podia fazer? ...

Ela estava falando muito rápido e chorando, eu não estava entendendo bulhufas.

-Dory, espera. Calma, respira.

Ela respirou profundamente, fechou os olhos e começou de novo.

Falo de lá

Lugar que não é deste mundo

Material lá não tem

apenas pensamentos

novos...

ainda indescritos

devido a falta de letras

palavras... verbos ou conjugação


Lugar nenhum é bem vivo

onde tudo é vivo

onde tudo é são


Tal qual energia imanente

que não se contamina

por ser apenas e de pronto

Lugar de um merecido repouso

Que não se altera por nada


Pós obras que dão trabalho

Fez-se a luz...

Aqui...

Que é...

bem fora de lá


AQUI !!!


Onde agora navegas

sem saber-se criador

das dores que te dão todo saber

Em todos os sentidos


Levando-o a desviar

das margens...

Dos cais...

Das pedras...

Tão reais como IMAGINAS ser


Sofres por puro prazer

Por amar estar encarnado

exercendo as suas escolhas

Que as vezes te encalha

Como riscos em qualquer obra

mal planejada


Marolas que rasa te agarram

Prendendo-te nas areias

que te esfoliam a pele

Capazes de te paralisar...

Dissolvendo-te por medo

de navegar em alto mar


Mude...

Mude sua rota

Siga prá lá

Lugar nenhum é lugar de ser nenhum

É onde se apagam os equívocos...

Os aparentes erros e os encalhes

imaginários


Eu prefiro navegar e remar

Só volto lá prá repousar

depois de velejar com muitos até cansar


ou surfar só,,,

Por minha conta e risco

Nas minhas próprias ondas

Que crio por diversão


Melhor fazer...

Que não exercer

Seu direito de SER

O próprio SER


E ficar esquistificado

Numa prancha de desenhista amador


Cinética é a primeira ARTE

E NÃO A SÉTIMA que algum tolo

Aventou e você acreditou

abandonando seu posto

De diretor de cinema...

De ante mão...

Consagrado





Mas como explicar para ele,
Suplicando em lágrimas,
Risos trágicos desesperados,
Em seco.
Preciso que me ame.
Poderia me amar, por gentileza?
Sabe, eu preciso que você me ame,
Porque parece que sabe dessas coisas.
Desse não sei o que, amor?
Amar assim do jeito torto que sou, podia?
Sem tentar consertar,
Segurar delicado o coração,
Amar direito.
Enfiar a mão pelo encontro do olhar,
Puxar a alma para fora,
Coloca-la no lugar?
Mas depois não ir embora,
Não abandonar.
Contar lugar onde encontrou a alma,
Caso aconteça de ela me perder,
Se perder naqueles lugares secretos
Dentro de mim.
Aí, não esqueça,
Me amar tem o risco de ter cuidar,
Para eu não descuidar de mim,
Me guiar toda torta,
Acreditando em rumos errados,
Emaranhando em distânicas
Sem sensos de volta.
Mas você poderia me amar então,
Assim?
Sabendo que tão pouco sei de amor.
Nem sei como começar. Não tenho prática.
Nestes quarenta anos nunca te escrevi. A senhora sabe como é: correria, muito trabalho, compromissos diversos e afinal, ninguém é de ferro né mãe.
Mas hoje, parei de encontrar desculpas e resolvi te escrever. Talvez eu tenha algumas novidades pra te contar.
Saiba a senhora que já não sou mais aquele menino que tinha vergonha de te beijar, de te abraçar, que não sabia o quanto é maravilhoso dizer e ouvir um “eu te amo”. Cresci mãe, passei e passo meus momentos de dificuldades. Não só eu, os irmãos também.
Pena que não te abracei mais, que não te beijei mais, que não demonstrei mais o meu amor por você. Eu não sabia que você partiria tão rápido. Talvez se soubesse teria feito diferente ou morreria antes para não sofrer esta perda.
Mas estou sobrevivendo, lutando, buscando sempre acertar. Você sabe o quanto é difícil tocar em frente. Eu tento facilitar, pode acreditar, mas ás vezes desabo. Não vou negar que tenho minhas fraquezas e culpas, mas também vivo momentos ótimos, inesquecíveis e lindos.
Puxa!
Estou escrevendo e me dou conta que até meus cabelos estão parcialmente brancos.
Lembro como se fosse hoje o dia que você teve que ir. Nossa. Tanto tempo, mas a memória não se esquece de nada. Todos me deram uma especial atenção, tentaram me distrair. Eu era tão menino, tão inocente, mas sabia o que significava aquele momento.
Eu sabia que meu melhor pedaço de doce ficava ali. Por muitos anos não consegui falar em você sem chorar. Agora também estou em lágrimas. De saudades, de vontade de te ver, de saber que se você estivesse comigo poderia ser mais fácil. De saber que no caminho, por vezes, encontramos mais espinhos do que flores.
Naquele inicio de ano de setenta e dois, nos afastamos para nunca mais eu ver teu rosto. Não sei se, em algum momento, viste o meu.
Estou diferente agora. Perdi aquele sorriso, perdi parte do brilho dos olhos desde aquele dia e agora ainda mais.
Acho que pra aliviar um pouco comecei a escrever. Assim, despretensiosamente. Nos anos 80 fiz algumas crônicas para jornais. Depois fui escrevendo algumas poesias. Em 87 participei da primeira antologia. Hoje são várias participações.
Participo de um site literário, tenho recebido até elogios. Acredita mãe? Verdade. Pena que você não pode ver.
Este ano tenho um projeto mais ousado, conto com teu apoio materno para que dê tudo certo.
Confio no teu amor. Confio na tua intercessão.
A parte triste é que não poderei te enviar, sequer, esta cata.
Você promete me ajudar mesmo assim?
Saiba que eu escrevo com o coração, com a sensibilidade e a saudade de um filho que não te esquecerá jamais. Quem sabe você, com teus poderes de mãe consiga ler. Tomara. Tomara mesmo.
Se não for possível me deixa, ao menos, sonhar que lerá.
Por hoje era isso mãezinha. Beijos.
Ainda amo você muito mais do que a mim mesmo.
Feliz ano novo pra você.
Feliz ano novo para todos.



A cena na infância longínqua está gravada na memória...minha mãe cuidando de seu jardim, entre rosas e margaridas, palmas e hortências...eu sentada no alpendre da varanda, entre bonecas e livros, que ela mesma me ensinou à lê-los. A conversa girando sobre o futuro que viria...o que seria de mim...o que seria eu...Por ela, como quase todas as mães, médica de branco, doutora Elian! Mas eu, já de pequena, sonhava escrever e contar histórias...dizia pelos quatro ventos que seria escritora. Como as mulheres que escreviam os livros que eu lia. Lia os homens também, mas naqueles tempos de tantas desigualdades, eu já admirava as mulheres escritoras, embora tenha sido um escritor quem marcou a minha iniciação nas leituras. O primeiro livro que li foi 'O meu pé de laranja lima' de José Mauro de Vasconcelos. E foi aí que me encantei com a literatura. Minha mãe contava as histórias de Monteiro Lobato para nós (a sua filharada), mas na época não tínhamos livros disponíveis, e ouvíamos a sua narrativa imaginando as cenas.
Naquele dia, em que ela cuidava do seu jardim, tão admirado pela vizinhança, minha mãe me dizia que quando ela envelhecesse, seria colocada num asilo. Ela dizia que esse era o destino dos pais. Que era comum isso, já que os filhos certamente teriam seus compromissos profissionais e familiares, e ela estava preparada para isso. Eu a olhava admirada e retrucava: ...Jamais mãe! Eu nunca vou deixar que você vá para um asilo. Vou cuidar da senhora enquanto a senhora viver mãe. Ela apenas sorria um sorriso de quem não acreditava...e continuava plantando suas flores.
Hoje é o futuro...minha mãe está aqui, comigo...envelhecida, frágil, deficiente...estou cumprindo minha promessa daquele dia...tão distante. Eu não virei uma médica, mas vesti o branco da enfermagem. Também não me transformei numa escritora, mas virei rabiscadora...e o futuro daquele tempo... é o meu presente de hoje.

(Elian-17/03/20112)


Você pode,  na tua vida,
Ser ou ter o que  pensar
Para isso, tem um segredo:
É preciso acreditar!

Acredite, mas vá à luta,
Sem preguiça. Seja forte!
Organize seus objetivos,
Não fique contando com a sorte...

O mundo está aí, e é seu!
Muito ainda o que fazer.
Basta arregaçar as mangas
Lutar, persistir e vencer!

E a cada nova conquista
Escreva uma letra na história...
No fim do livro da vida,
Terás a palavra: Vitória!
Não é sobre o meu amor que falo agora
Nem é sobre a vontade de te ver a qualquer hora
Ou sobre a loucura que me aflinge ao lhe ver indo embora
Não é sobre o tempo que corre quando estamos juntos
Nem sobre os beijos que poderão ser repetidos no futuro
Ao meu Amor
Falo para você...
Preciso me ater ao silêncio que teimas em prosperar
Preciso conter os repentes que te afastam e me fazem te esperar
Preciso te fazer acreditar e se soltar, instistir e te fazer declarar
Preciso te ajudar a entender essa vontade de me ter que passa da conta do apenas ver
Preciso que te soltes das amarras e se permita me querer
Preciso que você expresse o carinho que por aí tanto quer esconder
E agora
Falando um pouco sobre mim
Estou aqui pra mudar o percurso de ida
Eu estou aqui pra dar outro sentido às despedidas
Eu estou aqui como o amor da sua vida
Estou aqui para reescrever sua história
Chegue mais!
Entre!
Sou refém de um sentimento grandioso e verdadeiro
Feliz pela paixão que me consumiu
Interaja com meu afeto
Ainda que possa parecer presunção
Afugente a má interpretação e procure ouvir o quanto de belo vem do seu coração
E o resultado será um amor a dois inesquecível
Que nos consumirá as ideias e os sentidos
E fará iluminar nossa estrada cujo destino nos levará ao lugar onde tudo esteve contido
Eu contigo
Vem pra mim, meu amor
Ganharemos o mundo
Você comigo!
Existe um bom lugar pra onde se ir?
Se existe por que você ainda não foi?
E se não foi o que esta fazendo?
O que esta esperando?
Aqui chove merda todas as noites você entendeu?
Telejornais sujos contando tragédias cotidianas
Por que existe o imbecil e o insensato
Existe o medo prestes...
O medo que não vem
Que não vai...
Que nunca foi...
Eu posso ver você acreditar nestas coisas
Coração puro você diz?
Coração puro?
Aqui onde vives os bebes não nascem são expelidos
Aqui onde vives mães devoram suas crias com maldades e mentiras
Pais molestam crianças
Padres molestam crianças
E você finge que não vê
Da likes não é isto?
Da likes consternado
Cãezinhos desamparados
Gatinhos perdidos
Da likes
Existe um bom lugar pra onde você vai?
Destilando ódio em disputas insensatas
Politica de tolos pra tolos movendo tolos
Elegem tolos também?
Aqui onde você bebe sua cerveja arrotando banalidades a fome viceja
A morte rouba carteiras
A loucura esquarteja membros
Os cortejos não tem fim...
Aqui...os cortejos não tem fim...
Vá sorrindo idiotamente
Vá bebendo siga trepando
Continue de pé
Continue morrendo
O que você sabe ?
Foi teu diploma quem contou?
Enquanto o sangue alheio manchava a calçada
Enquanto a dor alheia inundava a avenida...
Cemitérios ...
Os cortejos não tem fim.
Que privilégio é acordar como o dueto do vento com as folhas dos coqueiros logo ali, de frente à minha janela. O mar, mais adiante, também contribui para o meu despertar com o vai e vem das ondas. Shuááááá...
Aqui, acordar com o sol é uma rotina. Cinco e meia da manhã ele me desperta com um belo raio de bom dia que entra pela fresta da cortina.
Esse cantinho do Planeta se tornou um lugar especial. Onde estou? Numa praia, bem onde o mar é poeta.
Num desses belos dias vividos aqui, pulei da cama às seis da matina e fui fazer minha corrida. A maré estava baixa e as piscinas naturais cintilavam no horizonte com diversos tons de verde. Descalça, dispus-me a caminhar pelas leves ondas que quebravam aos meus pés. De repente, com uma voz suave e firme, ele falou:
- Bom dia, senhora Ana. Sempre por aqui a essa hora. Vai caminhar ou correr hoje?
Eu olhei para os lados para ver quem falava comigo. Não encontrando ninguém, parei e tirei os fones de ouvido para ter certeza de que ouvi algo. Fiquei assim por uns segundos, parada, olhando à minha volta. Confesso que fiquei assustada. Retomei minha passada já pronta para iniciar minha corrida quando ele me falou de novo.
- Senhora Ana, sou eu quem lhe falo, o Mar.
Mais que depressa tirei novamente os fones de ouvido, parei e com um passo para trás gritei:
- Quem está aí?
- Como quem?  Eu, o Mar, seu companheiro de todas as manhãs de corridas. Não se assuste, mas há dias que quero lhe falar.
- Mar? Como o Mar? – Olhando para todos os lados para ter certeza de que estava realmente sozinha, me preparei para sair dali o mais rápido possível.
- Não se vá. Não tenhas medo. – Ele disse.
Olhei para as ondas que beijavam meus pés suavemente e arrisquei um diálogo.
- Estás falando comigo, senhor Mar? O que me faz merecedora de tamanha honra?
- Sua gentileza comigo te faz merecedora.
- Minha gentiliza, poderias ser mais específico? - Indaguei.
- Claro. – Respondeu-me o Mar. - Sempre que caminhas por mim vejo que a senhora recolhe o lixo que eu coloco para fora, isso me agrada. Não aguento mais tanto lixo! Estão me sufocando.
- Ah, o lixo. – Respondi pausadamente, tentando encontrar as palavras certas. - Realmente, o lixo é algo terrível, o plástico principalmente. Não sei onde vamos parar com tanta irresponsabilidade do ser humano. Peço desculpas por nós.
Já mais tranquila e realmente acreditando que estava falando com o todo poderoso Oceano Atlântico, me sentei nas suas areias brancas e finas e continuei com nossa prosa.
- O senhor fala com todos que por aqui passam e catam o lixo?
- Não, falo só com os escolhidos e antes que me perguntes por que a escolhi para essa palra, já te respondo, pois além de seres cuidadosa comigo, és bela.
- Bela eu? Então se eu fosse feia não falarias comigo? Belo galanteador estás me saindo.
- Provavelmente não. - Respondeu o Oceano, que descobri um sedutor também com as palavras. - Como disse o poeta, “que me desculpem as feias, mas beleza é fundamental”.
- E o senhor conhece Vinícius como?
- Eu inspiro muitos poetas, escritores, cientistas, compositores, e com Vinícius de Moraes eu fui além. Conheces esses versos? - E o Mar começou a citar o poeta Vinícius. - “Dá ao meu verso, mar, a ligeireza, a graça de teu ritmo renovado.”, “Eu sou, mar, tu bens sabe, teu discípulo. Que nunca digas, mar, que não foste meu mestre.”, “Sento-me, mar, a ouvir-te. Te sentarias tu, mar, para escutar-me?”.
Fiquei ali, em silencio, com o acompanhamento melodioso do vento, a ouvir os “Versos soltos no Mar”, declamados nada mais nada menos do que pelo grande senhor Mar.
- “Aqui jaz o mar. Nem ele mesmo soube jamais o número de ondas que desfez o seu sonho”. - Eu o interrompi com um trecho do verso. Essa é minha estrofe favorita. - Eu disse.
Absorvendo cada palavra que o Mar me dizia, fiquei ali com ele. Não sei exatamente quanto tempo se passou, mas foi surpreendente. Falamos sobre o céu, a lua, o sol, sobre mim e sobre ele.
- Já engoli muitos barcos, navios, até transatlânticos. Não sinto prazer nisso, mas me parece que sua espécie sente prazer em testar bombas em minhas águas. - Disse o Mar desgostoso com o rumo que tomava nossa conversa. Falávamos sobre a fúria das marés que vez por outra assolava embarcações e até mesmo terras firmes.
- É, o homem não tem limites mesmo, principalmente em se tratando de material bélico.
Nossa prosa foi da poesia para a destruição dos mares por armas nucleares em teste, tsunamis provocados por terremotos, aquecimento global, o que o senhor Mar achou uma grande lorota, e lixo, muito lixo jogado nos mares.
Me chamou a atenção o fato dele achar uma “grande lorota” o assunto sobre aquecimento global, e perguntei:
- O senhor não concorda com tudo o que falam sobre o aquecimento do globo, dos mares?
- Aquecimento ou resfriamento, um ou outro são efeitos climáticos e não tem nada a ver com o lixo, com a poluição em geral. A temperatura da Terra sempre passou por ciclos de resfriamento e aquecimento não causados pelo CO2, nem pela ação de vocês, humanos. É tudo um conchavo entre os grandes e poderosos para vender produtos, manter patentes que interferirão no consumo e no modo de produção. Lembre-se, essa promoção toda da mídia, sobre o fim do mundo é, no mínimo, questionável. Investigue! - Palavras do Mar.
- Mas toda essa poluição, esse lixo que o senhor tanto se queixa nas suas águas, não está destruindo, influenciando o andar da carruagem do nosso Planeta? - Perguntei.
-Não. Com relação ao aquecimento é falácia, mas a poluição, essa sim, tem que ser controlada.
O senhor Mar começou a ficar irritadiço com o assunto, as lembranças ruins e pediu-me que mudássemos o rumo da conversa.
Foi aí que resolvi contar-lhe sobre minha veia poética e frases, muitas frases que nós, humanos, usávamos para exaltá-lo, um pouco como os “Versos” de Vinícius. E comecei...
- “Um A no início e o mar fica infinito”
- “Felicidade é um fim de tarde olhando o mar.”
- “O fato de o mar estar calmo na superfície não significa que algo não esteja acontecendo nas profundezas...”
- “Minha essência é mudar; não me basta ser rio, se eu posso ser mar.”
E para terminar, concluí com “A cura para tudo é sempre água salgada: o suor, as lágrimas ou o mar.”
O senhor Mar, em júbilo com todo o meu amor por ele expresso em frases soltas, me beijou o corpo com uma onda forte que me molhou toda. Protestei, mas já toda molhada, resolvi entrar em suas águas e beijar-lhe a face branca das ondas.
Um longo tempo se passou enquanto tagarelávamos. Era hora de eu voltar para casa sem minha corrida matinal, mas mais apaixonada do que nunca por ele, o senhor Mar.
Despedi-me com um aceno e perguntei-lhe:
- Falarás comigo amanhã quando por aqui eu passar?
- Obviamente que sim. Lembre-se que você foi escolhida. Falarei com você sempre.  Até breve.
- Até breve, meu poeta.
E saí a caminhar de volta para casa, pronta para acordar de um lindo sonho com o mar.
 

"O que nasce dessa terra?

Nada nasce,

Nada cresce

Nessa desolada terra.

EU quero acordar a vizinhança

Para ouvir meus berros pela madrugada

Mas, eles não escutam nada,

Não escutam nada que acontece na madrugada.

Eu jogo nas ruas minha música,

Toda minha poesia e frases feitas

Mas eles não entendem nada,

Ninguém entende o que acontece na madrugada.

Eu ando pelas ruas vendo vitrines,

Crianças sujas em seus trapos podres

E choro junto pelos que têm fome,

Não sei por quem choro nem bem quem amo.

Eu abraço os pobres de espírito

E escuto todas suas pobres histórias,

Esses pobres e patéticos de alma pobre

É meu encontro certo nessa madrugada.

Eu passo por ruas e vielas úmidas e escuras

E escuto um choro de criança,

Um repetitivo e desgraçado choro de criança

Que é o pior de todos os refrãos.

Eu vejo as pessoas e seus passos apressados

Em todos os cantos, todos os lugares,

E temo que sigam meus rastros

E apresso meus passos por essa cidade.

Eu ouço as sirenes berrando nas avenidas

Se misturando ao som das discotecas lotadas

E o barulho do metal retorcido

Criando um novo contraste, outro tipo de grito.

Eu canto com você quase todas as noites

E, algumas vezes, me pergunto: cadê você

Que partiu tão cedo e me deixou aqui...

E agora acordo sozinho!

Deus, eu tento e não consigo entender

Razão que justifique esse viver.

Sou peão em jogo que não se vê

Toda a madrugada até o amanhecer.

Algo comove todo o meu ser,

Algo que não compreendo e nem tento entender,

Algo que surge todos os dias quando acordo

E me persegue até o anoitecer.

Algo acontece,

Algo comove,

Algo incompreensível,

Um novo amigo?

Dizem que estar é quase que viver

E viver é o limite do que se pode querer.

De fato, algo acontece que se queira aqui estar,

Porém, nem de todo esse desejo almejo.

Nada mais é suficiente

Quando não se sente mais o aroma das flores,

Quando as cores já não mais emocionam

E não podem ser vendidas ao olhar.

Destes-me tão raros momentos

Que alimentam o futuro ainda que no Presente,

Mas, a vigília que fazes em todos os meus passos

Tira-me o sabor das coisas mesmo em pensamento.

Na minha nobre e pobre terra eu vago

E me alimento das lembranças dos mentirosos,

Embebedo-me com alegria e gozo

E caminho insistente na terra dos leprosos.

Na minha humilde terra vago,

Hora sou soberbo, hora ignorante.

A fome que me cerca é desmedida,

A carne é fraca e a alma idem.

Peco tanto quanto o pior dos pecadores,

Desperdiço um tempo que não mais tenho,

Não diferencio o certo do errado,

Compartilho a ceia com meus detratores.

Não sinto mais o gosto do vinho,

Não reconheço um sorriso,

Não me recordo dos abraços,

Finalmente estou só!

Peso minha consciência na balança de um açougue

E o açougueiro me fita com olhos de rapina,

Não há acordo algum sobre o preço dessa carne,

Nem se é de primeiro ou de segunda.

Deus, tu que és dono das idades,

Conceda-me das horas o seu minuto final

E faça com que o mundo inteiro saiba

Que o miserável partiu, afinal.

Conceda logo esse desejo

E termine de vez com essa obra,

Livre das cidades esse infeliz

Que insiste em saber o que ninguém sabe.

Quando há febre, não faz mais diferença,

Há tempos o sangue é veneno.

O vermelho é a cor da cólera e do pecado:

O poeta sabe quando está condenado.

Se há mesmo poesia nessas avenidas

Tão iguais em diferentes cidades,

Que seja reconhecida

Em prol dos que perseguem a vida.

Enterro na memória mais profunda

As gigantescas torres de concreto,

As grotescas estruturas de vidro

Que imitam uma nova artéria.

Uma nova artéria,

Um novo estilo de vida,

Uma nova companhia

E uma precoce parada cardíaca.

Como os carros que se beijam nas avenidas

Encontro a companheira perfeita

Que me fala ao pé do ouvido:

"_Me aceite como a definitiva!"

Finalmente, o medo percorre minhas veias

E alimenta um sentimento esquecido,

Uma vontade absurda de ver o próximo dia

E tentar outra saída.

Todas as ruas estão congestionadas.

Uma favela inteira acaba de ser incendiada

Enquanto alguns moradores tentam salvar

O que resta de uma vida inteiramente falida.

Há uma reviravolta

Em torno desse humilde coração,

Um carnaval,

Quase que uma provocação.

Todas as veias são velhas e fracas,

Há melancolia em tudo.

Mesmo sem haver poesia,

E vice-versa, há vida em tudo.

Essa cidade é apenas tijolo,

Metal, suor, concreto e vidro,

Cimento preso a sentimento

Muitas vezes belo e muitas vezes feio.

Essa cidade é areia,

Concreto e sentimento,

Tristezas e alegrias,

Poesias jogadas ao vento.

Tem gente que aprende cedo, outras não -

Vivem a vida dia sim e dia não.

Alguns dançam conforme a canção,

Outros se perdem antes do refrão.

Alguns sempre têm razão, outros não -

Muitos se perdem em ilusão.

Enquanto alguns correm, outros dormem

E todos buscam alguma direção.

Alguns sonham o fundo do poço,

Outros sonham com o fundo do rio.

Alguns buscam independência,

Outros são a exceção.

Tem gente que ganha,

Tem gente que se perde,

Tem gente que se torna o problema

E outros pensam ser solução.

Divago sobre o tempo

E sobre os "tipos" que encontro nessa vida.

Perco uns segundos nesse tempo perdido

E, mesmo com tão pouco sentido, quão raro é o momento!

Se você não faz ideia, tampouco eu sei.

Talvez a fome que me consome consuma a você também.

Talvez o vício que afeta os iguais

Seja algo que surja somente entre anormais.

Eu me vicio com os seus tapas

E em cada gole de sua taça,

Cada carinho exagerado oferecido

Em troca de alguns trocados.

Eu me sujo com as tuas mentiras

E assimilo a água das suas sarjetas,

Aprendo atalhos novos em cada caminho

E apago os rastros dos meus próprios passos.

Eu te persigo em cada Igreja e cada casa

E me abasteço da tua ironia,

Visito cada idoso

E faço amizade com os internos do hospício.

Até onde chega a tua maldade

E a quantos abraça a tristeza alheia?

Pode a maldade ser tão inspirada

A ponto de a própria surpresa ser esperada?

Vida que deixa sangrar do lado esquerdo do peito

Os filhos do mundo que o mundo não quer,

Espalhe a novidade que a tristeza tem cabelos

E olhos castanhos mais castanhos que os meus.

Percebo requintes de crueldade

Nesse masoquismo urbano

Onde a pobreza não tem mais idade

E a mentira tornou-se apenas uma vaidade.

Eu me transformo

Em tudo que mais abomino,

Eu surjo no espelho

Como meu próprio assassino.

Eu sufoco e amarro no escuro do meu quarto

Almas pequenas ameaçadas de extinção

E atiro no lixo os sonhos de quem

Acreditou piamente um dia fazer parte da realidade.

Eu ainda sinto na pele marcada por fogo

A marca que machuca, a marca da verdade

E peço que um dia cessem as buscas

E que tudo se torne uma futilidade.

O combustível da felicidade

Corrói e esvai-se aos poucos

E aos poucos me contento

Com o equilíbrio que me sustenta.

Quando olho para meu próprio rosto, dói.

Eu exalo do corpo o resto do medo

E tento não ver como é estranha a linha da verdade.

Procuro o caminho que leva à liberdade.

Disfarço os meus desejos

E reprimo meus absurdos,

Abraço cada pesadelo

E mascaro meu lado mais obscuro.

Eu tento ver algo além do abismo,

Encontrar algo a mais além dos muros,

Transcrever todos os anseios

Escondidos por detrás de cada sonho.

Eu sou eterno,

Sinistro,

Terreno e fraterno

Enquanto dure o mundo.

Há nesse peito um coração dividido

Criado praticamente entre dois mundos,

O mundo que há dentro do abismo

E o que se vislumbra por detrás dos muros.

O meu canto está perplexo

Como também a voz pequena e incerta

Do pequeno que se esconde do outro lado,

Meu outro lado desse mesmo muro.

O que contam em outros cantos

Também contam nesses lados

Mas, o que vale nesses cantos

Também rima em outros vales.

Luzes fortes incomodam muita gente.

A escuridão alimenta o inconseqüente.

Muros altos com grades de bronze reluzentes

São contrastes em pintura de uma tela sem cor.

Flores urbanas são tão surpreendentes

E essa depressão é tão estimulante.

Os sorrisos são amargos e carentes

E a dor casada com juras de amor.

Esses edifícios são tão interessantes,

Onde as ruas molhadas na noite reluzem como diamantes,

Onde transitam os justos e honestos

Que mastigam vaidade e rancor.

Os carros passam e iluminam tanta gente,

Brancos, negros e crianças sem cor.

Poetas são tão metidos a irreverentes

Que assimilam a dor e tudo o que for.

Vejo vidas que traçam um mesmo plano,

Gerações de alegria por engano,

Marcas de época que são puro desespero

Traçando juntos um futuro incolor.

Vejo rostos repletos de esperança

Queimar em público por causa de sua cor,

Os que vivem sem nem mesmo perceber,

Uma pintura fria que escorre sem por que.

Corpos que dançam de altos parapeitos

Quase sempre se vão tão cedo

Desafiando teorias e conceitos

E ignorando todo tipo de amor.

Meus passos são tão lentos

E os movimentos tão intensos,

Os rostos são sempre os mesmos

E espero novamente o sol se pôr.

A justiça que se encarregue de dar clemência

Aos supostos inocentes

Que transitam nas ruas

Espalhando esperança e amor.

Eu quero ter a chance de ver o nascimento de Vênus

E a anunciação em plena primavera,

Quero ser como Santo Agostinho

E ler as sagradas escrituras à luz de velas.

Quero ser como Van Gogh e pintar girassóis

Mesmo que em dezembro a tinta seja vermelha.

Quero ter de novo jardim florido no quintal

E que o beijo que sai de meus lábios não seja nunca mais acidental.

Basta querer algo apaixonadamente

Mesmo estando tão cego e só?

Que o adeus seja digno

E que tudo retorne, finalmente, ao pó.

Surge a idéia de repente

De festejar como um analfabeto,

Aprontar uma mesa e convidar

Apenas os que passam fome.

Todo esse tumulto,

Todo esse protesto,

Todos os roubos

Dessa legião dentro de mim...

Melancolia sempre teve seu espaço,

Amor, tristeza e regressos amargos,

Sentir-se só e ser como sombra na multidão

E abraçar a própria escuridão.

Achar que é romântico sofrer

Por dor que reconhece, dor que sempre se vê

É mais que uma doença, é um caso de amor

Por tudo que machuca e o que causa dor.

Eu deixo que pensem que fui derrotado

Com os ataques inesperados

Dos que bradam gritos de vitória

E esqueceram-se de ser enterrados.

Eu deixo que joguem em minhas costas

A culpa de todos os culpados,

Deixo que queimem toda minha história,

Não importa tanto assim.

Meus lábios correm em busca de palavras

E meus olhos correm em busca de beleza,

Desenho sentimentos mentirosos

Que calam todos os sinos ao redor.

Palavras saem como lâminas

Na voz rouca que sai de minha boca

Desse outro eu que me aborrece tanto

E desafia tudo à primeira vista.

Nas manhãs de primavera as folhas dançam

Ensaiando seus balés desde o nascer do dia,

Será isso vida?

_Será isso o que chamam vida?

Eu quero encontrar a palavra perdida

Entre os afazeres do dia a dia

Que seja tão profana

Quanto proibida.

Quero ir de encontro a uma nova estação

Que me traga uma sensação de alívio,

Procurar o que chamam felicidade

E talvez aprender o que seja isso.

Uma epidemia,

Uma leucemia,

Rimas que ilustram

Um eterno melodrama.

Não se pode ter tudo!

Nem sempre belos são os nossos dias

E continuamos acordando.

As rosas não falam, mas, também estão vivas.

Há fome de amor!

Há fome e o que será?

Há fome nesse lar?

Se há fome, então, há.

Há tempo para tudo!

Há tempo pra sorrir,

Há tempo pra chorar,

Há tempo pra partir.

Eu quero fugir de casa sem deixar aviso,

Correr entre os campos de trigo

E deixar todos aflitos

Tentando entender o que teria acontecido.

Eu quero causar confusão,

O mesmo tipo que trago em meu coração.

Quero molhar todos em volta

Com a tempestade dentro de mim.

Eu quero acordar os que dormem

E os que nunca acordaram,

Quero descobrir quem são eles

E espalhar quem somos.

Amantes dessa dor,

Sedentos sem saber

Onde mais se ter prazer,

Onde mais chamar de "lar".

Eu desvio o meu olhar

Com todo o ódio desse mundo

De todos os maltrapilhos e vagabundos

Que me reconhecem em um segundo.

Eu quero quebrar essas correntes,

Riscar paredes,

Promover a anarquia

E aprisionar o meio-dia.

Eu quero que chova canivetes

Enquanto rasgo minhas roupas,

Corto meus pulsos

E conto todas as gotas.

Um dia pode ser

Que algo aconteça

E faça que cesse essa tristeza sem fim

E tudo mude, enfim.

Então perco a ingenuidade

Do que ainda resta dessa madrugada

Vislumbro o absurdo de que tudo o que vejo

Ainda seja algo a ser lembrado.

Quem sabe um dia

A poesia se faça cantar

E a brisa leve o canto

A todo lugar.

Eu quero buscar um mundo perfeito,

Eu quero amar o que tem defeito,

Eu quero explorar meu próprio quarto,

Fazer contigo outro trato.

Eu quero te sacudir com violência nesse caixão

E mostrar onde estão todos os ratos,

Incendiar cobertores velhos

Que ora foram belos.

Eu quero te mostrar que te amo

E também te odeio,

Que posso viver só,

Mas, não também não vivo sem você.

A minha loucura é produtiva

E ao mesmo tempo, destrutiva:

Machuca uma multidão

E satisfaz a multidão dentro de mim.

Eu me recuso a fazer parte da matilha

Que passeia em supermercados,

Fingindo uma paciência tão desmedida

Quanto sofrida.

Eu como restos,

Coleciono poeira,

Faço inimigos,

Cultivo sonhos.

Eu troco constantemente de identidade

E perco a noção de realidade,

O meu estado é doente

E eu sou terminal e descartável.

Eu participo desse jogo,

Dessa novela em decadência

Desse repugnante teatro de horrores

Onde somente os cegos são honestos.

Eu sou minuciosamente escravizado

Enquanto me privam do privilégio da escolha,

Enterram nossa vontade

Na cova mais profunda.

O muro que nos separa é baixo

E andamos pulando de um lado para o outro,

Muitas vezes ambos existimos

E, outras, apenas eu existo.

Somos uma freira e uma prostituta

Que traçam uma eterna disputa

Entre os dois lados da moeda

Pra decidir quem foge e quem luta..."

A mente humana está fadada à ilusão. É que digo pra mim todo dia em que levanto pela manhã e acendo um cigarro em jejum. Nada mais do que meras utopias nos fazendo crer que desejos sociais preencherão o vazio de nossos peitos, sob a ótica das relações de aparência. É como o endeusamento do matrimônio. Só mais um conceito de loucura distorcido de que a felicidade alheia depende do seu entendimento e dos laços sagrados, fazendo com que a porra que você goza seja responsável por dar vida à 7 bilhões de pessoas nesse majestoso planeta terra. Estamos amontoados na loucura de acreditar que a sanidade é um privilégio de poucos. Nem fodendo. Somos todos completamente esquisitos e suscetíveis a cometer atos que espantam as nobres tradições seculares de uma sociedade conservadora. Digo esse maldito monólogo para mim todo dia. Minha solidão é meu lar, minha puta e meu vício.

Aprendi tudo isso com minha prima Verônica. Linda de se ver, recatada, pronta pra ser a próxima dama da high society brasileira quando sua mãe finalmente caísse 7 palmos abaixo da terra. Como se não bastasse, Verônica foi sempre uma aluna exemplar, sendo uma das mentes mais inteligentíssimas que a academia teve o prazer ter em seu ambiente. Era o orgulho da família.

Porém, ao contrário de Verônica, eu sempre fui a ovelha negra da família. Tanto que fui morar distante de meus parentes, me comunicando apenas por carta ou telefonemas avulsos. Eu realmente evitava telefones. Odeio aqueles aparelhos metálicos em meu ouvido, com uma voz distorcida do outro lado. Fora que você tem que ficar segurando tipo o caralho de alguém que vocês está, impacientemente, esperando gozar. Sempre preferi a caligrafia. Então, a única pessoa que se dava ao trabalho me escrever era Verônica. Sempre fomos próximos desde criança. Adorava ler suas cartas contando como a vida andava sem mim naquela pacata cidade.

"Querido, primo.

Sinto saudades suas. Mas tenho uma novidade maravilhosa: Estou apaixonada. Conheci um rapaz lindo, inteligente e de boa família. Meus pais estão nas nuvens. Ele se chama Ricardo. Estamos namorando como condizem as tradições. Anseio seu retorno para apresentá-los. Tenho certeza que irão se dar muito bem.

Com amor, Verônica."

Percebi que o tempo havia passado de fato. Aquela doce e sonhadora jovem agora era uma mulher com desejos de constituir família. Ela havia chego naquela fase que evito até hoje: Como nossos pais. Entretanto, Fiquei feliz por ela, afinal foda-se o que as pessoas desejam, importante é ter suas doses de felicidade. E de todas as minhas raízes genealógicas, Verônica foi a única que nunca julgou o estilo de vida que escolhi, não seria justo que lhe julgasse. O restante da família apenas dizia que eu era um desgarrado. Caguei. Aliás, sempre gostei de ser um ponto fora da curva. Os loucos, vilões e pessoas de mentes quebradas sempre me foram mais atrativos do que o senso comum.

Bom, o tempo foi passando, mais ou menos uns 4 anos, e as cartas de Verônica foram sempre presentes em minha caixa de correio. Porém, nas últimas vezes, comecei notar um tom tristonho em suas palavras, até que ela realmente me mandou um desabafo.



"Querido, primo

Estou confusa. Acho que minha relação com Ricardo desgastou. Com o tempo ele passou a se mostrar diferente daquilo que eu conheci. É machista, arrogante, controlador e num acesso de raiva, me ofendeu e me deu um tapa no rosto. Não quero isso pra mim. Ainda mais agora que conheci o irmão de Ricardo, chamado Rafael. Você não vai acreditar! Eles são gêmeos. Iguaizinhos. Porém com personalidades totalmente opostas. Rafael é muito mais doce e sensível que Ricardo. Realmente parece a história daquele livro do Milton Hatoum: Dois irmãos. São muito opostos. Ele também esclareceu que sempre sofreu com a índole violenta. Não quero mais isso. Terminarei com Ricardo.

Com amor, Verônica."

Fiquei puto de raiva. Ora, um brutamontes batendo na minha doce prima. Que filho da puta! Uma moça tão especial e esse covarde fazendo ela de pano de chão. Minha vontade era de enfiar-lhe um cabo de vassoura no rabo.

Tentei ligar para minha Tia Helena, mãe de Verônica, para tomar parte da situação e ajudar a filha nesse momento, mas ninguém atendia aquela porra. Malditos telefones. Então, novamente troquei mais algumas cartas, desta vez aconselhando minha prima a largar o palhaço de vez e dar queixa na polícia. Mas a resposta que veio me trouxe outra grande surpresa.

"Querido, primo

Trago boas novas. Larguei Ricardo fazem 4 meses. Estou nas nuvens. A liberdade me domina. Quanto a ele, simplesmente me ignora e está comendo uma mulher casada que é sua vizinha. Não me importo. Problema dele. Aliás, tenho uma novidade surpreendente: Rafael, irmão de Ricardo, procurou-me outro dia na saída da igreja e se declarou pra mim. Disse que sempre me amou e tinha inveja do irmão. Que sofria dias e noites sabendo que eu estava me prendendo à um monstro. Ah! O Rafael é um sonho. Fiquei encantada com sua declaração e resolvi me entregar à paixão. No início, ambas as famílias não quiseram aceitar, mas tiveram que nos engolir, pois nosso amor transborda por todos os lados. Estamos noivos, primo! Estou muito feliz. Casaremos no começo do ano que vem. Mandarei o convite pra você em breve.

Com amor, Verônica."

Puta que pariu. Foi exatamente o que pensei. Se não me bastasse toda a situação que ela viveu com Ricardo, ela vai e se envolve com o irmão gêmeo. Instintivamente imaginei um ménage entre minha prima e dois gêmeos. Uma cena perturbadora até pra mim. Eu escrevi e tentei telefonar para meus parentes, principalmente para tia Helena, mas não obtive retorno. Um inferno.

Mas, com o passar dos dias, após absorver tal informação, resolvi deixar meu preconceito de lado e escrevi de volta dando apoio à Verônica. Afinal, o que me importava mesmo é que ela fosse feliz e bem tratada. E pelo tom das cartas, Rafael era uma pessoa honrada e decente.

Porém, dias antes de embarcar para o casamento, tentei novamente me comunicar com o restante da família, porém tudo fora em vão. Somente Verônica insistia em se comunicar comigo.

E assim o ano virou e junto com uma garrafa de champanhe, recebo um convite branco com letras prateadas.

"Ao meu primo preferido e melhor amigo.

Venho por meio deste lhe convidar para o momento mais feliz de minha vida: meu casamento. Será dia 23 de janeiro, a partir das 18 horas, na igreja central. Não se atrase. Eu e Rafael aguardamos sua presença com grande entusiasmo. Amo você.

Com amor, Verônica."

Mas que puta inferno. Eu odiava casamentos tanto quanto odiava telefones e ternos. E odiava ainda mais ter que voltar aquela maldita cidade, onde minha família nem ao menos fazia questão de me comunicar. Mas por apreço à Verônica, eu iria. Afinal, nem que fosse pra mandar meus parentes tomarem nos seus respectivos rabos, mas eu iria lá dar um grande abraço em Verônica.

Chegado o dia, um calor insuportável do ápice do verão, fui até um amigo e peguei um terno emprestado. Me enfiei no primeiro ônibus e parti rumo ao casamento do ano. O ônibus sacolejava, o banheiro fedia e pra piorar eu não podia fumar dentro da condução. Parece que algo sempre me impedia de voltar para aquela província.

Ao chegar na cidade, nada mudou. Tudo estava parado no tempo. Simplesmente aquele lugar parecia não andar na mesma velocidade temporal que as demais cidades. Era como se eu tivesse voltado no tempo. O silêncio nas ruas era ensurdecedor. Mas sentia uma nostalgia de voltar ao ponto onde cresci.

Caminhei até a antiga casa da minha tia Helena, e a mesma estava toda trancada. Presumi que já deviam estar todos na igreja.

Me escondi atrás de casa, troquei de roupa, pondo aquele terno maior que eu e fui andando pra igreja parecendo um defunto que levantou do caixão faziam 15 minutos. Não lembrava muito bem onde era. Parei no único boteco aberto e falei para um tiozinho que atendia no balcão:

-E aí, chefe? Me vê uma dose e pode me dizer se o casamento já começou?

Ele me serviu a dose com olhar estranho e disse.

-Não estou sabendo de casamento nenhum. O padre abandonou a paróquia há mais de 3 anos.

-Ué, mas minha prima Verônica se casa hoje...

-Filha da falecida Helena?

-Tia Helena morreu?

-Meu jovem, acho que você deveria ir até a igreja...

Engoli a dose de uísque e sai correndo pra paróquia. Não havia carros, decoração ou alma viva em torno da mesma. Pé por pé subi os degraus até ficar de frente pra porta escancarada. A poeira tomava conta do lugar.

No altar, vestida de noiva, com direito a véu, grinalda e bouquet, estava Verônica. Solitária, sorrindo e proferindo votos de fidelidade à ninguém.

Não tive reação. Não falei uma palavra. Virei às costas, sentei na escada e acendi um cigarro. Não quis saber o que tinha acontecido. Não me importo com o delírio alheio, afinal tenho ilusões demais para julgar as dos outros. Que Verônica casasse e fosse feliz com quem bem entendesse. Até mesmo com sua loucura.



Yuri Cidade


 


No quarto da pensãozinha burguesa, Drummond [Carlos] com sua prece "guache" mineira, em leve e educado tom sussurra: Ó acorda Mário! Acorda, Quintana! Vai passarinhar! Se no tempo presente, os homens presentes, na vida presente há pedras que atravancam o caminho? Elas passarão... Tu passarinhas! E eis que acorda dos verdes pampas do Alegrete o poeta Mário Quintana com o poema do "Profeta" e do "Poe minha do Contra". Ó conta?

Conta um Coelho sai! Não sai! E agora, José? A festa acabou? Bem a francesa, foi para "Pasárgada" "O Pneumotórax" Acreditando ser o amigo do rei, e que quando estiver triste de não ter jeito, quando de noite lhe der vontade de se matar, terá na cama que escolherá a mulher que haverá carinhosamente dele bem cuidar. Do Recife para o Brasil tão bom como a poética "bah!" Gaúcha ou da discreta "uai" à couve mineira, o poeta da União que ora se chega, não é aquele? Não é o tal bardo "arretado" Manuel Bandeira.

Ainda da mauritssand dos armadores das índias ocidentais existe um brilhante outro vate capaz! Ora pois, pois Cabral de Melo Neto com sua poética agora é quem nos traz na obra "Sofrimento, Vida e Morte Severina", o fiel retrato da dor, da fome e da seca caatinga a denunciar que tudo principia e decorre do latifúndio escravista e do coronelismo secular à moda da dominação nordestina.

Já das plagas de Lisboa revisited, pois, pois opá! Filho da casa portuguesa com certeza, Fernando Pessoa dando um tempo do Eu profundo, dos outros Eus quão das tabuletas das tabacarias portuguesas, senta-se com Lídia na via Atlântica [Copacabana] do Rio que margeia, acende um cigarro e saboreia a libertação de todos os pensamentos, tomando um santo trago da legítima cachaça brasileira.

Ora, chega de saudades! Se toda bossa nunca é demais. Olha que coisa mais linda, mas cheia de graça.... Não é a garota de Ipanema? Há! Se todas as mulheres fossem iguais a você! Não é a musa do tal "Poetinha" imortalizada na obra genial do bossa nova e sonetista Vinicius de Moraes?

E eis que da "Boca Maldita", entre "saques, piques, toques e baques" o poeta kamiquase "beat-samurai-rockn'roll", entre caprichos e relaxos, desembarca o Curitibano "até que depois de mim, de nós, de tudo" quão da contracultura "não reste mais que o charme" Paulo Leminski com suas linhas de três versos. E o poema "Charme" haicai: hi-fi no Sol-te toda a sorte "erro” do poeta: “eu te fiz agora/sou teu deus poema/ajoelha e me adora”.

Da Paraíba lá de Pau D'arco vem o anjo dos Anjos que de véspera o beijo, amigo do escarro, com sua mão que afaga e decerto a mesma que logo apedreja, chega Augusto, "cabra macho sim sinhô" que dando partida com os leais poetas e amigos Da Costa e Silva que com "Saudades! Amor da minha terra... O rio Cantigas de águas claras soluçando" e José Albano, formam a grande tríade na poesia da Belle Époque, como os principais precursores da moderna poesia brasileira.

Ó tá tudo muito bem! Tá tudo muito bom! Se universal é o poema, Gonçalves Dias é o orgulho nosso que conhece desse tema. Vem lá das bandas das Terras das Palmeiras onde canta o sabiá, as aves que lá gorjeiam, não gorjeiam como cá", iniciou bem a nobre saga maranhense do vernáculo bem plantar. Salve o talento de Caxias, e por adoção filha desta "Atenas" secular.

Como rima, não é só rima que se rima por rimar, perdoe-me, se Deus é poeta a poesia modesta parte nasceu bem do lado de cá, ó nota bene:

N’outra ponte dessa Ilha brasileira - Patrimônio Cultural da Humanidade -  Salve! Salve o Bandeira Tribuzi um daqueles bardos de valor singular em que o poema é poesia que não para falar: canta, canta, cantarolar, cantarolando sua eterna jura de amor a essa Ilha secular: "Ó minha cidade, deixa-me viver…sua poesia...".

Enquanto o Nauro Machado no vigor verbal do pensamento da bela poética, abre as escotilhas das entranhas inquietas, e na cosgomania abre a "Boca que rala/na graxa-algia/o sol na tal da hemorragia. Cousa barroca na angústia alada, entope a boca de cal tapada". E assim segue o poeta pela Praia Grande: "destila, toma, traga, o vate um trago de prosa literária".

Ao passo que na veia poética fertilíssima dessa França Equinocial, morna, tropical e brasileira, bem ao norte do atlântico, donde tantos e tantos poetas em frenesi no vai-e-vem para o velho mundo migraram em caravelas que há séculos não sabem o caminho de volta para a terra firme, outro bom poeta que se nos apresenta por cá ao nível dos acima citados como dos irretocáveis poetas, ou dos Olavo's Bilac's e dos José's de Alencar, nos chega até "À luz da vidraça, que filtra o luar, como o gato, no muro, caminha com

graça e seu corpo traça um risco no ar", com Clamor de São Luís, salve o nosso querido poeta, o nosso inspirado Luís, de sobrenome que se chama Bacelar.

Com qualificada poética do seu tempo, eis que com seu canto surge de Tutóia, refrescada pelas brisas do oceano atlântico, a poetisa Laura Damous com Traje Escuro de Rigor, inaugurando com olfato e redenção a Clara Manhã do Arco do Tempo. Como é linda a Brevíssima Canção do Amor Constante. Lá se tem a scharanzade e o poema quiromântico daquela apaixonada tal amante.

Pela romântica e histórica Atenas brasileira, berço de tantos poetas que medram aos cântaros desse fértil Maranhão de homens cultos, sejam os do passado ou do presente que aprendi a respeitar e amar, sei muito bem, que jamais se pode esquecer do nosso poeta "sujo" José de Ribamar Ferreira Gullar, além de tantos outros que ora deixei nessa resenha de citar, deixo-os para um outro momento quando irei mencioná-los.

Manoel Serrão da Silveira Lacerda.
Advogado - Poeta - Professor
 

 

 

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O Chiado Malvado
por: Deborah Gomides Ramos Malta

Era uma vez, um menino chamado Augusto, e sua irmã. A menina Ágata e seu
irmão gostavam muito de assistir televisão. Gostavam tanto, mas tanto, que quando a
energia acabava, a brincadeira deles era fazer uma televisão de caixa de papelão.
Revezadamente, uma das crianças fazia a programação, enquanto a outra assistia.
Brincavam de novelinha, brincavam de telejornal, brincavam de programa de auditório, de
filme, de entrevista, de programa educativo e até de desenho animado.
Certa vez, eles foram passar um fim de semana na casa de seu avô Zaqueu. O avô
dessas duas crianças curiosas, era muito, mais muito inteligente. Ele possuía uma
enorme biblioteca em sua casa, e seu desejo era que seus netinhos começassem a se
interessar por ler e por estudar. E que eles estudassem bastante e pudessem aprender
muitas coisas novas, e que aprendendo essas muitas coisas novas, eles fossem mais
preparados para lidar com as diferentes situações da vida.
Acontece que esses dois irmãozinhos não gostavam muito de estudar, deixando as
expectativas de seu vovô um tanto frustradas. Mas ainda assim, o vovô Zaqueu insistia e
insistia para que seus amados netos adquirissem o gosto pelo estudo.
Nesse fim de semana, em que Augusto e Ágata foram para casa do vovô Zaqueu,
o vovô veio logo com um livro de matemática em direção a eles, dizendo que estava muito
triste porque soube que a professora deles estava triste, reclamando para os seus pais
que os dois irmãos não estavam conseguindo aprender nada do que ela tentava ensinar
sobre matemática.
E embora o livro fosse cheio de figuras coloridas, embora tivesse um monte de
jogos divertidos para treinar e embora eles até soubessem que aquele livro poderia fazêlos
bem, Ágata e Augusto se recusavam terminantemente a se quer olhar para aquele
livro tão proveitoso.
Desta vez, as crianças conseguiram deixar seu vovô mesmo irado. Ele ficou tão
bravo, mas tão bravo que deu-lhes um castigo:
_ Porque vocês não querem estudar e porque não podem nem pelo menos tentar
pelo seu avô, não vou deixar que vocês assistam televisão, e nem vou ligar para seus
pais buscarem vocês. Vocês terão que arrumar outra coisa para se distraírem. Eu vou
para a minha oficina consertar meu velho carro. Estou precisando muito dele.
_ Ah, vovô! Mas isso não é justo! - reivindicaram Augusto e Ágata.
Sem mais nenhuma palavra, vovô Zaqueu se virou e seguiu para sua oficina.
Ágata e Augusto já ficaram entediados só de pensar como seria ficar sem poder
assistir televisão. Estavam tão aborrecidos, que dessa vez nem quiseram brincar de sua
brincadeira favorita, pois parece que havia acabado toda a graça naquele momento.
E no sofá, jogados, o irmão e a irmã, um reclamava daqui, outro bufava dali, um
resmungava, e o outro dizia: "_ Blá!". Suspiravam fundo e gemiam com desânimo:
"_ Aaah!".
Como era difícil para eles ficar sem aquele aparelhinho cheio de novidades
instantâneas e fascinantes!
Até que de repente, começaram a ouvir um barulho esquisito. Que começou com
um pequeno:
"_Chhh..." Augusto e Ágata olharam para um lado, olharam para o outro, e não
conseguiam entender o que estava acontecendo.
"_ Chhhhh..." - aumentava mais um pouco o barulho. E Ágata e Augusto
começaram a ficar arrepiados, com medo...
"_ Chhhhhhh..." - e cada vez mais aumentava aquele barulho estranho, e os olhos
deles ficavam arregalados, e arregalavam-se mais, cada vez que aquele som se
prolongava ainda mais, até que seus olhos já estavam esbugalhados, e no meio daquele
imenso chiado aparecia uma voz que dizia:
"_ Alguém? _ Ei, tem alguém aí? Ágata abraçou seu irmão mais velho e perguntou:
_ Você ouviu o mesmo que eu?
_ Ouvi sim, - respondeu Augusto.
_ Será que devemos responder? - retrucou Ágata.
_ Eu não sei... - hesitou Augusto.
_ Crianças! Venham aqui! Eu sei que vocês estão aí! Não se preocupem! Não farei
mal a vocês!
Augusto e Ágata respiraram fundo. E decidiram que precisavam saber o que estava
acontecendo. Bem devegar, começaram a andar com passos bem levinhos, bem
cuidadosinhos, em direção à voz, com o cuidado de não fazer nenhum barulho. Eles
andavam em câmera lenta, como se estivessem pisando em ovos. Cada vez que
avançavam no caminho, colocavam a mão em formato de concha sobre a orelha, a fim de
apurarem os seus ouvidos, para seguirem a voz na direção certa.
A voz que continuava insistindo:
_ Venham aqui! Quero conversar com vocês! Eles foram seguindo, seguindo,
seguindo aquela voz, quando se deram conta de que estavam na porta do porão. Augusto
abria a porta bem devagar quando Ágata, que estava morrendo de medo, terminou de
abrir a porta bruscamente e acendeu a luz correndo. E a pobrezinha, que ofegava já sem
ar de tanto desespero, ainda achou forças para gritar:
_ Tem alguém aí? Nosso vô é um coronel aposentado e vai vir aqui prender você!
Realmente, o vovô Zaqueu teria servido ao exército e foi um excelente coronel. E
Ágata quis deixar bem claro que eles tinham alguém para os defender.
_ Eu já estou preso!
_ Ahn? Como assim? - perguntaram as crianças sem entender nadica de nada.
_ Estou preso na televisão!
_ Não acredito! - disse Augusto com as duas mãos na cabeça, quando avistou de
longe, de cima da escada, no chão lá em baixo, uma televisão antiga, jogada, no meio do
porão. E o mais intrigante! A tomada não estava ligada! Desceram devagar, e foram
descendo as escadas, até que chegaram na TV antiga que não emitia sinal nenhum além
de uns pequeninos grânulos coloridos de todas as cores, que se misturavam dentro da
tela insistentemente, juntamente ao barulho infinito que fazia:
"_ Chhhhhhhhh" - sem parar um minuto se quer.
_ Quem está escondido aí? - perguntou Ágata.
_ Não estou escondido. Vocês não estão me vendo?
_ Não... - disse Augusto com muito receio. _ Afinal, quem é você? - interrogou o
menino à voz, a fim de que talvez, a resposta daquela preocupante voz os fizessem
perceber algo diferente do que eles estavam vendo.
_ Ah, perdão, desculpe. Vou me apresentar a vocês. Prazer, o meu nome é Chiado.
_ Não acredito! É mesmo esse chiado da TV que está falando com a gente?! -
indagou Ágata de forma exclamativa. _ E chiados falam?
_ Falam sim. - respondeu o Chiado. É que só falamos quando queremos. E eu
percebi que vocês estavam tristes, por isso resolvi lhes contar um surpreendente segredo!
_ Puxa, que legal! O que você tem para nos contar? - perguntou Augusto
alegremente.
_ Esta antiga televisão de seu avô que ele jogou aqui como se faz com qualquer
velharia, é uma televisão mágica!
_ Uma televisão mágica? - surpreendeu-se Ágata. - _ Mágica como naquele filme
em que os personagens entram dentro da televisão e descobrem o mundo da TV?
_ Não. - respondeu o Chiado com sua voz de telefone. - _ É uma mágica nunca
antes imaginada. É muito legal e tenho certeza de que vocês vão gostar muito. Ainda
mais hoje, passando por esse terrível castigo de não poder assistir televisão.
Augusto e Ágata olharam um para o outro com os olhos baixos. No fundo, eles
sentiram que o Chiado não era tão legal assim, pois queria fazer com que as duas
crianças desobedecessem seu avô. Mas eles olhavam para o chiado, tornavam a olhar
um para o outro. E logo suas carinhas iam se animando até que Augusto disse:
_ Pois então, seu Chiado, nos conte logo o que você é capaz de fazer!
_ Coloquem um livro na minha frente e vocês verão!
Rapidamente, e animadamente, Ágata e Augusto pegaram o livro da história "O
Patinho Feio" do escritor dinamarquês "Hans Christian Andersen", na sessão de livros
infantis, na biblioteca de seu vovô.
Eles colocaram o livro com sua capa virada para a televisão, quando de repente,
no lugar de Chiado, aparecia a imagem da capa do livro, e uma voz doce de mulher, que
parecia até com a voz da mãe daquelas crianças, lia o título do livro, e o nome do autor.
Incrivelmente, o cisne do desenho da capa levantava e chacoalhava suas asas, enquanto
o balançar do rio fazia os pontos de brilho na água. E o melhor de tudo! Uma linda música
de fundo tocada por um piano embalava aquela linda figura animada.
_ Ooooohhh! - espantaram-se as crianças deslumbradas com o que viam.
A imagem da capa do livro sumiu e Chiado voltou dizendo que se eles quisessem
poderiam assistir a história inteira do livro. Ágata não pensou duas vezes. Puxou o livro
das mãos de seu irmão e o abriu na primeira página, ainda com as figuras em direção à
TV mágica.
_ "A mamãe pata tinha escolhido um lugar ideal para fazer seu ninho...." - contava
a narradora enquanto tudo o que ela dizia ia acontecendo dentro daquela maravilhosa
televisãozinha antiga.
E continuava a contar:
_“..., um cantinho bem protegido no meio da folhagem, perto do rio que contornava
o antigo castelo. Mais adiante, estendiam-se o bosque, e um lindo jardim florido. Naquele
lugar sossegado, a pata agora, aquecia pacientemente seus ovos."
As crianças assistiam aquele lindo filminho atônitas, e iam passando e passando as
páginas para que a história continuasse. Depois quiseram assistir mais, e mais, e fizeram
o mesmo com o livro da "Chapéuzinho Vermelho", fizeram novamente o mesmo com o
livro dos "Três Porquinhos", o mesmo com o livro da "Caixinhos Dourados", com o livro do
"Pequeno Polegar", o livro do "Pequeno Príncipe", de "Joãozinho e Maria", "O Gato de
Botas" e tantos outros que eles encontraram na imensa biblioteca do vovô Zaqueu.
Estavam tão impressionados com aquilo tudo, que só quando não havia mais livro
para ler, foi que eles se deram conta de que todas as imagens dos livros haviam sumido.
_ Ai! Não acredito! - disse Augusto espantado.
_ O vovô vai acabar com a gente! - se queixou Ágata desesperada.
_ Chiado! Chiado! O que você fez? Devolva-nos os desenhos do livro! - corriam em
direção à estranha TV acreditando que o malvado Chiado resolveria para eles aquela
terrível situação.
_ Hahaha! - Chiado ria assustadoramente. - _ Como vocês são bobinhos! Não
sabiam que se vocês não gravassem a programação da televisão em um vídeo cassete,
não teria como assistir novamente os filmes nela passados?
_ Não nos enrole! - advertiu Augusto. - Não estamos falando disso! Acontece que
você apagou todas as figuras nos livros!
_ Pois é, e vocês só se deram conta no final, de tanto que vocês gostam de livros!
_ Acontece, seu Chiado Malvado, que esses livros são a paixão do vovô! E
estamos muito encrencados. A culpa de tudo isso é sua, e você tem que nos tirar dessa!
_ Tudo bem! Só que tem um probleminha. Isso é impossível! Hahahaha! -
continuava rindo apavorantemente.
_ Não é justo! - reivindicou Augusto. - Diga-nos! O que faremos agora?
E ironizando com a situação Chiado sugeriu:
_ Pintem todas as figuras nos livros novamente! Se vocês forem capazes!
Hahahaha! - continuava debochando deles o malvado Chiado.
_ Ei! Faça alguma coisa por nós! Faça alguma coisa! - gritava Ágata segurando a
televisãozinha e a chacolhando, até que o Chiado simplesmente sumiu, e a televisão se
apagou.
Os irmaõs começaram a chorar, e a chorar, e choraram tão alto que o vovô Zaqueu
ouviu lá de sua oficina e saiu correndo para ver o que havia acontecido.
_ Ei! Crianças! Crianças! Por que vocês estão chorando desse jeito?
Augusto e Ágata engoliram seco quando perceberam que seu avô havia chegado e
tremeram de medo. Eles se deram as mãos e caminhavam para trás, de costas, olhando
para o avô, que percebeu que algo estava muito errado ali.
_ Eu sei que vocês aprontaram pelas suas caras e tratem logo de ir dizendo o que
aconteceu, porque não vou tolerar ter que descobrir sozinho!
_ Vô, vô! - Dizia Ágata chorando, com voz de como quem emplora o perdão. - Nos
perdoe! mas sem querer fizemos algo horrível para seus livros!
_ Meus livros! - gritou o avô furioso, sem conseguir imaginar o que poderia ter
acontecido, já inclusive pensando que todos haviam sido rasgados.
Augusto pegou rapidamente um dos livros e levou para o vô que não entendia o
que havia acontecido.
_ Mas o que é isso? Suas crianças atrevidas! O que vocês fizeram?
_ Na verdade não fomos nós, vovô! - tentava explicar, Ágata. - Foi um tal de Chiado
que apareceu nessa televisãozinha antiga, que nos chamou quando ainda estávamos lá
na sala e disse que sabia fazer uma mágica.
O avô ouviu toda história, pois, mesmo não conseguindo acreditar, percebeu que
as crianças não conseguiriam fazer tudo aquilo sozinhas, e que aquele chiado parecia
mais ter sido impresso ali, do que pintado.
Quando Augusto e Ágata terminaram de relatar o que havia ocorrido, vovô Zaqueu
se apressou em ligar a pequena TV, mas nada aconteceu porque a mesma nem se quer
ligava, mesmo na tomada.
_ Eu ainda não entendo como vocês podem ter visto um chiado aqui, se esta TV
está quebrada a anos! - argumentou o vovô.
_ Acontece vovô, que esse tal de Chiado, apareceu mesmo com a TV desligada da
tomada, e como dissemos para o senhor, ele disse que a tv era mágica. E no final de tudo
ainda se riu de nós, e disse pro Augusto que poderíamos pintar todos os livros
novamente. - denunciou, Ágata, a façanha de Chiado.
_ Vovô! Consiga para nós as tintas, e prometemos que iremos pintar todos os livros
para você novamente! - implorou Augusto.
_ Sim, vovô! E também que vamos estudar, e ler mais livros do que assistir
televisão! - completou Ágata.
_ Tá certo, vou deixar vocês se retratarem. Vou comprar as tintas. Consertei meu
carro.
_ Podemos ir com você, vovô? - Perguntaram seus netos.
_ Não, não senhores! - respondeu o vovô ainda chateado. Vocês vão ficar aí
pensando no que fizeram. A vovó está chegando, e vou deixá-los com ela. Assim vocês
não precisarão temer esse tal de Chiado. - dizia o vovô ainda intrigado com aqueles
relatos.
A vovó Esmeralda chegou e preparou um bolo delicioso e quentinho para seus
netinhos, e serviu com um chá bem quentinho. Ela soube de tudo que aconteceu e deu
vários conselhos para Ágata e Augusto. Eles ficaram esperando nas cadeiras da varanda,
assistindo o pôr-do-sol, enquanto a vovó Esmeralda contava sobre um molusco chamado
"Mantis Shrimp", que enxerga treze cores a mais, que os nossos olhos humanos não são
capazes de ver. E ainda contava também, que os cachorros não são capazes de ver
tantas cores como nós.
Os netinhos refletiam, e suspiravam enquanto ouviam os saberes da vovó. Quando
o vovô chegou, os três saltaram de alegria e correram até ele. Abrindo a sacola de tintas,
ainda na mão do vovô, Augusto se desmotivou um tanto, quando viu que vovô Zaqueu
trazia consigo apenas cinco cores de tinta: o vermelho, o amarelo, o azul, o branco e o
preto.
Ele o questionava sobre as outras cores. Sentia falta do laranja e perguntava como
ele pintaria os bicos dos patinhos da história do "Patinho Feio". Perguntava como pintaria
de roxo, as uvas de "A Raposa e as Uvas", como pintaria, sem o verde, tantas florestas
existentes em tantos daqueles livros, como pintaria os catelos sem ter marrom, e até
mesmo questionou como pintaria de cinza os ratos das fábulas de Esopo, como "O Rato e
a Ratoeira", ou ainda "O Leão e o Rato".
_ Bem, estes cinco frascos de tinta, é o que concedo a vocês. E tratem de dar a
cada figura, a cor que elas merecem! - concluiu o avô.
Imediatamente, toda aquela alegria escapou dos olhos de Ágata e Augusto. A vovó
por trás deles, segurava um sorrisinho que quase deixava escapar, e que ela prendeu
rapidamente quando eles se viraram e olharam para ela.
_ Vovó! - exclamou Ágata. - A senhora que é tão sábia, tão inteligente e tão
amorosa, será que poderia nos ajudar de alguma forma?
_ Ora, ora, ora... - dizia a vovó, vocês têm cinco cores de tinta na mão. Aconselho
vocês a começarem o trabalho logo. Pintem somente o que possui a cor certa e depois
pensaremos em algo. Isso não animou muito as crianças, porém elas trataram de
começar rapidinho, mesmo com medo de que os desenhos ficassem pela metade no final.
_ Vovô? O que você está fazendo aqui? - perguntou Augusto ao chegar na oficina.
_ Estou lixando levemente e com muito cuidado essas partes com chiado dos
livros, para que chegue na parte branca do papel, para que a pintura de vocês seja
possível.
Ágata e Augusto ficaram um pouco mais aliviados em saber que o vovô estava
ajudando, mas ainda estavam um pouco preocupados. Vovô Zaqueu já tinha lixado alguns
livros e seus netinhos começaram os desenhos por estes livros que já estavam
preparados para receber as tintas.
Eles logo estavam pintando e até mesmo se distraindo com aquela tarefa. Até que
de repente, sem querer, Augusto mergulhou a ponta de seu pincel, que estava ainda com
tinta vermelha, antes de lavá-lo, na vasilhinha com um pouco de tinta azul, e quando
percebeu tirou o pincel dali, assustado, pois mesmo não sabendo por quê, ele queria
obedecer a vovó que disse que eles deveriam retirar toda a tinda do pincel num copinho
com água antes de trocar de cor.
Porém, quando ele olhou para a ponta do pincel, percebeu que a tinta estava se
transformando na cor roxa! E ele começou a mostrar para todos, feliz com o que ele
acabava de descobrir! Então a vovó que já sabia que era possível tal façanha, disse para
as crianças:
_ Parabéns pelo empenho de vocês! E a vovó sabia que encontrariam a solução
para os problemas! O que vocês têm que fazer agora, é misturar todas as cores
possíveis. - disse a vovó, já indo providenciar mais vasilhinhas para que eles pudessem
fazer todas as experiências possíveis com aquelas tintas.
Misturando o azul com o branco, conseguiram o azul do céu para pintar todos os
livros do vovô, de histórias que mostravam o imenso azul por entre as nuvens
branquinhas. E assim foram eles, misturando, salvando novas cores, e cumprindo a tarefa
para deixar o vovô novamente feliz.
E, como recompensa, o vovô Zaqueu fez uma linda televisão de madeira com
abertura em baixo, para que seus netinhos pudessem brincar de sua brincadeira favorita
sempre. Com aquela nova e linda televisão, eles sempre se lembrariam daquele dia e a
televisãozinha sempre estaria pronta para a diversão. E vovô Zaqueu e vovó Esmeralda,
só lhes impuseram uma condição:
_ Quem começa somos nós!
E assim, os quatro puderam brincar juntos e as crianças se divertiram muito com o
vovô e a vovó encenando aqueles filmes antigos de que os avós gostavam. Mais tarde, o
pai e a mãe das crianças, chegaram para buscá-los e também tiveram que participar da
brincadeira. E a partir desse dia, Ágata e Augusto estudaram mais, e só assistiam
televisão depois que obedeciam seus pais e seus avós, em tudo.

Naquele pequeno espaço
Eu costumava acreditar em contos.
Vida moderna com finais felizes curto .
Era Luz e escuridão
Nunca sabia pra qual planeta me levaria
Estava em paz em meio às minhas guerras
Eu queria ficar onde me sentia maior , mesmo estando abatido ,teu olhar profundo , sua respiração ofegante , seu perfume suave ,me preenchia, eu queria ficar !
Naquele tempo ,quando acostumávamos brincar com fogo . Aquilo era mais forte que o avanço da maré ,era mais forte que rio correndo pro mar ,nós éramos fortes !
Naquele momento , quando tua mão me tocava lentamente , mesmo sabendo que era perigoso eu me permitia correr todos os riscos com você.
Era meu ponto fraco , meu herói e , vilão .
Naquela noite, com as luzes neon da cidade grande , onde o frio fazia ás pessoas colocarem mais roupas, enquanto nós tirávamos ás nossas .
Buzinas de carros . Por um momento eu alcançava todas ás luzes verdes . Mergulhado dentro de mim , eu me encontrava olhando pro teto e contando todas as estrelas brilhantes. Sentia a felicidade de várias formas . Nos olhávamos satisfeitos , cada vez mais rápidos, correndo quase exaustos , o final era como efeitos de varias drogas .
Naquelas noites perfeitas , onde o erro se confundia com a bênção ,amor com tesão .
Por mim o mundo acabaria ali !
A melhor hora de ir embora é quando todo mundo quer que ficamos , eu não soube interpretar os sinais , talvez tenha sido imaturo de mais , deixando o corpo ser queimado e levando a mente a queimar junto .
Tom brito

Era uma criança humilde, encabulado, tímido, mas com sede de saber.
Lembro-me quando tinha meus cinco anos morava com meus pais na roça, passava maior parte do tempo na fazenda de meus avós. Vovó embora não letrada era uma pessoa culta. Contava que no seu tempo foi alfabetizada e instruída em casa. Não freqüentou escola, mas teve professor particular em casa, pois ela era a única mulher da família e teve educação a domicílio.
Enquanto cuidava dos afazeres da fazenda, com sua lida entre a cozinha, o monjolo e a administração geral sobrava tempo para orientar e incentivar-me na leitura e na audição de rádio.
Dizia, - “.Adarto” é muito importante a gente saber ler, saber o que está acontecendo no mundo. Vai ouvir o Repórter Esso para saber o que está acontecendo. Pegue jornal e vê as figuras, leia o que você puder.
Sempre trazia da cidade pacotes de jornais e deixava por lá. Sempre que me via desocupado, sem o que fazer mandava que arranjasse um canto na sala, geralmente deitado debaixo da mesa, ficar folheando algum jornal.
De vez em quando eu corria a pedir ajuda, explicação de algo que me chamava atenção.
Mas uma coisa que mais me deixou saudade e até sinto aquela sensação especial que sentia quando criança lá na roça era a esperada Revista O CRUZEIRO.
Engraçado mas, quando eu era criança o dia de Natal demora muito para chegar assim como nosso aniversário e outras datas como Semana Santa. Ficávamos ansiosos e o tempo não passava, d emorava-se muito, muito mesmo!
Mamãe contava que lá na cidade grande Papai Noel comprava presentes e levava a todas as crianças e que havia grandes árvores com enfeites, lâmpadas e bolas coloridas e muita festa nesta época. Eu ficava noites e noites sonhando com o Papai Noel e procurando sua carruagem no meio das estrelas lá no céu. Mas não cansava de folhear e admirar cada página da Revista O CRUZEIRO que mamãe trazia da cidade. Havia muitas fotos do Papai Noel, de seu trenó, de suas renas!
A minha imaginação ia longe! Nada daquilo acontecia na fazenda, mas eu sonhava com Papai Noel e tinha certeza que ele pelo menos na noite de Natal viria deixar um presentinho para mim.
Logo percebi que apesar de acreditar na existência de Papai Noel sabia que nossos pais é que compravam os presentes. Mesmo sabendo disto eu fazia questão de manter o se gredo, aquela atmosfera de segredo, suspenso mesmo sabendo antecipadamente o que mamãe havia comprado. Na véspera da noite de natal, conforme orientação de mamãe, eu sempre colocava meu sapato na janela e ia dormir e logo de manhã corria para ver o resultado, Ah quanta saudade desta época.E da Revista O CRUZEIRO a lembrança da magia que havia no mundo que vivi quando criança. Lembro do cheiro de suas folhas. Papel cheirando tinta. As cores fortes, as imagens chamativas. As propagandas engraçadas. A caricatura do Amigo da Onça. Ah que saudades de O CRUZEIRO !
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Ela que ama assistir ao pôr do sol, às ondas batendo nas pedras, à lua transmitindo luz na vasta escuridão. Ela que ama os detalhes, os pequenos e mais simples gestos. Ela sabe a grandeza que há nas coisas pequenas e isso a encanta. Ela sabe que é muito fácil enxergar o grande, por isso dá mais valor ao detalhe. Ela de riso e choro fácil, de alma profunda, de coração cheio de saudade e alguns arrependimentos, cheia de emoções, intensidade, afetos e também desafetos. Aprendeu a tentar resolver as coisas com a conversa, mas também com o afastamento. Ela sabe que, às vezes, se afastar pode ser a melhor opção, não por infantilidade, mas porque sabe o que é melhor pra si. Ela que ama flores, admirar e tirar fotos de paisagens, versos, poesia e música também se estressa. Por mais tranquila e na sua que ela seja, às vezes explode. Ela é paz e calmaria, mas também tem uma parte sombria. Não se assuste. Todos temos essa parte em nós. Ela é teimosa, mas também compreensiva. Ela ama abraços calorosos, mas vá com calma, às vezes ela se assusta. Ela ama toques delicados de dedos, um beijo no rosto, um carinho no cabelo. Ela é apaixonada por sorrisos, olhares, cheiros. Ela já chorou e ainda chora muito. Tem dificuldades em pedir desculpas, mas está se esforçando pra aprender. No tempo dela. Ela que um dia se sentiu tanto diferente e se sentia excluída por isso, hoje percebe que isso é bom e considera o melhor elogio. Assim como a lua, ela também tem diversas fases e sempre em busca de mudança. E liberdade. Ressignificar. Constância. Ela sabe que o melhor é ter paciência, mas que nem sempre consegue. Hoje, ela sabe que ser forte não significa não chorar, mas mesmo nos momentos difíceis não deixar que as lágrimas a impeçam de ver a lua, o pôr do sol, a beleza das coisas ao seu redor. Ela está aprendendo a ser forte. Madura demais para ser adolescente, mas ainda verde para ser uma mulher. Está em transformação. Em busca das coisas que acredita. Ela que tem a cara fechada, mas um coração tão aberto, sensível que poucos conseguiram chegar às profundezas dele. Ela que prefere ficar sozinha do que ter uma amizade que a diminua ou um amor que não é capaz de esperar pelo seu melhor. Ela aprendeu que é uma boa companhia, mas que nem todos estão prontos para sentar com ela. Ela tem a cabeça dura, mas sabe ceder, é só não forçá-la a fazer algo. Ela aprendeu que estar feliz não é a mesma coisa de ter paz. Hoje, ela prefere paz à felicidade. Ela se tornou amiga de sua ansiedade, de seus medos. Ela ama o seu canto, o seu espaço. Ela aprendeu com Maria Betânia "a arte de sorrir cada vez que o mundo diz não" (Brincar de Viver). Aprendeu com Renato Russo que nem foi Tempo Perdido, que Ainda é Cedo, que é "metal, raio, relâmpago e trovão", além de desenhar com tijolo de construção, na calçada após a chuva, o sol. Ela aprendeu com Bon Jovi it's my life. Aprendeu com Roxette a escutar o seu coração. Com Zaz que "Eu quero amor, alegria, bom humor
Não é o seu dinheiro que fará minha felicidade". Ela aprendeu que o respeito é a base das boas relações. Ela aprendeu com os girassóis a buscar sempre a luz. Ela faz terapia porque acredita que pode se tornar uma pessoa melhor ao se conhecer, mesmo que isso gere medo. Ela já magoou e fui muito magoada, mas já consegue contar uma história completa, mesmo que ela saia como má. Hoje, ela só quer se amar em primeiro lugar, já que por muito tempo negligenciou isso por não se achar merecedora. Ainda se preocupa com julgamento, mas menos. Ela vem dando o seu melhor, no seu tempo. Ela não quer mais saber de amores rasos que molham só os pés, nem de pessoas que desistem na primeira dificuldade. Ela passou a admirar os girassóis porque eles sempre vão em busca da luz. Ela quer ser como eles. Hoje, ela não é a mesma de ontem e tampouco a de 1 ano atrás. Ainda tem medo de se machucar e machucar, mas encara a realidade. Ela sabe que o tempo não cura nada, você tem que se mexer para as coisas acontecerem. Ela tem medo do futuro, mas tem mais medo de ficar de braços cruzados. Ela que sonha em um dia ajudar pessoas e animais em situação de rua, assim como mulheres vítimas de violência doméstica. Ela viu pessoas dizendo que poderia contar com elas dando as costas e tá tudo bem. E ela tá aqui. Ela sabe que pessoas entram e saem constantemente de sua vida, mas a única permanece é ELA.
Então, que seja Ela, Dela, Por Ela e Para Ela! Ela só quer paz!

Pois é, pode crer, já faz uns dias que eu vi na TV
A ilusão de um mundo forte e igual sem o que temer
Já fez uns dias que eu to tentando e não consigo nem descrever
A sensação de estar sozinho e não ter nada mais a perder

Em meio a todo esse caos marginal eu criei foi um triângulo
A sociedade me vigia por qualquer que seja o ângulo
Mas dentre muitos deles o único que nunca poderão ver
É o interno e o mental que dita os meus proceder

Minha visão fica mais turva a cada passo e a cada dever
De casa é nada comparado a tudo que eu tenho a escrever
Jogar umas verdade na cara mesmo tipo coisa que não se vê
Porque a minha já tá lavada na falta de perceber

Que os meus pecados e os meus erros eu não posso retroceder
As minhas verdades são desilusões piores que o suceder
Das dinastias escondidas que ninguém consegue mais crer
Idade das trevas perto de hoje é só a ponta do perecer

Significado pra minha alma parece que é a criação
Da realidade paralela que na matrix virou a razão
Ignorância é a escolha mais fácil, aceita pelo coração
Porque mais cega que a minha vontade é só minha dedicação

Para qualquer futuro incerto a escolha perdeu sentido
Se o destino for calculado pelo universo não há instinto
Ou intuição, pra você não mais confiar naquele menino
Que se acha pra caralho mas não pôde apertar o gatilho

Da arma letal, dita que eu dito qual é minha motivação
Tentar fazer o mundo virar ou retornar para criação
Originalidade de papo virou cópia de descrição
Assim como a margem do errado tornou-se a minha ação

Ou a minha reação para a falta de satisfação
Se tiver certo ou errado, por favor me dê uma explicação
Não sei mais no que acreditar, será que isso é tudo invenção?
Da minha cabeça de achar que todo o mundo é são

Subconsciente aqui é mato, Froid já previu a situação
Que ser meio doido nessa cidade é melhor que a construção
Daquela suposta auto-imagem que mente pra concepção
De que tudo nessa sociedade virou uma grande competição

Mas todo mundo já sabe, nunca cresce quem se acha melhor
Somente a certeza de que bom mesmo é competir consigo só
Vou te falar, deu até um nó, na minha garganta de tanta dó
Na correria que tá essa vida não preciso mais de vovó

Pra me dar conselho bobo, imagina se eu to preocupando
Se você tá me vigiando toda vez que eu tô pecando
Quando eu tava realizando o meu sonho não deu valor
Mas se eu gastar minha grana contigo você vai notar nem minha cor

Porque dinheiro não tem cheiro muito menos tem preconceito
Onde estiver ele torna o inimigo no melhor amigo de peito
Faz vilão virar herói que se passa por um bom sujeito
Fez até o pior de papo e o mais feio ganhar o respeito

Das vadia, falo mesmo, não preocupo com seu julgamento
De feminista ou machista o que eu não quero é ser o jumento
Que não enxerga que extremismo é o maior desenvolvimento
Da decadência da nossa tribo de índios com "pensamento"

Porque aqui nada e tudo mudou, essa é a cara dos novos tempos
Sentiu saudade da colônia é só visitar um de nossos centros
Aglomerado não é favela é só um monte de filamento
Ninguém olha mais pra cá só pra tela do auto sustento

Movido à droga, festa, álcool, puteiro é divertimento
Rede social é a nova mídia que dita comportamento
De uma criança adulta e jovem que pensa que entretenimento
É cuidar da vida dos outros e não ter o próprio segmento

Dessa reta simples, lógica, minha vida virou traçar
Suas vontades mais imersas de comigo um dia poder transar
Pode ter certeza que com você isso nunca vai rolar
Não dou moral pra vagabunda que não se põe no seu lugar

Trabalhador é só mais um, bonito mesmo é o Neymar
Ele que paga as suas conta? Ou você tá indo se endividar?
Pagar 10 conto nas Arábia só pra ver um otário chutar
Uma bola bilionária que no final tá cheia é de ar

Depois ele têm a coragem de vir aqui e me falar
Que o alienado aqui sou eu só porque eu gosto de pensar
Devo ser mesmo é o outsider destinado a só resmungar
Que todo mundo é diferente e todo mundo tinha que mudar

Difícil mesmo é ser humilde e um dia parar pra olhar
Que o errado deve ser eu só porque que eu quero estudar
Treinar é coisa de mongoloide, a parada mesmo é trepar
Zoar com a cara próximo é bom, nova forma de se reafirmar

Status na roda hoje dita o quanto tu vai ganhar
Contexto, contato e conchavo ta importando mais que se formar
Profissional bom mesmo é aquele que adora puxar
O saco daquele chefe viado tá na cara que gosta é de dar

Se a realidade ta essa merda no é ventilador que eu vou jogar
Na tuas costas a culpa deve ser minha ou então do Pablo Escobar
Nos dias eu já percebi que nada mais tá querendo mudar
Se não surgir ninguém de bem e chato só por querer melhorar

Melhor que ontem só se for o pó branco que tu vai cheirar
Pior que amanhã só se for a nota, já até sabe quanto vai tirar
Colando do nerd zuadão que acha que te passar
Resposta da prova é o único jeito dele se entrosar

Então para de ser otário e vê se começa a acordar
Filho da puta passa por cima, duas vezes se tu deixar
Ficar calado no final, meu brother, só vai te ajudar
Melhor sozinho do que ter "amigo" colante só na hora do chá

4:20 é hipocrisia, até parece que têm lugar
Limite, horário, forma ou data pra que eu pare dichavar
Essa maconha é medicina ou foi criada pra te matar?
Será que ela te deixa muito doido ou té faz até levitar?

Os fantasmas tentaram roubar foi seu nome ou seu passado
Realizado que hoje em dia o negro permanece escravizado
Em trabalhos de cargo baixo e escolas sem ar condicionado
Renegado pelo sistema sob o qual ele vive e está destinado

Já vai dar umas 2 da matina e mesmo assim eu não tô cansado
De escrever umas verdades bem indiscretas aqui nesse teclado
Porque parece que eu to preso num pesadelo mesmo estando acordado
Espero que não sejam em vão essas palavras escritas em itálico
Querida vizinha, como vai? Tenho muito prazer em convidá-la para assistir a copa do mundo aqui em casa. Vai ter tudo de bom: fogos; muita carne; cerveja gelada e alho no pão!

Não repara a confusão! Alguns meninos meus estão muito tristes porque gastei o que não tinha para todos agradar. Minha casa ficou linda para poder te convidar e para poder te receber tinha mesmo que enfeitar!

Perdoa essa bagunça dos pequenos filhos meus. Eles são os meus mais novos e sabiam da tua chegada. Estão querendo se mostrar  andando pelas ruas todos juntos a gritar. Liga não que logo passa! Só tão querendo desabafar.

Ah! Que saudade quando a cada um podia esfolar. Mas agora diz meus outros: “Temos que dialogar”! Mas como vê não tá dando certo! Ah! Na minha época de ensinar! A cartilha era o cinto, esse sim, ensinava a respeitar!

Entra minha querida, sei que deve estar cansada! Não se preocupa com o barulho é coisa que não dá em nada. Afinal, é futebol e mais tarde chega o carnaval.

Deus é aqui de casa! Por isso cremos que deixando nas mãos Dele, tudo de bom vai acontecer!

Não tenha nenhum receio! Aqui em casa o mal que praticamos só fere a nós mesmos, aos outros bem tratamos. Nós sabemos receber! Pelo menos nós tentamos! Tem filho meu policial preparado só pra atender você.

 

 

Se achega minha amiga senta aqui pra prosear. Olha só toda essa pilha de roupa que tenho pra lavar. Mas roupa suja se lava em casa, ninguém tem nada que saber o que temos pra lavar. Só a gente aqui de casa pra entender! Meus garotos fofoqueiros com esse tal de celular grava tudo o dia inteiro, não dá nem pra disfarçar. Junta tudo nesses grupos que dá pra compartilhar e a fofoca aqui de casa não dá nem pra controlar. Dizem que tem muita coisa que é falsa por aí... Mas em quem acreditar? A televisão também engana! Isso não dá para negar.

Tempos passados meu Fernando, um querido filho meu, não tinha chance de ganhar pra aqui de casa ele cuidar. Parecia que meu outro, o Luiz, o mais popular, era certo que meus outros colocariam ele aqui em casa pra cuidar. Menina tu não sabe o que aconteceu?! Tudo deu uma reviravolta e colocaram Fernando incumbido dessa missão. Quando eu achava que o outro iria ganhar, pimba! Preferiram o irmão! Ah! Essa tal televisão. Não passou nem muito tempo e já tiraram ele de lá, assumindo outro irmão, o mais velho Itamar.

Todo mal a nós fazemos, fica tudo aqui dentro. Não levamos lá pra fora nenhum tipo de desgraça, exploramos a nós mesmos! Tem vizinha aqui de cima que adora usurpar, mas isso não me interessa quem sou eu para julgar.

 

 

 

 

 

 

Menina nem te conto: Tô toda endividada, todinha até o pescoço. Fui lá no  agiota pedir pra me salvar, um tal FMI, empresta a juros pra pagar. Como eu estou precisando, voltei nele pra pedir: “Preciso de mais dinheiro”! Foi aquele alvoroço e me disse com voz firme aquele belo moço, que até me envergou: “Pra visita tudo dá carne e os seus que roem o osso”! Mas como sempre prometi que dessa vez vou me cuidar. Falou também de outras coisas,que tive de concordar. Aceitei os juros altos pro dinheiro eu levar.

Esse mês vai ter mais conta que outa vez não vou pagar. Meu Deus que desespero, onde é que eu vou parar? Vou tirar da educação? Dá saúde vou tirar? Tiro da segurança, mas essa festa eu vou dar!

Quem controla minha finança são alguns dos filhos meus. Eles tem essa função! Cuidam de tudo aqui de casa: compra do mês e compra do pão. Mas sempre quando eu preciso nunca tem pra me ajudar. Os do meio que trabalham pra essa casa sustentar. Ah! Quando veem que estou brava trocam minha televisão, me dão outra geladeira, sofá, armário e fogão. Isso eu não vou mentir, presente é muito bom! Eles sabem esses danados que sempre dou o meu perdão. Esperam inteiros quatro anos para eu dar outra explosão.

Minha casa era maior dizimaram meu terreno, uma briga de dar dó. Perdi parte do quintal, sorte que foi um pedaço bem pequeno. Não abri mão de mais nada e o sul ainda tenho!

 

 

 

 

 

 

Fui casada quando nova, meu marido um senhor, que criava nessa terra: horta, peixe, fruta e flor. Mas aí, veio um danado, um lindo sedutor; pele branca diferente do primeiro morador. Ele foi tão violento, sucumbiu o meu senhor, me buchou e foi embora, levando tudo que encontrou. Depois veio outro homem, esse de retinta cor, tinha um troço diferente que também me encantou. Por isso aqui em casa, cada um é de uma cor. Mas são todos minhas crianças, cada qual tem seu valor.

Venha aqui pra minha cozinha que vou te fazer um chá! Espero que acerte, nunca vou me acostumar. Aqui gostamos do café direto do pé tirar, pegar aqueles grãos fresquinhos e jogar no moedor, juntar água fervida e sentir todo sabor. Esses grãos da minha terra que tanta gente que plantou.

Senta aqui minha rainha pra comer bolo de fubá. Tudo aqui do meu terreno, o que planta, aqui dá. Tá gostoso esse bolo? Claro que está! Já comeu até outro, pode comer que tem mais fubá.

Chega aqui pra minha sala pra gente fofocar: “A vizinha aqui de cima, tenho mesmo que contar, ela tem muito dinheiro e armas dela vem pra cá. Ela vive dessa guerra, daqui e de acolá, fabrica tanta arma que não falta gente pra comprar. Parece que tem outros que moram do lado de lá, igualzinho ela aqui de cima, também fazem pra exportar. Financiam outras guerras sem data pra acabar”. Etah! Por que ficou vermelha? Engasgou foi? Levanta o braço vai passar! Não sei onde esses meninos guardam?  É muito triste usarem armas sem ter incentivo pra estudar. Viver bem uns com os outros e aprender a se gostar. Mas ficamos em segredo, daquele pássaro tenho medo, ele pode até bicar!

 

Mas me conta, adoro fofocar: “Aquela guerra do Araque, lá perto de você? Deu no quê”? Desculpa! Não quis te encabular. Esquece tudo que falei e vamos outra coisa fofocar?

Menina! Minha prima aqui do lado já brigou contigo né? Por causa de uma ilha? Nossa! Foi uma surra daquelas! Eu fiquei até com dó dela. Mas nada pude fazer? Eu adoro meus meninos e se fosse eu, nunca que brigava com você. Ela bem que já sabia o que iria acontecer... O importante é que acabou!  Deus me livre de alguém querer o que é meu: “Minha Amazônia, meu Pantanal, qualquer coisa daqui do meu quintal”! O que Deus deu a cada um que cuide do seu.

Gostamos muito de ajudar e tiramos da nossa boca para os outros alimentar! Mas deixemos de tristeza e vamos falar de futebol: “Tu que inventou não foi? Aqui no quintal, a gente passa mal! Eles brigam pra valer. E só torcem juntos quando não é contra os daqui. Etah! Que invenção! Você sabia que somos penta campeão...”?

Pode chamar sua família pra vir pra cá torcer. A casa é muito simples, mas não falta pra comer. Temos chá de todo tipo e tudo pra te agradar. Se quiser traz biquíni e vamos todos para o mar.

Tem menino meu que sonha mesmo em ser cantor. Deixei cantar só um pouquinho, antes do jogo começar, é distração pra minha cabeça ouvir um pouquinho ele cantar: "Nessa pele melanina que retemos mais calor, nossos corpos bem mais quentes estão fervendo de amor".  Bravo querido! Lindo da mamãe! Agora pro banho e já!

 

 

 

 

Tá calor vamos à praia? Venha cá se refrescar? Também cá tem cachoeira e o que preferir nós temos cá.  O clima aqui é colorido, nosso clima é tropical, esqueça aquele tom de cinza que tem lá no seu quintal. Aquele frio... Minha Nossa! Aquilo pode fazer mal! Aqui vocês abrem a janela dá bom dia para o sol. Tá levando protetor? Pele branca se dá mal!

Só te peço minha amiga avisar para os seus filhos que respeitem minhas meninas, que já devem estar lá, com biquínis tão pequenos e a bunda para o ar. Aqui pode mostrar a bunda sem ser vagabunda! Querendo pode até vê, mas tem que respeitar! O direito de um começa quando do outro terminar!

 Fim de jogo... Acabou! Acabou! É vida que segue... 

Vou bater nesses meninos que a irmã querem vaiar. Deixa disso seus danados deixa ela entregar o troféu para o ganhador!

 Eu falei pra essa menina pra essa briga não comprar! Tenho medo é que algum dia alguém tire ela de lá.

Eu te levo no portão! Vai com Deus e boa viagem!  Me liga quando chegar!

Me desculpa alguma coisa que não fiz pra te agradar! Nessa festa ainda sou nova, mas por aqui eu vou parar.

Foi boa tua visita e foi um prazer te conhecer!  Querendo sabe o caminho... É só aparecer!



O vendedor de algodão-doce ilustra que esse “golpe de estado” à brasileira recrutou crianças, além de idosos, doentes e bichinhos de estimação. Na verdade, somente os cães aceitaram o confinamento junto aos donos; os gatos desertaram já no acampamento do quartel. Com minha sagacidade, posso presumir, se houvesse logística, o “golpe” contaria com o auxílio luxuoso da trilha sonora da execução de Richard Wagner num piano de cauda por um pianista trajando fraque. Para compor melhor esse cenário lúdico, o ambiente seria ilustrado por palhaços, macaquinhos serelepes, balões de ar e bandeirinhas. Tá, não seria nada convincente, portanto não corroboraria com a falácia do “golpe”.




Cresce a comparação do episódio famoso do Reichstag. Em 1933, o Palácio do Reichstag (parlamento federal alemão) sofreu um incêndio. Atribuindo o atentado à oposição, o “democrático Hitler” (entendeu?) alargou a condescendência para cometer arbitrariedades. Porém, num precedente histórico de “false flag”, tratou-se de uma farsa, ou seja, um autogolpe.




Muito parecido com o nosso 8 de Janeiro, é o 6 de Janeiro americano, quando invadiram o Capitólio (Senado). Articulado como uma típica “false flag”, a invasão “fake” só não contou com o cordial tratamento brasileiro: água mineral.




Nas terras de Pindorama, as arbitrariedades se acumulam: presos, perseguidos (multa, cancelamento e asfixia financeira), exilados políticos, inconstitucionalidades etc. É assustadoramente claro, além de um viés ideológico, há um componente vingativo e sádico. Quem anuncia multas e prisões sorrindo, sente um prazer patológico no sofrimento alheio.




Infelizmente, muitos estão alheios à realidade porque a vida segue numa normalidade egoísta. Diferente de quando os artistas eram as vítimas e denunciavam a perseguição em músicas, peças teatrais etc. Conclusão: ditadura e democracia são enxergadas de acordo com a conveniência. Ou seja, “Democracia é quanto eu mando um você, ditadura é quando você manda em mim. Não deveria ser assim.




Pois, enquanto protelam a CPMI (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito), um “lote” de pessoas inocentes segue recluso. Quem se satisfaz com essa situação, perdeu a consciência do que é correto.




Falando em consciência, e ela, num solilóquio insuportável, me obriga a acreditar que só o tempo irá julgar os dias atuais. Enquanto isso: lavam as mãos, viram a cara e fingem que não veem.







PS: que qualquer responsável pelo quebra-quebra seja punido.
Dona Tereza rega o último vaso de plantas da varanda quando a porta do apartamento abre-se. O rapaz sai sem nem mesmo cumprimenta-la. Nada diz, nada pensa, abaixa os olhos tristemente. Olha na direção da escada ao sentir a presença de alguém.

- Você sabe, bruxa velha ! Por que?

- O que eu sei, meu filho!

A terrível transfiguração do rapaz a faz tremer. Sabe que pode correr perigo enfrentando-o assim, mas nada tem a temer Quão terrível e desastroso foi o relacionamento daqueles dois. óleo e água não se misturam, era claro que um teria que desistir. Pena ter sido ela. Era tão boa, caridosa e amorosa. Jamais conheceria alguém de alma tão límpida e pura. Vinte anos apenas, na flor da idade.

- Você sabe sim. Ela deve ter dito a você!

- Nem todos têm a tua estrutura e tua força e destemor ante a vida. Algumas pessoas são fracas. Ela era linda por dentro e por fora, mas frágil e sensível demais. Jamais teria vivido muito mais tempo. Conseguiu chegar ao máximo. Não agüentava mais, meu filho!

- Mais o que?

- Até um simples espirro a assustava. Ela tinha medo de você, medo que a abandonasse, medo que a traísse, medo de não o satisfazer, medo de tudo...como explicar?

- Jamais faria mal a ela!

- Mas não dizia a ela. Você sempre procurou manter uma certa distância entre vocês, o que ela não concebia e não aceitava. Você não era carinhoso, o que a matava aos poucos, pois precisava de carinhos constantes. Você falhou meu filho dentro do que ela acreditava como certo mas não falhou dentro do que você acha correto. Por isso não se culpe. Ninguém  tem culpa.

- Você estava certa sua bruxa velha. Eu não devia ter me aproximado dela.

- Você se enganou! Esqueça! Não se pode mudar o passado. Um dia ou outro teriam que se cruzar, se não com ela, com outra semelhante. Você as atrai. É a lei da natureza. O mais forte devora o mais fraco. Algo dela, espero, ficou em você, nem tudo se perdeu. Em mim pelo menos ficou muito. Já sou velha, mas ainda posso transmitir aos outros um pouco do que aprendi com ela,  principalmente às crianças.

- E eu? O que faço de minha vida agora?

A velha senhora o olha demoradamente, ele sabe, ela nada tem com isso mas tenta dar ao seu olhar um ar de total comiseração. Talvez seja mesmo o que sente, mas  sabe que ele odeia a piedade alheia, odeia esta fraqueza que de repente tomou conta de sua vida. Gostaria de responder-lhe que continuasse a viver, mas sabe que ele mesmo já respondeu a si mesmo e quem sabe esqueceria aquilo tudo facilmente.

- Eu não tive culpa! Eu a amava demais, muito, muito...

Finalmente ele foi embora, seus soluços ainda ecoam pelo prédio. Talvez em seu leito de morte Serena esteja ouvindo seus soluços. Dona Teresa murmura para si mesma, enquanto apara um galho seco de uma samambaia, uma prece a Deus para que ele mude, que aprenda algo.

Dona Teresa termina de tirar o ultimo galho seco e olha as plantas ao redor. Todas verdes e bonitas. Continua ainda murmurando para si mesma. Sim! Cante Serena! Cante!

Vai cretino, some daqui,
Dentro de algum tempo
Não quero mais te ver,
Nem sofrer com seu tormento.

Leva tudo o que tem,
Retire daqui seu cheiro também,
Não deixe vestígio algum,
Nem o fedor do seu pum!

Corre que seu tempo está no fim,
Se te pego aí te esfolo,
Você é criatura ruim,
Não merece pisar o meu solo.

Quero ver se alguém te aguenta,
Se acreditam em você,
Que tem mentira nos olhos,
Muito fácil de se ver.

Corre em sumir, pilantra,
Sua vida é um erro,
Cada mentira que contou,
Foi um grande desassossego.

Amigo? Conta outra!
Amizade péssima a sua,
Que só vê o seu lado,
E arruína a vida alheia.

Infeliz é só você,
Que não tem mais para onde ir,
Se quer mesmo saber,
Agora, nesse instante,
Estou é a sorrir.


Contigo aprendi, que o amor sempre bate a porta

Que eu não preciso me esconder atrás das desventuras da vida ...


Ou deixar de acreditar nas pessoas por elas terem me machucado...


Sempre fui uma pessoa reservada, mas contigo o meu sorriso voltou a ter a mesma doçura


Descobri que o amor é emancipado, que não há tempo , nem hora certa pra chegar ...


Que ele é bom sentido a dois


Que não há regra, ele simplesmente nos envolve...


Que não há professor ou doutor,quando se trata de amor


Só corações abertos , desprovido do medo


O amor machuca, mas também nos alegra


Mas se não nos tornarmos reféns , como poderemos saber sua plenitude O que ele quer nos proporcionar


Ele sempre nos causará medo, insegurança


Afinal a vida segue ... e tudo se renova


Assim também é o amor ...


Precisa ser renovado todos os dias


E só quem foi ferido não tem medo de arriscar ...


E se eu pegar na tua mão e seguir em frente


Poderemos tentar. poderemos ser felizes


Eu ia te contar : que há um ar de sentimento


Eu ia te revelar: algo que vi no teu olhar !!


Uma candura de um anjo, uma docilidade sem igual.


Porque você está me tocando com cuidado,


Porque você sabe que só o tempo cura


porque a flor uma vez ferida, tem medo de se abrir...


Então espere o momento certo pra a flor se abri no teu jardim ...




Os Livros Silas Corrêa Leite

Silas Corrêa Leite, escritor premiado em verso e prosa, embaixador itinerante de Itararé, promotor literocultural da chamada Literatura Itarareense dentro da literatura contemporânea brasileira,  elogiado por crítica especializada até da USP e por membros da ABL-Academia Brasileira de Letras, destaque na chamada grande mídia, inclusive televisiva, presente em quase todas as redes sociais, colaborando com sites de renome, no Brasil e no exterior, inclusive na América espanhola, Europa, África e Ásia, quando ainda era pobre e garçom do Bar do Calixtrato começou a escrever com 16 anos em jornais de Itararé, das Famílias Lages e Contieri, e atingiu nesse ano de 2019 mais de trinta livros, a saber, o início:

-01)-“Raízes e Iluminuras”, Poemas Escolhidos Para a Antologia de Concurso do Prêmio Eduardo Dias Coelho, Menção Honrosa, Elos Clube, Comunidade Lusíada Internacional, Ano 1995, poemas do acervo do autor representando Itararé, o Elos Clube de Itararé, Comunidade Lusíada Internacional, Gestão Maria de Lourdes Luciano Nonvieri.

 

-02)-“Trilhas e Iluminuras”, libreto, Poemas, Coleção Prata Nova, Editora Grafite, Ano 1998, Editor Ademir Antonio Bacca, RS.

 

-03)-“Porta-Lapsos”, Poemas, Editora All-Print, Ano 2005. SP. Uma espécie de coletânea antológica de seus melhores trabalhos, inclusive premiados em concursos de renome.

 

-04)-“Os Picaretas do Brasil Real”, Poema Social, Série Cantigas de Escárnio e Maldizer, e-book free, Editora Thesaurus, Brasília-DF,  Ano 2006. Um poema social épico, crítico, feroz e voraz, bem ao estilo  politizado e humanista do autor também enquanto pensador e crítico social.

 

-05)-“Campo de Trigo Com Corvos”, Contos premiados do autor, Editora Design, Santa Catarina, Ano 2008, obra finalista do Prêmio Telecom/Ficções, Portugal. Quase todas os causos, ficções e invencionices do livro, são trabalhos  falando de Itararé que ama tanto.

 

-06)- ASSIM ESCREVEM OS ITARAREENSES, Primeira Antologia de Prosa de Itararé, Editora All-Print, São Paulo, Idealizador, Editor e Organizador Silas Correa Leite, com co-organizadora a Professora Maria Apparecida S. Coquemala, obra que expõe as vertentes da literatura Itarareense, de iniciantes, emergentes a consagrados.

 

-07)-“O Rinoceronte de Clarice”, ebook de sucesso, primeiro Livro Interativo da Rede Mundial de Computadores, único no gênero e de vanguarda, com contos fantásticos, cada ficção com três finais, um final feliz, um final de tragédia e um terceiro final politicamente incorreto, Editora Hotbook, Rio de Janeiro. Foi destaque na mídia (Estadão, Jornal da Tarde, Diário Popular, Revista Época, JBonline, Poetry Magazine (EUA), Revista Kalunga, Revista da Web, Revista Ao Mestre Com Carinho, Minha Revista (RJ), CBN RJ, Programa Momento Cultural/Jornal da Noite, TV Bandeirantes, Márcia Peltier, Programa de TV “Na Berlinda”, Canal 21, Programa Metrópolis, TV Cultura de SP e Programa Provocações (Antonio Abujamra), TV Cultura de SP. E-book recomendando como leitura obrigatória na matéria Linguagem Virtual, no Mestrado de Ciências da Linguagem, na UNICSUL, Santa Catarina, tese de Mestrado na Universidade de Brasília e Tese de Doutorado em Semiótica na UFAL-Universidade Federal de Alagoas, com o Tema: “O Livro depois do livro: a Experiência Literária Hipertextual”. Obra disponível no site: www.biblioteca.universia.net/ - A Tese de Doutorado do ebook (livro virtual) “O RINOCERONTE DE CLARICE”, contos surrealistas e fantásticos, está disponível atualmente no link do site:  http://bdtd.ufal.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=197

 

-08)-“O Homem Que Virou Cerveja”, Crônicas Hilárias de Um Poeta Boêmio, Editora Giz/Primus, SP, Prêmio “Valdeck Almeida de Jesus” (Salvador, Bahia), Ano 2009. Causos hilários, de humor e de crítica social do autor.

 

09)- “BULBOS TRANSVERSOS” Poemas e Desconcertezas – Abril, 2013 – Um mosaico bem contemporâneo de vários poemas  do autor, obra disponível no site: https://www.clubedeautores.com.br/livro/bulbos-transversos#.XNstMBRKiUk

 

10)-DESVAIRADOS INUTENSILIOS, Poemas do Mundo da Web, Editora Multifoco, Rio de Janeiro, 2013. Outro livro de poemas modernos do autor, de sua safra contemporânea e universal.

11)- ESTADOS DA ALMA, Acordes Dissonantes de "Mins", ebook, free, pelo site de Portugal WWW.carmovasconcelos-fenix.org/Escritor/silas-correa-leite-02.htm

 

12)-GOTO, Romance, A Lenda do Reino do Barqueiro Noturno do Rio Itararé, Editora Clube de Autores – www.clubedeautores.com.br. Obra considerada pela crítica especializada como o melhor livro do autor.  Crítica da obra (fragmento): “Mais de oitenta anos depois, a bucólica Itararé agora entra pela porta da frente da Literatura Brasileira e ganha foro comparável ao do Yoknapatawpha County de William Faulkner (1897-1962) na literatura norte-americana, e de Macondo de Gabriel García Márquez (1927-2014) e de Santa Maria de Juan Carlos Onetti (1909-1994) na literatura latino-americana. A paulista Itararé é o palco das aventuras contadas por Aristides, ou Ari, ou ainda Goto, personagem do romance Goto – o reino encantado do barqueiro noturno do rio Itararé. Obra do século XXI, em que toda a coerência formal da narrativa já foi desrespeitada, Goto surge como romance pós-moderno, ou seja, é fragmentado, desintegrado e de linguagem rebelde, assumindo-se como não-romance ou anti-romance, ao romper com as fôrmas literárias do Romantismo e do Modernismo, como diria o insuperável professor e ensaísta Massaud Moisés (1928).  Afinal, o barqueiro, em seu trabalho de levar gente de uma margem para outra do rio Itararé, contava para o que ouvia, mas falando na primeira pessoa, exatamente do mesmo modo como havia ouvido o caso.  Com isso, o romance adquire também um sentido polifônico, ou seja, composto por muitas vozes que não a do autor, tal como definiu o crítico literário e filósofo da linguagem russo Mikhail Bakhtin (1895-1975), ao analisar a obra de Fiódor Dostoiévski (1821-1881). É nesse sentido que se pode dizer que Goto alcança o status de pós-moderno. (Adelto Gonçalves, Professor da USP), Link:https://www.academia.edu/30183759/LETRASRESENHA_CR%C3%8DTICA_GOTO_DE_SILAS_CORREA_LEITE

 

13)-TROIOS PERIGRITANTES, Microcontos, 2014, Editora Clube de Autores. Alguns dos melhores microcontos do autor, inclusive o seu na categoria literária do menor microconto do mundo e trabalhos premiados.

 

14)-O TAO DA POESIA, Poemas na Linha de Tao, 2014, Editora Clube de Autores – Poemas na linha de TAO do autor.

 

15)-NÃO DEIXEM QUE TE TIREM A PRIMAVERA, Livro de Alta Ajuda, 2014, Editora Clube de Autores

 

00)-VISTA A MINHA PELE, Afropoemas do autor, inclusive o próprio poema com o nome do livro que foi usado em mestrado cadernos didáticos, projetos pedagógicos, revistas de educação, teses de TCC e também usado em palestras e mesmo em concursos literários de comunidade afrodescendente.

 

16)-PENSATAS, Ensaios literoculturais. Vários textos, artigos e ensaios sobre cultura, literatura, comportamento social e afins, entre inéditos e publicados em sites, revistas, etc.

 

17)-PIRILAMPADAS, Poemas Infanto-juvenis, Editora Pragmatha, 2014. Coletânea de poemas infantis e infanto-juvenis do ator.

18)-SURTAGENS, Microcontos, Editora Tinta Livre, ebook: in http://www.tintalivre.com/surtagens?search=Surtagens - Site para comprar: http://www.tintalivre.com/

 

19)-O MENINO QUE QUERIA SER SUPER-HEROI, Romance Infanto-juvenil do autor, 2014, site Amazon, ebook:  http://www.amazon.com.br/MENINO-QUE-QUERIA-SUPER-HER%C3%93I-Infantojuvenil-ebook/dp/B00K9EECBK

 

20)-Se as árvores pudessem falar, 2017, ebook pela Editora Saraiva-SP, poema épico do autor, sobre a linguagem das arvores.

 

21)-GUTE GUTE, Barriga Experimental de Repertório, Romance Infantojuvenil, Autografia Editora, Rio de Janeiro. Também considerado um dos melhores livros do autor, sobre uma criança na barriga gestora da mãe contando como é lá dentro. Um dos livros mais elogiados e mais vendidos do autor. Alguns comentários sobre a obra: Resumos (fragmentos) de Críticas do romance GUTE GUTE, Barriga Experimental de Repertório, Romance, de Silas Correa Leite, Editora Autografia, RJ

01.GUTE GUTE, BARRIGA EXPERIMENTAL DE REPERTÓRIO, Editora Autografia, O ROMANCE DE SILAS CORREA LEITE

 “(...) Como em tudo o que faz, Silas Corrêa Leite é atrevido e criativo. Desta vez, nos aparece com este experimento ficcional, ao revés de René Chateaubriand, nas suas "Memórias de Além Túmulo" - são as sensações e questionamentos do nascituro. Um ser, supostamente em formação, mas com a personalidade pronto e a linguinha bem afiada.  Humoroso - no sentido bergsoniano mas também dos humores corpóreos - e crítico, Gute Gute é uma reflexão uterina, se me perdoam o trocadilho, sobre a vida, o tempo, as relações sociais. Uma autorreflexão, se quiserem, porque o autor está dentro, perdoem de novo, do livro e do útero do mundo. Com a sua linguagem solta, coloquial, Silas Corrêa Leite nos traz gostosuras do tipo "contentezas", "brincadezas", "barrigal", "meda", "sexteen", "as fuselagens das minha mãe" etc. Mas não se engane o leitor. Silas vai a profundidades filosóficas, e mostra exemplos de erudição, formando quase um roteiro pedagógico. É ler para crer.(...) Joaquim Maria Botelho – Presidente da UBE-União Brasileira de Escritores. Jornalista, tradutor e professor. 

02.Flora Figueiredo Sobre GUTE GUTE, Barriga Experimental de Repertorio, Romance de Silas Corrêa Leite - Olá, Silas. Neste final de semana li seu trabalho. Imediatamente, me conectei com esse bebê que pensa, age e se comunica com agilidade e graça. O texto fluente, espontâneo, atual,  faz com que o leitor se apegue às mirabolâncias do Gregório/ Thiago/Pedro/Caetano Frederico. Fica-se na expectativa do que virá a seguir, dentro da flutuação que se opera no ventre da mãe. Sua inventividade nos ata ao cordão umbilical da criança e é tão vívida que, sem perceber, fiquei ansiosa pela hora do parto. Parabéns pela ideia e pela maneira como a desenvolveu. Fique com meu aplauso, FLORA FIGUEIREDO é Poetisa, cronista e tradutora paulista, autora de Florescência, Calçada de Verão e Amor a Céu Aberto (1992).

03.Professor Universitário opina sobre GUTE GUTE, Romance - “Olá Silas, GUTE GUTE, Barriga Experimental de Repertório é gostozinho de Ler, mas muito pequeno... A gente queria continuar. O que torna a leitura mais agradável é a familiaridade que a gente tem com seu vocabulário, neologismos, frases peculiares, exclusivas”. Samuel Barbosa, Professor, graduou-se em Letras, Pedagogia, Supervisão Escolar e Especialização em Língua Portuguesa com produtiva carreira acadêmica. 

04.O romance  Gute  Gute do  prosador e poeta itarareense Silas Corrêa Leite, se constitui de relatos da vida de um bebê de altíssimo QI, no útero materno, em fase final de gestação. E que relatos! Que vidinha venturosa e aventureira.Aventureira? Sei que vão estranhar, mas acreditem, assim viveu esse guri no útero da mãe que o poeta chamou de troninho - onde ele se aninhava, qual passarinho no ninho agasalhante - até que chegasse a hora do parto, ou melhor, da partida para a realidade aqui fora. A vida do guri não se limitava ao interior e exterior do útero na barriga materna. Extrapolava, captando tanto o mundo físico como o psicológico das gentes lá fora. Ou seja, as limitações impostas pelas paredes uterinas não o impediam de ter contato com outros meninos e meninas de outros úteros, inclusive no mundo virtual. E a linguagem? Via de  regra hilária, entre os bebês comodamente instalados nos seus troninhos. É mesmo para gargalhar. E quanta fofocas entre eles, quantos namoricos... Leiam o livro. Vão divertir-se muito, comover-se também, pois o Silas sabe muito bem como despertar o interesse e a emoção de seus leitores.  Maria A.S. Coquemala é professora de Língua e Literatura Portuguesa, especializada em Linguística e pedagogia, formada pela PUC-Campinas. 

05.Gute Gute: Reflexões e Impressões de um Bebê na Barriga da Mãe - Livro de Silas Corrêa Leite nos inspira a imaginar o mundo de onde viemos e para o qual queremos, em algum momento de nossa vida, voltar: o útero materno. Gute Gute – Barriga Experimental de Repertório é um romance cuja originalidade nasce já no argumento de traçar linhas sobre fantasias, peripécias, experiências, sensações e impressões de um ser em gestação. Pensar sobre esta primeira fase da experiência humana é inerente às questões sobre nossa existência: de onde viemos, por que viemos, do que somos feitos, para onde vamos? Contudo, embora imaginar o que acontece dentro de uma barriga em processo de gestação seja uma curiosidade comum, apontar caminhos e se arriscar palpites que viram frases e poesias é algo original e inspirador. Daí o subtítulo “Barriga Experimental de Repertório”: o autor reúne questionamentos sobre vocabulários, canções e sons que ouve de dentro da barriga da mãe e que servem para o ser como indicações sobre como será a “vida lá fora”. Gute Gute- Barriga Experimental de Repertório, o romance com um olhar questionador sobre alguém que ainda está para nascer, vem acrescentar à prateleira de livros próprios do poeta e escritor premiado em concursos e autor de outros livros em prosa e verso. Clélia Gorski – Publicitária e autora do livro Separada & Dividida (Novo Século), Jornalista e apresentadora da Rede Bandeirantes

06. Silas Corrêa Leite, além de professor, é escritor eclético com obras literárias as mais variadas, de crônicas, contos, poesias a romances de refinado bom-gosto. Premiado dezenas de vezes por seu trabalho jornalístico, crítico literário e bom resenhista, Silas se inscreve entre os escritores mais produtivos com obras de grande alcance social e cultural. Sebastião Pereira da Costa - jornalista/escritor, autor entre outros de “A História Oculta” e “Não Verás Nenhum País Como Este”, Editora Record (RJ).

07. Opinião de um Cineasta de Renome:

GUTE GUTE, Barriga Experimental de Repertório, Editora Autografia, RJ, Romance, de SILAS CORRÊA LEITE: Esta obra de Silas Corrêa Leite pressupõe um bebê especial (Asperger? Autista?), de inteligência precoce, relacionando-se – já no ventre materno - com o mundo, as pessoas e as coisas, mesmo ainda sem uma noção precisa de como funciona aquele universo pré (ou será pós?!) qualquer coisa que ainda não se sabe. Essa ideia de Silas, uma barriga experimental de repertório, é um achado. Mas não pensem os leitores em encontrar na obra grandes reflexões filosóficas ou quânticas, mesmo sendo os pais da criança Doutora em Filosofia e Psicóloga, ela, e Professor de Filosofia e Filólogo, ele. Sobram, sim, frases de efeito, ditos populares, palavrório regional paulista de Itararé e farto uso de citações da música popular e de heróis de histórias em quadrinhos. Não são palavras jogadas ao vento, é bom notar. O estilo anárquico do autor comporta sentidos que se alinham e realinham ao longo de suas duzentas e poucas páginas, conferindo à obra o mérito de prender de fato a atenção do leitor. Os capítulos, abertos com citações que vão de Michael Jackson a Octavio Paz, de Walt Disney a Fernando Pessoa, se sucedem à espera do parto (ou “chego”, conforme prefere o recém-nascido), apontando para a vida lá fora, repleta de paredes que, ao contrário do ventre materno, não dá mais para ver. “Macacos me mordam”, como diz o bebê na ruptura do cordão umbilical. Como disse, a ideia é um achado. Mas não se encerra aqui. Mais que um romance acabado, Gute Gute pode ser visto como a barriga experimental, ou melhor, como texto—base de um filme de animação em 3D, cuja equipe se encarregaria de um traçado audiovisualmente equivalente ao que Silas compôs com suas anárquicas palavras.

Gregorio Bacic – Diretor de Tevê e de Cinema, Escritor, Pensador, Crítico.

08. LETRAS/Crítica:

O antirromance de quem ainda vai nascer: Gute Gute, Barriga Experimental de Repertório, de Silas Corrêa Leite: Depois de publicar Goto – o reino encantado do barqueiro noturno do rio Itararé (Joinville-SC: Editora Clube de Autores, 2014), obra nitidamente do século XXI, em que toda a coerência formal da narrativa já foi desrespeitada, o poeta e ficcionista Silas Corrêa Leite ressurge agora com Gute Gute – Barriga Experimental de Repertório (Rio de Janeiro: Editora Autografia, 2015), outro romance pós-moderno, igualmente fragmentado, desintegrado e de linguagem rebelde, que se apresenta como não-romance ou antirromance, assumindo um rompimento definitivo com as fôrmas literárias do Romantismo e do Modernismo. Conhecido como ciberpoeta, Silas, um dos mais originais escritores deste Brasil pós-moderno, surpreende, mais uma vez, com um relato fragmentário de um bebê de altíssimo quociente intelectual (QI) que, ainda no útero materno, mas em fase final de gestação, já demonstra sentimentos, reações e faz citações, algumas de raízes populares e outras de poetas e pensadores famosos. Abusando do recurso da intertextualidade, o romancista faz o seu personagem ainda sem nome questionar não só momentos íntimos da mãe como manifestar algumas reflexões e impressões a respeito do mundo que há de viver fora do útero.

Com tanta originalidade, por certo, Gute Gute – Barriga Experimental de Repertório começa a atrair os leitores desde as primeiras linhas, ao fazer questionamentos sobre termos, canções e sons que o protagonista ouve de dentro da barriga da mãe. Como diz o autor na introdução, o romance trata da relação da criança, ainda na forma fetal, com tudo o que a cerca: “o lar, as barulhanças nos derredores, as tristices e contentezas de formação, as formatações e configurações evolutivas de meio, os sentimentos de base e aprumo, a sensibilidade generalizada de compreender e ser inteirado da vida intrauterina a partir do que rola lá fora, no exterior, a partir do que sente no colmeial do adjacente barrigal”.

Dividida em seu quatro livros e subdividida em muitas partes, esta obra reproduz também as angústias de uma futura mãe ainda adolescente, que se deixou engravidar por quem não pretende assumir o filho. Lê-se: “(...) – Eu não estava no programa... falhou o calendário, a cartelinha, alguma coisa que deveria estar vestido e não estava, alguma coisa que deveria ter usado, sei lá mais o quê... Eu fui um acidente de encontro... Acidente de percurso, sei lá... (...). Como se percebe, o poeta Silas Corrêa Leite, com muita criatividade, atrai o leitor com uma linguagem do dia-a-dia brasileiro, ou melhor, do mundo caipira do interior de São Paulo e do Paraná, colocando novamente em evidência a cidadezinha de Itararé, com suas ruas de pedras, onde nasceu, na divisa entre estes dois Estados, e com a qual mantém vínculos familiares e sentimentais até hoje. Como dele já escreveu o romancista Moacir Scliar (1937-2011), percebe-se que Silas Corrêa Leite sente prazer em narrar, “prazer este que se transmite ao leitor como um forte apelo – o apelo que se espera da verdadeira literatura”.

 (*) Adelto Gonçalves, jornalista, mestre em Língua Espanhola e Literaturas Espanhola e Hispano-americana e doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo (USP): LINK: http://port.pravda.ru/sociedade/cultura/29-11-2016/42217-antirromance-0/

 

23)-MOCORONGOS, microcontos, ebook: Veja versão free: https://www.widbook.com/ebook/read/mocorongos

 

24)-ILUMIDEIAS – Coletânea de Haicais, poemetos estilo japonês, em três versos/tercetos, do autor, escritos ao longo de mais de cinquenta anos.

 

25)-ELE ESTÁ NO MEIO DE NÓS – Sendas Edições, Romance ecumênico, o segundo livro escrito pelo autor.  Primeira de uma anunciada trilogia, a obra preserva o estilo anárquico e demolidor do seu autor, no campo místico. Resenha crítica da obra no LINK:

https://www.jornalopcao.com.br/opcao-cultural/silas-correa-leite-retorna-a-cena-literaria-com-ele-esta-no-meio-de-nos-167882/

 

26)-PLANETA BOLA, Causos e acontecências do futebol, Editora Simplíssimo. O autor diz de seu amor pelo futebol, de seu fanatismo pelo Corinthians.

 

27)-MUITO ALÉM DO CORAÇÃO SELVAGEM DA COISA, Wathpadd. Livro escrito nessa plataforma da internet, a partir de um inicial depoimento de um aluno problemático, querendo fugir de casa, de si, do mundo. Com final fantástico.

 

28)-DESVÃOS DE ALMAS, Editora Penalux, microcontos do autor, na sua linha e estilo de nanonarrativas impactantes e com desaforismos e escárnios.

 

29)-O MARCENEIRO, A ULTIMA TENTATIVA DE CRISTO, Romance, Editora Viseu. O surpreendente e assustador primeiro livro escrito pelo autor, mais de trinta anos atrás, só agora pode ser finalmente lançado. Você vai ler e não vai acreditar. Polêmico, diferenciado, conta de Cristo no Brasil, de discos-voadores, do Papa Carol, do FBI, de milagres, viagens interestelares, pandimensionais, diz de profecias, registros contundentes da história sendo revelados depois de tudo e apesar de toda história ser remorso, como diria o poeta Drummond.

 

30)-DESJARDIM, Muito além do farol do fim do mundo, romance, ebook no link:

https://www.amazon.com.br/DESJARDIM-Muito-Al%C3%A9m-Farol-Mundo-ebook/dp/B074T3HG4Q

31)-O lixeiro e o presidente, Romance Social, ainda no prelo. Quem é o lixeiro, tipo aspone? Quem é o Presidente que jogou sua história no lixo? (“Esqueçam tudo o que eu falei”). E de Fernando em Fernando, o Brasil foi se ferrando. Mordaz, o autor conta de bastidores sórdidos dos antros palaciais de picaretas o Brasil S/A de podres poderes, em que o inimigo do povo está no governo.

 

32)-VACA PROFANA, microcontos estranhos, uma soma de continhos, contículos, trabalhos curtos em prosa, ficção apurada do autor, incluindo o premiado menor microconto do mundo. Ler para se assustar.

 

33)-LAMPEJOS, livreto, Poemas, editado na Argentina pela Sangre Editorial

-Esse é um imediato apanhado generalizado do Itarareense Silas Corrêa Leite. Ler para crer.  Contatos com o autor: poesilas@terra.com.br Assessoria de Imprensa, CULT-NEWS Divulgação:La-goeldi@bol.com.br Site: www.artistasdeitarare.blogspot.com/

Após uma longa noite de sonhos intranquilos, Moira desperta sobressaltada, levanta-se e põe-se em frente a uma antiga penteadeira – uma relíquia pertencente à sua família por gerações. Por um instante, ela contempla o espelho e vê uma mulher de oitenta anos, com seus cabelos grisalhos em completo desalinho, rugas ao redor dos olhos e da boca, bem como olhos azuis, que outrora cintilavam, mas agora se encontram opacos.

“Em qual espelho ficou perdida a minha face?”, suspirou, angustiada.

Moira é uma juíza renomada, aposentada há alguns anos, que mora em uma suntuosa mansão. Mas, apesar de toda a sua riqueza, não tem herdeiros. Logo após a aposentadoria, ela entrou em crise, pois encontrou-se frente a frente com a pergunta que a inquietou por toda a sua vida: quando será o meu tempo?

Ao sair de seu quarto, Moira caminha até uma grande janela, no final do corredor, e põe-se a observar a chuva. À medida que cada pequeno cristal d’água cai sobre a grama, traz à tona, com toda a vivacidade, as antigas memórias da aurora de sua vida.

A pequena Moira adorava dias de chuva, pois, nesses dias, sua mãe tinha o hábito de contar histórias, sentada em uma cadeira de balanço, para ela e suas duas irmãs, que faleceram em um trágico acidente quando Moira tinha apenas cinco anos de idade. Por isso, a menina cresceu sufocada pela superproteção materna e pelas altas expectativas do pai.

Agora, em frente à grande janela, Moira estava tão absorta em seus pensamentos que não percebeu o avançar das horas. Permaneceu nesse transe até as sete horas, quando a governanta veio chamá-la para tomar seu desjejum. Alguns instantes depois, Moira estava perante a mesa posta com fartura, mas estava sem apetite, e quis tomar apenas uma xícara de chá.

“De fato, do fundo do poço só se pode tirar memórias ou mesmices...”, refletiu Moira.

Que contraste Moira enxergou entre a fartura desse café da manhã, para uma única pessoa, e todas as refeições de sua família – ou até mesmo a ausência delas – em seus dias de infância. Essa percepção transportou-a para o dia em que sua mãe recebeu um misterioso presente de uma falecida senhora: uma penteadeira de mogno, com miligramas de ouro incrustado em desenhos floreados, e um espelho embutido no majestoso móvel.

Moira aprendeu a ler e escrever bem cedo. Seus dias eram milimetricamente administrados pelo pai, que tinha um único objetivo na vida: fazer com que a filha jamais enfrentasse as mesmas privações pelas quais ele passou. Por isso, a menina tinha de estudar, dia e noite, para que, no futuro, tivesse uma profissão de prestígio e retorno financeiro a curto prazo.

Após o seu desjejum, Moira caminha por vários corredores e decide ir até o seu oásis particular: uma biblioteca de grandes dimensões, com prateleiras até o teto, todas preenchidas com edições de luxo de centenas de livros, desde os clássicos até os contemporâneos da literatura universal, em vários idiomas. Um leve lampejo acende uma fagulha em seus olhos azuis. Ela está no único lugar em que realmente se sente realizada.

Moira pensou como teria sido sua infância em uma biblioteca como aquela, como teria se divertido inventando suas próprias histórias, ou até mesmo imaginando ser a protagonista de seus romances favoritos.

Quando menina, seus passatempos favoritos, nas folgas de sua pesada rotina de estudos imposta pelo pai, eram ler contos de fadas e romances que a transportavam para outros momentos e mundos, e brincar em frente à majestosa penteadeira de sua mãe. Ao contemplar o espelho, ela não via a pequena garota de belos cachos castanhos e olhos azuis cintilantes, e sim a protagonista da história que estava lendo ou escrevendo.

O maior sonho de Moira era se tornar uma grande escritora no futuro. Por isso, ela tinha um diário, no qual criava um mundo todo seu, cuja única lei era a liberdade. Bem, esse era o seu sonho, porém ele não estava nos planos de seu pai, que queria, a todo custo, que ela fosse rica. Por essa razão, ela escondia seu diário na última gaveta do imponente móvel de mogno, assim também como sua força para escolher o próprio destino.

Ainda na biblioteca, uma pequena lágrima cai dos tristes olhos azuis de Moira, ao lembrar de seu antigo diário infantil e perceber o quanto a sua existência foi vazia... Vazia de significado, e, principalmente, de felicidade.

“Cada instante do nosso passado nos faz ser quem nós somos”, disse consigo mesma.

Nesse instante, a governanta entra na biblioteca e encontra Moira em prantos.

– A senhora está se sentindo bem? – perguntou a governanta.

– Não se preocupe comigo, só estou um pouco emotiva – disse Moira, enxugando as lágrimas.

– Desculpe interrompê-la, mas o Contador está lhe aguardando na sala de visitas. Devo pedir-lhe que retorne em outro momento? – disse a governanta, com um olhar compreensivo.

– Não. Diga que irei descer em alguns minutos – disse Moira, resignada.

– Certo, senhora. Você realmente está se sentindo bem? – insistiu a governanta.

– Obrigada pela preocupação, mas o meu problema não pode ser resolvido agora – disse Moira, enigmática. – Não deixe o Contador esperando, diga que irei em instantes.

A compaixão de sua funcionária a fez viajar mais uma vez em suas memórias. Moira viu-se perante o seu único e melhor amigo, que era também seu vizinho. Os dois costumavam brincar juntos no quintal de suas casas. Ele costumava ouvir pacientemente as queixas de Moira sobre a superproteção dos pais e como se sentia sufocada por isso. O garoto sempre a alegrava e distraía com suas histórias, pois ele também era dono de uma imaginação fértil. Porém, estava fadado a um destino no qual sua criatividade de nada valia. Ele era extremamente pobre, vivia em uma miséria maior do que a família de Moira jamais experimentaria. Por isso, quando completou apenas dez anos de idade, teve de começar a trabalhar em uma fábrica de tijolos, para que a família não definhasse de fome.

Temendo que a filha se apaixonasse pelo garoto quando eles chegassem à juventude e, assim, tivesse um destino diferente do que ele planejara, o pai de Moira proibiu a amizade das duas crianças, o que as condenou a um caminho no qual não havia tempo nem espaço para amizades ou sentimentos, somente para a monotonia diária e a solidão.

O temor do pai de Moira tinha uma explicação. No passado, ele é que fora o melhor amigo pobre de sua esposa. A avó, que Moira jamais conhecera, era uma mulher muito rica, que tinha apenas duas filhas, dentre as quais a primogênita um dia viria a ser a mãe de Moira. Contudo, a rica senhora não aprovava o relacionamento entre sua distinta filha e um rapaz tão humilde, pois acreditava não passar de um mero interesse financeiro. Por isso, deserdou sua primogênita no dia em que recebeu a notícia do casamento, e se ausentou, assim, para sempre da vida de sua filha. Somente em seu leito de morte arrependeu-se pela dura decisão e suplicou a sua segunda filha, a única herdeira de toda a sua fortuna, que entregasse a penteadeira à sua irmã, pois era uma relíquia que atravessava gerações de primogênitos dos seus antepassados.

Agora, em seu escritório, Moira discute acaloradamente com o seu Contador, pois descobre um desfalque em suas finanças. E toda essa agitação causa-lhe uma enorme dor no peito, e ela cai desmaiada.

Quando Moira recobra seus sentidos, ela encontra-se deitada em sua cama e percebe o olhar cansado de sua governanta, que ficara em vigília a noite inteira, cuidando de sua estimada senhora. Um turbilhão de pensamentos invade a mente de Moira. Ela enxerga sua vida como um delicado castelo de areia que está sendo soprado pelo impetuoso vento da morte. Restam, agora, poucos grãos... Ela percebe que sua existência foi preenchida unicamente pelas ausências de seu passado.

Em seu peito, aquela mesma dor se acentua; ela enxerga uma luz muito forte e imagina como teria sido a sua vida se ela tivesse, de fato, tomado as rédeas de seu próprio destino. Pois, em seu último suspiro, ela compreendeu que o futuro é um quebra-cabeça, com inúmeras lacunas, que podem ser preenchidas por várias peças disponíveis.

Inquieta, com a respiração ofegante, Moira desperta no dia de seu décimo oitavo aniversário. Tudo não passou de um sonho...

VELOSO, Gabriela Lages. Conto O Relicário. Revista Intransitiva - Memórias que nos atravessam, Rio de Janeiro, p. 62 - 67, 09 dez. 2020.
Em uma noite de inverno próximo ao fim do mês de Maio, o ar gélido e petrificante cobria os ares da cidade a noite parecia um retrato sem vida, ou melhor, a vida que se fazia presente estava em estado próximo a da morte, inerte, as ruas da cidade vazias, sem sons de uma cidade movimentada nem grilos ou o canto das madrugadas vindo dos gatos correndo por todos os telhados, a cidade havia congelado por uma noite, como uma paisagem capturada em uma fotografia.
O relógio marcava duas e meia da manhã de uma noite gélida, a insonia vagava livre pelos meus pensamentos, chegando a questionar o que ocorria dentro do quarto escuro e sem vida, e fora pelas janelas que choravam lágrimas frias. O ar frio adentrava o recinto pelas frestas do assoalho velho e mesmo assim ainda resistente, a casa estalava e rangia porém, curiosamente não ventava lá fora.Os cães que guardavam a casa todas as noites, em estado de total alerta e dispostas a afugentar qualquer que fosse, não estavam nem mesmo mostrando disposição na noite em questão. Ouvia alguns ruídos estranhos vindos da cozinha, do banheiro e do lado de fora da casa.
Os sons ecoavam pela sala vazia e fazia estremecer as portas dos meus pensamentos mais medonhos, mesmo com o corpo bem aquecido por rigorosas roupas de inverno, e os pés cobertos por meias quentes de lã ainda assim, o ar parecia fogo ardendo a pele. Não seria estranho dizer, que talvez eu seja a única testemunha capaz de relatar o frio que fazia naquela noite, pois todas as outras almas bem aventuradas já estavam em seu quarto sono da noite, enquanto este que vos fala em palavras frias e quase sem vida, está destinado a passar todas as noites acordado na espera dela.
Olhava em direção a janela do meu quarto enquanto deitado com mais algumas cobertas por cima, sim acredite no que digo, a noite foi de um frio intenso e rigoroso. Enquanto me perdia em pensamentos e com os sons que estava escutando, noto algo peculiar. O quarto que muito escuro estava, foi tomado de um fino véu branco como leite ou como a neve, o que for mais branco dos dois. Uma brisa quente soprava pela janela, mesmo que ela estivesse fechada, e então em aquela existência bela e vaga que via sempre em devaneios noturnos de memórias a muito passadas, adentra o quarto com a pele branca e brilhante e teus pés descalços, vestindo apenas um leve e refrescante véu branco perfumado de mil primaveras. Olho espantado e sem saber como proceder, estava petrificado e sem reação enquanto ainda deitado e envolto pelas cobertas que me aqueciam.
Notei que o quarto estava sendo tomado por vários pontos luminosos e brilhantes, como se o céu e as estrelas fizessem morada no teto do meu quarto.Tinha cabelos quase tão brancos quanto os cravos de um campo de plantações, olhar tênue e limpo de qualquer pecado ou maldade, mãos firmes e pele manchada que me lembravam crateras de um grandioso planeta ou então, as estrelas de uma constelação.Tocou o chão sem fazer barulho algum, e em uma casa de madeira que range a cada passo dado, isto era novidade. Voltou seus olhos para o ser que estava deitado e perplexo com aquilo tudo, estendeu sua mão e disse.
- "É chegada a hora, você sabia que eu voltaria pois foi te avisado em sonhos passados, então cá estou, a tua amante como você me chamava em suas cartas, vim te conceder a última dança."
Me levantei da cama, a qual me protegia do rigoroso frio, toquei o chão com os meus dois pés e me levantei bem diante dela, e olhei profundamente nos olhos, tuas mãos tocaram as minhas. Como descrever aquela sensação, as mãos macias e quentes de uma dama de branco que adentrou meu quarto pela janela fechada, e as minhas mãos gélidas e tremulas como as de quem sente frio e medo, olhando maravilhado aquela encantadora e majestosa presença há minha frente.Foi quando novamente ela me disse.
- "Olhe só você, está lindo, exatamente como eu estou, limpo puro e pronto parar a última dança sem arrependimentos."
Foi ai que me dei conta, olhando para o meu corpo em pé na frente dela, de que eu também estava vestido de branco dos pés a cabaça e por falar em pés, estes estavam igualmente descalços. Dançamos nossa última e prometida dança, com muito louvor e alegria. Ao final, ela me disse olhando bem no fundo dos meus olhos.
- " Vamos agora, é chegada a hora, a sua última dança na terra já se acabou, venha comigo dançar eternamente nos céus recheados de estrelas magnificas e brilhantes."
Pegou em minha mão, e me levou ao mais elevado espaço, ao lado de todas as outras estrelas e lá dançamos até o fim dos dias.
os pelos do meu corpo sentem o âmago da tua ausência.
a vontade de ter-te tende a consumir-me das entranhas até a superfície da pele, me devorando aos pouquinhos, e, ao fim do dia, tem me engolido inteira.
você nada em crawl dentro da minha garrafa de água.
dorme sereno, enquanto é amassado pelas páginas do meu livro de cabeceira.
se molha despido no leite da minha tigela de cereal.
com o seu cabelo longo embebecido, você pequenininho, sorrir com uma confiança irritante, dizendo que eu me alimento muito mal.
minha boca de Sucrilhos não deixa que eu te conte alguns aspectos da minha rica dieta
mas olha, eu como bem,
apenas cometo alguns erros com as quantidades.
eu nunca sei a dose certa,
do que me devia ser balsâmico.
tem remédio na cidade,
que cure o excesso de algo que deveria curar?
que amenize um pouco esse querer, desesperado e ansioso de te ver repetidamente por aí, dos nossos corpos se esbarrando por acaso.
ou de simplesmente irmos um até ao outro, materializar um encontro detalhadamente planejado. apesar do almejo pela tua resposta, por uma interação intensa entre as nossas vozes e peles, também mora em mim uma necessidade de te olhar sem ser percebida, te fitar como um desconhecido, que cruza, sozinho, essas ruas asfaltadas. com os seus olhos ambíguos que não me vêem, não me dizem absolutamente nada.
a junção de você dentro desse cenário que são as ruas me trazem uma sensação breve de lar.
saber que o orvalho das dezoito horas sente a tua pele, que toda a umidade da noite está te tocando, e da relação química entre a sua respiração e a vegetalidade do lugar naquele exato momento.
imaginar qual ângulo bonito do céu
te aconselha a esquecer o contexto (que é um insulto) em que foi dado esse nosso laço, e a vir correndo...ok, pedalando, até a mim. pedindo-te, como um favor aos astros, pra que se torne impossível de negar, que tu deixe do lado de fora da cabeça
qualquer possibilidade de não ouvir um "sim"
da minha boca.
essa tua cautela tímida me contraria inteiramente, questiona todos os meus silêncios gritantes, e se eu ouso vocalizar alguma coisa...ela me desmente. e eu sigo contida, cansada, casmurra. esperando a hora em que a tua saudade muda, aprenda de novo a falar, mesmo que seja com uma tonalidade rouca, sabe? não quero os gritos eufóricos das paixões loucas, dos romances alarde. meu espírito sacia-se com os sussurros teus, meus tímpanos descansam no breu reconfortante da tua voz ecoando baixinha.
e apago daqui, quase que completamente, os dias excessivamente claros, em que ela não quis espalhar seu timbre escuro pra que o mesmo chegasse até mim. eu tô agora mesmo tentando unir as pontas de todos (ou pelo menos dos que deixaram rastro recente na minha memória) os ardores sentimentais que tu introduziu imperceptivelmente no meu peito, pois, com os efeitos unicamente físicos, eu já gastei tempo demais, mas ainda é válido dizer que sobre estes eu me debruço, eu me deito...
detesto admitir fraquezas sobre a minha destreza em certas produções literárias, mas a pluralidade que tu é e causa me deixou pontas soltas e qualquer meio de unir forma a escrita hilária. nada rima, nada acaba e nada dá o teu ar de esfinge que me encara. nada, nada.
nem essa lua brilhosa, que paira, olhando ofensivamente irônica pro tanto de horas que eu já gastei escrevendo sobre você. escrevendo pra quem ler? pode ser que leia, viu. digo que essa rispidez não combina com quem tem a luz emprestada, haha. ela vira a face, ilumina outra janela e outra sala. mas eu estou no quintal. com o olhar um tanto relapso em um ambiente que não está inteiramente mal. confesso, que esperava terminar mais cedo, e não me perder das emoções intrínsecas definitivamente. me controlando bastante pra que não termine com qualquer rima tosca que descreva alguma vagueza de sensações nos sentidos, transmitindo uma simplicidade inerente dos amores-bálsamos. você não é o meu amor-bálsamo, nem mesmo chega a ser o meu amor cármico. na verdade, você não pode se dar ao deleite de ser chamado de amor. esse líquidozinho que encharca os corações, ele não me remete o teu gosto. não me faz lembrar o teu rosto, (apesar de às vezes encontrar em mim uma leve, bem leve, vontade de te oferecer esse enfeite) pra mim a sua composição é mais complexa,
e tem um sabor memorável e ameno.
se tudo que tu tem pra me dar és veneno
a minha boca amarga e falece, antecipadamente,
por desse não beber.
pela manhã estar esbranquiçadamente nublada.
pelo os pingos da tua saliva doce permanecerem deitados nas calçadas.
por você ser a roupa que me veste e toca as partes mais sensíveis do meu corpo e nem ao menos ousa se permitir a acariciar.
por ver-te seguir sendo essa peste,
que me arrasta como uma ressaca litorânea,
e inverte até a mínima bobagem que eu já tive a certeza de acreditar.
por ter habitando em mim a convicção sólida, de que preciso roubar os teus olhos.
só pra deixa-los assim, vidrados e inquietos, investigando a mim.
sentir no fundo da minha derme a tua íris que me percorre e me arranha.
sigo encontrando justificativas, pra não dar lugar pra sentar aos conceitos inexplicáveis dos sentimentos. pra que, daqui a pouco, eu não tenha um rótulo pra chamar essa coisa que me empurra constantemente a sentir raiva da ternura que você acorda no meu ser.
As confissões insensatas feitas no interior de uma janela, que costuma ser banhada pela radiação solar da luz do dia, agora se cobrem, enroladas em um manto maracujá. A chamada acabou, meu adultozinho, emissor digital de suas emoções confusas. Agora, traga-às de volta para gruta. Não deixe mais ninguém de fora olhar. Sinta o alívio de ter vivido mais uma exposição, e o conforto silencioso e merecido após as interações difíceis. O quê? Você continua triste? aí, mas você não vai me dizer que acreditou naquelas promessas vagas de que "vai passar!", não é? acho que isso aí não é muito adulto da sua parte. Sabe, tem uns poemas, eu andei vendo umas esculturas e quadros…Enfim, já ouviu falar na conversão de tristeza aguda em arte, loucura inóspita em arte, do seu desespero pouco profundo em arte, do amor palpável em arte? Acho que, pelo que te conheço, esse você converteria ao contrário.
E, bom, ainda são 17 horas da tarde, não me venha com essa angústia fora de horário. O que você queria, não era movimento? pois então, o universo mais uma vez te ouviu e te presenteou com um arsenal de sentimentos embaralhados que te rebolam daqui pra lá, não vá cometer o desdém de olhar com expressão de dúvida aos céus, enquanto carrega toda essa confusão debaixo do braço. Faça um mapa mental, passe a frequentar a casa de uma daquelas moças, as senhoritas que leem Tarot. Meu Deus, é a sua, e, unicamente sua, dor. Inventa um personagem aleatório aí dentro da sua cabeça, pra te dar os sermões que você odiaria ouvir, e que se viessem de alguém orgânico e real, resultaria em uma discussão sem fim. Olha, até pra mim, você exala estar timidamente na defensiva. Mas, eu nem existo sem a tua ajuda, sou apenas um lado seu, querida. A mudança de esquina que você faz pra evitar lidar com os seus pedacinhos, ela te dar uma pilha nova deles. E, eu juro, que notei, que já faz uns meses, desde o último descanso, que o tempo passa e as coisas giram como se alguém te rodasse intensamente e contra a sua vontade em um balanço que tem o assento desconfortável, e as respostas ainda continuam completamente encobertas, por essa cobertura gelatinosa de alguma coisa, que parece deixar um rastro pouco agradável aos olhos, em todas as pessoas que você cruza.
Que grande parte de tudo de mais terno que a gente sente, eventualmente se transforma em uma amontoado gigante de louças sujas, e, ninguém te avisou antes, mas inusitadamente também, você descobriu que apenas você mesmo podia lavar. E a única informação antecipada que te dão é que a probabilidade desse ralo entupir com os restos de comida da tua louça, são enormes.
Ah, mas também não precisa hiperventilar assim, que cara é essa? eu não te dei nenhuma notícia catastrófica. Começa a contar as respirações e chama aquele encanador, o que é conhecido da família, se algo der errado, ele resolve. E, evita esses afetos súbitos, também. Eu sei, você sabe, acho que o encanador que a sua mãe indicou deve ter conhecimento também, que muito antes da hora marcada, eles se dissolvem, antes mesmo que a sujeira da pia (sem querer duvidar da competência de quem a limpou.)

O que pode ser diferente neste momento?
O que se faz ser igual?
Quem são estes?
Bom todos quando crianças sonharam e desejaram ter super poderes como os heróis de histórias contadas ou lidas.
Mais com o passar do tempo percebemos que isso é algo impossível de acontecer.
Mais crescemos neste sentimento.
Mudamos o nosso pensar de forma a acreditar que não temos tais poderes, mas que existem heróis verdadeiros.
Os que não usam capas.
Os que não têm super força.
Nem existe o que se estica como borracha.
São tantos heróis que nos lembramos da infância.
Mais sempre existirá um herói.
Aquele que cuidou da nossa saúde.
Aquele que em poucas ocasiões se deitava sem ir ver se estávamos bem.
O herói que jamais deixou que alguém nos agredisse.
O que nos deu conselhos na juventude.
Que se preocupou com a nossa segurança.
Hoje alguns de nos não temos contato com este herói, pois ele fez muito a nos ajudar.
Outros que ainda tem sabem como é bom saber de sua existência e de poucas e boas palavras que ele diz.
E heróis são muitos hoje.
Principalmente aqueles que sonharam com seus.
Os pais de bom coração.
Os de bom apreço para com seus filhos e filhas.
Hoje muitos são heróis e sem poderes continuam a zelar por seus.
Por isso ainda acreditamos nos poderes de heróis vivos e de alguns que não se fazem presentes.
Pai:
Definição que nem todos os sabem como interpretar, apenas estão ali.
Já em outros casos ele se faz mais que um homem se torna anjo e mãe.
Ser Pai é ser mais que herói para o filho e filha é ser alguém que sabe ser perante aos seus uma força nunca desmerecida.
Sendo hoje pai ou herói os que são já sabem o que é ser herói.
Sabem o que é fazer por onde cuidar mesmo que de longe dos filhos (as).
Só agradecer já é o bastante.
Ver o sorriso estampado no rosto da criança ou não tão criança sendo filho e tendo-os.
Heróis e guerreiros sempre.
Isso faz diferença em toda uma vida.
Aos heróis.
Tenha a certeza de que o seu pouco é o bastante para os filhos (as).
Não importa o quanto você faz.
Nem de que maneira faz.
Você sempre será um herói.
Sempre será o homem que por seus filhos (as) será amado.
Mesmo que já não tenha uma vida conjugal com a mãe de seus (seu) filhos (as).
Seja sempre e não deixe de amar, pois se deixar de amar com certeza será deixado de lado.
Não importa a distancia, mas sim o amor e o pouco de carinho que divide entre você e seus.
Acredite sempre em seus heróis, pois seus filhos (as) sempre acreditarão em você.
Não importa os poderes que tens, mas o amor que sempre vai ter.
FELIZ DIA DOS PAIS.

Alexandre Marcondes.